Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0703/12
Data do Acordão:09/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO JURISDICIONAL
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO
Sumário:I - Para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º);
II - Não se afigura “manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” o recurso de decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em processo de contra-ordenação no qual foi proferida decisão declarando a nulidade da decisão administrativa por falta de requisitos essenciais.
Nº Convencional:JSTA00067782
Nº do Documento:SA2201209190703
Data de Entrada:06/25/2012
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA DE 2011/09/19 PER SALTUM
Decisão:NÃO ADMITIR RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL.
Legislação Nacional:RGIT01 ART3 B ART83 N1 N2
LQC82 ART73 N2
LOFTJ99 ART24 N1
DL 303/2007 DE 2007/08/24
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0513/12 DE 2012/06/20; AC STA PROC0106/06 DE 2009/03/25; AC STA PROC0411/07 DE 2007/06/20; AC STAPLENO PROC058/09 DE 2010/06/16
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida em 19.09.2011 pelo TAF de Mirandela a qual, no âmbito de recurso de contra-ordenação fiscal que A…… interpôs de decisão administrativa de aplicação de coima, anulou essa decisão e condenou a Fazenda Pública a pagar as custas do recurso, com taxa de justiça que fixou em 2 UC, restringindo o objecto do recurso a esta decisão de condenação da Fazenda Pública em custas.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

1- No processo contra-ordenacional tributário a FP não é parte, configurando-se aí a dialéctica processual como uma dialéctica de oposição entre o Mº Pº e o arguido;
2- A promoção do processo cabe tão só ao MºPº que, não sendo parte, tem de carrear tudo o que seja a favor ou contra o arguido;

3- Inexiste norma que preveja condenação em custas da FP por ter sido declarada nula a decisão administrativa e ordenada a remessa do processo à mesma para, querendo, renovar sem vícios a decisão;
4- Por tudo isso, realçando-se o princípio da legalidade fiscal de “nullum tributum sine lege”, não pode a mesma ser aqui condenada;
5- Assim, o douto despacho recorrido enferma de erro de direito, violando, além do mais, o disposto nos arts. 4, nº1, al. a), e 8, nº4 e 5, do RCP, 66 do RGIT, 522 do CPP, e o princípio da legalidade fiscal, consagrado no art. 103, nºs 2 e 3 da CRP, pelo que deve ser substituído por outro que se limite a referir: “sem custas”.
6- Para melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência deve ser fixado pelo STA que: “Nos processos contra-ordenacionais tributários, tendo sido declarada nula a decisão administrativa por enfermar de vício, ao abrigo dos art. 79 e 63 do RGIT, e ordenada a remessa do processo à entidade administrativa para, querendo, renovar a decisão sem vício, a FP está isenta de custas”.
2 – O Meritíssimo Juiz “a quo” sustentou o decidido a fls. 69 a 73 dos autos, invocando designadamente que nos termos do art. 38.º do RCP agora aplicável, as custas incidirão sobre o serviço do Estado que deu origem à causa (e já não sobre o Erário Público), ou seja sobre a AT, porque é a ela, e não ao MP, a quem é imputável o acto jurídico impugnado (decisão de aplicação da coima) e quem retirará utilidade directa caso a impugnação do arguido seja julgada improcedente e que (…) sendo a FP quem dá origem à acção/impugnação a sua condenação em custas em casos semelhantes é um incentivo à reflexão quanto à forma como aplica as coimas que são objecto de impugnação (…), concluindo que a condenação em custas da FP, que está na origem do processo com as vicissitudes acabadas de descrever, deve ser mantida.

3 - Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


4. Questão prévia da admissibilidade do recurso.
Como questão prévia importa decidir da admissibilidade do recurso, pois que este foi interposto de decisão proferida em processo cujo valor da coima é de € 275,00 e o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal “a quo” não vincula este Supremo Tribunal.
Sendo de confirmar a admissão do recurso, importará então decidir a questão de saber se anulada judicialmente a decisão administrativa de aplicação da coima por se ter julgado verificada nulidade insuprível poderá a Fazenda Pública ser condenada nas custas do processo.

Vejamos então.
Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
No caso dos autos não foi aplicada sanção acessória e a coima fixada pela autoridade administrativa era no valor de € 275,00, inferior, pois, à alçada dos tribunais tributários (correspondente a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância – ou seja, 1250,00 euros – cfr. o artigo 24.º n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007 de 24 de Agosto).
Admite-se, contudo, que em casos justificados se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º da LQC) .
O Ministério Público invoca como fundamento da admissibilidade do recurso a melhoria da aplicação do direito, no que concerne a questão de saber se em caso de nulidade da decisão administrativa e da subsequente ordem judicial de remessa dos autos para a entidade administrativa para, querendo renovar a decisão sem vício, deve a Fazenda Pública ser condenada em custas, e também promoção da uniformidade da jurisprudência, no que concerne também a tal questão já que vem havendo decisões contraditórias nesse particular (cfr. o requerimento de interposição do recurso a fls. 59 dos autos).
Afigura-se-nos, porém, que, no caso subjudice não se verificam os referidos pressupostos do artº 73º, nº 2 da LQC pelo que o presente recurso não preenche os requisitos legais para ser submetido à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo.
Com efeito, e como se disse no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo 20.06.2012, recurso 513/12, que tratou de recurso em tudo idêntico ao dos presentes autos, e cuja fundamentação também aqui se acolhe, por com ela concordarmos integralmente, «constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr. por todos, o acórdão de 25 de Março de 2009, rec. n.º 106/06) que “A expressão «melhoria da aplicação do direito» usada naquele artº. 73.º, n.º 2, do RGCO deve interpretar-se como abrangendo todas as situações em que há «erros claros na decisão judicial» (Neste sentido, pode ver-se o citado acórdão do STA de 20-6-2007, recurso n.º 411/07), situações essas em que, à face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito”.
Ora, a decisão de condenação da Fazenda Pública em custas em recurso de contra-ordenação, no qual foi proferida decisão declarando a nulidade da decisão administrativa por falta de requisitos essenciais, não se nos afigura constituir um erro clamoroso que importe necessariamente corrigir sob pena de “afronta ao direito”, pois que se é certo que o processo de contra-ordenação não é um processo de partes, antes um processo punitivo onde o Estado é representado pelo Ministério Público, não tendo a Administração fiscal legitimidade para interpor recurso da decisão favorável ao arguido, também é verdade que, a partir de 1 de Janeiro de 2004, nos processos tributários a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas de que tradicionalmente gozava (cfr. sobre a questão o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 16 de Junho de 2010, rec. n.º 58/09), para além de que, como sustenta o tribunal “a quo” é o incumprimento (aliás reiterado) por parte da Administração fiscal dos requisitos legalmente estabelecidos para as decisões administrativas de aplicação da coima que dá causa ao recurso da decisão e motiva a decisão de anulação (que lhe é desfavorável).»
Não se afigura, pois, que o conhecimento do presente recurso seja manifestamente necessário para a melhoria da aplicação do direito ou para promoção da uniformidade da jurisprudência, pois que, quanto a este segundo motivo, o recorrente apenas refere haver decisões contraditórias nesse particular, não se conhecendo, até ao presente, qualquer controvérsia jurisprudencial sobre a questão.
Pelo exposto, é de concluir que não se verificam, in casu, os requisitos de que depende a aceitação do recurso.

- Decisão -

5 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Sem custas.

Lisboa, 19 de Setembro de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.