Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0392/12.9BECBR
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
INSTITUTO SUPERIOR POLITÉCNICO
CONCURSO
PROFESSOR-COORDENADOR
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica-se a admissão da revista do acórdão do TCA que manteve juízo de improcedência de ação administrativa de impugnação de ato de homologação da lista de classificação final em concurso documental para recrutamento de professor coordenador de Instituto Superior Politécnico dado estar em discussão quaestio juris que envolve operações exegéticas de alguma dificuldade de articulação do quadro normativo e principiológico, e que se mostra dotada de, em situações futuras, vir a ser recolocada neste tipo de procedimentos concursais, apresentando-se, ainda, o juízo a que as instâncias como dubitativo e não isento de dúvidas.
Nº Convencional:JSTA000P25955
Nº do Documento:SA1202005210392/12
Data de Entrada:02/11/2020
Recorrente:A.....................
Recorrido 1:B.......................... (E OUTROS).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………….., contrainteressado, invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 31.10.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 508/549 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso de apelação instaurado pelo INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA, IP [doravante R.], e ao recurso subordinado instaurado pela A., ora recorrida, B……………., que os mesmos deduziram por inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [doravante TAF/C] [cfr. fls. 355/387], mantendo esta sentença que havia julgado parcialmente procedente a ação administrativa que a A. deduzira contra o R. [onde foi peticionado, nomeadamente, a anulação do despacho impugnado, qual seja, o despacho de 29.03.2012 do Vice-Presidente do R. que homologou a lista de classificação final dos candidatos ao concurso documental para recrutamento de um professor coordenador do mesmo Instituto, para a área disciplinar de «Engenharia Civil - Estruturas Metálicas e Mistas» - referência F) do aviso -, publicitado através do Edital n.º 1287/2010, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 253, de 31.12.2010] e que, anulando o referido ato, condenou o R. a proceder «à repetição da avaliação dos currículos dos candidatos tendo em atenção todos os elementos curriculares deles constantes, salvo se convidar os mesmos candidatos a apresentar documentos comprovativos de tais elementos e estes não o fizerem» [cfr. petição inicial, a fls. 01/97].

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 565/596] na «clara relevância jurídica e potencialidade de repetição num número indeterminável de casos similares» e, bem assim, na melhor aplicação do direito fundada em erro de julgamento que acomete ao acórdão recorrido, já que proferido com violação do art. 27.º do Regulamento de recrutamento e contratação do pessoal docente de carreira do R., dos pontos 6.5 e 6.10 do Edital que publicitou o concurso e, ainda, dos arts. 05.º, 08.º, 11.º, 58.º, 59.º e 163.º, n.º 5, todos do Código de Procedimento Administrativo [CPA/91], 02.º, 13.º, 47.º e 266.º da Constituição de República Portuguesa [CRP], bem como dos princípios da racionalidade, eficiência, colaboração, inquisitório, do mérito, da igualdade, do utile per inutile non vitiatur, da justiça e da razoabilidade.

3. A A. produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 601/616] nas quais pugna, desde logo, pela não admissão da presente revista, sendo que o R. veio apresentar peça processual que denomina igualmente de contra-alegações, mas onde pugna pela admissão da revista [cfr. fls. 621/629].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/C julgou parcialmente procedente a ação administrativa sub specie e anulou o ato impugnado por entender que o júri do concurso, no que à valoração da produção científica releva, não podia ter considerado provada a menção curricular de quatro artigos científicos produzidos pelo Recorrente e mencionados no seu currículo «fosse em que revista ou jornal fosse, com revisão ou sem ela, incluída no “Index” ou não, pois não tinha a menor prova do preenchimento de qualquer destes requisitos» pelo que «não podia ter considerado essas publicações para a avaliação do subparâmetro PC da candidatura do CI» e, tendo-o feito, «violou os critérios de avaliação por si próprio fixados […], bem como o ponto 6.10 do Edital e o artigo 21.º n.ºs 4 e 5 do Regulamento aprovado pelo despacho 10990/2010», fazendo incorrer o ato impugnado em vício de violação de lei e decorrente anulabilidade, concluindo que a consideração como documentalmente comprovada da publicação dos artigos científicos em revistas científicas se ancora «em erro notório na apreciação de prova documental oferecida» [cfr. fls. 355/387].

