Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01207/19.2BESNT
Data do Acordão:07/15/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:REFORMA QUANTO A CUSTAS
RECURSO
CRITÉRIO
Sumário:I- A condenação em custas nos recursos é uma exigência actualmente inequívoca que decorre do disposto nos artigos 527.º n.º 1 do C.P.C., englobando a taxa de justiça paga, encargos e custas de parte, nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e Tabela I-B do Regulamento de Custas Processuais, e 529.º n.º 1 do C.P.C..
II - No caso, o recorrente obteve provimento no recurso, tendo sido anulado o decidido e determinado a baixa do processo para ampliação da matéria de facto, após se definir o direito ao caso aplicável (ainda que em termos não totalmente coincidentes com o propugnado no recurso interposto). Se improcede o que se defendeu na contestação, e que esteve na base do decidido na sentença recorrida, é de aplicar o critério da causalidade - art. 527.º n.º1 do C.P.C. em articulação com o art. 535.º n.º1 do mesmo diploma -, e não o critério do proveito que é de último recurso, reformando-se o decidido quanto a custas.
Nº Convencional:JSTA000P26227
Nº do Documento:SA22020071501207/19
Data de Entrada:01/16/2020
Recorrente:A...................
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. Relatório.
I.1. A………………, recorrente no processo judicial acima e à margem referenciado e nele melhor identificado, notificado no passado dia 9 de março de 2020 do acórdão proferido no transato dia 4 de março, vem, nos termos do artigo 616.º, n.o 1, do C.P.C., aplicável ex vi artigo 2.°, e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário ("CPPT"), requerer a sua REFORMA, nos termos e com os fundamentos seguintes:
“1. Por decisão de 4 de Março de 2020, esse Douto Tribunal concedeu provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente, decidindo anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra para ampliação da matéria de facto.
2. No que se refere à responsabilidade pelas custas, decidiu esse Douto Tribunal o seguinte:
«Custas do recurso pelo recorrente, segundo o critério do proveito, nos termos do art. 527.º n.o 1 do C.P.C., sem prejuízo de melhor decisão a final».
3. Neste contexto, o artigo 527.° do CPC, sob a epígrafe "Regra geral em matéria de custas", estabelece o seguinte:
«1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».
4. Ora, no caso em apreço, o Recorrente não tirou qualquer proveito da decisão, uma vez que a mesma se limitou a anular a sentença recorrida e a ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto e prolacção de nova decisão, sem se pronunciar sobre o mérito da pretensão do Recorrente.
5. Relativamente à responsabilidade pelas custas em situações precisamente como a dos autos - em que a decisão recorrida é anulada e o processo é remetido ao tribunal de primeira instância para nova decisão - importa atentar na jurisprudência desse Douto Tribunal:
«Porque a decisão recorrida foi anulada, a Recorrida deve ter-se como vencida: a sua pretensão em sede de recurso (no caso, até expressamente formulada em sede de contra-alegações), de que a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela se mantivesse na ordem jurídica, não teve sucesso. Poderá, eventualmente, argumentar-se que também a pretensão deduzida pela Recorrente não obteve procedência. Na verdade, a Recorrente pediu a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por acórdão que julgasse improcedente a impugnação judicial e, como dissemos já, este Supremo Tribunal anulou a decisão recorrida e determinou que o Tribunal a quo profira nova decisão. Porém, há que ter presente que enquanto a pretensão da Recorrida em sede de recurso foi definitivamente desatendida pelo acórdão reformando, ficando arredada pela anulação da sentença, a pretensão da Recorrente pode ainda vir a ser atendida na nova decisão a proferir pela 1.a instância.[ ... ] Em conclusão, como há parte vencida no recurso, não faz sentido recorrer ao critério subsidiário do proveito, sob pena de enviesarmos a responsabilidade por custas, pois a parte vencedora no recurso é sempre quem dele tira proveito (no caso, esse proveito resulta do prosseguimento da impugnação judicial, anteriormente julgada improcedente pela decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que foi anulada). [… ]
Finalmente, quanto às custas do presente incidente [ ], elas deverão também ser suportadas pela Recorrida, que é de considerar como vencida, nos termos do já referido critério da causalidade (cf. art. 527.°, n.º 1, do CPC)”.
