Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0435/18
Data do Acordão:06/14/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
FUNDADO RECEIO DA CONSTITUIÇÃO DE FACTO CONSUMADO
Sumário:I - O periculum in mora constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente;
II - Se o fundado receio de a decisão da acção principal não vir a tempo de dar resposta às pretensões jurídicas envolvidas no litígio porque a evolução da situação, entretanto, a tornou totalmente inútil, verifica-se o periculum in mora na vertente do facto consumado;
III - Se o fundado receio de que durante a pendência da acção principal surjam danos dificilmente reparáveis, porque a reintegração da legalidade não é capaz de os reparar, ou pelo menos de os reparar integralmente, verifica-se periculum in mora na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação;
IV - A noção de prejuízo de difícil reparação, e a de situação de facto consumado - tal como consagradas no artigo 120º do CPTA - integram uma carga lesiva, negativa, sem a qual deixam de fazer sentido.
Nº Convencional:JSTA000P23410
Nº do Documento:SA1201806140435
Data de Entrada:04/27/2018
Recorrente:ZERO - ASSOCIAÇÃO SISTEMA TERRESTRE SUSTENTÁVEL
Recorrido 1:CM E MA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável - associação sem fins lucrativos com sede na Rua Alexandre Herculano, nº371, 4º direito, Porto - no exercício do direito de «acção popular» - nos termos dos artigos 12º e seguintes da Lei nº83/95, de 31.08 - vem, previamente à instauração do respectivo processo principal, requerer a providência cautelar, com prévio decretamento provisório [artigos 112º e seguintes do CPTA], de suspensão de eficácia dos actos administrativos de requisição oficiosa do prédio denominado .........., constantes da Resolução do Conselho de Ministros [RCM] nº39/2018 [nºs 1, 5 e 6] - publicada no DR, 1ª Série, nº62, de 28.03.2018 - e da Portaria nº213-A/2018, de 28.03.2018 - publicada no DR, 2ª Série, nº63, de 29.03.2018 - demandando o CONSELHO DE MINISTROS [CM] e o MINISTÉRIO DO AMBIENTE [MA], bem como a contra-interessada A………., na qualidade de cabeça de casal da herança jacente de B………… [proprietário do referido prédio], todos devidamente identificados.

Os alegados actos administrativos em causa determinaram a requisição oficiosa, nos termos e para os efeitos do artigo 82º, nº2, do Código das Expropriações, do prédio denominado «.............» - descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº3026 da freguesia de Vila Velha do Rodão e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº14 da Secção BZ do distrito de Castelo Branco, concelho de Vila Velha do Rodão e freguesia de Vila Velha do Rodão - para «depósito e tratamento dos resíduos removidos do Rio Tejo, no âmbito da operação de limpeza de lamas» e por um «período de 12 meses a contar da entrada em vigor da referida Portaria».

Compulsado o requerimento inicial, bem como os documentos que o instruem, não se verificou qualquer fundamento para rejeição liminar do mesmo [artigos 114º e 116º do CPTA e 13º da Lei nº83/95, de 31.08].

2. Por despacho do «Relator» [folhas 137 e 138 dos autos], foi indeferido o decretamento provisório da providência cautelar, e ordenada a citação dos demandados para deduzirem oposição, querendo, no prazo de 10 dias, bem como a citação - através de jornal de tiragem nacional - dos titulares dos interesses aqui em causa, para os mesmos efeitos e prazo, nos termos do artigo 15º da Lei nº83/95, de 31.08 [Lei da Acção Popular].

3. Uma vez citado, o requerido MA juntou aos autos «Resolução Fundamentada», nos termos e para os efeitos do artigo 128º, nº1, do CPTA, à qual a requerente cautelar não reagiu.

4. Tanto o CM como o MA deduziram oposição à pretensão cautelar, insistindo na não verificação dos pressupostos necessários ao seu deferimento [ver folhas 177 a 192 e 201 a 225 dos autos].

5. Sem vistos - atenta a natureza urgente do processo - cumpre apreciar e decidir a presente pretensão cautelar [ver artigo 36º, nº1 alínea c) do CPTA].

II. De Facto

São os seguintes os factos articulados, pertinentes e sumariamente provados:

1- A requerente cautelar é uma «associação sem fins lucrativos», constituída em finais de 2015, que visa, designadamente, «dinamizar a reflexão» e conduzir à «intervenção» com o intuito de contribuir para «um conjunto de metas […] que contribuam para travar e reverter a degradação ambiental e insustentabilidade no uso dos recursos naturais», fomentando um desenvolvimento sustentável [ver estatutos a folhas 38 a 51 dos autos];

2- A 24.01.2018, teve lugar um episódio ambiental extremo, materializado no arrastamento de um volume significativo de «matéria orgânica acumulada na albufeira de Fratel para jusante», provocando formação de espumas, na sequência da agitação e do arejamento consecutivos na passagem pelas barragens do Fratel, de Belver e do Açude de Abrantes, alterando a qualidade da água mesmo na zona da captação da Valada [pacífico nos autos];

3- Na sequência desta situação de poluição do rio Tejo, o requerido MA tomou várias «medidas para promoção da melhoria da qualidade da água», de acordo com a denominada «Operação Tejo 2018» [Despacho nº2260-A/2018, de 06.03, a folhas 52 a 54 dos autos];

4- Nessa senda, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros [RCM] nº39/2018, de 22.03, [in DR, I Série, nº62, de 28.03.2018], «As campanhas de prospecção e amostragem de sedimentos no rio Tejo, no troço entre Vila Velha de Ródão e Belver, promovidas após o episódio de 24.01.2018, permitiram, entretanto, identificar a existência de cerca de 30.000 m3 de lamas depositadas no fundo do rio Tejo: cerca de 12.000 m3 encontram-se localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila Velha de Ródão; 5.000 m3 no Cais do Arneiro/Conhal, e 14.000 m3 a 2 Km a montante da Barragem do Fratel. De entre estas, suscitam cuidado especial as lamas localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila Velha de Ródão, as quais ostentam características distintas dos cedimentos acumulados nas restantes zonas, seja em termos de qualidade seja em termos de odor.

[…]

Torna-se assim imperativo e urgente garantir, de uma forma sustentada, as condições que permitam a recuperação estrutural e funcional dos ecossistemas aquáticos no troço Perais/Belver, do rio Tejo, para o que se afigura especialmente determinante a intervenção de limpeza das lamas localizadas junto à zona envolvente do emissário de Vila Velha de Ródão e no Cais do Arneiro/Conhal […]» [folhas 31 a 33 dos autos];

5- Nos termos dessa RCM nº39/2018 a concretização desta intervenção de limpeza de lamas do rio Tejo requer a prossecução das seguintes acções:

i) Preparação do terreno a ocupar, incluindo montagem de estaleiro, o aprovisionamento de materiais, a criação de plataforma e bacia de retenção, a aplicação de geotêxtil e de telas impermeabilizantes e a disponibilização de geotubes;

ii) Limpeza e aspiração do fundo do rio, na zona envolvente ao emissário submarino de Vila Velha de Ródão e no Cais do Arneiro/Conhal, incluindo afectação de uma plataforma flutuante e de um sistema de aspiração submerso;

iii) Descarga dos materiais aspirados, por meio de uma linha composta por tubagens que encaminhará os materiais para o sistema de mistura rápida, a partir do qual serão conduzidos para geotubes armazenados temporariamente no estaleiro de intervenção;

iv) Instalação de um sistema de tratamento compacto, para separação da fracção sólida/líquida;

v) Devolução do permeado ao rio;

vi) Recolha, transporte e encaminhamento da fracção sólida a destino final adequado;

vii) Desmontagem de estaleiro e reposição da situação de referência do terreno a ocupar [folhas 31 a 33 dos autos];

6- Dado que «a intervenção de limpeza de lamas programada carece da afectação temporária de um terreno apropriado», o Conselho de Ministros, alegando ter procedido a «um levantamento exaustivo de todos os terrenos circundantes da zona» concluiu que o prédio denominado .......... seria o único adequado para a operação em causa [folhas 31 a 33 dos autos];

7- Pelo que, resolveu: «1- Reconhecer a necessidade de promover a requisição do prédio denominado ............ […]»; 5- Considerar de manifesto interesse público e nacional a requisição para ocupação e utilização temporária do prédio mencionado no nº1, por ser proporcional, adequada e indispensável à prossecução da intervenção referida no número anterior; 6- Dar por verificada a urgência inadiável da referida requisição, a qual não pode exceder o período de um ano […]» [folhas 31 a 33 dos autos];

8- Nesse seguimento, através da «Portaria nº213-A/2018, de 28.03.2018» [in DR, II Série, nº63, de 29.03.2018], foi requisitado oficiosamente, «nos termos e para os efeitos do artigo 82º, nº2, do Código das Expropriações», o prédio ........... - descrito na Conservatória de Registo Predial com o nº3026 da freguesia de Vila Velha de Ródão e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 14º da Secção BZ do distrito de Castelo Branco, concelho freguesia de Vila Velha de Ródão, propriedade da herança indivisa de B…………., de que é cabeça de casal A……….. - para depósito e tratamento dos resíduos removidos do rio Tejo, no âmbito da operação de limpeza das lamas [folhas 34 a 37 dos autos];

9- Esta «requisição» dura pelo período de 12 meses [folhas 34 a 37 dos autos - artigo 2º];

10- O terreno requisitado tem uma área de 5,014 ha, situa-se junto ao rio - não sendo necessário vencer significativas cotas - a cerca de 500m do Cais do Arneiro/Conhal, e junto de acessos rodoviários para camiões pesados - o que permite a mobilização e desmobilização de meios - tem um declive pouco acentuado e «áreas de vegetação dispersa, apresentando descontinuidade de coberto vegetal, em contraste com a zona envolvente» [folhas 34 a 37 dos autos - artigo 1º, nº2 - e pacífico nos autos];

11- Está inserido na «Área Protegida do Monumento Natural das Portas de Ródão», classificado e regulamentado pelo Decreto-Regulamentar nº7/2009, de 20.05 [conforme diploma referido];

12- A RCM nº39/2018, afirma a «[…] inteira conformidade das acções planeadas com o regime jurídico de acções interditas e condicionadas, a que o prédio .......... está sujeito enquanto parte do Monumento Natural das Portas de Ródão, classificado pelo Decreto Regulamentar nº7/2009, de 20.05, da Reserva Ecológica Nacional e da zona protegida das albufeiras de águas públicas [folhas 31 a 33 dos autos];

13- O prédio entrou na posse da «Agência Portuguesa do Ambiente, IP [APA]», e/ou da «EPAL - Empresa Portuguesa das Águas Livres, SA», em 29.03.2018 [folhas 34 a 37 dos autos - artigo 5º];

14- As «análises» realizadas não detectaram a presença nessas lamas de substâncias perigosas, ou seja, metais pesados, pesticidas ou outros, pelo que o material a extrair do rio Tejo, destes locais, é considerado como «resíduo não perigoso» [ver folhas 196 a 198 dos autos];