7. O TCA/N manteve aquele juízo decisório, negando provimento:
i) ao recurso interposto pelo R. quanto aos erros de julgamento de direito que este lhe imputava, designadamente, por violação do art. 87.º, n.º 2, do Código Procedimento Administrativo [CPA/91 então aplicável] e por ter entendido que o ato impugnado infringiu os critérios de avaliação previamente fixados, o ponto 6.10 do Edital do concurso e o art. 21.º, n.ºs 4 e 5, do Regulamento aprovado pelo Despacho n.º 10990/2010;
ii) ao recurso subordinado interposto pela A., quanto ao erro de julgamento de direito que esta assacava à sentença recorrida ao não ter anulado o ato impugnado, seja por violação dos arts. 23.º do «ECDESP» e 57.º do CPA/91 e dos princípios constitucionais do mérito e da prossecução do interesse público, seja por violação do direito de audiência dos interessados, seja ainda por falta de fundamentação.

8. Na presente revista mostram-se colocadas pelo contrainteressado recorrente, no essencial, questões em torno dos meios de prova e do ónus de instrução das candidaturas aos concursos documentais para recrutamento do pessoal docente do ensino superior politécnico e dos poderes dos júris no âmbito desses mesmos concursos.

9. Com efeito, discute-se nos autos se, perante uma candidatura instruída com documentos comprovativos dos factos mencionados no currículo, em concreto, a produção científica do candidato através da «alusão fotográfica à revista onde foi publicado», mas que não continha a menção à inclusão da publicação em revista, com revisão, no «Science Citation Index» [SCI], em que medida é que a ausência de indicação da publicação dos artigos científicos em revista, com revisão, no SCI ou em qualquer outra plataforma de publicitação on-line de revistas científicas, constitui, desde logo, violação do quadro normativo concursal convocado e, bem assim, se representa elemento probatório necessário e imprescindível para a instrução deste tipo de procedimentos concursais, ou se essa prova tem caráter instrumental, acessório ou complementar, maxime quando, mormente o aviso de abertura do concurso, no que tange à ponderação do desempenho técnico-científico e profissional dos candidatos, se refere, entre outros elementos, de forma genérica e singela, às «publicações, comunicações e conferências» sem aludir à necessidade de menção da inclusão das «publicações» no Index enquanto critério objetivo utilizado na valoração dos currículos, designadamente, a sua importância relativa e absoluta por referência ao mérito da obra publicada.

10. E, bem assim, se tal realidade poderia obstar a que o júri, a par da possibilidade de solicitar prova complementar, certifica-se, ele próprio, essa inclusão no Index, mediante consulta das bases de dados bibliográficas e, subsequentemente, valorasse e considerasse essas publicações enquanto tal, por entender que esse elemento era complementar do que já integrava o acervo documental que o concorrente juntara à sua candidatura.

11. As questões assim delineadas implicam operações exegéticas de alguma dificuldade de articulação do quadro normativo e principiológico invocado, bem como apresentam virtualidade de expansão de controvérsia, por passível de, em situações futuras, vir a ser recolocada neste tipo de procedimentos concursais.

12. Ademais, o juízo firmado pelas instâncias e a resposta que estas concederam à concreta problemática em questão, embora convergente, não se mostra isenta de alguma controvérsia e não está imune à dúvida, pelo que tudo aponta, pois, para a necessidade da admissão da presente revista.

DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..

Lisboa, 21 de maio de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Teresa de Sousa – Madeira dos Santos.