Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0197/14
Data do Acordão:05/21/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO PARA MELHORIA DA APLICAÇÃO DO DIREITO
Sumário:I – Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º);
II – Não se afigura “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” o recurso de decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em processo de contra-ordenação no qual foi proferida decisão declarando a nulidade da decisão administrativa por falta de requisitos essenciais.
Nº Convencional:JSTA00068716
Nº do Documento:SA2201405210197
Data de Entrada:02/17/2014
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART83 N1 ART79 N1 B.
RGCO ART73 N2.
DL 323/2001 DE 2001/12/17.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0106/09 DE 2009/03/25.; AC STA PROC0513/12 DE 2012/06/20.; AC STAPLENO PROC058/09 DE 2010/06/16.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO

A…………, LDA, NIPC ………, com sede em ………, Vila Pouca de Aguiar, apresentou recurso da decisão de aplicação de coima proferidas em 28/12/2009 e que a condenou na coima unitária de 6.198,36 €.
Por sentença de 19 de Setembro de 2011, o TAF de Mirandela julgou o recurso procedente absolvendo a arguida e condenando em custas a Fazenda Pública.

Reagiu o MP junto do TAF de Mirandela, ora recorrente interpondo o presente recurso, para melhoria da aplicação do direito.

Por decisão do Relator de 13/05/2013 foi determinado:
Neste contexto, nenhuma razão há para que os presentes autos tenham subido imediatamente ao STA e para que tenham sido distribuídos como recurso para uniformização de jurisprudência da competência do Pleno da Secção de Contencioso Tributário.
Face ao exposto, determino a devolução dos autos ao Tribunal recorrido para que aí seja proferido despacho sobre a admissibilidade do recurso, dando-se baixa na distribuição efectuada neste Supremo Tribunal.
Notifique”

Após o que na 1ª Instância foi admitido o recurso em 20/06/2013 vide fls. 225 dos autos.

Foram colhidos os vistos legais.

As alegações do recorrente Ministério Público integram as seguintes conclusões:

1- No processo contra-ordenacional tributário a FP não é parte, configurando-se aí a dialéctica processual como uma dialéctica de oposição entre o M° P° e o arguido;
2- A promoção do processo cabe tão só ao M°P° que, não sendo parte, tem de carrear tudo o que seja a favor ou contra o arguido;
3- Inexiste norma que preveja condenação em custas da FP por ter sido julgada improcedente a acusação com subsequente arquivamento dos autos;
4- Por tudo isso, realçando-se o princípio da legalidade fiscal de nullum tributum sine lege, não pode a mesma ser aqui condenada;
5- Assim, o douto despacho recorrido enferma de erro de direito, violando, além do mais, o disposto nos arts 4, n° 1, al. a), e 8, n° 4 e 5, do RCP, 66 do RGIT, 522 do CPP, e o princípio da legalidade fiscal, consagrado no art. 103, n°s 2 e 3 da CRP, pelo que deve ser substituído por outro que se limite a referir: “sem custas”.
6- Para melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência deve ser fixado pelo STA que:
“Nos processos contra-ordenacionais tributários, tendo sido julgada improcedente a acusação com subsequente arquivamento dos autos, a FP está isenta de custas”.
V. Excias farão JUSTIÇA

Não houve contra-alegações

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:

1. A Impugnante apresentou a declaração periódica do IVA relativa ao período de Fevereiro de 2005 (2005/02) no dia 11/04/2005, cujo prazo terminava em 11/04/2005, na qual apurou imposto a favor do Estado no montante de 7446,85€, sem que simultaneamente fosse acompanhada de meio de pagamento que só veio a efectuar em 23/06/2005.
2. A Impugnante a declaração periódica do IVA relativa ao período de Março de 2005 (2005/03) no dia 09/05/2005, cujo prazo terminava em 10/05/2005, na qual apurou imposto a favor do Estado no montante de 10206,16€, sem que simultaneamente fosse acompanhada de qualquer meio de pagamento que só veio a efectuar em 09/06/2005;
3. Apresentou a declaração periódica do IVA relativa ao período de Maio de 2005 (2005/05) no dia 11/07/2005, cujo prazo terminava em 11/07/2005, na qual apurou imposto a favor do Estado no montante de 19616,56€, sem que simultaneamente fosse acompanhada de qualquer meio de pagamento que só veio a efectuar em 05/08/2005.
4. A Impugnante apresentou a declaração periódica do IVA relativa ao período de Junho de 2005 (2005/06), no dia 10/08/2005, cujo prazo terminava em 10/08/2005, na qual apurou imposto a favor do Estado no montante de 24713,86€, sem que simultaneamente fosse acompanhada de qualquer meio de pagamento que só veio a efectuar em 08/09/2005;
5. A Impugnante não entregou as prestações tributárias de IVA referidas porque os seus clientes não lhe pagaram as vendas que fez, mas também porque não lhe entregaram o IVA inerente às transacções em causa;
3 – DO DIREITO
O meritíssimo juiz do TAF de Mirandela, julgou procedente o recurso, por entender que (destacam-se apenas os trechos mais relevantes da decisão com interesse para o presente recurso).

RELATÓRIO
A…………, LDA, NIPC ………, com sede em ………, Vila Pouca de Aguiar, veio apresentar recurso da decisão de aplicação de coima proferidas em 28/12/2009 e que a condenou na coima unitária de 6198,36 €.

Em sínteses constitui fundamento da impugnação o facto de não ter entregue a prestação tributária de IVA porque os seus clientes não lhe haviam pago, não só as vendas que fez, mas o IVA inerente às transacções em causa, apesar de ter adiantado do seu próprio bolso valores entre os 90.000 e 140.000 a favor da AT, por conta do IVA que liquidou aos seus clientes, mas que estes não lhe entregaram.

Pelo MP foram os autos presentes, considerando-se tal acto como acusação nos termos do art. 62.°, n.° 1 do RGCO.

Para o que aqui releva, e após o Dig. Mag. do MP e a FP terem sido notificados para esclarecer se o Impugnante não entregou a prestação tributária de IVA porque os seus clientes não lhe haviam pago, não só as vendas que fez, mas o IVA inerente às transacções em causa, responderam, respectivamente, que “Desconhecemos a razão da não entrega da prestação tributária. // cremos que todos os elementos que depuseram a favor ou contra o arguido terão sido levados em conta, como manda a lei” (o MP) e, sem nada esclarecer, a FP alegou, de direito, que “Exigir a confirmação do reconhecimento do IVA liquidado para a verificação do ilícito da falta de entrega do imposto, reconduzir-se-ia, na prática, ao completo esvaziamento da norma sancionatória (...)”.

MOTIVAÇÃO
Com interesse para a decisão dou por provados os seguintes factos:
(…)

Haverá uma infracção tributária se um determinado comportamento coincidir formalmente com a descrição feita em norma que prevê aquela infracção.
Terá, portanto, de haver uma correspondência de um concreto comportamento à hipótese legal, preenchendo-se os requisitos da tipicidade quando a conduta do agente encaixa na abstracção da lei; da ilicitude, quando haja uma desconformidade com o direito devido à antijuridicidade do comportamento ou a acção típica não justificada; e, por fim, do elemento subjectivo da culpabilidade, consistente, esta, na possibilidade do comportamento assumido pelo agente vir a ser-lhe censurado por lhe ter dado causa, manifestado no propósito de cometer o facto ilícito — dolo — ou na falta de cuidado devido, que leva a esse cometimento — negligência.
Ora, e como já decidiu o STA em posição que se acompanha (Cfr., entre outros, rec. 1037/10, de 21/4/2010, rec. 85/10, de 2/12/2009, rec. 887/09, de 18/11/2009, rec. 593/09, de 25/11/2009, rec. 624/09 e de 16/9/2009, rec. 540/09., in www.dgsi.pt) a falta de entrega da prestação tributária de IVA não preenche o tipo legal de contra-ordenação previsto no art.° 114°, n.° 2 do RGIT, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Neste caso, como vimos, e por maioria de razão, se a Impugnante não entregou as prestações tributárias de IVA supra referidas porque os seus clientes não pagaram as vendas que fez ou o IVA inerente às transacções em causa, também não se pode considerar que a Impugnante já teria deduzido, ao imposto a suportar, o montante do imposto a cuja dedução tem direito.