15- Segundo parecer do «Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas» [ICNF], enviado a 29.03.2018, «Considerando que a ocupação do dito terreno não irá afectar os valores naturais que justificaram a classificação desta área protegida, que esta ocupação é de carácter temporário e que estes trabalhos irão contribuir para a melhoria da qualidade da água do Monumento Natural e da Albufeira de Fratel e do rio Tejo a jusante, emite-se parecer favorável à utilização do prédio .........., cumpridas as seguintes condicionantes: 1- Na preparação do terreno para estas operações, deverão ser salvaguardadas, dentro do possível, as árvores e arbustos de maior porte de espécies naturais da região; 2- Atendendo ao risco de ferimentos e mortalidade em aves e em morcegos, a vedação a instalar não deve ter fiadas de arame farpado; 3- A iluminação a instalar deve ser direccionada apenas para os locais de trabalho, não devendo em particular estar apontada na direcção das Portas de Ródão; 4- A realização dos trabalhos, deverá ocorrer preferencialmente durante o período diurno, por forma a minimizar a perturbação associada ao ruído, movimentação de máquinas e pessoas. Após a realização dos trabalhos, todas as estruturas deverão ser removidas, bem como os resíduos associados a esta operação. Deverá ser realizada a recuperação paisagística e ambiental do terreno, com indicação das operações a realizar e espécies de plantas a utilizar para esse fim, sugerindo-se que seja prevista a plantação de amieiros Alnus glutinosa e freixos Fraxinus angustifólia. A recuperação paisagística deverá ser sujeita a apreciação prévia por parte do ICNF» [ver folhas 56 a 59 dos autos];

16- A Agência Portuguesa do Ambiente, IP [APA], em 12.04.2018, pronunciou-se favoravelmente sobre a operação a realizar no «prédio requisitado», nestes termos: «Tendo a APA reconhecido [mediante declaração de 14.03.2018] que a matéria a extrair do rio não é considerado como resíduo perigoso, nos termos da legislação em vigor em matéria de resíduos, sendo a sua remoção essencial para contribuir para a recuperação da qualidade da água da albufeira do Fratel, o mesmo irá ser sujeito a depósito provisório, por prazo de um ano, neste local, o qual reúne as condições que viabilizam a optimização da intervenção visada no mais curto espaço de tempo possível, atenta a situação de emergência e de reconhecido interesse público e nacional. Reconhece, assim, a APA, que a ocupação do terreno, seleccionado para o efeito, devidamente ponderados os valores e interesses de salvaguarda do meio hídrico e sistemas ecológicos associados, contribui para o objectivo último que urge prosseguir, pelo que emite parecer favorável ao desenvolvimento das operações que se pretende levar a cabo no terreno e na albufeira, as quais decorrerão por conta da EPAL ao abrigo e nos termos de Despacho para o efeito celebrado» [folhas 196 a 198 dos autos];

17- Em 18.04.2018, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro [CCDRC] emitiu pronúncia favorável ao terreno escolhido e à realização da operação [folhas 233 a 236 dos autos];

18- A Quercus - conhecida associação ambientalista - reconheceu, em declarações feitas à LUSA pelo seu Presidente da Direcção Nacional, em 02.05.2018, a necessidade da operação de remoção de lamas tal como configurada na Portaria nº nº213-A/2018, de 28.03.2018» [folha 194 dos autos];

19- Conteúdo da «Proposta de Classificação das Portas de Ródão como Monumento Natural», datado de Junho de 2005 [folhas 74 a 105 dos autos];

20- Conteúdo do «parecer técnico-científico» sobre «Flora e Vegetação da ............ [concelho de Vila Velha de Ródão]», emitido a 09.04.2018 [folhas 67 a 73 dos autos];

21- Conteúdo da «Resolução Fundamentada» apresentada pelo MA [folhas 150 a 164 dos autos].

III. De Direito

1. Antes de mais convém clarear o «objecto» preciso desta providência cautelar, uma vez que nela grassa alguma confusão pelo facto da associação requerente solicitar a suspensão de eficácia dos «actos administrativos» constantes da RCM nº39/2018, e da Portaria nº213-A/2018.

Nos termos do disposto no artigo 82º, nº1, do Código das Expropriações [CE] «A requisição depende de prévio reconhecimento da sua necessidade por Resolução do Conselho de Ministros, nomeadamente quanto à verificação da urgência e do interesse público e nacional que a fundamentam, observados os princípios da adequação, indispensabilidade e proporcionalidade», e, nos termos do nº2 «…é determinada mediante portaria do membro do Governo responsável pela área, oficiosamente ou a solicitação de uma das entidades referidas no artigo anterior».

Na realidade, o que a associação requerente cautelar pretende é a suspensão da eficácia da requisição do imóvel, ou seja, do acto constitutivo dessa requisição - que é a Portaria nº213-A/2018 - precedido de um acto instrumental - a RCM nº39/2018.

O acto objecto do pedido cautelar de suspensão de eficácia é, pois, o «acto que determina a requisição do imóvel particular» com fundamento em necessidade, urgente, face a um interesse público e nacional.

2. Segundo a lei adjectiva aplicável, para ver deferida a sua pretensão cautelar, a associação ambientalista ZERO teria de articular e provar, embora de forma sumária, o preenchimento de três requisitos [artigo 120º do CPTA]:

- Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ele visa assegurar no processo principal - «periculum in mora»;

- Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular, nesse processo principal, venha a ser julgada procedente - «fumus boni iuris»;

- Mesmo que verificados estes dois requisitos, a adopção da providência cautelar é recusada se, ponderados os interesses públicos e privados em presença, «os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».

Estes três requisitos - dois positivos e um negativo - são cumulativos, e, portanto, «indispensáveis para a concessão da providência cautelar» requerida. Significa, isto, que a não verificação de um dos «requisitos positivos» impõe desde logo o indeferimento da providência, e que a abordagem do requisito negativo apenas se exige no caso de se verificarem os outros dois - o «periculum in mora» e o «fumus boni iuris».

3. A requerente cautelar, relativamente ao requisito do «periculum in mora» [ver os artigos 149º a 179º do requerimento cautelar], alega que em face dos factos articulados, e das regras da experiência comum, existe «fundado receio» de que o MA, através da deposição dos resíduos no prédio ........., inserido na área protegida do «Monumento Natural das Portas de Ródão», cause uma «situação de facto consumado», ou, pelo menos, a lesão grave e dificilmente reparável «ao direito do ambiente e ao ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado de que todos os cidadãos são titulares».

No tocante ao «fumus boni iuris» [ver artigos 47º a 148º do requerimento cautelar], alega que o acto suspendendo não cumpre a legislação da área protegida do «Monumento Natural das Portas de Ródão» - em que o imóvel requisitado está inserido - pois viola, a seu ver de «forma flagrante», as alíneas a), c), e e), do artigo 6º do Decreto Regulamentar nº7/2009, de 20.05 [ver artigos 47 a 60 do requerimento cautelar]; alega que a decisão de requisição do imóvel foi tomada sem parecer da entidade que tutela a área protegida das Portas de Ródão, uma vez que tal «parecer» só veio a ser enviado pelo ICNF sete dias após a RCM nº39/2018, e, além disso, a afirmação constante do mesmo, segundo a qual a ocupação do terreno «não irá afectar os valores naturais que justificaram a sua classificação» está errada [ver artigos 61º a 86º do requerimento cautelar]; alega que o acto suspendendo viola o «regime jurídico das albufeiras de águas públicas de serviço público», pois a albufeira do Fratel está classificada segundo esse regime [artigo 7º, nº2 alínea c) do DL nº107/2009, de 15.05] e o «acto de requisição» vai implicar a violação do seu artigo 19º [artigos 86º a 104º do requerimento cautelar]; alega que a «operação» determinada pelo acto de requisição do imóvel exige a «Avaliação de Impacte Ambiental» [AIA] - cujo regime está previsto no DL nº151-B/2013, de 31.10, alterado pelo DL nº 152-B/2017, de 11.12 - conforme resulta, a seu ver, do ponto 11 do Anexo II do respectivo regime [artigos 105º a 114º do requerimento cautelar]; diz ainda que o estudo sobre as alternativas de localização do «depósito de lamas» não foi «exaustivo», como se diz na RCM, pois há, a seu ver, alternativas menos impactantes, e que a «técnica» a utilizar na operação não é a mais adequada de acordo com as circunstâncias concretas e com o estado da arte [artigos 115º a 148º do requerimento cautelar]; diz, por fim, que a solução de um problema não pode implicar a criação de outro, sobretudo quando este viola o princípio da proporcionalidade nas vertentes da necessidade e da adequação.

Quanto ao «requisito negativo» previsto no nº2 do artigo 120º do CPTA, alega a requerente cautelar que a «suspensão de eficácia da requisição do imóvel» em causa não determina «o mais leve dano para o interesse público», antes visa defender esse mesmo interesse ao intentar «proteger o ambiente».

4. O «periculum in mora» constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma «situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação» aos interesses perseguidos nesse processo que motiva ou justifica este tipo de tutela urgente.

Efectivamente, na linha da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a decisão do processo principal pode já não vir a tempo de dar resposta às situações jurídicas envolvidas no litígio, ou porque a evolução da situação durante a pendência do processo «tornou a decisão totalmente inútil», ou porque essa evolução levou à «produção de danos dificilmente reparáveis». No primeiro segmento alternativo, estaremos em face de uma situação de «facto consumado». Como já disse este tribunal, «o facto será havido como consumado por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma situação de facto consumado quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado - ficando tal acção inutilizada ex ante». Já no segundo segmento alternativo, a demora da acção principal não retira, de todo, utilidade a esta lide, todavia, há o fundado receio de que provoque «danos de difícil reparação», nomeadamente porque a sua indemnização pecuniária, ou a reconstituição da situação, ou, de um modo geral, a reintegração da respectiva legalidade, não é capaz de os reparar, ou, pelo menos, de os reparar integralmente.

Segundo opina o Professor Vieira de Andrade «o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica [Lições, 5ª edição, página 308].

Importa, assim, apreciar as circunstâncias específicas deste caso, com base na análise dos seus factos sumariamente provados, para ver se permitem concluir, como conclui a requerente cautelar, que a situação de receio da constituição de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação é efectiva, e não uma mera conjectura, de verificação eventual.

No dizer da associação requerente, o dano ambiental produz-se inelutavelmente com «o depósito das lamas no terreno» atentas as características geológicas, hidrológicas e paisagísticas do mesmo, pois implica a destruição de vegetação, fundamental para o equilíbrio ambiental de uma área protegida, a alteração da morfologia do solo e da sua cobertura vegetal.

Mas esta avaliação, que a requerente alicerça nos factos que articulou e que, no essencial, se provaram, bem como nas regras da experiência comum, não pode ser acolhida por este Supremo Tribunal.

Importa, desde logo, salientar que a operação em causa - remoção das lamas do rio Tejo - não corresponde a uma actividade económica, mas a uma intervenção de salvaguarda e recuperação ambiental, com carácter excepcional, natureza transitória e que obedece a motivações de ordem pública e nacional, sendo estes interesses que justificam a requisição do imóvel em causa pelo Governo, a quem as nossas leis, constitucional e ordinária, confiam tais interesses e iniciativas [artigos 66º, 164º, 165º, e 198º, da CRP, e 82º do Código das Expropriações].

Trata-se da «despoluição urgente» de um recurso hídrico, que integra o domínio Público do Estado - o rio Tejo - e da «protecção» de interesses injuntivos, conexos com os direitos fundamentais ao ambiente e à saúde, dentro da «harmonização» possível com os demais interesses públicos e particulares em causa.

Nem a requerente põe em dúvida a necessidade dessa despoluição, mediante a «remoção das lamas acumuladas no leito do rio Tejo, na zona envolvente ao emissário submarino de Vila Velha de Ródão e Cais do Arneiro/Conhal, porque indispensável à recuperação da qualidade da água da albufeira do Fratel essencial à subsistência das espécies que aí têm o seu habitat e para poder continuar a ser captada para abastecimento público em Valada.

O que ela acha é que a resolução de um problema ambiental não pode ser feita com a criação de outro problema ambiental, sendo que aqui encontra assento a busca da «harmonização» possível.

