Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0134/10
Data do Acordão:09/12/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:PROGRAMA POSEIMA
APOIO FINANCEIRO
CONTROLO DE LEGALIDADE À POSTERIORI
REPOSIÇÃO
Sumário:I - A recorrente contenciosa, beneficiária, em 1995, da ajuda comunitária POSEIMA, financiada pelo FEOGA- Secção Garantia, estava sujeita ao controlo a posteriori da realidade e regularidade da ajuda concedida, nos termos do Reg.(CEE) nº4045/89, do Conselho, de 21/12/1989, controlo que deveria ter lugar dentro do prazo de três anos exigido para a conservação da respectiva documentação comercial, se outro mais longo não estivesse previsto na legislação nacional, como decorre do segundo parágrafo do artº 4º do citado Regulamento.
II - Nos termos do artº 40º do Código Comercial, as empresas devem conservar os documentos comerciais durante o prazo de dez anos [cfr. também os artºs. 118º, nº 2, e 115º, nº 5, do CIRC).
III - O referido em I e II, afasta a possibilidade de aplicação do artº141º do CPA, à revogação do acto de concessão da ajuda, decorrente de irregularidades detectadas através do referido controlo a posteriori.
Nº Convencional:JSTA00068353
Nº do Documento:SA1201309120134
Data de Entrada:02/22/2010
Recorrente:PRESIDENTE E VOGAL DO INST FINANCEIRO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PONTA DELGADA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT
Legislação Nacional:CPA91 ART141
CONST76 ART266 N2
CCOM888 ART40
CIRS01 ART118 N2
CIRC01 ART115 N5
Legislação Comunitária:REG CONS CEE 4045/89 DE 1989/12/21
REG CONS CEE 1600/92 DE 1992/07/15
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01775/02 DE 2007/05/03; AC STAPLENO PROC0207/02 DE 2005/10/06; AC STAPLENO PROC01038/05 DE 2006/09/19; AC STAPLENO PROC02037/02 DE 2005/10/06; AC STAPLENO PROC0328/02 DE 2005/12/06; AC STA PROC0661/05 DE 2005/06/22; AC STA PROC044424 DE 1999/12/14; AC STA PROC048403 DE 2008/10/22
Jurisprudência Internacional:AC TJC CASO ALCAN DE 1997/03/20
AC TJC P C-298/96 DE 1998/07/16
AC TJC P C-80/99 DE 2001/10/09
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I-RELATÓRIO

1. A…………., com os sinais dos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do Despacho de 18/12/2002, que determinou a reposição de 116.096,37 €, proferido pelos PRESIDENTE E VOGAL DO CONSELHO DIRECTIVO DO INSTITUTO NACIONAL DE INTERVENÇÃO AGRÍCOLA (INGA) no TAF de Ponta Delgada.

1.1. Proferida sentença nesse Tribunal, que concedeu provimento ao recurso, com a consequente anulação do Despacho, foi a mesma objecto de recurso para este STA que, por Acórdão de 22/10/2008 (fls. 398/405), revogou a sentença recorrida.

1.2. Remetidos os autos ao TAF de Ponta Delgada foi proferida (nova) sentença que julgou procedente o recurso, anulando o Despacho sob recurso.

2. Inconformados com esta sentença, os PRESIDENTE E VOGAL DO CONSELHO DIRECTIVO DO INGA dela interpõem recurso de agravo, sobre o qual recaiu despacho de admissão (fls. 426), ao abrigo dos artigos 734.º, 736.º e 740.º, n.º 1, do CPC e 105º da LPTA.

3. Os Recorrentes apresentaram ALEGAÇÕES, com as CONCLUSÕES seguintes:
“A. A decisão final impugnada nos presentes autos é tomada ao abrigo de disposições do Direito Comunitário.
B. Ao abrigo do princípio da aplicação descentralizada do Direito Comunitário, o juiz nacional é o juiz comum do contencioso comunitário e, enquanto tal, deve assegurar na ordem interna o respeito por todas as normas e princípios do Direito Comunitário, de entre os quais, assume particular relevância, o princípio do Primado do Direito Comunitário sobre as disposições nacionais, o elaborado e proclamado de há longos anos a esta parte, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça
C. A jurisprudência do Ac. Simmenthal, de 09.03.1968, reafirma o princípio do Primado e sua estreita correlação com o da aplicabilidade directa.
D. Nos termos do art. 8°, n.° 1, do Reg.(CEE) 729/70, a recuperação dos montantes indevidamente pagos, somente na falta de disposições comunitárias, será decidida aplicando o direito nacional, sê-lo-á, porém, sem prejuízo dos limites impostos pelo Direito Comunitário, no sentido de que as regras previstas pelo direito nacional não podem, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil a recuperação dos auxílios indevidos (Acórdão Deutshe MilchKontor, Procs. 205/82 a 215/82 e Acórdão Martin Huber, de 19.9.2002, Proc. C-336/2000, do Tribunal de Justiça das Comunidades).
E. Os controlos foram efectuados por força do Reg.(CEE) n.° 4045/89, que diz respeito ao controlo da realidade e da regularidade das operações que façam directa ou indirectamente parte do sistema de financiamento pelo FEOGA, secção «Garantia», com base nos documentos comerciais dos beneficiários ou devedores», tendo em vista a detecção de irregularidades no âmbito do sistema de financiamento do FEOGA, secção «Garantia».
F. O regulamento 4045/89 prevê que os controlos possam ser efectuados passado mais de um ano desde o pagamento da ajuda e prescreve um prazo mínimo de 3 anos, no decurso do qual os beneficiários são obrigados a conservar a documentação comercial que sustentou o pagamento da ajuda, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade de os Estados-membros poderem prever um prazo mais longo.
G. O Estado português no art. 8.º, do D.L. 185/91, que regulamenta entre nós o Reg. 4045/89, estabelece para realização dos controlos os prazos da legislação comercial, ou seja 10 anos.
H. O recorrente dispunha, pois, de um prazo de 10 anos para pedir a devolução das ajudas indevidamente pagas.
I. Os Regulamentos Comunitários prevêem um regime de controlos “a posteriori” das ajudas comunitárias do FEOGA-GARANTIA, porque estas são intervenções de mercado que, por natureza, deverão ter repercussão imediata nos preços ao consumidor final.
J. O pagamento da ajuda é efectuado em face do pedido instruído com a documentação exigida, mas a verificação sobre a realidade e regularidade do pedido e da respectiva documentação não é condição do pagamento da ajuda que é logo colocada à disposição do beneficiário, embora este fique sujeito à verificação da realidade e regularidade do que declarou para obter a ajuda. (Acórdão de 06-12-2005, do Pleno da Secção do CA, Proc. n.° 0328/02)
K. O artigo 141.º do CPA não pode ser aplicado se conduzir a solução desconforme com as normas dos regulamentos comunitários acima mencionadas, pelo que temos de conceder prevalência à aplicação das normas comunitárias e afastar a aplicação da norma nacional. (Acórdão de 06-12-2005, do Pleno da Secção do CA, Proc. n.° 0328/02)
L. Por conseguinte, a douta decisão recorrida viola o art. 8°, n.° 1, do Reg.(CEE) 729/70, o art. 4° do Reg. 4045/89 e art. 8°, do D.L. 185/91.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, anulada a douta sentença recorrida, com todas as legais consequências. Assim se fazendo JUSTIÇA.”

