Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0573/07
Data do Acordão:02/18/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IRC
RECURSO HIERÁRQUICO
CORRECÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I – São pressupostos cumulativos da aplicação do art. 57, n.º 1 do CIRC:
a) Existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa.
b) Que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.
c) Que tais relações sejam causa adequada das ditas condições.
d) Que aquelas conduzam a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.
II – O direito à fundamentação do acto tributário ou em matéria tributária constitui hoje uma garantia específica dos contribuintes, devendo aquela obedecer aos requisitos expressos no art. 125 do CPA, correspondentes aliás, no essencial, ao art. 1º n.ºs 1 e 2 do Dec.-Lei 256 A/77, de 17 de Junho.
III – Particularmente no que concerne à correcção da matéria colectável prevista naquele art. 57, há que cumprir as exigências postuladas pelo art. 80 do CPT.
IV – Se a Administração Fiscal, ao efectuar tal correcção, omite a “descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias”, o acto respectivo é ilegal, devendo ser anulado.
Nº Convencional:JSTA00066285
Nº do Documento:SA2201002180573
Data de Entrada:06/22/2007
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCAS
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
DIR PROC FISC GRAC - REC HIERÁRQUICO.
Legislação Nacional:CPC96 ART193 N2 B ART668 N1 C.
CIRC88 ART57 N1.
CPTRIB91 ART21 N1.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART1 N2 N3.
CONST76 ART268.
CPA91 ART124.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG141.
LEBRE DE FREITAS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VII PAG670.
ALFREDO DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 2ED PAG165.
SÁ GOMES AS GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES IN CTF N371 PAG127.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
A…, (que antes girava sob a firma B…) vem recorrer do acórdão do TCAS, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação, que havia interposto contra despacho do SEAF, de 10 de Dezembro 2000, que lhe indeferiu recurso hierárquico deduzido contra correcções quantitativas ao lucro tributável dos exercícios de 1995, 1996 e 1997, ao abrigo do art. 57 do CIRC.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:

1) A Administração Fiscal procedeu à correcção dos resultados tributáveis da Recorrente respeitantes aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, por acréscimo de proveitos nos montantes respectivamente de 4.082.589$, 13.491.406$ e 24.622.992$, ao abrigo da faculdade prevista pelo art. 57. do CIRC.
2) Tais correcções foram efectuadas com base nos montantes de amortizações que a Recorrente contabilizara, naqueles exercícios, respeitantes a um Hotel pela mesma construído e cedido em exploração à sociedade C…, expressamente para tal fim constituída pela Recorrente entre esta e seu sócio dominante, sem contrato escrito e sem contrapartida nos anos de 1995 e 1996 e com uma ínfima contrapartida de 2.400 contos no de 1997;
3) A cessionária C…, é uma sociedade em cujo capital a Recorrente participa em 20%, sendo os restantes 80% detidos pelo sócio maioritário da Recorrente e que nesta participa em 80,9%;
4) Entre a Recorrente e a C… existem relações especiais que podem relevar para efeitos de aplicação da faculdade correctiva atribuída à AF pelo art.º 57.º do CIRC;
5) Essa norma, anti-abuso, tem por fim evitar que, pela via da manipulação de preços de bens ou serviços entre empresas em que se verifiquem relações especiais, os contribuintes possam evadir lucros á tributação legal ou localizá-los onde gozem de regimes tributários mais favoráveis.
6) Não é consentido à AF aplicá-la analogicamente a situações diferentes do fim legal.
7) A cessão de exploração em questão é insusceptível de evadir resultados, visto que os proveitos que a Recorrente obtivesse com a remuneração da cessão constituiriam custos da cessionária, sendo assim indiferente à tributação global do grupo a fixação de um preço para tal cessão da exploração;
8) E, dadas as relações especiais entre ambas existentes, e a forte proeminência de um sócio que domina mais de 80% de ambas, a tributação que tenha lugar numa ou noutra reflecte-se de forma idêntica na esfera patrimonial do mesmo titular. Não se verifica, assim, qualquer motivação de evitação fiscal na decisão de concessão de exploração e dos seus termos.
9) Por isso, não se verificam os pressupostos de aplicação, no caso, do art.º 57.º do CIRC, o que fere o acto tributário de correcção de vício de violação de lei.
10) A AF não satisfez os requisitos de fundamentação que são impostos pelas alíneas b) e c) do art.º 80.º do CPT nos casos de uso da faculdade prevista pelo art.º 57.º do CIRC, pelo que o acto tributário impugnado é ilegal e deve ser anulado.
11) A AF não fez, nem sequer tentou, a "descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias", como aliás resulta do esforço não convincente do Acórdão recorrido para descortinar, sem êxito, qualquer método que a AF tenha adoptado para determinar o "preço de plena concorrência"
12) A "quantificação" pelo "valor pelo qual foi cedida a exploração" que o acórdão recorrido invoca (pg. 12 do Acordão in fine) não seria nunca um método válido para encontrar o preço de plena concorrência; aliás se esse fosse o método, então não haveria lugar a correcção;
13) Afinal a AF quantificou o montante efectivo que serviu de base à correcção pela simples parificação com os valores das amortizações escriturados pela Recorrente, valores absolutamente absurdos enquanto preços de plena concorrência praticáveis entre pessoas independentes como preços da cessão da exploração, quer nas circunstâncias do caso quer em quaisquer outras.
14) Procedendo assim, a AF não cumpriu a obrigação de fundamentar o acto em conformidade com a lei, pelo que o mesmo é ilegal e deve ser anulado.
15) Por violação do art.º 106.º/2 da Constituição da República, e do principio da tipicidade fechada da norma tributária, sempre seria inconstitucional a aplicação que AF fez da norma do art.º 57.º do CIRC, ao considerar como medida das correcções - e portanto facto gerador de imposto - factos (amortizações) que de nenhum modo se podem considerar abrangidos pela previsão da norma.
16) O Acórdão recorrido, apesar de declarar na sua fundamentação que a AF, para fazer uso da faculdade do art.º 57.º do CIRC, tem de referir os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independente em idênticas circunstâncias, acabou por julgar improcedente o recurso contencioso de anulação sem ter encontrado através da sua confusa argumentação onde apoiar validamente o cumprimento pela AF daquela fundamentação. A decisão está pois em oposição com os seus fundamentos, o que provoca a nulidade do Acórdão [668º/1 c) do CPC].
17) Assim, por tudo o alegado, julgou mal o Acórdão recorrido, não só em matéria de facto como na aplicação da lei aos factos apurados, pelo que deve o mesmo ser revogado por este Supremo Tribunal, que deve decidir pela procedência do recurso contencioso de anulação e anular por ilegal o acto tributário praticado.

E contra-alegou a autoridade recorrida, concluindo, por sua vez, que “o acórdão recorrido deve ser mantido por ter feito uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, já que, efectivamente a AT actuou de acordo com os pressupostos estabelecidos no art.º 57.º, e dentro da margem de discricionariedade técnica conferida pela mesma norma, tendo descrito e fundamentado, clara e suficiente, a aplicação de cada um daqueles pressupostos, assim como não é inconstitucional a aplicação que a AT e o acórdão recorrido fazem do mesmo art.º 57.º do CIRC ”.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da inexistência de nulidade do acórdão, e no do não provimento do recurso.