Constata-se pela factualidade provada, e nomeadamente pareceres do ICNF, da APA, da CCDRC, e do conteúdo da Resolução Fundamentada, o seguinte: que a requisição do imóvel é indispensável à realização da operação de «despoluição» em causa, e é, segundo a avaliação do Governo, e ponderadas todas as outras possibilidades, a «melhor e mais adequada» das soluções; que a utilização do imóvel requisitado é temporária, pois limitada ao período máximo de um ano; que as lamas a retirar do leito do rio Tejo não constituem «resíduos perigosos»; que será utilizada uma técnica - geotubes e tela impermeabilizante - que impede o seu contacto com o solo; que o solo, na área requisitada tem «vegetação dispersa», apresentando «descontinuidade de coberto vegetal», em contraste com a zona envolvente; que serão salvaguardadas as árvores e os arbustos de maior porte; que, concluída a operação, «a área de terreno será intervencionada» visando - mais que a mera reposição do existente - a adopção de um coberto vegetal que melhor e mais adequadamente se enquadre na paisagem local, e que reúna as condições para um desejável desenvolvimento da fauna e flora das «Portas de Ródão».

E diga-se, en passant, que a necessidade absoluta da intervenção despoluidora, com a dita requisição do prédio, aliada aos cuidados traduzidos na harmonização possível da operação com «eventuais implicações a nível geológico, ecológico e ambiental», levaram, inclusivamente, uma outra associação ambientalista a dar o seu apoio à mesma.

Há, portanto, danos reais em curso, com a existência de «lamas» depositadas no leito do Tejo, que contribuem para a degradação da oxigenação indispensável à existência de vida no rio, e da «qualidade da água». Paralisar a requisição do imóvel, que implica a paralisação da remoção das lamas, significa prolongar no tempo esse dano ambiental real, não meramente conjecturado. E, esta situação actual, confronta-se, em face dos cuidados já referidos, com um eventual dano ambiental, morfológico e ecológico esgrimido pela requerente, e que, para além disso, parte de pressuposto errado: o de que se pretende depositar as «lamas» no solo.

Não há dúvida de que a noção de «prejuízo de difícil reparação», e a de «situação de facto consumado» - tal como consagradas no artigo 120º do CPTA - integram uma carga lesiva, negativa, sem a qual deixam de fazer sentido. Tanto o «prejuízo» como o «facto consumado» lesam, cada um a seu modo, a esfera jurídica do interessado.

Ora, neste caso, para além de conjecturais, os danos ambientais, de alteração morfológica do solo, e ecológicos, alegados pela associação ambientalista ZERO, mesmo a ocorrer, mostram-se menos prementes que os danos actuais, e reais, em curso, e são, além disso, de possível reparação, aliás, de reparação que já está contemplada no âmbito dos compromissos assumidos no acto de requisição, que prevê, até, o melhoramento do respectivo coberto vegetal.

E embora a demora da acção principal, previsivelmente maior que o tempo de duração da requisição do imóvel, aponte para a «inutilidade prática» de eventual sentença favorável à aí autora no que concerne à sua «pretensão instrumental» de evitar a utilização do imóvel requisitado, não constitui uma «situação de facto consumado» por referência ao «fim principal» a que tal lide se destina, e que é a de evitar o «dano ambiental». Aliás, antes o preserva.

5. A não verificação deste requisito positivo - «periculum in mora» - e indispensável à concessão da providência cautelar pretendida pelo requerente, ou outra, põe definitivamente em causa o êxito deste processo cautelar.

E na linha do que dissemos acima, não se justifica prosseguir com a abordagem do requisito do «fumus boni iuris» e da ponderação de interesses e danos dita no nº2 do artigo 120º do CPTA.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos indeferir o pedido cautelar que foi formulado pela requerente.

Custas pela requerente - que do seu pagamento está isenta nos termos do artigo 4º, nº1, alíneas a) e f), do RCP.

Lisboa, 14 de Junho de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos.