Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0329/19.4BELSB
Data do Acordão:06/04/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
Sumário:Justifica-se a admissão da revista quando está em causa saber se a simples menção de “Cumpre o requisito” é suficiente para satisfazer o que o programa do procedimento exigia, e, igualmente, as regras do CCP, por ser questão com relevância jurídica, com susceptibilidade de se repetir num número indeterminado de casos em processos relacionados com a contratação pública.
Nº Convencional:JSTA000P26041
Nº do Documento:SA1202006040329/19
Data de Entrada:05/05/2020
Recorrente:A………………………., SA
Recorrido 1:B…………………………., SA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A………………………, SA, contra-interessada (CI) interpõe revista, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 27.02.2020, que concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional da A. B……………, SA e, em consequência, anulou a decisão de adjudicação do Lote 2 à CI na acção administrativa de contencioso pré-contratual, instaurada por aquela e na qual é R. o Ministério da Administração Interna.
Fundamenta a admissibilidade da revista por haver necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista a Recorrente pretende discutir: i) se no âmbito de uma acção de impugnação relativa à formação de contratos de aquisição de serviços sujeita à disciplina do CCP, o Tribunal de apelação pode suscitar e conhecer oficiosamente de uma “nova causa” de exclusão da proposta que até então nunca fora alegada nem sujeita ao contraditório, decidindo com esse fundamento pela exclusão da proposta; ii) se num Concurso Público Internacional, como o presente, a referência feita pela Recorrente no Anexo I da proposta “Cumpre o requisito” referindo-se aos requisitos dos Apêndices A e B do Caderno de Encargos (CE) deverá ser considerada suficiente para vincular a concorrente ao cumprimento dos diversos requisitos vinculativos dos referidos apêndices.

O TAC de Lisboa por sentença de 25.11.2019 julgou improcedente a acção, tendo considerado que a menção “Cumpre com o requisito” não põe em causa a análise dos termos e condições a que a concorrente se deveria vincular na sua proposta até porque a formalidade em causa visa apenas facilitar a análise das propostas pelo Júri, como o mesmo refere no Relatório Final.

Por sua vez o acórdão recorrido apreciando o suscitado “Incumprimento no preenchimento do Anexo I”, citou os preceitos do CCP relevantes para a apreciação e decisão de tal questão [arts. 57º, nº 1, als. b) e c), 70º, nº 2, als. a) e b), 132º, nº 1, al. h) e 146, nºs 1 e 2, als. d) e o) – exclusão de propostas com irregularidades formais (revisão do CCP de 2017), procedendo à respectiva interpretação.
Considerou que, de acordo com o art. 12º, nº 1, ponto 1.1, al. b), do programa do procedimento, conjugado com o respectivo Anexo I – Modelo da Proposta decorre que a proposta deve ser constituída, nomeadamente, pelo referido Anexo I “…no qual deve constar as especificações do documento descritivo referido em a) onde se encontram as especificações de cada um dos requisitos.
E que no caso da proposta da CI, aqui Recorrente, “(…) não consta qualquer documento descritivo dos serviços a prestar e, no Anexo I – Modelo da Proposta, não faz referência à pág./parágrafo desse documento descritivo onde se encontram as especificações de cada um dos requisitos [pois não tendo apresentado esse documento descritivo, tal referência era impossível de ser feita] mencionando, no espaço destinado a esse efeito, o seguinte: “Cumpre o requisito”.”. Menção que entendeu reconduzir-se ao “uso de puro conceito normativo que carece de alegação de necessário substrato fáctico, ou seja, de uma declaração de compromisso relativamente a cada um dos requisitos descritos nos Apêndices A e B, a qual não foi apresentada pela contra-interessada A…………. apesar de a entidade demandada ter exigido tal vinculação, razão pela qual a respectiva proposta devia ser excluída atento o disposto nos arts. 70º nº 2 al. a) e 146º nº 2 al. o) do CCP (…) o que implica que a adjudicação não poderia ter recaído sobre esta proposta -, e tendo presente que a prestação de esclarecimentos seria in casu inadmissível, (…)”.
Assim, concluiu que a sentença recorrida ao julgar improcedente este vício incorrera em erro de julgamento devendo, nesta parte, ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, e, anulada a decisão de adjudicação do Lote 2 à CI.

Se a primeira questão que a Recorrente pretende ver tratada na revista não justificaria a sua admissão por parecer, em juízo sumário, mas de forma meridianamente clara que o acórdão recorrido não conheceu oficiosamente de uma “nova causa” de exclusão, mas antes apreciou aquela que lhe fora suscitada no recurso jurisdicional [“Incumprimento no preenchimento do Anexo I”], já a segunda merece ser apreciada por este Supremo Tribunal.
Com efeito, face até à discordância no tratamento da questão pelas instâncias, e por que saber se a simples menção de “Cumpre o requisito” é suficiente para satisfazer o que o programa do procedimento exigia, e, igualmente, as regras do CCP, esta é uma questão com relevância jurídica, com susceptibilidade de se repetir num número indeterminado de casos em processos relacionados com a contratação pública, pelo que se justifica a admissão da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.


Lisboa, 4 de Junho de 2020. – Teresa de Sousa (relatora) – Madeira dos Santos – Carlos Carvalho.