Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0881/12
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
PROVA
PREÇO REAL
TRANSACÇÃO
ACTO LESIVO
IMPUGNABILIDADE
Sumário:I – Tanto o acto de determinação do valor patrimonial tributário definitivo de imóvel como o acto de indeferimento do pedido formulado em procedimento tributário que o alienante do imóvel, enquanto sujeito passivo de IRC, tenha instaurado para prova do preço efectivo da transmissão por virtude de o valor de venda declarado ser inferior ao valor patrimonial tributário fixado (arts. 58º-A e 129º do CIRC, a que correspondem os actuais arts. 64º e 139º), afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos desse sujeito passivo, e, por isso, há que assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a estes dois actos (pese embora a lei apenas considere aquele primeiro como “destacável” para efeitos contenciosos), com a possibilidade da sua impugnação contenciosa autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
II – Pelo que a este sujeito passivo de imposto sobre o rendimento assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento tributário que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal, sendo de notar que nesta impugnação pode ainda invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.
Nº Convencional:JSTA00069013
Nº do Documento:SA2201412030881
Data de Entrada:08/06/2012
Recorrente:SUBDIRGER DOS IMPOSTOS E A... SA
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:LGT98 ART86 N4 ART91 ART92.
CPPTRIB99 ART54.
CPTA02 ART46 ART51 ART58 N2.
CPC96 ART446.
CIRC01 ART58-A ART129.
CIRS88 ART31-A.
CIMI ART62.
CIMT ART12.
L 53-A/06 DE 2006/12/29.
DL 159/09 DE 2009/07/13.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0989/12 DE 2013/12/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………., S.A., com os demais sinais dos autos, interpõe recurso do despacho saneador-sentença proferido pelo Tributário de Lisboa que, no âmbito de acção administrativa especial que deduziu com vista à anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão administrativa que lhe indeferiu o pedido formulado em procedimento para prova do preço efectivo na transmissão de imóvel, e com vista à condenação do Subdirector-geral da Direcção-Geral dos Impostos para a Área da Justiça Tributária à prática do acto administrativo devido, julgou procedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto sindicado nessa acção e, em consequência, absolveu o Réu da instância.
1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da sentença de fls…, datada de 9 de Setembro de 2011, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual julgou a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto administrativo impugnado e, em consequência, absolveu o Réu da instância.

2. Em causa está o pedido formulado pela Recorrente de anulação do acto administrativo de indeferimento de um recurso hierárquico, por si interposto, da decisão que recaiu sobre o pedido de prova de preço efectivo na transmissão de um dado imóvel, acto esse praticado pelo Subdirector-geral da Direcção-geral dos Impostos para a Arca da Justiça Tributária, bem como a condenação do Réu à prática do acto administrativo devido, consubstanciado no deferimento daquele pedido.

3. A Recorrente não se conforma com o sentido da sentença proferida pelo tribunal a quo, uma vez que não se poderá deixar de considerar a decisão do recurso hierárquico aqui em crise como um acto destacável, total e imediatamente lesivo dos seus direitos e, nessa medida, susceptível de reacção judicial autónoma.

4. Na verdade, no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, existindo, porém, actos que, ainda que antecedentes da decisão final, acabam por assumir uma importância especial, mormente quando conformam, de modo muito acentuado, aquela decisão final: são os designados actos destacáveis (artigo 54º do CPPT).

5. E estes actos, caso sejam imediatamente lesivos dos direitos dos contribuintes, serão directamente impugnáveis, independentemente de norma expressa, tal como explicitamente menciona a primeira parte do artigo 54º do CPPT.

6. Significa isto que, havendo um acto imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte, ainda que esse acto esteja inserido num dado procedimento e seja antecedente de uma decisão final, tem o contribuinte a faculdade de o impugnar autónoma e imediatamente, não ficando limitado o seu direito de impugnar a decisão final.

7. É, justamente o que sucede no caso em apreço: estamos perante um acto destacável, directa e imediatamente ofensivo dos direitos do sujeito passivo e, nessa medida, autonomamente impugnável.

8. Repare-se que a decisão do pedido de prova do preço efectivo afecta, imediata e directamente, a esfera jurídica do sujeito passivo, uma vez que o procedimento não culmina somente com a liquidação - e, portanto, não é só com a liquidação do tributo que a situação tributária do sujeito passivo é afectada -, mas abrange um outro conjunto de procedimentos - impostos pela lei - que antecedem aquela liquidação, designadamente a imposição legal de alteração da declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo em face daquela decisão.

