Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0682/09
Data do Acordão:09/30/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
REEMBOLSO
INTIMAÇÃO PARA COMPORTAMENTO
Sumário: I - A intimação para um comportamento, prevista no artigo 147.º do CPPT, exige como seus requisitos cumulativos a omissão de um dever jurídico por parte da administração tributária susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária e que esse intimação seja o meio mais adequado para assegurar a tutela plena desse direito ou interesse.
II - A omissão do cumprimento de um dever de prestação jurídica por parte da administração tributária pressupõe uma prévia definição da existência desse dever como decorrência de não se encontrar prevista uma fase declarativa no procedimento de intimação.
III - Tendo a recorrente, como resulta do probatório, sido alvo de várias acções inspectivas, nomeadamente aos exercícios em apreço, em virtude de os serviços de inspecção tributária terem apurado um quadro de irregularidades indiciador de fraude e evasão fiscal, de que resultaram várias liquidações adicionais de IVA relativas a esses períodos, e que a recorrente já impugnou judicialmente, é óbvio que o direito ao pretendido reembolso de IVA se não mostra ainda consolidado na ordem jurídica, não sendo, assim, por isso possível afirmar a sua inequívoca existência, nem sendo o meio processual utilizado a sede própria para proceder ao apuramento da legitimidade e/ou legalidade do seu recebimento.
Nº Convencional:JSTA00065992
Nº do Documento:SA2200909300682
Data de Entrada:06/25/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - INTIMAÇÃO COMPORTAMENTO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART147 N1.
CIVA84 ART22 N1 N4 N5 N8 N10 N11.
DN 342/93 DE 1993/10/30.
LGT98 ART43.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC303/07 DE 2007/07/12.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CPPT ANOTADO V1 PAG1083.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com sede no Porto, não se conformando com a sentença da Mma. Juíza do TAF do Porto que indeferiu a requerida intimação do Director Geral dos Impostos, nos termos dos artigos 101.º, alínea a) da LGT e do 147.º do CPPT, para que procedesse ao imediato reembolso à requerente do montante de € 367.626,4, relativo a reembolsos de IVA referentes aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios, dela vem interpor recurso para este STA, formulando as seguintes conclusões:
A. A Recorrente cumpriu todos os requisitos legais objectivos e subjectivos de que depende o direito à dedução do IVA, pelo que, com isso, este se formou na sua esfera e se arvorou em direito potestativo.
B. Não existe qualquer preceito legal que suporte o recurso à suspensão dos reembolsos em virtude do início de um procedimento inspectivo.
C. Aliás, se a Administração tivesse optado pelo cumprimento da Lei e procedido aos reembolsos devidos, em nenhum momento ou por alguma forma sairiam diminuídas ou enfraquecidas as suas possibilidades de escrutinar o direito de dedução da Recorrente, pois que o sistema legal-fiscal vigente, apesar de não permitir a suspensão em crise, está estruturado para a cabal satisfação do interesse público traduzido no apuramento correcto da obrigação de imposto.
D. Desde logo, caso pretenda averiguar o cumprimento da legalidade do exercício do direito de dedução por parte de um qualquer sujeito passivo – sempre depois de, no mais escrupuloso respeito pela Lei (letra e espírito), o ter reembolsado até ao fim do terceiro mês seguinte ao do pedido de reembolso –, a Administração fiscal pode lançar mão de um procedimento inspectivo; se, finda a referida inspecção, se apurar uma dedução de imposto indevida, pode e deve então aquela liquidar adicionalmente o imposto em falta.
E. Este enquadramento legal é inclusivamente complementado, reforçado e esclarecido pela previsão do n.º 7 do artigo 22.º do CIVA – é precisamente porque a Lei obriga a Administração fiscal ao reembolso do IVA devidamente deduzido em sede declarativa que, para equilibrar a relação em seu favor, esta pode exigir ao contribuinte a prestação de “caução, fiança bancária ou garantia adequada”.
F. Os direitos de inspecção e de exigir garantia adequada (respectivamente posterior e contemporâneo do reembolso) são meios que asseguram de modo suficiente à Administração fiscal a defesa de um seu crédito (existente, alegado ou meramente eventual), não lhe sendo necessário invocar qualquer possibilidade (legalmente inexistente) de suspender o procedimento de reembolso do IVA deduzido – estão assim perfeitamente equilibrados os interesses da Administração (de defesa da legalidade) e do contribuinte (de reembolso atempado do imposto).