4. O Recorrido deduziu CONTRA-ALEGAÇÕES com as seguintes CONCLUSÕES:
“(A) O recurso interposto pela autoridade administrativa é limitado a uma questão de direito, pelo que a decisão sobre a matéria de facto está definitivamente assente.
(B) Integra a decisão sobre a matéria de facto a constatação (factual) do julgador de que «os pressupostos (certos ou errados) em que se apoiou a decisão que ordena a reposição eram já verificáveis aquando da concessão dos subsídios», sendo este juízo o resultado da observação (empírica) dos factos e da prova produzida em 1.ª instância (art. 351° do Código Civil).
(C) Ao contrário do que o agravante pretende induzir, a solução dada pela jurisprudência por ele citada não é aplicável à situação fáctica do caso vertente, na medida em que, neste caso, ficou comprovado que os pressupostos das ajudas eram já verificáveis antes da sua concessão, independentemente de qualquer controlo “a posteriori”.
(D) O acto impugnado fundamenta-se apenas em pretensas irregularidades formais relativas aos certificados de ajudas; acontece que estes tipicamente integram o procedimento que culmina com o acto de concessão das ajudas, cujos pressupostos eram verificáveis aquando da sua concessão, nem o agravante coloca isto em causa.
(E) Tal como decidido na douta sentença recorrida, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 140°, n°1, b), e 141°, n°1 do CPA e 28° da LPTA, o acto impugnado tem a natureza de um verdadeiro acto revogatório e, portanto, é ilegal, porque proferido sete anos após a concessão das ajudas, ou seja, muito para lá do prazo de um ano previsto naqueles preceitos. (Ac. STA de 20/10/2004, rec. 0301/04).
(F) Estando comprovado que os pressupostos do pagamento eram verificáveis “ex ante”, independentemente de qualquer controlo “a posteriori”, não se percebe em que medida é que se pode afirmar que era impossível ou muito difícil a recuperação de auxílios indevidos, através dos controlos prévios expressamente previstos na lei comunitária.
(ci) É totalmente falso afirmar que a disposição do art. 141°, n°1 do CPA viola o primado do direito comunitário, já que os valores da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima também fazem parte da ordem jurídica comunitária. — (Acórdão Martin Huber, TJC de 19/09/2002, P. C-336/2000)
(H) Salvo o devido respeito, também não deixa de impressionar a ideia que se foi formando em alguma jurisprudência, citada pelo agravante, de que o prazo de reposição das ajudas consideradas ilegais é equiparado ao prazo de 10 anos para o comerciante conservar a sua escrituração mercantil (art. 40° do Cod. Com., art. 118°, n°2 do CIRS e art. 123°, n°4 do CIRC).
(I) Na verdade, o prazo mais alargado de conservação de documentos não tem necessariamente de coincidir com os prazos de controlo, e muito menos com o prazo de revogação de actos administrativos anuláveis (1 ano) ou de caducidade do direito à liquidação de tributos (4 anos), como resulta, respectivamente, do arts 141º, n°1 do CPA, e dos arts. 92°, n°1 do CIRS e 101° do CIRC, por remissão para os arts. 45° e 46° da LGT, conjugados com o art. 36°, n°1 do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (republicado pela Lei n°50/2005, de 30/08).
(J) O dever de conservação da escrituração por 10 anos tem primacialmente a função de assegurar a prova no tráfego jurídico mercantil e o direito de exame de documentos, sendo estabelecido no interesse de diversos interessados (Estado e particulares), como também resulta do disposto nos arts. 42° a 44° do Cód. Com.
(K) Sendo portanto ilegítimo e abusivo daí extrair outras consequências, não previstas na lei, que se desviam manifestamente de todo o regime nacional e comunitário desde há muito consagrado para a protecção de direitos constituídos em matéria de actos administrativos e tributários, em frontal violação do princípio da legalidade (arts. 3° do CPA, 8° da LGT e 266°, n°2 da CRP).
(L) Sem conceder, a questão fundamental - que ora também se suscita -, é que são erradas as conclusões das alegações G), H) e L), no sentido de que o legislador nacional, no art. 8° do Decreto-Lei n°185/91, de 17/05, estabeleceu para a realização dos controlos os prazos da legislação comercial, ou seja, 10 anos.
(M) Na verdade, o que se verifica com bastante clareza é que o art. 8° do Decreto-Lei n°185/91 contém dois segmentos: o primeiro prevê um prazo especial de 3 anos (aplicável à conservação dos “documentos comerciais” na acepção do FEOGA), e o segundo destina-se a salvaguardar o prazo geral de 10 anos genericamente previsto para todos os efeitos da legislação mercantil (art. 40° do Cód. Com.).
(N) A lei distinguiu claramente estes dois prazos, os quais não se confundem.
(O) De acordo com o art. 9° do Código Civil, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
(P) Se quisesse fixar o prazo de 10 anos, o legislador do art. 8° do Decreto-Lei n°185/91 tê-lo-ia expressamente dito - mas não o fez -, pois que bastaria simplesmente estabelecer o prazo de 10 anos, ou remeter, sem mais, para o prazo da lei nacional previsto para a conservação da escrituração mercantil (art. 40° do Cód. Com.).
(Q) Caso porventura assim não se entendesse, a previsão no referido art. 8° do prazo de “três anos civis subsequentes” não teria qualquer sentido útil, seria letra morta, o que obviamente não é consentido pelas regras que regem a boa interpretação das leis.
(R) Acresce ainda um outro argumento, pois que os “documentos comerciais” que devem ser conservados no prazo de 3 anos, na acepção do n°2 do artigo 1° do Regulamento n°4045/89, têm um âmbito de aplicação bastante mais limitado do que os documentos e livros da “escrituração mercantil” (art. 40° do Cod. Com), como se infere da condicionante restritiva “desde que” relacionados com as operações subsidiadas.
(S) Pelo que o art. 8° do Decreto-Lei n°185/91 deve ser interpretado em conformidade com a respectiva lei comunitária, distinguindo-se os “documentos comerciais”, na acepção do FEOGA, que devem ser conservados por 3 anos, dos demais documentos da “escrituração mercantil” genericamente prevista para efeitos da legislação comercial, no prazo mais alargado de 10 anos.
(T) Tendo o acto impugnado, que determinou a devolução das ajudas, sido praticado 7 (sete) anos após a concessão das ajudas, ou seja, muito além do prazo de 3 (três) anos previsto na primeira parte do art. 8° do Decreto-Lei n°185/91, também por este motivo deve ser negado provimento ao recurso.
(U) Finalmente, tendo em conta que, ao tempo em que foi praticado o acto que concedeu as ajudas, em 09/03/1995, vigorava o Regulamento n°1696/92 da Comissão, de 30/06/1992 (especialmente aplicável aos Açores e à Madeira), e que o acto impugnado foi praticado com fundamento no primeiro travessão do art. 4°, n°1 do Regulamento n.° 2988/95 do Concelho, de 18/12, em vigor apenas a partir de 26/12/1995, nos termos do seu art. 11°, concluímos que é ilegal a aplicação retroactiva de uma ordem de reposição de ajudas comunitárias efectuada ao abrigo de norma jurídica superveniente, por violação das legítimas expectativas e direitos adquiridos dos particulares, dos princípios da legalidade e da boa fé no exercício da actividade administrativa (arts. 205°, n°2 da CRP e arts. 3º, 4°, 6°-A do CPA, arts 12° do C.C e 2°, n°2 e 11° do Regulamento n.° 2988/95).
NESTES TERMOS e impetrando o douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao recurso, como é de JUSTIÇA!”

5. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu o seguinte parecer:
“1. A questão colocada no presente recurso jurisdicional deve ser dirimida de acordo com a tese defendida pelo recorrente já que a jurisprudência deste STA se consolidou nesse sentido.
Com efeito, no Ac. do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo com o n° 1775/02 e de 3.5.07 (oposição de julgados) decidiu-se que -“ A recorrente contenciosa, beneficiária, em 1992, da ajuda comunitária POSEIMA, financiada pelo FEOGA- Secção Garantia, estava sujeita ao controlo a posteriori da realidade e regularidade da ajuda concedida, nos termos do Reg.(CEE) n°4045/89, do Conselho, de 21.12.1989, controlo que deveria ter lugar dentro do prazo de três anos exigido para a conservação da respectiva documentação comercial, se outro mais longo não estivesse previsto na legislação nacional, como decorre do segundo parágrafo do art°4° do citado Regulamento. Nos termos do art°40° do Código Comercial, as empresas devem conservar os documentos comerciais durante o prazo de dez anos (cf. tb) art°118°, n°2 do CIRS e art°115°, n°5 do CIRC). O referido em I e II, afasta a possibilidade de aplicação do art°141° do CPA, à revogação do acto de concessão da ajuda, decorrente de irregularidades detectadas através do referido controlo a posteriori”.
1.1. E mais se pode ler neste Ac. que —“ Ora, embora inicialmente este STA tivesse sustentado, em vários arestos a tese sufragada pelo acórdão recorrido, que chegou a ser maioritária, posteriormente ocorreu uma inversão dessa jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, tendo sido esta última orientação jurisprudencial que se firmou no Pleno da Secção, a partir do acórdão de 06.10.2005, proferido no rec. 2037/02, reiterada no acórdão, também do Pleno, de 06.12.2005, rec. 328/02, ambos tirados por unanimidade e onde se discutiam questões idênticas à que ora nos ocupa, também no âmbito de ajudas comunitárias financiadas pelo FEOGA-secção garantia.(Cf., além do referidos acórdãos do Pleno, entre outros, os recentes acórdãos da Secção de 19.09.2006, rec. 1038/05 e de 15.11.2006, rec. 346/06).
2. Como assim, somos de parecer que o recurso merece provimento.”

6. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1-DE FACTO

A sentença, sob recurso, deu como provada a seguinte matéria:
“Por despacho de 18.11.2002 dos Presidente e Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), notificado ao autor pelo oficio n° 046265, foi determinada a reposição por este da quantia de 116.096,37 €, considerada como indevidamente recebida, relativa à Ajuda Comunitária Poseima — 1995, concedida ao autor e a ele paga em 9.03.1995.
Tal reposição teve por fundamento de facto - “as ajudas processadas com base nos processos 95/AIA/783 e 95/AIA/785 foram indevidamente pagas ao operador, já que o titular dos respectivos certificados e do pedido de ajuda é a empresa B…………., Ldª, e as ajudas processadas com base nos processos n°s 95/AIA/436, 95/AIA/784, 95/AIA/787, 95/AIA/2186, 95/AIA/2187, 95/AIA/2503, 95/AIA/2787 e 95/AIA/2954, por terem sido indevidamente imputados os respectivos certificados, pois quem solicitou a sua imputação não era o titular dos certificados, bem como quem solicitou a ajuda”.
E por fundamento de direito “o n° 1 do artigo 8° do Regulamento (CEE) n° 729/90, do Conselho, de 21 de Abril, e nos termos do primeiro travessão do artigo 4°, n° 1, do Regulamento (CE, Euratom) n° 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro”.”