[sublinhados nossos] - cfr. decisão proferida por esse Douto Tribunal a 18 de Setembro de 2019 no âmbito do processo n.º 0427/15.3BEMDL.
6. Ou seja, de acordo com a jurisprudência desse Douto Tribunal, quando uma decisão é anulada em sede de recurso e é ordenada a baixa do processo ao tribunal de primeira instância para nova decisão, as custas do recurso deverão ser suportadas pela Recorrida, a qual se considera como parte vencida na medida em que a sua pretensão - de manutenção na ordem jurídica da sentença em que obteve vencimento - foi totalmente indeferida.
7. Este raciocínio é integralmente transponível para o caso em apreço, uma vez que a situação em referência é em tudo idêntica à do Acórdão acima mencionado.
8. A este respeito sublinhe-se que o facto de a Administração Tributária não ter apresentado contra-alegações de recurso no caso sub judice é totalmente irrelevante para efeitos de determinação da sua responsabilidade pelas custas do recurso, sendo inequívoco que a sua pretensão era naturalmente a da manutenção na ordem jurídica da sentença anulada (na qual tinha obtido total vencimento).
9. Neste contexto, à luz da jurisprudência acima referida, necessariamente se conclui que a responsabilidade pelas custas do recurso impende sobre a Administração Tributária enquanto parte vencida nos termos supra expostos, de acordo com o disposto no artigo 527.°, n.º 1, do CPC, impondo-se por isso a reforma da decisão em conformidade, o que desde já se requer.
10. Caso assim não se entenda - e se considere que nenhuma das partes ficou vencida, dada a ausência de uma decisão de mérito sobre a pretensão da Recorrente -, terá necessariamente de se concluir que também nenhuma das partes tirou proveito da decisão, a qual se limitou a anular a sentença recorrida e, desse modo, a colocar as partes na posição em que estavam ab initio.
11. Em face do exposto, estando demonstrado que nenhuma das partes deu causa ou tirou proveito da decisão, inexiste qualquer fundamento, ao abrigo do disposto no artigo 527.°, n.º 1, do CPC, para a sua condenação em custas, pelo que se requer a esse Douto Tribunal que reforme a decisão, determinando não haver condenação de qualquer das partes nas custas do processo.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, requer-se a reforma quanto a custas da decisão proferida no passado dia 4 de Março de 2020, ao abrigo do artigo 616.°, n.º 1, do CPC, determinando-se a condenação da Administração Tributária, enquanto parte vencida, nas custas do recurso e, consequentemente, nas custas do presente incidente, tudo de acordo com o disposto no artigo 527.°, n.º 1, do CPC.
Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal considere que a Administração Tributária não deve ser considerada parte vencida em sede de recurso, requer-se, ao abrigo do mesmo artigo 616.°, n.º 1, do CPC, que determine não haver condenação de qualquer das partes nas custas do processo, tudo com as demais consequências legais.”
I. 2. Notificado o pedido de reforma ao sr. representante da Fazenda Pública, não mereceu qualquer resposta.
I. 3. E, tendo sido dada vista à exm.ª magistrada do Ministério Público, a mesma veio a analisar o pedido formulado e a pronunciar-se no sentido do seu provimento, referindo, o seguinte:
“Sobre questão idêntica (divergindo apenas na ausência de Contra-Alegações), como referiu o Recorrente, já se pronunciou o douto Acórdão do STA proferido em 18-09-2019 no processo 0427/15.3BEMDL, cujo entendimento, propendemos a acolher no caso em análise, sendo certo que o presente processo foi instaurado em Outubro de 2019.
Com efeito,
De acordo com o estatuído no n.° 2 do art. 527° do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Como resulta do n.° 1 do art. 527°, n.° 1 do CPC, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito.