9. Para além do mais, estamos em presença, no artigo 58º-A do CIRC, de um dispositivo antiabuso que se destina a obviar e reprimir a subdeclaração de valores fiscais e, como tal, de uma norma cuja aplicação indiscriminada tem de ser refreada pela intervenção dos princípios da adequação e da proporcionalidade, devendo ser real e efectiva a faculdade de os sujeitos passivos poderem refutar a presunção legal de abuso, única via para garantir o devido equilíbrio daquela presunção com uma de sentido contrário - a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes.

10. Pelo que, em face do exposto, não poderá deixar de se concluir que estamos, sem sombra de dúvida, perante um acto imediatamente lesivo dos direitos da recorrente: a Administração fiscal, por via de um subterfúgio formal cuja proporcionalidade em face dos fins a atingir não fundamenta minimamente, está a impedir que a recorrente comprove o preço efectivamente praticado numa dada transacção de um bem imóvel, limitando, por conseguinte, o direito desta de ser tributada pelo lucro real o que, obviamente, se traduz numa lesão dos seus direitos constitucionais.

11. O Tribunal a quo faz, por isso, uma errada interpretação do direito aplicável, nomeadamente dos artigos 58º-A e 129º do CIRC e 54º do CPPT, devendo a sentença ser, por vício de violação de lei, revogada.

12. Quanto ao objecto do litígio, julga a recorrente dever o tribunal de recurso conhecer do objecto do pedido, por força do preceituado no artigo 149º do CPTA, não deixando de salientar, para além do demais invocado na petição inicial da acção administrativa especial, que a Administração fiscal, face a situações fácticas exactamente idênticas, não adoptou a mesma solução jurídica, nomeadamente ao permitir a outros contribuintes fazer a prova do preço efectivo através de outros meios, sem exigir qualquer acesso a contas bancárias e sem deixar de conhecer do pedido pela não apresentação dessa documentação.

13. Deste modo, a Administração fiscal violou, de modo clamoroso, os princípios da igualdade, da verdade material e da capacidade contributiva, previstos no artigo 55º da LGT e nos artigos 13º, 101º e 104º e nº 2 do artigo 266º da Constituição da Republica Portuguesa.

1.2. O Recorrido – Subdirector Geral dos Impostos – apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, defendendo que a decisão recorrida, ao decidir que se verificava a excepção da inimpugnabilidade do acto e ao absolvê-lo da instância com tal fundamento, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos.

1.3. Por seu turno, o Exmº Subdirector-Geral dos Impostos interpôs recurso dessa decisão do Tribunal Tributário de Lisboa no que toca à falta de fixação do valor da causa e no que toca à condenação em custas, tendo terminado as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

Da falta de fixação do valor da causa:
A- Na sua contestação, a fls. …, para além de o R. ter invocado as excepções conhecidas e decididas da caducidade do direito de acção, da cumulação ilegal de pedidos e da inimpugnabilidade do acto veio, também, impugnar o valor da causa por considerar que o valor indicado pela A. de € 10.000.000,00, sem esta ter indicado como chegou a tal montante, é inadequado e excessivo.

B- Contudo, no saneador sentença, a fls. ..., o Tribunal “a quo”, não se pronunciou sobre este incidente levantado pelo então R., tendo omitido pronúncia sobre a questão da fixação do valor da causa.

C- Por outro lado, o art. 315º do CPC, determina no nº 1, que: “Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes” e, no nº 2, que: “O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que refere o nº 3 do art. 308º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença”.

D- Assim ao não ter fixado o valor da acção, decidindo sobre o incidente levantado pelo R., na sua contestação, a fls. ..., a decisão ora impugnada, não só cometeu uma omissão de pronúncia, que conduz à nulidade da sentença, por não ter conhecido e decidido sobre questão de que devia ter conhecido e decidido (cfr. al. d), do nº 1 do art. 668º do CPC), como também, eventualmente, pode existir uma nulidade processual, por se ter omitido uma formalidade prescrita na lei (cfr. art. 201º nº 1 do CPC), o que desde já o ora recorrente invoca, nos termos do art. 205º do CPC.

E- Pelo que, deve o saneador sentença, a fls. ..., ser julgado nulo (cfr. al. d), do 1 do art. 668º do CPC) ou, ser declarada a nulidade processual consistente na falta de fixação do valor da causa no despacho saneador, cfr. art. 201º do CPC.