2–DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir

A……………………….., notificado despacho, de 18/11/2002, do Presidente e Vogal do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), que determinou a reposição da quantia de 116.096,37 €, com fundamento no n° 1 do artigo 8° do Regulamento (CEE) n° 729/90, do Conselho, de 21 de Abril, e nos termos do primeiro travessão do artigo 4°, n° 1, do Regulamento (CE, Euratom) n° 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, interpôs recurso contencioso de anulação do mesmo, alegando, em síntese:
a) A irrevogabilidade das ajudas legitimamente concedidas e pagas ao Recorrente em 1995, por violação do art. 141º, nº1, do CPA (artigos 26º a 36º da P.I);
b) Vício de violação de lei por aplicação retroactiva do Regulamento CE-EURATOM nº 2988/95 do Conselho, de 18.12 (artigos 37º a 50º da P.I);
c) Erro nos pressupostos, no direito aplicável e na determinação do destinatário do acto (artigos 51º a 56º da P.I);
d) Prescrição dos créditos (artigos 57º e 58º da P.I);
e) Da inexistência jurídica do segundo acto (artigos 59º a 65º da P.I.).
Por sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada foi julgado procedente o recurso e anulado o despacho recorrido, concluindo-se pela prescrição da obrigação de reposição das quantias por já ter decorrido mais de cinco anos após o recebimento, por aplicação do disposto no art. 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.
Inconformados, os ora recorrentes interpuseram recurso para o STA que, por Acórdão de 22/10/2008, proc nº 601/08, depois de concluiu não haver lugar à aplicação supletiva do regime especial de prescrição previsto no Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, uma vez que este regula “a reposição de dinheiros públicos que devam entrar nos cofres do Estado”, ordenou a baixa dos autos ao tribunal a quo para que fosse emitida pronúncia sobre as demais questões suscitadas.
Nesta sequência, o TAF de Ponta Delgada proferiu, em 23 de Novembro de 2009, novo Acórdão onde se conclui pela anulação do acto impugnado, considerando-se, em síntese, por aplicação da jurisprudência constante do Acórdão do STA, de 20/10/2004, proc nº 301/2004, que o acto de concessão de ajudas comunitárias é um acto administrativo constitutivo de direitos, sendo de lhe aplicar o regime de revogação de actos administrativos constante do nº 1 do art. 141º do CPA, nos termos do qual os actos administrativos inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do respectivo prazo (um ano).
Contra este entendimento vem o presente recurso jurisdicional argumentando, em síntese, os recorrentes que:
“O regulamento 4045/89 prevê que os controlos possam ser efectuados passado mais de um ano desde o pagamento da ajuda e prescreve um prazo mínimo de 3 anos, no decurso do qual os beneficiários são obrigados a conservar a documentação comercial que sustentou o pagamento da ajuda, sem prejuízo, no entanto, da possibilidade de os Estados-membros poderem prever um prazo mais longo” e que “Estado Português no art. 8.º, do D.L. 185/91, que regulamenta entre nós o Reg. 4045/89, estabelece para realização dos controlos os prazos da legislação comercial, ou seja 10 anos”, pelo que dispunham de um prazo de 10 anos para pedir a devolução das ajudas indevidamente pagas (cfr. pontos E, F, e G, das Conclusões).
Nas Contra-Alegações o recorrido reitera, entre o mais, que:
· “(…) o acto impugnado tem a natureza de um verdadeiro acto revogatório e, portanto, é ilegal, porque proferido sete anos após a concessão das ajudas, ou seja, muito para lá do prazo de um ano previsto naqueles preceitos. (Ac. STA de 20/10/2004, rec. 0301/04) (ponto E das Conclusões das Contra-alegações);
· “(…) o prazo mais alargado de conservação de documentos não tem necessariamente de coincidir com os prazos de controlo, e muito menos com o prazo de revogação de actos administrativos anuláveis (1 ano) ou de caducidade do direito à liquidação de tributos (4 anos), como resulta, respectivamente, do arts 141º, n°1 do CPA, e dos arts. 92°, n°1 do CIRS e 101° do CIRC, por remissão para os arts. 45° e 46° da LGT, conjugados com o art. 36°, n°1 do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária (republicado pela Lei n°50/2005, de 30/08) (Ponto I das Conclusões das Contra-alegações);
· “(…), ao tempo em que foi praticado o acto que concedeu as ajudas, em 09/03/1995, vigorava o Regulamento n°1696/92 da Comissão, de 30/06/1992 (especialmente aplicável aos Açores e à Madeira), e que o acto impugnado foi praticado com fundamento no primeiro travessão do art. 4°, n° 1 do Regulamento n.° 2988/95 do Concelho, de 18/12, em vigor apenas a partir de 26/12/1995, nos termos do seu art. 11°”, concluindo pela ilegalidade “da aplicação retroactiva de uma ordem de reposição de ajudas comunitárias efectuada ao abrigo de norma jurídica superveniente, por violação das legítimas expectativas e direitos adquiridos dos particulares, dos princípios da legalidade e da boa fé no exercício da actividade administrativa (arts. 205°, n° 2 da CRP e arts. 3º, 4°, 6°-A do CPA, arts 12° do C.C e 2°, n°2 e 11° do Regulamento n.° 2988/95”) (ponto U das Conclusões das Contra-Alegações).
Em face do exposto, a questão central a decidir é a de saber se a sentença recorrida, ao concluir pela aplicação do prazo de um ano previsto no art. 141º, nº 1, do CPA, ao acto revogatório (que ordenou a reposição das ajudas comunitárias) incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no art. 8º, nº 1, do Reg. (CEE) 729/70, o art. 4º do Reg. 4045/89 e o art. 8º do Decreto-Lei nº 185/91.

