Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0153/23.0BELSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACIDENTE DE SERVIÇO
REGIME JURÍDICO
Sumário:Não é de admitir revista de decisão unânime dos tribunais de instância, e sobre questão que por eles não foi apreciada «ex professo».
Nº Convencional:JSTA000P32029
Nº do Documento:SA1202403210153/23
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR DO OESTE – HOSPITAL DE TORRES VEDRAS*
Recorrido 1:A..., S.A. (EX-COMPANHIA DE SEGUROS B..., S.A.) E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O «CENTRO HOSPITALAR DO OESTE, E.P.E.» [CHO] - demandado nesta «acção administrativa para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido contra actos ou omissões relativos à aplicação do DL nº503/99, de 20.11 - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 11.01.2024 - que negou provimento à sua apelação e confirmou a sentença do TAC do Lisboa - de 29.09.3023 - que «julgando parcialmente procedente a acção» - intentada por AA - o condenou a proferir decisão sobre a «qualificação do acidente» seguindo-se os demais trâmites previstos no DL nº503/99, de 20.11.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

O réu - CHO - contra-alegou defendendo, além do mais, a não admissão do recurso de revista por falta de verificação dos pressupostos legais - artigo 150º, nº1, do CPTA.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. O autor - AA - pretende o reconhecimento do acidente que ocorreu em 21.02.2022 como «acidente em serviço» e a responsabilização do réu na reparação dos danos que do mesmo derivaram - indemnização por incapacidade e pagamento de despesas de farmácia e de deslocação.

O Tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - confrontado com a questão nuclear de saber se o acidente ocorrido poderia e deveria ser qualificado como «acidente em serviço», entendeu, após identificação do regime jurídico aplicável ao caso concreto - DL nº503/99, de 20.11 - que assim devia ser, mas que recaía sobre a entidade demandada, não sobre o tribunal, o dever de «proceder a essa qualificação» - artigos 2º, nº1, e 7º, nº7, do DL nº503/99, de 20.11 - o que ela não cumpriu - artigo 13º do CPA. Em conformidade, condenou o CHO a proferir decisão sobre a qualificação do acidente, seguindo-se os demais trâmites que estão previstos no regime jurídico aplicável, ou seja, o DL nº503/99, de 20.11.

O tribunal de 2ª instância - TCAS - negou provimento à apelação interposta pelo CHO, mantendo, assim, o decidido na sentença aí recorrida. Fê-lo apoiado em jurisprudência dos tribunais superiores no tocante à qualificação do acidente como «in itinere», e, no demais, mantendo o discurso jurídico do tribunal de 1ª instância.

Novamente o demandado - CHO - discorda, e pede «revista» do acórdão do tribunal de apelação por entender como errado o julgamento de direito no que respeita ao regime jurídico - DL nº503/99, de 20.11 - que considerou aplicável. Alega que é errado condená-lo a proferir decisão sobre a qualificação do acidente por «inaplicabilidade», ao caso, do regime jurídico de acidentes em serviço dos funcionários públicos - DL nº503/99, de 20.11. Em seu entender o autor é abrangido pelo regime geral da segurança social e não pelo regime de protecção social convergente, por determinação expressa do artigo 4º, nº5, da LTFP.

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Ora cumprirá ressaltar, à cabeça, que a questão colocada pelo ora recorrente como objecto da revista não foi tratada, ao menos «ex professo», pelo tribunal de apelação, o qual simplesmente se centrou na «qualificação do acidente» e na autoria da mesma. Assim, e de algum modo, a questão da «aplicabilidade ou não ao caso dos autos» do regime jurídico dos acidentes em serviço dos funcionários públicos configura «questão nova» que extravasa o objecto passível de revista, que se limita ao que foi tratado pelo tribunal «a quo». De todo o modo, e face ao que resultou provado, a aplicação ao caso do referido regime jurídico encontra respaldo na jurisprudência dos tribunais superiores desta jurisdição, e não foi posta em causa pelos dois tribunais de instância, que de um modo pacífico a aplicaram, fazendo-o de forma bem elaborada, lógica e congruente, resultando numa decisão aparentemente correcta, e, enquanto tal, não justificativa da admissão da revista em nome da «clara necessidade de melhor aplicação do direito». E acrescente-se que as alegações do recurso de revista não se mostram suficientemente convincentes mesmo no âmbito da questão nova que litiga. Também não se evidencia, atentos os concretos contornos da matéria de facto provada, qualquer conflito com a jurisprudência existente nos tribunais superiores da jurisdição.

Ademais, admitir este recurso seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei, sendo certo que a «questão» que o ora recorrente pretende debater não se perfila de importância fundamental em termos de relevância jurídica ou social.

Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto pelo demandado na acção administrativa.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.