E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:

a) - A Recorrente foi constituída em Setembro de 1987 e, por escritura lavrada em 27/11/1997, foi transformada em sociedade anónima com a designação de "B…, com o capital de 100.000.000$00, dividido em 100.000 acções com o valor nominal de 1.000$00 cada uma, atribuídas aos accionistas proporcionalmente ao valor da sua quota nos seguintes nºs., valores e percentagens: - …:- 80.990, 80.900.000$00, 80,90%, respectivamente; …:- 9.500; 9.500.000$00 e 9,5%, respectivamente; …:- 4.750, 4.750.000$00 e 4,75%, respectivamente; …: 4.750, 4.750.000$00 e 4,75%, respectivamente e …: 100, 100.000$00 e 0,1% - cfr. relatório da inspecção tributária (IT) no processo instrutor em apenso.
b) - A recorrente tem como actividade principal a construção civil e obras públicas e como actividade secundária a indústria hoteleira e a compra e venda de imóveis - cfr. relatório da inspecção tributária (IT) no processo instrutor em apenso.
c) - No âmbito do exercício das referidas actividades, a recorrente decidiu proceder à edificação de um hotel, localizado no seu concelho-sede, Ponte de Sor, tendo a referida construção ficado concluída em meados de 1995 - idem;
d) - Desde a sua abertura ao público, a Recorrente cedeu a exploração do novo hotel, sem a celebração de qualquer contrato nesse sentido, a uma sociedade, denominada GESTISOR, LDA., que entre si constituíram expressamente para tal fim - Dito Relatório;
e) - A C…, tinha o capital social de 500.000$00, titulado em 400.000$00 pelo sócio …, administrador da empresa "B…" e em 100.000$00 por esta sociedade, pelo que é participada em 20% pela sociedade ora recorrente, e em 80% pelo Senhor … que, por sua vez, é titular de 80,9% do capital da ora recorrente - dito relatório;
f) - A cessão da exploração do seu hotel à C…, a partir da sua conclusão e início de actividade em meados de 1995 foi gratuita quanto aos exercícios de 1995 (só segundo semestre) e de 1996, e com uma só renda determinada em função das condições económicas da exploração a partir do exercício de 1997 (200.000$/mês, neste ano) - Relatório da IT;
g) - Invocando o art.º 57.º do CIRC, a Administração Fiscal procedeu à correcção dos Resultados Tributáveis da Recorrente, respeitantes aos exercícios de 1995, 1996 e 1997, por acréscimo de proveitos, pelas seguintes quantias:
• Exercício de 1995 4.082.589$
• Exercício de 1996 13.491.406$
• Exercício de 1997 24.622.992$
determinadas pelos montantes das amortizações contabilizadas pela Recorrente, nesses exercícios, sobre as imobilizações respeitantes ao Hotel (deduzidas, no que respeita a 1997, do auferido pela Recorrente como renda da exploração do mesmo hotel)- Relatório da IT.
h) - Em 06/10/1999 a Recorrente recorreu hierarquicamente de tais correcções para o Senhor Ministro das Finanças, ao abrigo do disposto pelo n.º 2 do art.º 112.º do CIRC - cfr. PI.
i) Em 08/05/200, em apreciação da petição de tal recurso, foi elaborada a informação n° 570/200, que se encontra no PI, do seguinte teor:
"(. . .)
As razões que consubstanciaram tais correcções prenderam-se com o facto se ter verificado que:
1 - Existiam relações especiais entre a ora recorrente e a empresa "C… relacionamento este reconhecido pela própria recorrente, porquanto o administrador e accionista maioritário da "B…"., é também sócio maioritário da "C…", que por sua vez também é participada da ora recorrente.
Somente, e em virtude deste relacionamento especial entre as empresas, associadas e dependentes da posição dominante do accionista/sócio comum, é que se encontra justificação no envolvimento que se verificou, traduzido na cedência do hotel nas condições descritas no relatório da I.T.
Torna-se evidente que as condições do referido acordo, que envolve cedência de exploração gratuita durante 1995 e 1996, e uma contrapartida irrisória para 1997, não assentam no principio fundamental segundo o qual as transacções entre empresas associadas devem ser efectuadas nas condições que prevelaceriam entre empresas independentes.
Ora numa situação de independência entre as partes, nenhuma empresa se disporia a ceder gratuitamente a outra a exploração de um empreendimento hoteleiro, com toda a carga de custos inerentes ao seu financiamento, sem qualquer contrapartida e, ou estipulação de um valor determinantemente favorável, como o que foi acordado para 3997.
2 - Atente-se ao valor das contraprestações contabilizadas nesse exercício (de Esc: 2.400.000$00), face a um custo com reintegrações dos equipamentos afectos ao hotel, incluindo o próprio edifício que ascendeu a Esc: 27.022.990$00.
Sendo o lucro o objectivo prosseguido pelas empresas torna-se evidente que partes independentes abster-se-iam de tal negócio, tentando e esperando retirar os proveitos de acordo com as condições do mercado, estudadas para o efeito.
Nestes termos não restam dúvidas que na situação em análise foram de facto estabelecidas condições diferentes das que seriam acordadas entre pessoas independentes.
Em consequência, obviamente que o resultado apurado na contabilidade foi também diferente - menor - do que se apuraria na ausência dessas relações especiais.
Do exposto anteriormente parece-nos ser de concluir que a situação em análise reúne os pressupostos que legitimam a administração fiscal a aplicar o regime previsto no artigo 57º do Código do IRC.
3 - Quanto à aplicação do disposto no artigo 80º do Código do Processo Tributário, e de acordo com as normas aí previstas temos que, quanto à descrição das relações especiais, elas resultam naturalmente da situação de dependência da "C…”, perante os seus proprietários, que são, o sócio comum e dominante em ambas as empresas, e a própria recorrente sua participante.
4 - Relativamente à descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias, tendo em conta a especificidade e particularidade da actividade em causa (sector hoteleiro de turismo), o critério seguido pela I.T. para efeitos de correcção ao lucro tributável dos três exercícios consistiu em quantificar o valor da cedência de exploração, através do apuramento da contraprestação obtida de forma directa pela "C…" ou seja, o valor contabilizado como custo na recorrente respeitante às reintegrações do edifício hoteleiro e dos equipamentos que o integram, abatidos dos correspondentes proveitos quando obtidos. 5 - Em nosso entender, o critério utilizado pela inspecção tributária, parece-nos razoável tendo em conta que, em circunstâncias idênticas é pouco provável que partes independentes contemplassem um negócio destes, com uma contrapartida que não cobrisse pelo menos os custos que a cedente teria de suportar com a manutenção das instalações cedidas a outrém em exploração.
O valor das reintegrações é uma referência que nos parece ter sido tomada com prudência e adequada à situação em causa.
6 - Quanto à descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção, temos que a mesma tal como já foi descrito no ponto anterior teve como base de cálculo o valor resultante das reintegrações do Edifício e do Mobilizado calculadas nos termos do Decreto-Regulamentar n.º 2/90 de 12/Jan. (com utilização de quotas mínimas em 1995 e 1996).
Assim para 1995 o investimento de aproximadamente noventa e sete mil e quatrocentos contos, originou custos de reintegrações contabilizados de Esc: 8.165.178$00;
Para 1996, o investimento de trezentos e oitenta e sete mil contos originou Esc: 13.491. 406$00 de custos contabilizados, e para 1997, as reintegrações ascendem a Esc: 27.022.990$00.
7 - Tendo em conta que, tal como já foi referido, que o critério utilizado pela empresa em 1995 e 1996, foi o da utilização da quota mínima de reintegração;
Que em 1995 a exploração foi apenas de um período de seis meses, e que em 1997 houve uma contrapartida de Esc: 200.000$00 por mês, as correcções foram, tomados em conta aqueles factores, de:
-Esc: 4.082.592$00 para o exercício de 1995;
-Esc: 13.491.408$00 para o exercício de 1996, e
-Esc: 24.622.992$00 para 1997.
V - CONCLUSÃO:
1 - Em face do exposto e dada a verificação dos pressupostos subjacentes à aplicação do artigo 57.º do Código do IRC, bem como o cumprimento dos requisitos estabelecidos na fundamentação, estabelecidos no artigo 80.º do Código do Processamento Tributário, conclui-se ser de indeferir o presente recurso hierárquico.
Em consequência e no caso do presente recurso vir a ser indeferido, conforme proposto, tornando-se definitivas as correcções propostas, deverá ser dado cumprimento ao disposto no n.º 4 do artigo 57.º do Código do IRC, ou seja, na determinação do lucro tributável da participada da ora recorrente, deverão ser efectuados os correspondentes ajustamentos.
VI - DIREITO DE AUDIÇÃO
Tendo em conta o direito que assiste ao contribuinte nos termos do n.º 1 do art.º 60º da Lei Geral Tributária, deverá o mesmo ser notificado de acordo com o n.º 4 daquele artigo, para exercer, caso pretenda, o direito de participação no procedimento tributário.
A Consideração Superior,
ADENDA A INFORMAÇÃO Nº 570/2000 sobre o DIREITO DE AUDIÇÃO, do seguinte teor:
1.- Através do nosso ofício n.º 042509, de 00.06.19, foi a empresa "B…" NIPC: 501 892 303, notificada nos termos do artigo 60.º n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária, para, querendo exercer o direito de participação no procedimento tributário, para o que lhe foi conjuntamente enviado o "Projecto de Decisão sobre o recurso hierárquico interposto por aquela empresa ao abrigo do disposto no artigo 112º do Código do IRC, e no qual se conclui pelo respectivo indeferimento.
2. - Incomodado pelo indeferimento à sua pretensão o sujeito passivo, ataca o projecto de decisão defendendo a sua posição com recurso às normas de direito que contemplam todas as suas garantias.
3. - Já no que diz respeito à matéria de facto e na posição por si assumida quanto às questões controvertidas continua com a pretensão de demonstrar à Administração Fiscal, que a sua actuação no pretenso negócio é a contribuição para a qualificação urbana da sua terra para o que investiu sem qualquer ansiedade lucrativa a quantia de aproximadamente trezentos e noventa milhões de escudos!
4. - Mas não está aqui em causa a prescindibilidade ou não por parte do sujeito passivo do objectivo principal (o lucro) para o qual se direcciona em princípio qualquer negócio, mas sim a licitude de os motivos invocados para as respectivas correcções.
E neste sentido considera-se que as condições subjacentes às correcções efectuadas subsistem, ou seja parece irrefutável a existência de relações especiais entre o sujeito passivo e o outro interveniente;
Que é por demais evidente que em virtude dessas relações especiais as condições estabelecidas são obviamente diferentes das que seriam normalmente acordadas entre independentes, e que por consequência o resultado apurado é forçosamente diverso do que se apuraria na ausência daquelas relações.
Quanto à quantificação das correcções que serviram de base aos ajustamentos nos rendimentos tributáveis, o critério adoptado pelos Serviços de Fiscalização, face às limitações que à data se colocaram na determinação dos valores de mercado, parece razoável, baseado que foi em valores de referência abaixo dos quais nenhuma empresa se disporia a ceder tais instalações, quanto mais gratuitamente!
5. - Não me parecendo que os argumentos ora apresentados contrariem a decisão proposta na informação n.º 570/2000, sou de parecer que é de manter o entendimento no sentido de indeferir o recurso hierárquico.
À Consideração Superior
DSIRC, 21 de Julho de 2000 A P.F. T. 1ª. classe
(....) "
n)- A qual mereceu a inteira concordância dos Srs,. Director de Serviços e Subdirector - Geral, havendo o despacho recorrido se apropriado de tais fundamentos ao exarar-se "Converto em definitivo o projecto de indeferimento do recurso hierárquico com os fundamentos constantes das informações dos serviços" - cfr. PI.

Vejamos, pois:
Quanto à invocada nulidade – conclusão 16. (art. 668, n.º 1 al. c) do CPC).
Segundo pretende a recorrente, a decisão estaria em oposição com os seus fundamentos, uma vez que, aí expressando que a AF “tem de referir os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes em idênticas circunstâncias”, todavia julgou improcedente o recurso, “ sem ter encontrado… onde apoiar validamente o cumprimento, pela AF, daquela fundamentação”.
Ora, tal nulidade dá-se quando aqueles deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta à que foi adoptada na decisão.
Aí, como refere Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, p. 141, “a construção da sentença é viciosa pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Ou, como mais recentemente escreve Lebre de Freitas, ibidem, vol. II, p. 670, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta (…) A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial (artigo 193., n.º 2, alínea b))”.
Ora, não se vislumbra, no aresto recorrido, tal contradição.
Efectivamente, a decisão, depois de expressar aquele dever de fundamentação por parte da AF, entendeu-o cumprido, uma vez que usou o critério da quantificação do valor pelo qual foi cedida a exploração, em função dos custos que a cedente teria de suportar com a manutenção das instalações cedidas a outrém em exploração, ou seja, “o valor contabilizado como custo, na recorrente, respeitante às reintegrações do edifício hoteleiro e dos equipamentos que o integram, abatidos dos correspondentes proveitos quando obtidos.”
Tomando, assim, o valor das reintegrações como adequado à situação em causa.
Poderá haver, pois e eventualmente, erro de julgamento mas não a apontada nulidade.
Quanto ao mais:
Nos termos do art. 57, n.º 1 do CIRC, “a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos poderá efectuar as correcções que sejam necessárias para determinação do lucro tributável sempre que, em virtude das relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa, sujeita ou não a IRC, tenham sido estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes, conduzindo a que o lucro apurado com base na contabilidade seja diverso do que o que se apuraria na ausência dessas relações”.
São assim, cumulativamente, os seguintes os pressupostos de aplicação de tal normativo:
a) Existência de relações especiais entre o contribuinte e outra pessoa.
b) Que entre ambos sejam estabelecidas condições diferentes das que seriam normalmente acordadas entre pessoas independentes.
c) Que tais relações sejam causa adequada das ditas condições.
d) Que aquelas conduzam a um lucro apurado diverso do que se apuraria na sua ausência.
Dispõe, por outro lado, o art. 21, n.º 1 do CPT, epigrafado “direito à fundamentação”, que: “as decisões em matéria tributária, que afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes conterão os respectivos fundamentos, de facto e de direito”.
Tal direito constitui garantia expressa dos contribuintes, nos termos do seu artigo 19 al. b).
O conteúdo e os requisitos da fundamentação estão hoje expressos no art. 125 do CPA, correspondente, no essencial, ao art. 1º n.ºs 2 e 3 do Dec.-Lei 256-A/77, de 17 de JUN.
Pretende-se o reforço das garantias da legalidade administrativa e dos direitos individuais dos cidadãos perante a Administração Pública, considerando-se que a falta de fundamentação das suas decisões dificulta, muitas vezes, a sua impugnação, graciosa ou contenciosa, ou sequer, como expressava o relatório do falado Decreto-Lei, “uma opção consciente entre a aceitação da sua legalidade e a justificação de um recurso contencioso”.
Exige-se, pois, em geral a fundamentação dos actos administrativos - cfr. art. 124 do CPA .
Aliás, o referido direito, com relação aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, constitui, hoje, princípio constitucional, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciadas no título II da parte 1.ª da Constituição da República – art. 268.
A fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando, ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.
Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto (fundamentação por adesão ou remissão).
Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.
Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente a motivação do acto.
O que tudo constitui jurisprudência e doutrina correntes.
“Importa, pois, que o contribuinte, destinatário da decisão, fique minimamente ciente do iter volitivo da administração no que concerne à determinação da matéria colectável.
A violação destes requisitos da decisão implica a respectiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação - artigos 89 e 120, al. c)” - cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, CPT Anotado, 2ª edição, pág. 165.
E, no ponto e no que ao caso concreto tange, há que chamar à colação o predito art. 80 do mesmo diploma, epigrafado “fundamentação das correcções da matéria colectável”, nos termos do qual sempre que as leis tributárias permitam que a matéria tributável seja corrigida com base em relações especiais entre contribuinte e terceiro e verificando-se o estabelecimento de condições diferentes das que se verificariam sem a existência de tais relações, a fundamentação das correcções obedecerá aos seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias;
c) Descrição e quantificação do montante efectivo que serviu de base à correcção.”
Tal normativo mostra bem as precauções com que o legislador rodeou tais correcções à matéria colectável, com uma disposição expressa, atinente à fundamentação, para além do dever geral já resultante dos ditos artigos 19. e 21., procurando reduzir, ao mínimo, a possibilidade de, a coberto daquele art. 57, se operar um poder quase discricionário da Administração – cfr. Sá Gomes, As Garantias dos Contribuintes, in CTF 371, págs. 127 e segts.
Deve, pois, a Administração, em tais casos, descrever os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Ora, que nos mostram os autos, a tal propósito, nos termos do antecedente probatório?
O critério seguido pela AF consistiu em quantificar o valor da cedência de exploração, através do apuramento da contra prestação obtida de forma directa pela C…, ou seja, o valor contabilizado como custo, na recorrente, respeitante às reintegrações do edifício hoteleiro e dos equipamentos que o integram, abatidos dos correspondentes proveitos quando obtidos.
Isto, por considerar pouco provável que, em circunstâncias idênticas, “partes independentes contemplassem um negócio destes, com uma contrapartida que não cobrisse, pelo menos, os custos que a cedente teria de suportar com a manutenção das instalações cedidas a outrém em exploração”.
Tomou-se, pois, o valor das reintegrações como referência prudente e adequada à situação em causa.
Mas, já por aí se vê que não foi cumprido o critério legal.
Na verdade, a AF nada disse sobre os termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
O que a AF considerou é que a operação em causa não correspondia a tal normalidade.
O que é coisa obviamente diferente.
Em tais termos, a AF podia desconsiderar o negócio efectuado mas tinha que averiguar daquela normalidade, isto é, no critério legal, descrever os termos em que normalmente ocorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Ora, a AF contentou-se com a razoabilidade do critério, o que é, de todo, insuficiente.
Em termos concorrenciais – o que, no fundo, constitui o critério legal –, a AF teria de considerar, como pretende a recorrente, tratar-se de uma nova unidade hoteleira, numa zona interior do país e sem grande expressão turística como é Ponte do Sor, com as inerentes dificuldades iniciais de exploração, na sua fase de lançamento.
Aliás, as declarações modelo 22, juntas à petição do recurso contencioso, evidenciam o parco movimento da exploração.
O critério seguido pela AF é, pois, manifestamente desadequado ao fim legal.
Pois, como é sabido, a norma do art. 57 do CIRC constitui o que se costuma apelidar de norma anti-abuso, com relação ao sub-preço ou sub-facturação (preços de transferência), no intuito de combater a fraude e evasão fiscal.
Finalisticamente, visa-se, assim, impedir a redução indevida, abusiva ou até fraudulenta da receita fiscal.
Mas tal finalidade só pode conseguir-se estabelecendo-se concretamente um preço concorrencial – justamente o que seria normalmente praticado por pessoas independentes e em idênticas circunstâncias.
Nada tendo a ver com este – a não ser por pura casualidade –, o valor das reintegrações do edifício hoteleiro e dos equipamentos que o integram.
Em suma: o apontado critério seguido pela AF não preenche as exigências da al. b) do art. 57 do CIRC.
Falece, pois, no caso, o requisito a que alude tal alínea, o que implica a ilegalidade do acto de correcção da matéria colectável contenciosamente impugnado.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso jurisdicional, julgando-se procedente o recurso contencioso e consequentemente se anulando o impugnado despacho do SEAF, de 10/11/2000 e, em consequência, as preditas correcções ao lucro tributável.
Sem custas.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2010. – Brandão de Pinho (relator) – Pimenta do Vale – António Calhau.