Na situação em análise, o Recorrente obteve vencimento na sua pretensão recursória, pois logrou obter a anulação da sentença que considerou não serem ilegais os actos de penhora determinados pela Administração Tributária por não estar prescrita a dívida.
Como tal, o Recorrente obteve provimento no recurso por si interposto, ou seja, obteve ganho de causa e enquanto vencedora, não pode ser responsabilizada pela obrigação tributária, pois houve vencimento de causa.
Tendo o Recorrente obtido provimento no recurso e ainda que a Recorrida não tenha apresentado Contra-Alegações, não deixa de ser parte vencedora para efeitos de custas, não constituindo fundamento para ficar onerado com as custas do recurso.
Assim, em nossa opinião, deverá ser provido o pedido do Recorrente de Reforma do douto Acórdão quanto a custas.
E, no caso ― sub-judice, as custas do recurso deverão ser suportadas pela Recorrida, a qual se deverá considerar como parte vencida na medida em que não logrou obter a manutenção na ordem jurídica da sentença.”
I. 4. Importa decidir do pedido de reforma quanto a custas do acórdão proferido nos autos.
I. 5. Vai o mesmo à conferência com dispensa de vistos dos exm.ºs Conselheiros adjuntos, dado tratar-se de processo urgente.
II. Fundamentação.
Decidiu-se que o recorrente teria de suportar as custas do recurso com fundamento no critério do proveito, previsto no referido art. 527.º n.º 1 do C.P.C., solução semelhante à prevista no artigo 536.º, nº 3, do C.P.C., para o caso da impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (“salvo a impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”).
Sendo uma solução de último recurso, importa reconhecer ter ocorrido erro no decidido no acórdão proferido a 4-3-2020, por não se ter atendido ao invocado na contestação e ao disposto ainda no art. 535.º n.º1 do C.P.C..
No caso, o recorrente obteve provimento no recurso, tendo sido anulado o decidido e determinado a baixa do processo para ampliação da matéria de facto, após se definir o direito ao caso aplicável (ainda que em termos não totalmente coincidentes com o propugnado no recurso interposto).
Dir-se-á que, tendo improcedido o que se defendeu na contestação, é de aplicar o critério da causalidade em relação com o aí invocado, por ser, aliás, o que esteve na base do decidido na sentença recorrida.
Sendo que a condenação nas custas depende, em primeira linha, do critério de causalidade de acordo com o disposto no art. 527.º n.º1 do C.P.C., e que é ainda de aplicar tal disposição em articulação com o previsto no art. 535.º n.º 1 do mesmo diploma, em que se dá relevo à contestação para o autor não ser condenado nas custas, o decidido quanto a custas não pode subsistir, pois apenas em último recurso é de aplicar o critério do proveito.
Ou seja, a contestação, apresentando-se no caso como uma forma de resistência infundada à pretensão do autor, veio a revelar-se infundada e justifica que seja verificado a existência de um nexo de causalidade entre as custas e o comportamento processual – nesse sentido, Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado Vol. II, 3.ª ed., reimpressão da Coimbra Editora, 1981, pág. 216-217, a que é de recorrer por esclarecedor quanto à vontade do legislador no contexto do previsto nas várias legislações estrangeiras.
Por outro lado, a condenação em custas nos recursos é uma exigência actualmente inequívoca que decorre do disposto nos artigos 527.º n.º 1 do C.P.C., englobando a taxa de justiça paga, encargos e custas de parte, nos termos dos artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e Tabela I-B do Regulamento de Custas Processuais, e 529.º n.º 1 do C.P.C..

Finalmente, não se tributa a reforma como incidente anómalo ao desenvolvimento da lide.


III – Decisão
Pelo exposto, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam na reforma quanto a custas do acórdão proferido a 4-3-2020, cujo segmento decisório se substitui pelo seguinte: “Condena-se a Fazenda Pública nas custas do recurso, porque às mesmas deu causa – artigo 527.º n.º 1 do C.P.C., aplicado em articulação com o artigo 535.º n.º 1 do mesmo diploma”.

Lisboa, 15 de Julho de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso.