Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0164/10
Data do Acordão:06/30/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
RECURSO JUDICIAL
PRAZO
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
DIREITO DE DEFESA
Sumário:I - Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, sendo um dos casos em que tal manifestamente se justifica - pois que em causa está a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República) - aquele em que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi rejeitada.
II - Nos termos do artigo 63.º daquela lei, também subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, do despacho do juiz que rejeite o recurso por extemporâneo há recurso, independentemente do valor da coima aplicada.
III - Se em face de uma notificação pouco clara se suscitam dúvidas quanto ao termo inicial do prazo indicado para a interposição do recurso, tem o mandatário judicial do arguido o ónus de as procurar esclarecer, tanto mais que para tal bastaria consultar o preceito legal expressamente indicado na notificação e do qual resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem, não lhe sendo lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos.
IV - É de 20 dias contados da notificação o prazo de que o arguido dispõe para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da Lei Quadro das Contra-ordenações (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
Nº Convencional:JSTA00066508
Nº do Documento:SA2201006300164
Data de Entrada:03/05/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF ALMADA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRA ORDENAÇÃO TRIB.
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CCIV66 ART8 N3.
LOFTJ99 ART24 N1.
RGCO ART73 ART63 ART60.
RGIT01 ART3 B ART83 ART80.
CONST76 ART20 ART32 N10 ART268 N4.
CPC96 ART145 N5.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC349/09 DE 2009/06/03.; AC STA PROC479/09 DE 2009/07/01.; AC STA PROC1181/09 DE 2010/02/18.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG577-578.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, Lda, melhor identificada nos autos, não se conformando com o despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que não admitiu, por intempestivo, o recurso que havia interposto da decisão de aplicação de coima, no valor de € 550,00, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. A recorrente não pode aceitar a rejeição do recurso de contra ordenação, por intempestividade, constante do despacho de fls. (…)
B. A divergência da Recorrente com o Tribunal “a quo” reside, salvo melhor opinião, apenas na interpretação da notificação dos Serviços de Finanças de Palmela (Doc. 7 junto aos autos.).
C. Entende o Tribunal “a quo” que só existe um prazo de 20 dias e que tendo a Recorrente sido notificada em 25.03.2009 e apresentado o recurso no dia 04.05.2009, este é extemporâneo.
D. Entende a Recorrente que há dois prazos distintos e cumulativos na referida notificação e que o prazo de interposição de recurso da contra ordenação, atento o disposto no ponto 1 da notificação dos Serviços de Finanças de Palmela e o que acima alegou, decorre durante os 20 dias subsequentes ao termo do prazo de 15 dias previstos no ponto 2 da mesma, pelo que o prazo de recurso decorreu entre 10.04.2009 e 08.05.2009, e,
E. Que tendo o recurso dado entrada no dia 04.05.2009 é tempestivo.
O Ministério Público, junto da 1ª instância, contra-alegou nos termos que constam de fls. 82 e segs., que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir do seguinte modo:
- o prazo de recurso da decisão de aplicação de uma coima por entidade administrativa é, apenas, o de 20 dias previstos no artigo 80º n° 1 do RGIT;
- a arguida, ora Recorrente, foi notificada dessa decisão em 25/03/2009, pelo que o prazo de interposição de recurso dessa decisão iniciou-se em 26/03/2009 e terminou em 23/04/2009;
- o presente recurso foi interposto em 04/05/2009, pelo que se verifica a sua extemporaneidade.
- o despacho recorrido fez uma correcta apreciação dos factos provados e uma adequada aplicação do direito.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de acompanhar a contra-motivação daquele Magistrado, acrescentando, ainda, dois arestos desta Secção do STA que perfilham o mesmo entendimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. Em 13/03/2009, foi proferida decisão de aplicação da coima no montante de € 550,00 acrescida de custas, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Palmela, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 119°, n° 1 e art. 26°, n° 4, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias (cfr. fls. 14/15).
2. Em 25/03/2009 (data da assinatura do aviso de recepção de fls. 17 dos autos), a ora recorrente foi notificada através do ofício do Serviço de Finanças de Palmela, com o n°2302 datado de 13/03/2009, da decisão de aplicação da coima, bem como da possibilidade de deduzir recurso da decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias contados da data de assinatura do aviso de recepção, e nos termos do art. 80° do Regime Geral das Infracções Tributárias (cfr. fls. 13-A).
3. Em 04/05/2009 foi apresentada por correio electrónico a petição inicial registada com a entrada n°59018 (cfr. fls. 49/54).
4. E em 14/05/2009 foi apresentada nova petição, em substituição da anterior, dando origem ao processo de impugnação judicial n° 638/09.OBEALM (cfr. fls. 21/27).
5. A petição mencionada no ponto anterior foi convolada em recurso da decisão de aplicação da coima e remetida ao respectivo Serviço de Finanças (cfr. despacho de fls. 36).
3 – São duas as questões a conhecer no presente recurso, a saber: uma prévia e que tem a ver com a admissibilidade do recurso e tempestividade do recurso da decisão que aplicou a coima.