3. 1. Remetidos os autos ao Tribunal a quo, por Acórdão deste Supremo Tribunal de 22/10/2008, proc nº 601/08, para emissão de pronúncia sobre as demais questões suscitadas no recurso contencioso, foi o mesmo julgado procedente por se entender que, sendo o acto de concessão de ajudas comunitárias um acto administrativo constitutivo de direitos, “(…) os limites temporais estabelecidos no nº 2 do artigo 9º do Regulamento nº 729/70, de 21.4, e no artigo 4º do Regulamento (CEE) nº 4045/89 (conservação dos documentos comerciais pelas empresas durante, pelo menos, três anos), não contendem com os prazos para a revogação administrativa fixados pelas leis internas de cada Estado, conforme resulta do nº 1 do artigo 8º do citado Regulamento (CEE) 729/70”.
Contra este entendimento vem o presente recurso argumentando os recorrentes, em síntese, que o recorrente contencioso, beneficiário em 1995 da ajuda comunitária POSEIMA, financiada pelo FEOGA - Secção Garantia, estava sujeita ao controlo a posteriori da realidade e regularidade da ajuda concedida, nos termos do Reg.(CEE) n°4045/89, do Conselho, de 21/12/1989, controlo que deveria ter lugar dentro do prazo de três anos exigido para a conservação da respectiva documentação comercial, se outro mais longo não estivesse previsto na legislação nacional, como decorre do segundo parágrafo do art.º 4.º do citado Regulamento. Assim sendo, como o “Estado português no art. 8.º, do D.L. 185/91, que regulamenta entre nós o Reg. 4045/89, estabelece para realização dos controlos os prazos da legislação comercial, ou seja 10 anos,(…”) “O recorrente dispunha, pois, de um prazo de 10 anos para pedir a devolução das ajudas indevidamente pagas” (conclusões G e I).
Vejamos.
Sobre os pagamentos indevidamente efectuados no âmbito da ajuda POSEIMA instituída pelo Regulamento (CEE) nº 1600/92, do Conselho, de 15 de Julho de 1992 existe jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, sumariada, entre outros, no Acórdão do Pleno da Secção de 3/5/2007, proc nº 1775/02, onde se pode ler o seguinte:
“ I – A recorrente contenciosa, beneficiária, em 1992, da ajuda comunitária POSEIMA, financiada pelo FEOGA- Secção Garantia, estava sujeita ao controlo a posteriori da realidade e regularidade da ajuda concedida, nos termos do Reg.(CEE) nº4045/89, do Conselho, de 21.12.1989, controlo que deveria ter lugar dentro do prazo de três anos exigido para a conservação da respectiva documentação comercial, se outro mais longo não estivesse previsto na legislação nacional, como decorre do segundo parágrafo do artº4º do citado Regulamento.
II – Nos termos do artº40º do Código Comercial, as empresas devem conservar os documentos comerciais durante o prazo de dez anos (cf. tb) artº118º, nº2 do CIRS e artº115º, nº5 do CIRC).
III – O referido em I e II, afasta a possibilidade de aplicação do artº141º do CPA, à revogação do acto de concessão da ajuda, decorrente de irregularidades detectadas através do referido controlo a posteriori”.

3.1.1. Importa realçar que embora inicialmente este STA tivesse sustentado, em vários arestos, a tese sufragada pela sentença recorrida, a verdade é que a partir do Acórdão do Pleno da Secção, de 6 de Outubro de 2005, proferido no recurso nº 207/02, deu-se a inversão dessa jurisprudência no sentido do Acórdão do Pleno atrás sumariado.
Com efeito, passou a defender-se que sendo detectadas irregularidades em controlos posteriores à concessão da ajuda, ainda que por vícios já presentes no momento da concessão das mesmas, não será de aplicar o prazo previsto no artº 141º do CPA, mas sim os prazos mais alargados que sejam impostos por normas comunitárias ou normas nacionais que apliquem aquelas, como sucede com o Despacho Normativo nº 230/93 que prevê no seu ponto 13 que os beneficiários das ajudas devem manter à disposição do INGA, contabilidade organizada, durante três anos, ou prazo maior como é o caso do prazo de dez anos estabelecido pelo direito nacional no Código Comercial no seu artº 40º bem como o CIRS no artº 118º, nº 2, e CIRC artº 115º, nº 5.
Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Pleno da Secção do CA, de 19/9/2006, proc nº 1038/05, embora seguindo o anterior firmado em 6 de Outubro de 2005, e que passamos a seguir:
“(…) também no CIRS art.º 118.º 2 e no CIRC, art.º 115.º - 5 - (Vd. J M Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I vol. P. 176) o prazo de dez anos para o comerciante conservar a sua escrituração mercantil, pelo que é este prazo mais longo aquele durante o qual podem ser efectuados controlos de acordo com as normas comunitárias, controlos esses que têm necessariamente de surtir os efeitos que para eles a lei determina, designadamente a revisão das ajudas financeiras concedidas e consequente exigência do que foi indevidamente pago e nessa medida a revogação do acto que as concedeu, sendo o prazo desta revogação dilatado até ao referido limite temporal.
Portanto, é recusada a aplicação da norma do artigo 141.º n.º 1 do CPA, embora se considere que a estabilidade e a segurança não deixam de ser protegidas, antes passam a ser protegidas de forma menos intensa, cedendo em parte, à necessidade de protecção de outros valores de semelhante relevância.”.
“No fundo o que se pretende com a aplicação do prazo mais longo é impedir que a aplicação do prazo curto do artº 141º do CPA, proteja a utilização dos fundos comunitários para fins diferentes dos que estiveram na base da sua criação, neste sentido o acórdão citado refere”, “(…) é oportuno referir que a matéria factual considerada no acto administrativo que atribui uma vantagem ao particular, se foi apresentada pelo próprio interessado de modo errado à Administração tendo em vista induzir em erro, enganar e assim obter um beneficio ilegítimo ou até proibido por lei - assim como nos casos em que o particular bem sabe quais os requisitos que tem de cumprir para a atribuição do beneficio e o recebe desde logo para cumprir esses requisitos, mas abusando da confiança que está na base das relações do comércio jurídico, não cumpre as condições que a sua posição na relação jurídica comporta - deveria ter como efeito a obrigação de reposição do que recebeu, como consequência do não preenchimento dos pressupostos que eram esperados da sua parte para a perfeição da relação jurídica, sob pena de se consagrar a obtenção ilegítima do beneficio.
É ainda de ter em conta que mesmo não existindo ou não sendo possível caracterizar dolo ou má-fé do particular, o simples incumprimento por este das regras que o vinculam e que aceitou para conseguir um beneficio desde logo atribuído numa base de confiança no preenchimento desses condicionalismos, criam uma situação cuja estrutura se desvia substancialmente da que é própria do acto praticado com base na verificação prévia dos respectivos pressupostos através do procedimento administrativo.
Na situação favorável ao particular que é criada numa base de confiança, enquanto, ou na medida em que os pressupostos que o particular tinha de preencher não se verificarem a relação jurídica está incompleta, mesmo que lhe tenha sido entregue a prestação da parte pública que com ele se encontra em relação, e daí que dê lugar à obrigação de repor tudo o que se recebeu com vista à relação cujos pressupostos se não preencheram e que o controlo verifica que já não vão preencher-se, pelo que não pode considerar-se que estamos perante a mesma estrutura daquele acto em que os pressupostos são verificados pela Administração entes da concessão, nem se pode dizer que estamos em fase de execução da definição operada pela concessão da ajuda, visto que o acto é praticado no conhecimento de que os pressupostos têm de verificar-se no futuro, sendo um ónus que impende sobre o beneficiário da ajuda fazer com que se verifiquem, mas sendo bem conhecido dos intervenientes que alguns pressupostos ainda se não verificam, sabendo-se que, por vezes, alguns deles só poderão passar a verificar-se depois de entregue a ajuda e através da sua aplicação nos termos previstos.
O que o particular recebe nestas situações é entregue em vista de uma relação que se espera vir a tornar-se perfeita, mas se intervierem factores de desvio pode gorar-se antes de se concluir ou tornar perfeita, pelo que surge aqui o dever de repetir o indevido que é um dever geral de justiça e não uma decorrência do “fecho” da relação jurídica em cuja preparação se verificou a entrega da ajuda financeira, entrega que é logo efectuada, porque se fosse remetida para momento posterior retiraria toda a possibilidade de se alcançarem os objectivos que através da sua concessão se pretendem obter.
Guiado por este princípio fundamental de direito da repetição do indevido, mais do que pela defesa “à outrance” dos interesses da Comunidade, o Tribunal de Justiça das Comunidades tem vindo a firmar desde o Acórdão Deutshe MilchKontor (Proc. 205/82ª 215/82) uma jurisprudência constante e repetida no sentido de que a aplicação do Direito Comunitário seria gravemente perturbada caso os Tribunais nacionais decidissem com base em regras que proíbem a revogação de actos administrativos em prazos de um ano, assim tornando impossível, na prática, recuperar ajudas indevidamente atribuídas (designadamente nos termos dos Regulamentos CEE 729/70) e postergando outro princípio geral de direito, porventura sem suficiente ponderação dos interesses e valores em presença.
Este princípio do Direito Comunitário não contraria as exigências e princípios do Direito Interno pois que também ele se orienta pelas mesmas razões de justiça efectiva e também na ordem interna vigora o princípio da repetição do indevido, regra de base civilística, mas que perpassa todo o ordenamento, concretizado no direito público como corolário directo do princípio da justiça inscrito no art.º 266.º n.º 2 da Constituição e comando aplicável a toda a actividade administrativa.
O que poderá contrariar a aplicação correcta dos princípios gerais de direito será a interpretação rígida da regra do artigo 141.º do CPA transformando-a em regra absoluta e superior a todos os outros princípios jurídicos.
Ora, no que interessa à decisão do caso submetido à nossa análise, o Tribunal de Justiça das Comunidades tem dito que as regras dos Estados Membros sobre prazo de revogação de actos administrativos ilegais como a do artigo 141.º do CPA, quando se tratar de reaver quantias pagas a título de ajudas comunitárias, de acordo com os Regulamentos Comunitários, mas que foram indevidamente atribuídas e recebidas, têm de ser aplicadas pelos Tribunais nacionais sem ignorar que a obrigação de repetição do indevido tem o valor de princípio geral de Direito Comunitário, pelo que não pode ser postergado, nem paralisadas as garantias que dele derivam, por disposições nacionais sobre a revogação que são resultantes da cristalização, da preponderância ou relevância exclusiva do princípio da segurança, sem a adequada ponderação de outros princípios estruturantes do ordenamento jurídico comunitário (e também de direito nacional como antes sublinhámos, mas que não importa à decisão do presente caso).
Como refere expressivamente o Acórdão Martin Huber, de 19.9.2002, P. C-336/2000:
“As regras previstas pelo direito nacional não podem, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil a recuperação dos auxílios indevidos….
Assim, não pode considerar-se contrário ao direito comunitário que o direito nacional em matéria de revogação dos actos administrativos e de restituição de prestações financeiras indevidamente pagas pela administração pública tome em consideração ao mesmo tempo que o princípio da legalidade, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, dado que estes fazem parte da ordem jurídica comunitária.
Contudo, o interesse da Comunidade na recuperação das ajudas recebidas em violação das condições para a sua concessão deve ser integralmente tomado em consideração quando da apreciação dos interesses em causa.
No mesmo sentido, tendente a fazer sobressair a relevância do princípio da restituição do que foi indevidamente recebido, se pronunciaram além dos dois antes referidos muitos outros Acórdãos do TJC dentre os quais se destacam os casos Oelműhle e Schmidt Sohne, de 16.7.98, P. C-298/96; Flemmer, de 9.10.2001, P. C-80/99.”
“Existem boas razões para aplicar estes princípios não apenas aos casos em que a ajuda de Estado foi concedida em violação das regras do art. 93.º do Tratado, como sucedia no caso Alcan (Ac. Do TJC de 20.03.1997) isto é, quando o Estado membro concedeu ajudas que contrariam as regras do direito comunitário, mas também quando se trata de execução de ajudas instituídas por normas comunitárias.
Efectivamente, a diferença pode estar na necessidade de defender a boa-fé do beneficiário da ajuda.
“Mas, é bem evidente que tendo a ajuda sido concedida com base nas declarações prestadas pelo beneficiário, se justifica que a solidificação da situação se dê passado o prazo previsto para as verificações estabelecido pelas normas aplicáveis e à partida conhecidas de quem faz a declaração inexacta e recebe a ajuda, e não como sucede com os actos administrativos em que os pressupostos são reunidos na fase instrutória pela Administração e por ela analisados antes da prolação do acto final. É que, como refere o Ac. Martin Huber “A aplicação do princípio da protecção da confiança legítima implica que esteja provada a boa fé do beneficiário do auxílio em causa”.
“Efectivamente, a entidade que declara factos que não correspondem à realidade para obter uma ajuda de Estado aproveita da confiança que nela é depositada e a boa-fé que necessita de protecção é nestas situações a da parte pública que adianta o montante da ajuda baseado nas declarações do particular.
“No caso o DN 230/93 dispunha sob o n.º 12 que os controlos previstos no Regulamento CEE n.º 1372/93 incidirão sobre as empresas beneficiárias da ajuda e serão realizados pelo INGA ou por outras entidades por este designadas para o efeito, devendo os beneficiários manter a escrita organizada à disposição do INGA durante os três anos seguintes a cada ano de concessão da ajuda.”
Por outro lado, ficou igualmente consignado no Acórdão do Pleno da Secção do CA do STA, de 3/5/2007, porque relativamente “às ajudas POSEIMA aqui em causa, não estava, à data, especialmente previsto, na legislação comunitária ou nacional, qualquer prazo para a sua recuperação, em caso de irregularidade da sua concessão, detectada após realização do controlo a posteriori à documentação da empresa que suporta o pedido de ajudas, sendo, portanto, de ter em conta para o efeito, pelas razões supra apontadas, o prazo geral de dez anos, previsto na lei nacional para a escrituração mercantil (artº40º do Cód. Com., artº118, nº2º do CIRS e artº115º, nº5 do CIRC), por ser mais longo que o prazo de três anos, previsto, em geral, na legislação comunitária, então aplicável, para a conservação dos documentos comerciais pelas empresas (cf. artº4º, nº1 do REg. (CEE) nº4045/89 do Conselho de 21.12.89)”. Neste sentido se tem orientado a jurisprudência deste STA, podendo ver-se, além do citado, os Ac. de 22.6.2005, P. 661/05; 2005.10.06, P. 2037-02 (Pleno) e de 6.12.2005, P. 0328/02 (Pleno).
Em face do exposto, aplicando a jurisprudência mencionada ao caso dos autos e tendo o acto contenciosamente impugnado, que determinou a devolução das ajudas pagas a mais, sido praticado dentro do referido prazo de dez anos, a sentença recorrida não pode manter-se por enfermar de erro de julgamento.
Termos em que é de dar provimento ao recurso, devendo os autos voltar ao tribunal a quo para que emita pronúncia sobre as demais questões suscitadas no recurso contencioso, incluindo as reiteradas no ponto U das Conclusões das Contra-alegações, por ser entendimento uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo que, nos recursos jurisdicionais regulados pela LPTA, não é possível conhecer em substituição de vícios não apreciados na decisão recorrida (cfr. , entre outros, os Acórdãos do STA de: 14/12/99, recurso nº 44424; de 13/2/2002, recurso nº 48403; de 22/10/2008, recurso nº 601/08).

III - DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, devendo os autos baixar ao tribunal “a quo” para pronúncia das demais questões suscitadas no recurso contencioso.

Custas pelo recorrido em ambas as instâncias.

Lisboa, 12 de Setembro de 2013. – Maria Fernanda dos Santos Maçãs (relatora) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.