DECISÃO
Em consequência do exposto julgo o recurso procedente e absolvo a arguida da infracção a que foi condenada.

Custas pela FP, fixando a taxa de justiça em 2 UC”.


DECIDINDO NESTE STA
Na consideração de que são as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso, cabe a observação de que apenas é submetida a este Tribunal a questão de saber se a condenação da Fazenda Pública se mostra acertada.
Como questão prévia importa decidir da admissibilidade do recurso, pois que este foi interposto de decisão proferida em processo cujo valor da causa inicial foi de 6198,36 €. Sendo que o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal “a quo” não vincula este Supremo Tribunal.

Se for de confirmar a admissão do recurso, importará então decidir a questão de saber se absolvida a arguida da coima que a decisão administrativa lhe imputou e pela qual a condenou poderá a Fazenda Pública ser condenada nas custas do processo.
Apreciando.
Questão prévia – da admissibilidade do recurso
Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
No caso dos autos não foi aplicada sanção acessória e a coima fixada pela autoridade administrativa era no valor de 6.198,36 €. superior, pois, à alçada dos tribunais tributários (correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – ou seja, 1250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto). No entanto o tribunal de 1ª Instância absolveu a arguida. Assim sendo e não havendo coima aplicada a admissão do presente recurso só poderia ser efectuada ao abrigo dos fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º do RGIT), fundamento que o Ministério Público invoca como fundamento da admissibilidade do recurso (cfr. por todos, o acórdão de 25 de Março de 2009, rec. n.º 106/06) sobre o conceito de «melhoria da aplicação do direito» usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO e também o citado acórdão do STA de 20-6-2007, recurso n.º 411/07.
Apreciando.
O Ministério Público invoca como fundamento da admissibilidade do recurso a melhoria da aplicação do direito, no que concerne a questão de saber se em caso de absolvição da arguida em processo contra-ordenacional, deve a Fazenda Pública ser condenada em custas, e também promoção da uniformidade da jurisprudência, no que concerne também a tal questão já que vem havendo decisões contraditórias nesse particular (cfr. o requerimento de interposição do recurso).
Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. por todos, o acórdão de 25 de Março de 2009, rec. n.º 106/06) que “A expressão «melhoria da aplicação do direito» usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial» (Neste sentido, pode ver-se o citado acórdão do STA de 20-6-2007, recurso n.º 411/07), situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito”.
Ora, entende-se não ser de alterar a jurisprudência fixada no acórdão deste STA de 20/06/2012 tirado no recurso nº 0513/12 disponível no site da DGSI segundo a qual a decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em recurso de contra-ordenação no qual foi absolvida a arguida não se nos afigura constituir um erro clamoroso que importe necessariamente corrigir sob pena de “afronta ao direito”, pois que se é certo que o processo de contra-ordenação não é um processo de partes, antes um processo punitivo onde o Estado é representado pelo Ministério Público, não tendo a Administração fiscal legitimidade para interpor recurso da decisão favorável ao arguido, também é verdade que, a partir de 1 de Janeiro de 2004, nos processos tributários a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas de que tradicionalmente gozava (cfr. sobre a questão o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 16 de Junho de 2010, rec. n.º 58/09), para além de que, como sustenta o tribunal “a quo” é o incumprimento (aliás reiterado) por parte da Administração fiscal dos requisitos legalmente estabelecidos para as decisões administrativas de aplicação da coima que dá causa ao recurso da decisão e motiva a decisão de anulação (que lhe é desfavorável).
Não se afigura, pois, que o conhecimento do presente recurso seja manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito ou para promoção da uniformidade da jurisprudência, pois que, quanto a este segundo motivo, o recorrente apenas refere, sem concretizar, haver decisões contraditórias nesse particular, não se conhecendo, até ao presente e com excepção do presente recurso, de qualquer controvérsia jurisprudencial sobre a questão.

Pelo exposto, é de concluir que não se verificam, in casu, os requisitos de que depende a aceitação do recurso.

4- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.
Sem custas.
Lisboa, 21 de Maio de 2014. - Ascensão Lopes (relator) - Dulce Neto - Pedro Delgado .