Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0463/11
Data do Acordão:10/12/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
INDEFERIMENTO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - A impugnação judicial de indeferimento de reclamação graciosa tem por objecto imediato a decisão da reclamação e por objecto mediato os vícios imputados ao acto de liquidação.
II - Anulado o indeferimento da reclamação por vício procedimental desta, cabe ao tribunal conhecer dos restantes vícios imputados ao acto tributário, uma vez que este é competente para conhecer em tal impugnação, quer do indeferimento da reclamação, quer dos vícios imputados ao acto tributário.
Nº Convencional:JSTA00067179
Nº do Documento:SA2201110120463
Data de Entrada:05/09/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais:DIR FISC - IRS
DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUG JUDICIAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART69 E
LGT98 ART58
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1877/03 DE 2004/06/16
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Penafiel que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A… e B…, com os demais sinais nos autos, contra o indeferimento de reclamação graciosa relativa a liquidação adicional de IRS do ano de 2003, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A). A douta sentença sob recurso padece de erro de julgamento, porquanto a falta fundamentação da decisão do procedimento de reclamação graciosa, que acarreta a anulação daquela decisão, não infirma o acto tributário de liquidação naquele procedimento posto em causa
B). Apreciação que, cabalmente, não resulta da decisão judicial recorrida.
C). Tal vício poderá ter a virtualidade de anular a decisão administrativa proferida na reclamação graciosa, podendo apenas conduzir ao proferimento de nova decisão na reclamação, com a devida sanação do vício procedimental, no que não se concede, mas nunca à anulação da liquidação impugnada.
D). O processo de impugnação judicial instaurado na sequência e por causa do indeferimento expresso de uma reclamação graciosa tem por objecto imediato esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação cuja anulação é visada a final, como se extrai da al. c) do n.° 1 do art.° 97º do CPPT.
E). Neste seguimento, padece a douta sentença de vício de nulidade, por desrespeito ao disposto no art.° 125° do CPPT e na alínea d) do n.° 1 do 668° do CPC.
F). A douta sentença sob recurso padece ainda de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao interpretar erroneamente o devido sentido e alcance do disposto no art°. 1 25° do CPA e art.° 77° da LGT, na medida em que considera que a fundamentação da decisão da reclamação graciosa sofre de vício de fundamentação, por omissão de pronúncia e consequente insuficiência de fundamentação.
G). Bem como, ao interpretar erroneamente o disposto na al. e) do art.° 69° do CPPT, pois decorre literalmente daquela norma que, no processo de reclamação graciosa, a prova é limitada à forma documental e aos elementos de que os serviços disponham,
H). Ficando as diligências complementares subordinadas ao poder discricionário do órgão instrutor, que aferirá, de vontade própria, da sua conveniência.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.
2. Contra-alegando, vieram os recorridos concluir:
1ª). A douta sentença sob recurso não interpreta erroneamente a alínea e) do art°. 69° do CPPT.
2ª). Não decorre literalmente daquela norma que no processo de reclamação graciosa a prova é limitada à prova documental e aos elementos de que os serviços disponham
3ª). Na reclamação graciosa o Reclamante pode requerer a produção de outros meios de prova, que não apenas a prova documental, desde que justifique a essência idade dos mesmos para a descoberta da verdade material.
4ª). O indeferimento de ditos meios de prova na decisão que põe cobro à reclamação graciosa deve ser expressamente fundamentado 5ª). Se a decisão que põe termo à reclamação graciosa omite as razões para o indeferimento da prova requerida, padece de vício de fundamentação, por omissão de pronúncia e consequente insuficiência da fundamentação
6ª). Por outro o lado, o dever de fundamentação da decisão que indefere a produção de prova requerida pelo Reclamante também decorre dos princípios da boa fé e da segurança jurídica.
7ª). Face à recusa de audição das testemunhas requerida pela Reclamante, o contribuinte poderá alegar a ilegalidade da decisão que for proferida e consequentemente da liquidação, por violação do princípio do inquisitório, e por conseguinte, do bloco de legalidade
8ª). O vício de falta de fundamentação do valor de mercado dos trespasses enferma simultaneamente a liquidação e a decisão que pôs termo à reclamação graciosa
9ª). Não se tratando de um mero vício formal mas antes de um vício substancial.
10ª). Tratando-se de aplicação de métodos indirectos por afastamento do valor de mercado é manifesto o acrescido dever de fundamentação que impende sobre a Administração na determinação do que venha a ser o valor de mercado.
11ª). Que é simultaneamente, índice de aplicação de métodos indirectos e índice de correcção dos valores declarados pelo contribuinte.
3. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 263/264, no qual defende a manutenção da decisão recorrida.
4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.
5. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A) Os impugnantes foram sujeitos a uma acção inspectiva aos seus rendimentos de IRS do exercício de 2003, que conclui pela determinação da matéria tributável, com recurso a métodos indirectos pelos fundamentos constantes de fls. 95 a 101 do apenso de reclamação graciosa, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
B) O relatório da inspecção tributária conclui pela correcção à matéria tributável no valor de 753.588,42€ (fls. 92, 93 e 101 do apenso).
C) Com a referida correcção, a administração tributária fixou aos impugnantes, para o ano de 2003, um rendimento líquido de 867.728,65 € (fls. 21 a 26 do apenso).
D) Os impugnantes apresentaram pedido de revisão da matéria tributável (fls. 138 do apenso).
E) No pedido de revisão não houve acordo, não tendo estado presente perito independente, tendo sido apresentado parecer do perito da administração tributária e dos impugnantes e proferida decisão, cujo teor consta de fls. 126 a 137 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido (fls.124 e 125 do apenso).
F) Os impugnantes foram notificados da liquidação dos rendimentos relativos ao ano de 2003, com um valor a pagar de 372.060,92 €, correspondente à soma do imposto apurado de 329.388,68 € e a juros compensatórios no valor de 42.672,24 € e apresentaram reclamação graciosa (fls. 2, 38 e 39 do apenso).
G) Os impugnantes apresentaram a reclamação graciosa de fls. 2 a 18 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls. 2 a 38 do apenso).
H) Os impugnantes arrolaram uma testemunha e requereram a sua inquirição (fls. 18 do apenso).
I) Aí os impugnantes invocam, entre o mais, o vício de fundamentação na aplicação de métodos indirectos, contestando o valor de mercado do trespasse apurado pela administração tributária invocando dois critérios para determinação do valor de trespasse sendo que um apresenta um valor de cerca de 430.000,00 € e outro de 553.000,00 €, invocando ainda as condições do trespasse e as alterações dos negócios das farmácias (fls. 2 a is do apenso).
J) Sobre a reclamação graciosa foi realizado o projecto de decisão de fls. 150 e 151 do apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (fls 150 e 151 do apenso).
K) E foi proferido o projecto de despacho de indeferimento, fundado no parecer constante de fls. 153 a 157, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e no projecto de decisão referido na alínea anterior (fls. 153 a 157 do apenso).
L) Os impugnantes foram notificados do projecto do despacho de indeferimento e para o exercício do direito de audição, que não exerceram (fls. 158 e seguintes do apenso).
M) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 20/11/2008, com o seguinte teor:
«Em 2008-11-04 o reclamante foi notificado por carta registada, através do oficio n° 77 677/0403 do teor do projecto de despacho proferido em 2008-10-30, e para exercer, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, o direito de audição previsto no art° 60º da Lei Geral Tributária (LGT).
Face à ausência de resposta, em exercido do direito de audição prévia, INDEFIRO a pretensão do reclamante, nos termos e com os fundamentos constantes do projecto de decisão, oportunamente notificado, tomando-se definitiva a decisão ínsita no projecto de despacho.
Notifique-se o reclamante para, querendo, recorrer hierarquicamente da decisão nos termos do art° 76°, n° 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário, no prazo de 30 (trinta) dias, referido no art° 66°, n° 2 do mesmo diploma ou impugná-la, no prazo de 15 (quinze) dias estabelecido no art° 102°, n° 2 do citado código.» (fls. 160 do apenso).
6. De acordo com as conclusões das alegações são as seguintes as questões a conhecer no presente recurso:
a) Vício de nulidade da sentença por omissão de pronúncia (conclusões das alíneas A) a E));
b) Erro de julgamento quanto à matéria de direito ao interpretar erroneamente o devido sentido e alcance do disposto no artº 125º do CPA, 77º da LGT e 69º, alínea e) do CPPT.
Comecemos por conhecer da 1ª questão.
6.1. Argumenta a recorrente FP dizendo que a falta de fundamentação da decisão da reclamação graciosa acarreta apenas a anulação daquela, mas não afecta o acto tributário de liquidação posto em causa naquele procedimento. Uma vez que da sentença recorrida não consta essa apreciação, existe omissão de pronúncia.
Ora, desde já diremos, acompanhando o MºPº (fls. 263/264) e o despacho de sustentação de fls. 236, que não ocorre tal vício. Com efeito, só se verificará omissão de pronúncia se o juiz deixar de se pronunciar sobre questão que lhe tenha sido submetida pelas partes e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão dada a outra questão.
No caso concreto dos autos, a decisão recorrida entendeu que a anulação da decisão de reclamação prejudicava o conhecimento dos vícios da liquidação impugnada porque essa anulação implicava a prolação de nova decisão que poderia ou não alterar a liquidação impugnada. Assim, não faria sentido estar a apreciar os vícios imputados ao acto de liquidação que depois poderia vir a ser alterado.
Temos então que a questão foi conhecida, pelo que poderá eventualmente existir erro de julgamento, mas não vício de omissão de pronúncia.
6.2. Porém, como bem refere a recorrente na conclusão da alínea D), o processo de impugnação judicial instaurado na sequência e por causa de indeferimento expresso de uma reclamação graciosa tem por objecto imediato esse mesmo indeferimento e por objecto mediato o acto de liquidação cuja anulação é visada a final.
Sobre esta mesma questão escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 16.06.2004- Processo nº 01877/03:
“Ora, a impugnante invocou, na impugnação judicial seguinte à reclamação, vícios ou ilegalidades tanto do acto tributário de liquidação como do próprio procedimento da reclamação graciosa.
Sendo que a sentença, como se referiu, anulou aquele por vício deste: preterição do direito de audição.
Pelo que há que definir o objecto da impugnação judicial do indeferimento da reclamação: se a própria liquidação, se a decisão de indeferimento da reclamação, se ambas.
Segundo dispõe o artº. 68°, n.º 1 do CPPT, a reclamação "visa a anulação total ou parcial dos actos tributários" e – artº. 70°, nº 1 -"pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial".
A interligação entre os dois processos é tal que o n.º 2 daquele primeiro normativo proíbe a reclamação "quando tiver sido apresentada impugnação judicial com o mesmo fundamento".
O que está em sintonia com o disposto no art. 111°, n.ºs 3 e 4, donde "resulta uma preferência absoluta do processo judicial sobre o processo administrativo de impugnação de um mesmo acto tributário, impedindo-se que seja apreciada, por via administrativa, a legalidade de um acto tributário que seja objecto de impugnação judicial - cfr. CPPT, cit., pág. 342, nota 11.
Assim, do indeferimento da reclamação, sem dúvida que emerge a manutenção do acto tributário de liquidação.
Todavia, também a própria decisão de indeferimento está em causa, pois dela cabe impugnação judicial, nos termos expostos.
Propendemos, até, ao entendimento de que esta constitui o seu objecto imediato e a liquidação o seu objecto mediato - cfr. o Ac. deste STA, de 07/06/2000 rec. 21.556.
Todavia, tal diferenciação não tem relevo uma vez que, assim sendo, os dois integram o conhecimento do tribunal: o acórdão do STA de 06/11/1996 rec. 20.519, seguido pelo aresto daquela mesma data proferido no recurso 24.803, considera objecto imediato da impugnação o acto de liquidação mas logo acrescenta que aí se conhece tanto dos aspectos atinentes aos vícios próprios do indeferimento da reclamação como das ilegalidades imputadas ao acto tributário que aquele considerou não existirem.
Como ali se refere, ainda que a decisão da reclamação não constitua um acto tributário "stricto sensu", "não estava o legislador impedido de o fazer equivaler a um acto tributário para efeitos de escolha do respectivo processo judicial, desde que esse meio processual se revelasse como sendo o mais funcionalmente adequado à defesa do direito em causa". “
Daqui resulta então que, deduzida impugnação judicial do indeferimento de uma reclamação graciosa, das duas uma:
a) ou o tribunal confirma o indeferimento, mantendo-se o acto tributário impugnado;
b) ou o tribunal anula esse indeferimento, nomeadamente por vício procedimental; neste caso, o tribunal tem de apreciar os vícios imputados ao acto de liquidação, uma vez que a impugnação tem por objecto, tanto a decisão da reclamação, como os vícios do próprio acto de liquidação.
E não colhe aqui o argumento do despacho de sustentação de fls. 236, no sentido de que com a anulação da decisão da reclamação graciosa fica prejudicado o julgamento da liquidação impugnada e ainda que o julgamento desta, antes da decisão da reclamação graciosa, constituiria a prática de um acto inútil que é proibido por lei.
Esta conclusão estaria correcta se a impugnação do indeferimento fosse autónoma da do acto de liquidação. Então, anulado o indeferimento, a Administração Tributária poderia/deveria praticar novo acto que poderia manter ou alterar o acto de liquidação.
No presente caso, o legislador entendeu que a impugnação deveria abranger, quer a reclamação, quer o acto de liquidação, pelo que a Administração Tributária não tem de praticar novo acto já que o tribunal aprecia logo os vícios do acto de liquidação.
E bem se compreende esta opção do legislador pois que, numa situação como a dos autos, a Administração Tributária poderia indeferir novamente a reclamação, após sanação do vício formal, obrigando novamente o contribuinte a impugnar o acto de liquidação com os fundamentos anteriormente invocados. Assim, melhor é que o tribunal conheça logo dos vícios imputados ao acto tributário na impugnação do indeferimento da reclamação.
Importa então conhecer da verificação dos fundamentos para a anulação do indeferimento da reclamação, o que nos leva a conhecer das conclusões F) a H) das alegações.
6.3. A decisão recorrida entendeu como verificado o vício de falta de fundamentação, louvando-se nos seguintes argumentos:
No caso em apreço, compulsada a reclamação graciosa verificamos que os impugnantes contestam o valor de mercado do trespasse atribuído pela administração tributária, invocando, entre o mais, dois valores calculados por critérios distintos dos utilizados pela administração tributária e alegam a alteração das condições do negócio das farmácias, arrolando ainda uma testemunha e requerendo a sua inquirição
Contudo, analisada a decisão da reclamação graciosa verificamos que a administração tributária não se pronuncia concretamente sobre tais factos. Quanto às formas de cálculo do valor de trespasse apresentadas pelos impugnantes e à alegada alteração das condições do negócio das farmácias e à sua implicação no valor do trespasse a decisão é completamente omissa. A decisão da reclamação graciosa não se pronunciou sobre tais factos, nem sequer disse porque motivo não se pronunciou sobre eles.
Assim, ficamos sem saber se a administração tributária na decisão da reclamação graciosa ponderou ou não esses factos.
A decisão da fundamentação da reclamação graciosa mesmo com remissão para o projecto de decisão de indeferimento, para o parecer que sobre ele recaiu e deste para a decisão do pedido de revisão da matéria tributável, fundamentação per relationem cuja legalidade é indiscutível (artº 125°, n.° 1. do CPA), continua a ser insuficiente porquanto não se pronuncia sobre esses factos alegados pelos impugnantes.