G. Aliás, não prescindindo – e também por apelo à coerência sistemática –, sempre se dirá que, a reconhecer-se a possibilidade legal de suspensão dos reembolsos, tal decisão teria forçosamente de ser tomada e notificada ao contribuinte dentro do prazo legalmente previsto para a tomada de decisão acerca da concessão do reembolso (três meses contados do pedido) – o que, manifestamente, não aconteceu no caso sub judice.
H. Do mesmo modo, igualmente sem prescindir, dir-se-á também que, se a Administração fiscal suspendeu o procedimento de reembolso em virtude de ter espoletado uma inspecção externa à Recorrente, então essa suspensão deveria manter-se apenas durante o prazo máximo que a Lei reserva para as inspecções, isto é, seis meses ou, em casos excepcionais, um ano (cfr. artigo 36.º, n.ºs 2 e 3, do RCPIT) – na situação vertente, esses prazos foram já amplamente ultrapassados, pelo que, a conceder num eventual direito à suspensão dos reembolsos (o que não acontece), esse “direito” deveria estar já extinto e o direito ao reembolso plenamente consolidado na esfera jurídica da Recorrente.
I. Dos autos resulta provado, pois, que se preenchem, no caso concreto, todos os requisitos impostos pelo artigo 147.º do CPPT: existe uma indiscutível omissão, por parte da Administração, de um dever de prestação jurídica – o dever de proceder aos reembolsos solicitados – susceptível de lesar um direito ou interesse legítimo em matéria tributável – o direito de dedução do imposto (efectivado por recurso ao método do reembolso) que incidiu sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pela ora Recorrente no exercício de uma actividade económica.
Contra-alegando, vem o Director Geral dos Impostos dizer que:
I. A douta Sentença recorrida, ao julgar improcedente o requerimento de intimação para um comportamento apresentado fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, motivo pelo qual deve ser mantida.
II. Em suma a Recorrente Jurisdicional discorda da interpretação que a Sentença recorrida fez do n.º 8 do artigo 22º do CIVA; defende que cumpriu os requisitos legais objectivos e subjectivos de que depende o direito à dedução do IVA, e que por esse motivo se formou na sua esfera jurídica um direito potestativo.
III. Sustenta que resulta provado nos autos que se preenchem, no caso concreto, todos os requisitos impostos pelo artigo 147º do CPPT.
IV. A Recorrente não tem razão nos argumentos que aduz.
V. A douta Sentença refere e bem, quanto ao presente meio processual, que a intimação para um comportamento tem de ser decidida apenas com recurso à prova documental, e não inclui fase declarativa. Trata-se de um meio processual simplificado, apenas “reservado para situações em que se não suscitem quaisquer dúvidas sobre a existência do dever da Administração Fiscal efectuar a prestação jurídica que a impetrante pretende ver concretizada”.
VI. Ora no caso concreto ficou devidamente provado que o invocado “direito ao reembolso” não se encontra consolidado na esfera jurídica da Recorrente.
VII. Aliás, da factualidade dada como provada nos autos, resulta que foi ordenada a verificação externa (fiscalização) dos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005 em sede de IVA e de IRC, e que a Requerente impugnou judicialmente as liquidações adicionais de IVA (cfr. Factos provados constantes das letras o) a t)).
VIII. Acresce que, a própria Recorrente confirma que não se encontra ainda estabilizado na ordem jurídica o direito aos reembolsos de IVA peticionados na presente intimação, ao admitir no n.º 16 das doutas alegações que «…-a legalidade das liquidações adicionais resultantes da inspecção efectuada encontram-se actualmente a ser apurada em sede de Impugnação Judicial».
IX. E não se diga como faz a Recorrente que a Administração ultrapassou todos os prazos de um “eventual direito à suspensão dos reembolsos” e o “direito ao reembolso “ já deveria estar plenamente consolidado na esfera jurídica da Recorrente (cfr. Conclusão H), porque tal reconhecimento não é automático, nem se pode retirar do n.º 8 do artigo 22º do CIVA que exista qualquer possibilidade de verificação de deferimento tácito de reembolsos de IVA.