Questões idênticas às agora transcritas foram já apreciadas no Acórdão desta Secção do STA de 3/6/09, in rec. nº 349/09, que o Relator subscreveu, pelo que vamos aqui proceder à sua transcrição, com as adaptações adequadas, procurando desta forma obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC).
Assim e quanto à primeira das referidas questões, aliás, prejudicial, escreve-se naquele aresto que “estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do RGIT que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
No caso dos autos não foi aplicada sanção acessória e a coima aplicada é no valor de € 550,00, inferior, pois, à alçada dos tribunais tributários (correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – ou seja, 1250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto).
Admite-se, contudo, que em casos justificados se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, sendo um dos casos em que tal manifestamente se justifica - pois que em causa está a garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 1 e 268.º n.º 4 da Constituição da República) e a vertente judicial do direito de defesa do arguido no processo de contra-ordenação (artigo 32.º, n.º 10 da Constituição da República) - neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA/MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., Lisboa, pp. 577/578 (nota 7 ao art. 83.º do RGIT) - aquele em que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima foi rejeitada, situação prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 73.º da LQC e que se configura nos autos, pois que o despacho recorrido rejeitou a impugnação da decisão administrativa de aplicação da coima, com fundamento na sua intempestividade (cfr. despacho a fls. 58 dos autos).
Acresce que, nos termos do artigo 63.º da LQC, também subsidiariamente aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, do despacho do juiz que rejeite o recurso feito fora do prazo há recurso, recurso este que não depende do valor da coima aplicada.
Assim, não obstante o valor da coima aplicada se situar abaixo do valor da alçada dos tribunais tributários, decide-se admitir o presente recurso com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 73.º e no n.º 2 do artigo 63.º da LQC, aplicáveis ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT”.
4 – Quanto à segunda daquelas questões, escreve-se, também, no predito aresto que “o fundamento para a rejeição pelo tribunal “a quo” do recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima foi a sua intempestividade, pois que o prazo para a interposição do recurso é de 20 dias após a sua notificação (artigo 80.º, n.º 1 do RGIT), este prazo não é um prazo judicial (pelo que não se lhe aplica o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil), o arguido foi notificado da decisão em 25/3/09 mas a impugnação da decisão só deu entrada no Serviço de Finanças de Palmela em 4/5/09, ou seja, já depois de expirado o prazo para a impugnar, que teria terminado em 23/4/09 (cfr. despacho recorrido a fls. 58 e segs.).
Contra este entendimento reage a recorrente, que não pondo em causa que recebeu a notificação em 25/3/09, vem alegar, em suma, que o prazo de 20 dias que nesta lhe era indicado para interpor recurso judicial se contaria após os 15 dias de que dispunha para efectuar o pagamento voluntário da coima (al. D) das conclusões da motivação do recurso), pelo que teria em tempo apresentado a sua defesa.
Vejamos.
A notificação da decisão administrativa da coima, a fls. 40 dos autos, consiste num texto pré-formatado que, efectivamente, não é um modelo de clareza nem no que respeita ao prazo para interposição do recurso nem quanto a outros aspectos.
É certo que dele não resulta a indicação inequívoca de que o prazo de 20 dias para recorrer se conta da notificação, mas também não resulta inequivocamente que tal prazo se conte findo o de 15 dias para requerer o pagamento voluntário. Consideramos que a dúvida quanto ao termo inicial da contagem do prazo seria legítima em face da pouca clareza do texto na notificação, mas havendo dúvida havia o ónus de a ver esclarecida, esclarecimento este de muito fácil obtenção pois que a notificação indica de forma expressa o preceito legal aplicável (o artigo 80.º do RGIT), deste resulta de modo inequívoco tanto o prazo como o termo inicial da sua contagem, acrescendo ainda que a arguida se faz representar no processo por advogado, que está funcionalmente obrigado a conhecer a lei.
Não lhe é, pois, lícito pretender, com fundamento na pretensa obscuridade da notificação, ter direito a mais prazo para recorrer do que aquele que a lei confere a todos.
É, pois, de 20 dias após a notificação o prazo de que o arguido dispunha para interpor recurso da decisão administrativa de aplicação da coima (artigo 80.º n.º 1 do RGIT), havendo que contar este prazo nos termos do artigo 60.º da LQC (ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados”.
Neste sentido, pode ver-se, entre outros, os Acórdãos desta Secção do STA de 1/7/09, in rec. nº 479/09 e de 18/2/10, in rec. nº 1.181/09.
Posto isto e voltando ao caso dos autos, conclui-se que o prazo para interposição do recurso terminou efectivamente em 23/4/09.
Daí que, a decisão judicial que assim o considerou e em conformidade rejeitou por extemporâneo o recurso da decisão de aplicação da coima, não merece, pois, qualquer censura, devendo ser confirmada.
5 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 30 de Junho de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – Jorge Lino – Casimiro Gonçalves.