O mesmo sucede com a requerida inquirição da testemunha arrolada na reclamação graciosa. Apesar da lei limitar os meios de prova à forma documental e aos elementos oficiais que os serviços disponham (artº. 69.°, alínea e), do CPPT) isso «não obsta à realização das diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia com o princípio do inquisitório que vigora na generalidade dos procedimentos tributários, e que obriga à realização de todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do requerente (art. 58.º da LGT)»
Tendo sido requerida à administração tributária a inquirição duma testemunha, competia à administração tributária pelo menos dizer porque motivo não se procedia à sua inquirição.
Nada disso foi feito na fundamentação da decisão da reclamação graciosa”.
Ora, se examinarmos o teor da reclamação (v. fls. 2 e segs. do respectivo apenso), veremos que os reclamantes (ora recorridos) manifestaram, para além do mais, a sua total discordância com a forma de cálculo do valor do trespasse invocando factos capazes de o pôr em dúvida.
Por outro lado, arrolaram uma testemunha.
Examinando agora o teor da decisão proferida na reclamação temos que:
a) Ali se ignoram completamente os factos e argumentos invocados pelos reclamantes com vista a demonstrar o erro da quantificação, limitando-se a reiterar o critério seguido no relatório da inspecção tributária, nos seguintes termos:
Concluíram os Serviços de Inspecção Tributária, que o valor do trespasse da farmácia nunca seria inferior a 1,5 vezes o volume de negócios do exercício anterior ao da celebração do contrato, acrescido do valor do stock de mercadorias ao preço do custo, estimado ao valor mínimo de 1.887.493 euros (vendas de 2002 1.258.329,00 euros x 1,5 + 424.843,01 euros (stock final a preço de custo) = 2.312.336,01 (fls. 101, de que resultou um acréscimo a efectuar de proveitos de 2003, no montante de 753.588,42 euros, como se demonstra: …”
Porém, nada é invocado em defesa do referido critério relativamente aos argumentos e factos invocados pelos reclamantes. E, na verdade, tal era absolutamente necessário em face do invocado pelos reclamantes, que justificaram o preço do trespasse com elevado passivo e com as alterações ao negócio das farmácias, quer resultante da introdução dos medicamentos genéricos, quer da anunciada liberalização da propriedade das farmácias, tudo isto aumentando a concorrência e diminuindo o seu valor.
Daí que tenhamos de concordar com a decisão recorrida quando conclui que existe falta de fundamentação da decisão da reclamação, na medida em que se limitou a dar como bom o critério de quantificação da inspecção tributária sem qualquer outra justificação e quando os reclamantes apresentaram factos que poderiam conduzir a outra solução.
b) Por outro lado, tendo os reclamantes arrolado uma testemunha, a decisão de indeferimento não faz a mínima referência a essa testemunha.
É certo que o artº 69º, alínea e) do CPPT estabelece “Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito do órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material”.
Mas, pedido o depoimento, a sua recusa deveria ter sido justificada, nomeadamente por se entender que a lei não permitia tal depoimento ou porque a diligência não se justificava em face dos elementos probatórios já existentes no processo. Ao omitir esta justificação, e sendo certo que o depoimento poderia esclarecer factos úteis para a tese dos reclamantes, dúvidas não restam sobre a falta de fundamentação para a recusa do depoimento.
6.4. Aqui chegados importa agora retirar conclusões do que acima ficou escrito, a saber:
a) Perante a verificação do vício de falta de fundamentação do indeferimento da reclamação, este tem de ser anulado;
b) Constituindo o objecto da impugnação a decisão de indeferimento e os vícios imputados ao acto tributário, estes têm de ser apreciados na impugnação, ainda que tenha havido anulação do indeferimento por vício formal do procedimento.
7. Nestes termos e pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, e ordena-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para conhecimento dos vícios imputados ao acto tributário na presente impugnação.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011. - Valente Torrão (relator) – Dulce Neto - Casimiro Gonçalves.