Do pedido de reforma quanto a custas:

F- Por outro lado o saneador sentença, a fls. ..., embora tenha absolvido o R. da instância, por julgar que se verificava a excepção por este invocada da inimpugnabilidade do acto veio, no entanto, a condenar o R., em custas, na proporção de metade.

G- E ao invocar, para tanto, que tal condenação se justifica pelo facto de o então R. ser co-responsável na interposição da presente acção, em virtude do teor da notificação do acto ser susceptível de induzir em erro o destinatário do mesmo, hipótese que teria acolhimento legal no art. 450º do CPC, cometeu o Tribunal a quo”, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação aos factos do referido artigo conjugado com o art. 446º, também do mesmo Código.

H- Na verdade, pese embora o conteúdo da notificação do despacho do Subdirector Geral de 06-10-08, a então A., devidamente representada por mandatário judicial, não se encontrava desonerada de fazer uma apreciação e qualificação jurídica do acto, para efeitos de determinar da possibilidade de uma eventual impugnação contenciosa.

I- É que, não sendo líquida a qualificação jurídica do acto a notificar, nada obsta a que a AT, para prevenir e acautelar as garantias do sujeito passivo, possa ter deixado ao critério do mesmo a faculdade de, perante um órgão super partes e imparcial, discutir essa questão da impugnabilidade directa do acto.

J- Assim, dada a dificuldade na controversa qualificação e consequente impugnabilidade do acto, entendemos não se estar perante qualquer venire contra factum proprium que justifique uma condenação do ora reclamante na proporção de metade das custas.

K- Por outro lado, as únicas hipóteses contempladas na lei relativamente a uma repartição de custas entre A. e R., constam do art. 450º do CPC.

L- Ora, lido o referido artigo facilmente se conclui que no mesmo não está abrangida uma situação como a presente, pelo que, salvo o devido respeito, devia ter-se aplicado a regra geral quanto a custas, constante do art. 446º do mesmo Código e ter sido condenado o A. na totalidade das custas por, como parte vencida, ter dado causa às mesmas.


1.4. Não foram apresentadas contra-alegações relativamente a este recurso.

1.5. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir os recursos em conferência.

2. Na decisão recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 21.12.2007, a Autora apresentou dois pedidos de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia-1, nos termos do artigo 129º, nº 3, do CIRC - cfr. fls. 40.

2. Em 11.03.2008, o Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão proferiu despacho de indeferimento dos dois pedidos – cfr. fls. 40.

3. Em 17.07.2008, a Autora apresentou junto da Direcção de Finanças do Porto recurso hierárquico tendo por objecto o despacho de indeferimento – cfr. fls. 38.

4. Em 06.10.2008, o Subdirector-Geral da área dos Serviços de Justiça Tributária proferiu despacho na informação nº 3047/2008, de 26 de Setembro, no qual foi indeferido o recurso hierárquico apresentado pela Autora – cfr. fls. 38.

5. A. Em 23.10.2008, foi assinado aviso de recepção referente ao ofício nº 7413710208, datado de 21.10.2008, subscrito pelo Chefe do Serviço de Apoio às Confissões de Revisão da Direcção de Finanças do Porto e dirigido à Autora com o seguinte teor: “Exmºs. Srs., Ficam, desta forma, notificados do despacho de 2008.10.06 do Sr. Subdirector-Geral da área dos Serviços de Justiça Tributária proferido na informação nº 3047/2008, de 26 de Setembro, de que se junta fotocópia, no qual foi indeferido o recurso hierárquico apresentado nesta Direcção de Finanças em 2008.07.17. Desta decisão cabe, querendo, recurso contencioso, designado de “acção administrativa especial”, a apresentar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 46º e 58º nº 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais. (...).” – cfr. fls. 1 (frente e verso) do PA apenso aos autos.

6. Em 02.02.2009, deu entrada neste Tribunal a petição inicial a que se referem os presentes autos, nos termos da qual a Autora pede a anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto praticado pelo Subdirector-Geral da Direcção-Geral dos Impostos para a Área da Justiça Tributária – cfr. doc. de fls. 2 a 21.

3. Estamos perante dois recursos jurisdicionais interpostos do despacho saneador que julgou verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto administrativo que constitui o objecto da presente acção administrativa especial e que, em consequência, absolveu o Réu da instância, condenando, todavia, ambas as partes no pagamento das custas da acção, porquanto «da notificação do acto impugnado, efectuada pelos serviços do Réu, consta que tal acto pode ser objecto de impugnação através de acção administrativa especial “(...) a apresentar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 46º e 58º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…), pelo que a Autora poderá ter lançado mão da acção em apreço em virtude do teor da notificação que dava indicações no sentido da impugnabilidade do acto, crendo que o pressuposto processual da impugnabilidade do acto se verificava; e também porque «configura um autêntico “venire contra factum proprium” o Réu suscitar a questão da inimpugnabilidade do acto quando, anteriormente, havia notificado a Autora do acto com a indicação da possibilidade de impugnar esse mesmo acto.».

A questão colocada no recurso interposto pela Autora “A…………….” é a de saber se a decisão errou ao julgar que o acto que constitui o objecto da acção é insusceptível de impugnação contenciosa autónoma, enquanto que as questões colocadas no recurso interposto pelo Réu são as de saber se a decisão padece de nulidade por omissão de pronúncia ao não ter apreciado e decidido o incidente do valor da causa por si suscitado, ou se, pelo menos e por essa mesma razão, foi cometida uma nulidade processual por omissão de formalidade prescrita na lei, e, por outro lado, se a decisão errou ao condenar ambas as partes em custas, face à regra geral constante do art. 446º do CPC, de cuja aplicação resultaria a condenação da Autora na totalidade das custas como parte vencida.

Tendo em conta que o eventual provimento do recurso interposto pela Autora determinará a revogação da decisão de extinção da instância na fase do despacho saneador, prosseguindo esta os demais termos no tribunal “a quo”, o que prejudicará, naturalmente, o conhecimento das questões que o Réu colocou no seu recurso, torna-se essencial que se comece pela apreciação do recurso interposto pela Autora.

Em causa está o pedido formulado pela Autora, ora Recorrente, de anulação do acto administrativo (em matéria tributária) de indeferimento de um recurso hierárquico, por si interposto, da decisão que recaiu sobre pedido de prova de preço efectivo na transmissão de imóvel.

Segundo o Tribunal “a quo”, procede a excepção de inimpugnabilidade do acto arguida pelo Réu na contestação, porquanto «o acto impugnado - o despacho de 06.10.2008, do Subdirector-geral da área dos Serviços de Justiça Tributária que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pela Autora – insere-se no procedimento de prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.». «Tal procedimento inicia-se com um pedido do contribuinte, o qual tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no nº 2 do artigo 58º-A - cfr. nº 4 do artigo 129º do CIRC», e «por conseguinte, o procedimento em causa origina um acto de liquidação de um tributo, pelo que, por aplicação da regra supra enunciada, só o acto de liquidação que lhe segue é lesivo, só esse sentido contenciosamente impugnável.».

Por conseguinte, de acordo com a decisão recorrida, «não havendo disposição legal expressa que estabeleça a impugnação de acto integrante do procedimento em causa - designadamente o acto de indeferimento de recurso hierárquico interposto da decisão proferida no âmbito do mesmo procedimento - o mesmo não consubstancia um acto destacável, não sendo, por isso, susceptível de impugnação contenciosa autónoma», considerando, ademais, que “a aplicabilidade do disposto no nº 4 do artigo 86º da LGT ao procedimento em causa (cfr. nº 5 do artigo 129º do CIRC) vem, aliás, reforçar esta mesma conclusão ao dispor que na impugnação do acto de liquidação pode ser invocada qualquer ilegalidade do procedimento que lhe esteve subjacente, o que nos leva a concluir que foi intenção do legislador manter, na matéria a que respeita os autos, o princípio geral da impugnação unitária.».
Conclui-se, assim, na decisão recorrida, que se está «perante um acto interlocutório que não é imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte nem pode ser impugnado autonomamente em virtude de inexistir disposição expressa nesse sentido, pelo que se trata de acto inimpugnável.».
É contra essa decisão que a Autora, ora Recorrente, se insurge, advogando que nela se incorreu em erro de julgamento, por desacertada interpretação do direito aplicável, na medida em que o acto de indeferimento do recurso hierárquico não pode deixar de qualificar-se como um acto lesivo dos seus direitos e interesses legítimos e, nessa medida, susceptível de reacção judicial autónoma.
Vejamos.
Como se sabe, a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis, que é obtida através da fórmula prevista no artigo 38º e seguintes do Código do IMI, e que procura uma aproximação aos valores de mercado com vista a proporcionar maior equidade na tributação do património, tem importantes consequências a nível fiscal, designadamente a nível de tributação do rendimento, particularmente quando o valor de transacção do imóvel diverge do seu valor patrimonial tributário (VPT). Na verdade, pese embora não haja reflexos quando o valor efectivo da transmissão é maior que o valor patrimonial tributário (dado que é o valor efectivo da transmissão a base fiscal para o IMT, o IRS, e o IRC – cfr. arts. 12º do CIMT, 31º-A do CIRS e 58º-A do CIRC), já assim não acontece quando o valor efectivo da transmissão é inferior ao que posteriormente vier a ser fixado como VPT, com a agravante de que este valor patrimonial tributário definitivo pode ser apenas conhecido e/ou fixado num exercício fiscal diferente daquele em que a transmissão ocorreu.
E essas consequências afectam tanto o alienante do bem como o seu adquirente, pois para além das consequências imediatas em sede de IMT e IMI, obrigam a ajustamentos fiscais no âmbito dos impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas.

Na verdade, o artigo 58º-A do CIRC (a que corresponde o actual artigo 64º após a republicação do Código operada pelo Dec. Lei nº 159/2009, de 13.07) dispõe do seguinte modo:

1 - Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adoptar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 - Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 - Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efectuar uma correcção, na declaração de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato; (nosso sublinhado)
b) O sujeito passivo adquirente, desde que registe contabilisticamente o imóvel pelo seu valor patrimonial tributário definitivo, deve tomar tal valor para a base de cálculo das reintegrações e para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao mesmo imóvel.
4 - Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do exercício a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos. (nosso sublinhado)
5 - Relativamente ao adquirente, o disposto no número anterior não é aplicável quando se trate de correcção ao valor das reintegrações do imóvel, caso em que as relativas a exercícios anteriores serão consideradas como custo do exercício em que o valor patrimonial tributário se tornar definitivo.
6 - O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correcções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efectivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.

Donde resulta que a norma estabelece, como princípio base, que os vendedores e compradores de direitos reais de imóveis devem adoptar, nas suas transacções, valores de mercado que não poderão ser inferiores aos VPT definitivos que serviram de base à liquidação de IMT. Pelo que sempre que se verifiquem desvios negativos entre o valor declarado pelas partes e o respectivo valor patrimonial definitivo, será este o valor relevante para efeitos de determinação do lucro tributável. Por conseguinte, para determinação do lucro tributável referente às transacções de imóveis em sede de IRC, prevalece o VPT fixado para efeitos de IMT sobre o preço declarado da transacção, sempre que o primeiro seja superior ao segundo.

A aplicação desta regra implicará, assim, em termos de imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas, e de forma necessária, a obrigação para o vendedor de efectuar uma correcção relativamente à declaração fiscal de rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão (correcção correspondente à diferença entre o valor declarado e o VPT fixado), o que, na prática, envolve uma nova e imediata obrigação tributária de natureza contabilística e declarativa, e implicará, em princípio, uma mediata obrigação tributária de pagar mais imposto; por outro lado, para o comprador, as implicações traduzem-se no facto de ele poder considerar para efeitos fiscais o VPT fixado, o que, na prática, implicará um aumento das amortizações fiscais e um aumento da base fiscal do imóvel na sua futura venda.
Em suma, a aplicação deste regime obriga os sujeitos passivos de IRC ao cumprimento (actual) de obrigações de natureza contabilística e declarativa, para além da eventual (futura) obrigação de entrega de imposto.
Tratando-se, porém, de um preceito com a natureza de norma especial anti-abuso, que visa corrigir, para efeitos de determinação do lucro tributável, os valores de venda/aquisição dos imóveis, ela só pode operar na sequência de um procedimento legal tributário que possibilite a demonstração, perante a administração tributária, que os valores das transacções praticados foram efectivamente inferiores aos valores patrimoniais tributários respectivos. Razão por que foi instituída a possibilidade de os sujeitos passivos exibirem elementos de prova que comprovem que o valor declarado e registado na contabilidade é o verdadeiro preço de compra (no caso do comprador) e o verdadeiro preço de venda (no caso do alienante), em conformidade com o disposto no art. 129º do CIRC (a que corresponde o actual art. 139º após a republicação do CIRC operada pelo DL nº 159/2009), que reza assim:
1 - O disposto no n.º 2 do artigo 58º-A não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o sujeito passivo pode, designadamente, demonstrar que os custos de construção foram inferiores aos fixados na portaria a que se refere o nº 3 do artigo 62º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, caso em que ao montante dos custos de construção deverão acrescer os demais indicadores objectivos previstos no referido Código para determinação do valor patrimonial tributário.
3 - A prova referida no nº 1 deve ser efectuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
4 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação, na parte correspondente ao valor do ajustamento previsto no nº 2 do artigo 58º-A, a qual, no caso de indeferimento total ou parcial do pedido, será da competência da Direcção-Geral dos Impostos.
5 - O procedimento previsto no nº 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei.
6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respectivos administradores ou gerentes referente ao exercício em que ocorreu a transmissão e ao exercício anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização. (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12).
7 - A impugnação judicial da liquidação do imposto que resultar de correcções efectuadas por aplicação do disposto no nº 2 do artigo 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação, das correcções ao lucro tributável ao abrigo do mesmo preceito, depende de prévia apresentação do pedido previsto no nº 3, não havendo lugar a reclamação graciosa (Redacção dada pelo art. 52º da Lei nº 53-A/2006 de 29/12).
8 - A impugnação do acto de fixação do valor patrimonial tributário, prevista no artigo 77º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e no artigo 134º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não tem efeito suspensivo quanto à liquidação do IRC nem suspende o prazo para dedução do pedido de demonstração previsto no presente artigo.
A lei criou, assim, um procedimento tributário em ordem a permitir ao sujeito passivo de IRC demonstrar que o preço efectivamente praticado é inferior ao VPT fixado e, assim, afastar a presunção resultante do referido artigo 58º-A do CIRC, procedimento que é instaurado mediante requerimento dirigido ao director de finanças competente e apresentado no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreu a transmissão (caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado) ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva (nos restantes casos) e que se rege «pelo disposto nos artigos 91º e 92º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no nº 4 do artigo 86º da mesma lei» (nº 5 do art. 129º).
Equiparou-se, assim, este procedimento àquele outro previsto nos artigos 91º e 92º da LGT (pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos), constituindo tal procedimento uma condição necessária à abertura da via contenciosa (nº 7 do art. 129º). Ou seja, o procedimento que visa a demonstração, pelo sujeito passivo, de que o preço efectivamente praticado foi inferior ao VPT definitivamente fixado, constitui uma condição de procedibilidade da impugnação judicial quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.
Posto isto, a questão que se coloca é a de saber se o sujeito passivo (no caso, o vendedor) pode ou não sindicar judicialmente, de forma imediata e autónoma, a decisão que lhe indefere o pedido de prova do preço efectivo no procedimento que instaurou para o efeito, ou se, pelo contrário, só pode atacar a legalidade dessa decisão na impugnação que deduza contra o acto tributário final – isto é, na impugnação do acto de liquidação de imposto que resultar das correcções efectuadas por aplicação do nº 2 do art. 58º-A, ou, se não houver lugar a liquidação de imposto, do acto de correcção ao lucro tributável efectuada ao abrigo do mesmo preceito legal.
Na perspectiva do Réu - SUB-DIRECTOR GERAL DOS IMPOSTOS – a Autora não pode sindicar contenciosamente, de forma imediata, a decisão que lhe indefere o pedido de prova do preço efectivo, posição que foi aceite, como se viu, na decisão ora recorrida.
Antes de avançarmos para a análise da questão, não podemos deixar de expressar a nossa perplexidade pela posição que a Autoridade Tributária (AT) tem adoptado nesta matéria. Isto porque quando o contribuinte ataca contenciosamente, de forma autónoma e directa, a decisão proferida no procedimento previsto no artigo 129º, a AT vem sustentar, como acontece neste caso, a inimpugnabilidade do acto, advogando que a sua legalidade só poder ser discutida na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final de liquidação; mas quando o contribuinte aguarda pelo acto de liquidação de imposto para questionar a legalidade da decisão proferida naquele procedimento – como aconteceu no caso apreciado por esta Secção do STA no acórdão proferido em 6/02/2013, no recurso nº 0989/12 – a AT vem sustentar que a decisão daquele procedimento era contenciosamente impugnável, de forma imediata e autónoma, e com base nisso advoga a caducidade do direito de impugnar judicialmente o acto que, para efeito de IRC, fixara o valor do imóvel.
Perplexidade que se agrava quando se constata que os serviços do Réu notificaram a aqui Autora de que a decisão de indeferimento no procedimento referido no art. 129º do CIRC podia ser objecto de impugnação através de acção administrativa especial a apresentar nos termos e prazos estabelecidos nos arts. 46º e 58º, nº 2, do CPTA, dando-lhe, assim, indicação no sentido da impugnabilidade directa e autónoma do acto.
Tudo isto contribui, de forma lamentável, para o alto nível de litigiosidade fiscal, num contexto judicial de desmesurado volume de litígios nos tribunais tributários, que implicam elevados custos económicos, quando a Administração Tributária devia ser a primeira a contribuir para uma justiça tributária mais célere e para a diminuição de muitos litígios desnecessários e inúteis que grassam nos tribunais.
Posto este reparo, vejamos, então, se a decisão recorrida padece do erro de julgamento que a Autora, ora Recorrente, lhe imputa.
Estabelece o artigo 54º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que «1- Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.».
Tal preceito consagra o denominado princípio da impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em princípio, impugnar o acto final do procedimento, e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, dado que só o acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações. E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário, ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo, o critério da impugnabilidade dos actos é o da sua lesividade imediata, ou seja, é a lesividade objectiva, imediata, actual, e não a lesividade meramente potencial.
Na verdade, enquanto a partir da entrada em vigor do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da opção legislativa materializada no nº 1 do seu artigo 51º, a lesividade imediata do acto administrativo deixou de constituir atributo da sua impugnabilidade, pois que deixou de se exigir que o acto tenha sido praticado no termo de uma sequência procedimental, passando essa impugnabilidade a depender somente da externalidade do acto, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere (lesividade potencial), já no âmbito do contencioso tributário a impugnabilidade do acto continua a depender da sua lesividade imediata e actual, da produção de efeitos negativos imediatos na esfera jurídica do contribuinte, pela violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
E porque é a esta luz que deve ser visto o princípio da impugnação unitária, inviabilizador da impugnabilidade dos actos procedimentais, compreende-se que ele só deva ceder naqueles casos em que (i) o legislador consagrou norma expressa em sentido contrário, ou naqueles casos em que (ii) se verifica a lesividade imediata do acto e em que, por isso, se torna imprescindível assegurar a tutela judicial efectiva em relação a esse tipo de acto, sendo que o conceito engloba apenas as situações de lesão imediata e actual, estando excluídas da garantia os actos cuja lesividade seja apenas potencial.
Deste modo, e concluindo, os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo. A menos que se trate (ii) de actos procedimentais cujo escrutínio judicial imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (os chamados “actos destacáveis”), que na falta de impugnação imediata se consolidam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade e afastada a possibilidade de impugnar, com base na sua ilegalidade, a liquidação que desse acto partiu, ou (ii) de actos que, embora inseridos no procedimento e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder ainda ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final, pois que do art. 54º do CPPT não decorre a preclusão desse direito para os actos não destacáveis, e tal dimanar, similarmente, da regra contida no nº 3 do art. 51º do CPTA, de aplicação supletiva ao contencioso tributário.
Em suma, havendo um acto imediatamente lesivo dos direitos do contribuinte, ainda que esse acto esteja inserido num dado procedimento e seja antecedente de uma decisão final, ele tem a faculdade de o impugnar autónoma e imediatamente, não ficando, todavia, limitado o seu direito de impugnar a decisão final.
No caso vertente, decorre do teor do acto impugnado que a sociedade “A………………..” procedeu à venda, em 26/07/2005, de 4/5 indivisos do terreno para construção inscrito na matriz da freguesia de Quarteira sob o artigo 11641, pelo preço declarado na escritura pública de € 6.568.087,85, sendo que na altura o VPT do prédio era de 3.105.132,43; nessa mesma escritura as partes acordaram na construção nesse terreno de um prédio urbano em propriedade horizontal e na futura divisão das respectivas fracções autónomas entre si (4/5 para a adquirente do terreno e 1/5 para a alienante). Em finais de 2007 foi realizada a 2ª avaliação do referido terreno bem como das fracções autónomas do prédio nele construído (inscritas na matriz sob o artigo P 12856 A a P e CT), tendo sido fixado o VPT para o terreno em € 20.739,770,00.
A referida sociedade apresentou então pedido de produção de prova do preço efectivo na transmissão do terreno e, consequentemente, das fracções do prédio nele construído, com vista a demonstrar que o preço real da transmissão fora exactamente o declarado na escritura, determinado pela aplicação das regras de mercado vigentes, não podendo ter-se em conta o VPT fixado. Pedido que foi indeferido com o argumento de não terem sido anexados ao pedido os elementos bancários da sociedade e dos administradores que estavam em exercícios de funções no ano da operação e no ano imediatamente anterior. Interposto recurso hierárquico, este foi igualmente indeferido, mantendo a AT o entendimento vertido na decisão recorrida.
Razão por que a Requerente interpôs a presente acção administrativa que tem por objecto tal acto de indeferimento. Todavia, não se tratando de um acto previsto na lei como um acto destacável, a sua impugnabilidade contenciosa directa, imediata e autónoma, dependerá da sua qualificação como acto imediatamente lesivo.
À primeira vista, essa decisão parece não constituir um acto imediatamente lesivo, por aparentemente não ser susceptível de provocar, por si, efeitos jurídicos negativos imediatos na esfera jurídica do sujeito passivo alienante do imóvel, a qual só seria atingida com o acto final de liquidação do imposto sobre o rendimento ou com o acto de correcção do lucro tributável no caso de não haver lugar a liquidação de imposto. Pelo que se compreende que, numa primeira leitura, se tenda a sustentar a posição sufragada na decisão recorrida.
Importa, contudo, recordar o que acima deixámos referido no que toca às consequências fiscais da determinação do valor patrimonial tributário a nível de tributação do rendimento quando o valor de transacção do imóvel é inferior ao VPT definitivo. É que, nessa situação, nasce imediatamente para o vendedor a obrigação fiscal de efectuar a correcção dos rendimentos do exercício a que é imputável o proveito obtido com a transmissão (correcção correspondente à diferença entre o valor declarado e o VPT fixado), o que, na prática, envolve não só uma nova e actual obrigação contabilística como, também, uma nova e imediata obrigação declarativa, de apresentação de declaração Modelo 22 de substituição, independentemente de se vir ou não a constituir uma futura obrigação tributária de pagar mais imposto.
E a falta de apresentação dessa declaração fiscal – que, no caso vertente, teria de ser feita logo no mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que o VPT se tornou definitivo, caso não fosse instaurado o procedimento para prova do preço efectivo da transmissão, já que este tem efeito suspensivo sobre o procedimento para a liquidação do imposto na parte correspondente ao valor do ajustamento – acarreta mesmo a instauração de procedimento contra-ordenacional, com todos os efeitos nefastos daí decorrentes.
Quer isto dizer que não só o acto de determinação do VPT definitivo do imóvel (que a lei considera destacável para efeitos contenciosos) como, também, o acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo da transmissão desse imóvel, afectam, de forma actual e imediata, os direitos e interesses legalmente protegidos do sujeito passivo de imposto sobre o rendimento, e, por isso, torna-se imprescindível assegurar-lhe a tutela judicial efectiva em relação a este tipo de actos, com a possibilidade de impugnação autónoma e imediata, subtraída ao regime regra da impugnação unitária.
Por conseguinte, é de considerar que ao sujeito passivo vendedor de imóvel assistem os seguintes meios contenciosos: (i) impugnação judicial do acto que fixou o valor patrimonial tributário do imóvel; (ii) acção administrativa especial para sindicar a legalidade do acto final do procedimento que instaurou com vista à prova do preço efectivo da transmissão; (iii) impugnação judicial do acto de liquidação de IRC que vier a resultar da aplicação do disposto no art. 58º-A do CIRC, sendo de notar que nela pode invocar qualquer ilegalidade ou erro praticado na liquidação ou no procedimento destinado à prova do preço efectivo, bem como recorrer a qualquer meio de prova adequado à demonstração do preço efectivamente praticado.
Razão por que não pode manter-se a decisão recorrida, devendo os autos baixar ao tribunal “a quo” para prosseguimento da acção, designadamente com a apreciação e decisão do incidente do valor da causa e conhecimento do mérito da pretensão formulada, se a tal nada mais obstar.
Termos em que fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo Réu, face à revogação do despacho saneador que pusera termo à acção e consequente eliminação da condenação em custas que dele constava, e face ao dever de prosseguimento da acção, designadamente com a apreciação e decisão do incidente do valor da causa.
4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:

a) Conceder provimento ao recurso interposto pela Autora, revogar a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a excepção da inimpugnabilidade do acto e que, em consequência, absolveu o Réu da instância, determinando-se a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para prosseguimento da acção, designadamente com a apreciação e decisão do incidente do valor da causa e conhecimento do mérito da pretensão formulada, se a tal nada mais obstar.

b) Julgar prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo Réu.

As custas do recurso interposto pela Autora são devidas pelo Réu, não sendo devidas custas pelo recurso interposto por este.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2014. – Dulce Manuel Neto (relatora) – Isabel Marques da SilvaPedro Delgado.