X. Pelo contrário, veja-se a Jurisprudência do Acórdão do STA no Rec. 0303/07 de 12/07/2007, citado pela douta sentença recorrida, que sustenta que « o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (…),mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido».
XI. Por essa razão, a douta sentença fez uma correcta interpretação do artigo 22º n.º 8 do CIVA tendo concluído que “o direito ao reembolso de IVA ainda se encontra em discussão, não sendo assim, possível afirmar a sua inequívoca existência, nem esta ser a sede própria para proceder ao apuramento da legitimidade do seu recebimento”.
XII. Donde, a sentença recorrida andou bem ao julgar improcedente o requerimento, pois ao não estarem preenchidos os requisitos do artigo 147º do CPPT, fica inviabilizado o recurso à intimação para um comportamento para a satisfação da pretensão da requerente que pretende o reembolso imediato das quantias pedidas relativas aos períodos de imposto em causa nos presentes autos.
XIII. Por tudo o que ficou exposto, se deve manter a Sentença recorrida, por não padecer de nenhum dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente Jurisdicional nem quaisquer outros.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
a) Em 19.01.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2003 (período 03/12) e requereu o reembolso de € 51.145,67, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 36 a 40 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
b) Em 12.03.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Fevereiro de 2004 (período 04/02) e requereu o reembolso de € 36.763,73, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 41 a 48 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
c) Em 21.04.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2004 (período 04/03) e requereu o reembolso de € 106.991,00, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 49 a 60 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
d) Em 24.05.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Abril de 2004 (período 04/04) e requereu o reembolso de € 20.427,37, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 61 a 69 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
e) Em 16.06.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Maio de 2004 (período 04/05) e requereu o reembolso de € 18.879,41, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 70 a 75 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
f) Em 03.08.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Julho de 2004 (período 04/07) e requereu o reembolso de € 19.274,28, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 76 a 82 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
g) Em 20.10.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2004 (período 04/09) e requereu o reembolso de € 60.699,93, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 83 a 88 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
h) Em 21.11.2004, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Outubro de 2004 (período 04/10) e requereu o reembolso de € 28.689,88, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 89 a 95 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
i) Em 03.02.2005, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2004 (período 04/12) e requereu o reembolso de € 10.894,65, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 96 a 104 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
j) Em 23.04.2005, a requerente apresentou a declaração periódica de IVA relativa ao mês de Março de 2005 (período 05/03) e requereu o reembolso de € 14.146,52, tendo remetido os documentos suporte (cfr. fls. 105 a 112 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
k) Os pedidos de reembolso do IVA a que se reportam as alíneas a) a j) perfazem o montante global de € 367.626,42, cujas transacções se encontram suportadas nos documentos juntos a fls. 113 a 814, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos;
l) A ora requerente foi notificada para prestação de garantias nos termos do n.º 7 do artigo 22.º do CIVA, relativamente aos períodos de 03/12, 04/02, 04/03, 04/04, 04/05, 04/07, 04/09, 04/10, 04/12, constando nas respectivas notificações como datas limite para a Administração fiscal proceder aos reembolsos em causa, respectivamente, 30.04.2004, 12.04.2004, 13.05.2004, 23.06.2004, 16.07.2004, 02.09.2004, 19.11.2004, 21.12.2004, 07.03.2005 (cfr. docs. juntos a fls. 815 a 823, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
m) Em 24.05.2004, a requerente prestou as garantias relativas aos períodos de 03/12 e de 04/02 (cfr. fls. 824 a 826, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
n) Por ofício da Direcção de Serviços de Reembolsos do IVA foi a requerente informada do cancelamento das garantias a que se reporta a alínea m) (cfr. fls. 827, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
o) Em 23.09.04, por despacho do Chefe de Divisão dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária foi ordenada a verificação externa aos exercícios de 2002, 2003, 2004 em sede de IVA e IRC (cfr. fls. 19 a 24 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
p) Por carta datada de 30.07.2004 dois Administradores da Requerente declararam autorizar o acesso a todas as contas bancárias tituladas por aquela sociedade (cfr. fls. 919, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
q) Em 22.04.2005, por despacho do Chefe de Divisão dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária foi ordenada a verificação externa ao exercício de 2004 em sede de IVA e IRC (cfr. fls. 33 e 34 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
r) Em 24.05.2005, por despacho do Chefe de Divisão dos Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária foi ordenada a verificação externa ao exercício de 2005 em sede de IVA e IRC (cfr. fls. 39 e 40 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
s) Em 13.12.2005, sobre a Informação Face ao informado, sou de parecer que a suspensão dos rb´s possa criar constrangimentos financeiros à actividade empresarial, mas perante o quadro indiciador de fraude e evasão fiscal a situação de suspensão deverá ser mantida até à conclusão s/a legitimidade do crédito por parte dos Serviços de Inspecção Tributária” recaiu o Despacho proferido pelo Substituto Legal do Director Geral da DGI, nos seguintes termos: “Concordo” (cfr. fls. 8 do PA apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
t) Em 16.09.2008 a Requerente impugnou judicialmente as liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2004 e 2005.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do TAF do Porto que indeferiu à ora recorrente o pedido de intimação do DGI para que este procedesse ao imediato reembolso do montante de € 367.626,40, relativo a reembolsos de IVA referentes aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, acrescidos dos competentes juros indemnizatórios.
Alega a recorrente que, tendo cumprido todos os requisitos legais de que depende o direito à dedução do IVA, se formou na sua esfera jurídica o respectivo direito à dedução do mesmo, não havendo suporte legal que justifique o não reembolso imediato daquele.
Mas, caso pretendesse a AF averiguar o cumprimento da legalidade do exercício do direito de dedução por parte da ora recorrente, sempre teria que tomar uma decisão no prazo previsto para conceder o reembolso ou, no máximo, no prazo previsto para a realização de qualquer inspecção.
Não o tendo feito, mostram-se, assim, preenchidos, em seu entender, todos os requisitos impostos pelo artigo 147.º do CPPT para que a recorrente lançasse mão da presente intimação, contrariamente ao decidido pela Mma. Juíza “a quo” que considerou que, não estando claramente definido o dever da AF efectuar a prestação que a recorrente pretendia ver concretizada, a requerida intimação não poderia ser deferida.
Vejamos. Veio a ora recorrente requerer, ao abrigo do artigo 147.º do CPPT, a intimação do DGI para que este procedesse ao imediato reembolso do IVA referente aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, invocando, em síntese, ter direito ao mesmo, porquanto das declarações oportunamente entregues resulta que o imposto liquidado foi inferior ao imposto por ela suportado nas aquisições a fornecedores, e a omissão por parte da AF do dever dessa prestação jurídica causar lesão nesse seu direito legítimo.
Dispõe o n.º 1 do artigo 147.º do CPPT que, em caso de omissão por parte da administração tributária do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente, sendo que o presente meio só é aplicável quando vistos os restantes meios contenciosos previstos no CPPT ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos e interesses em causa.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, volume I, a fls. 1083, a utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela administração tributária, supõe que esteja definida previamente a existência deste, uma vez que ao contrário do que sucede com a acção administrativa especial para a condenação à prática do acto devido, não se inclui no processo de intimação uma fase declarativa.
Tal definição da existência de um dever pode resultar directamente da lei quando se esteja em face de direitos cuja existência não necessite de actos de aplicação ou decorra necessariamente de determinada situação fáctica.
Na verdade, a primacial utilidade deste meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão) é a de permitir assegurar de forma muito mais rápida a efectivação de direitos cuja existência é evidente.
Ora, para averiguar, no caso em apreço, da invocada existência do dever de prestação jurídica pela AT, impunha-se, como o fez a Mma. Juíza “a quo” na decisão recorrida, atentar no regime legal do IVA, mais concretamente no que concerne ao direito à dedução do imposto e, consequentemente, ao direito ao reembolso do mesmo.
De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 1 do CIVA, o direito à dedução de IVA nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
Se o sujeito passivo ficar, relativamente a um determinado período, numa situação de crédito de imposto, ou seja, que o montante de imposto a deduzir exceda o montante devido pelas operações tributáveis, tal excesso será deduzido nos períodos de imposto seguintes (n.º 4 do artigo 22.º do CIVA).
Todavia, se esse crédito persistir por mais de 12 meses por valor superior a € 250,50, o sujeito passivo poderá solicitar o seu reembolso, nos termos do n.º 5 do citado artigo 22.º do CIVA, como o poderá ainda fazer, independentemente daquele prazo, se o crédito exceder 25 vezes o salário mínimo nacional mais elevado (n.º 6 do mesmo preceito legal).
Mas, como decorre do n.º 8 do artigo 22.º do CIVA, tais reembolsos são efectuados quando devidos, isto é, após a confirmação de que, no período a que se refere o pedido de reembolso, a dedução total de imposto a que haja lugar supera o montante devido pela totalidade das operações tributáveis.
Sendo que, no âmbito desta confirmação, a AT pode efectuar correcções às declarações dos contribuintes e exigir a estes documentos e informações adicionais (n.º 10 do mesmo artigo 22.º do CIVA).
É que, como se salienta no preâmbulo do Despacho Normativo n.º 342/93 do Ministro das Finanças, e sem prejuízo de se acolher o princípio da verdade da declaração, em que assenta a estrutura instrumental do IVA, há que reconhecer que o crédito invocado pelos contribuintes materializado no pedido de reembolso não pode ser um mero acto de inscrever um número, ou uma determinada quantia, numa declaração, tratando-se, antes, de um direito que deve ser comprovado por parte de quem o invoca, através de elementos que possam sustentar a verdade e exigibilidade desse mesmo direito.
A este respeito se pronunciou já também este STA no acórdão de 12/7/2007, proferido no recurso n.º 303/07, dizendo que «…o facto de o n.º 8 do referido art. 22.º incluir a expressão reembolsos são efectuados «quando devidos», não tem o mero alcance de expressar que não devem ser efectuados reembolsos indevidos (o que seria absolutamente supérfluo, pois seria inimaginável interpretar o regime de reembolsos como permitindo o pagamento de reembolsos que não fossem devidos), mas sim o de acentuar que os reembolsos não devem ser efectuados sem uma comprovação, no momento do reembolso, da verificação dos seus pressupostos, o que é corroborado pelos n.ºs 10 e 11 do mesmo artigo, ao preverem que, para efeitos de reembolso, possam ser pedidos documentos e informações adicionais, sob pena de o reembolso de considerar indevido.
Aliás, nem seria compreensível outro regime, pois, reportando-se o pedido de reembolso à globalidade das relações tributárias relativas a um determinado período, o seu conteúdo definitivo está forçosamente por definir, pelo que não se pode justificar, pelas razões de segurança jurídica subjacentes ao regime da caducidade do direito de liquidação, que haja restrições ao apuramento e relevância dos factos que importam para as definir.».
O eventual atraso no reembolso pedido causado pelo facto de a AT proceder à sua comprovação, através de acções inspectivas, não prejudica os sujeitos passivos que, reconhecido o direito ao reembolso, sempre poderão solicitar a liquidação de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
Tendo a recorrente, como resulta do probatório, sido alvo de várias acções inspectivas, nomeadamente aos exercícios em apreço, em virtude de os serviços de inspecção tributária terem apurado um quadro de irregularidades indiciador de fraude e evasão fiscal, de que resultaram várias liquidações adicionais de IVA relativas a esses períodos, e que a recorrente já impugnou judicialmente, é óbvio que o direito ao pretendido reembolso de IVA se não mostra ainda firmado na ordem jurídica, não sendo, assim, por isso possível afirmar a sua inequívoca existência, nem sendo o meio processual utilizado a sede própria para proceder ao apuramento da legitimidade e/ou legalidade do seu recebimento.
Daí que, contrariamente à pretensão da recorrente, não esteja consolidado na sua esfera jurídica o direito ao reembolso, porquanto o seu reconhecimento não é automático nem resulta de qualquer normativo o deferimento tácito do pedido de reembolso.
Razão por que a requerida intimação sempre estaria condenada ao insucesso.
A decisão recorrida que, assim, entendeu, deve, por isso, ser confirmada.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 30 de Setembro de 2009. – António Calhau (relator) - Brandão de Pinho - Miranda de Pacheco.