Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03138/12.8BEPRT
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:REENVIO PREJUDICIAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO
PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA
Sumário:I – Não resultando de forma clara das normas legais nacionais e europeias, nem existindo jurisprudência europeia que tenha esclarecido a questão, importa formular, em sede de reenvio prejudicial, as seguintes questões:
(i) o artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento n.º 2988/95 opõe-se a uma solução de direito interno segundo a qual recai sobre o beneficiário da subvenção financeira o ónus de impugnar judicialmente, no tribunal competente, o acto que determine a devolução dos montantes indevidamente recebidos por verificação de uma irregularidade, sob a cominação de que a não impugnação atempada daquele acto (i. e., o não exercício pelo beneficiário, em tempo, dos meios de defesa que o direito interno lhe disponibiliza) determinar a sua inimpugnabilidade, e, consequentemente, a possibilidade de a devolução da quantia indevidamente paga ser exigida segundo as regras e os prazos do direito nacional?
(ii) o artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento n.º 2988/95 opõe-se a uma solução de direito interno segundo a qual o beneficiário da subvenção financeira não pode invocar o decurso do prazo de 4 ou 8 anos no processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si, por apenas se permitir a apreciação dessa questão na acção de impugnação do acto que determine a devolução dos montantes indevidamente recebidos por verificação de uma irregularidade?
II - Em caso de resposta negativa a estas perguntas, ou seja, admitindo-se que mesmo que tenha ocorrido a caducidade do prazo para a prática do acto que impõe a devolução do montante indevidamente recebido ¯ seja o prazo de quatro anos a contar da verificação da irregularidade, seja o prazo de oito anos ¯ a não impugnação atempada daquele acto junto da jurisdição competente a nível nacional determina a inimpugnabilidade do mesmo e também a impossibilidade de invocar o decurso daquela prazo como fundamento de oposição à execução no âmbito da cobrança coerciva, importa ainda saber qual o prazo que se tem de ter em conta para a prescrição da dívida, i. e., para a cobrança coerciva do montante correspondente aos valores indevidamente recebidos e para isso pergunta-se:
(i) O prazo de três anos previsto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 deve considerar-se um prazo de prescrição da dívida que se gera com a prática do acto que impõe a devolução das quantias indevidamente recebidas em caso de irregularidades no financiamento? E deve contar-se a partir da data em que foi praticado o acto?
III – Por último, importa ainda esclarecer se:
(i) O artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 se opõe a uma solução de direito interno em que o prazo de três anos para a prescrição da dívida que se gera com a prática do acto que impõe a devolução das quantias indevidamente recebidas em caso de irregularidades no financiamento se conte a partir da prática daquele acto e se interrompa com a citação para a cobrança coerciva daqueles valores, ficando suspenso enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida?
Nº Convencional:JSTA000P26162
Nº do Documento:SA22020070103138/12
Data de Entrada:02/15/2019
Recorrente:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1– O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IFAP I.P. interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 23 de Outubro de 2018, que julgou procedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º 3174201201075934, por dívidas de ajudas indevidamente recebidas por A…………, contribuinte n.º ………, no âmbito do Programa Operacional AGRO, no montante de €29.917,67, com fundamento no decurso do prazo de prescrição de quatro anos, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
1.ª Na execução fiscal subjacente à Oposição a que respeitam os presentes autos, está em causa a execução do acto administrativo praticado pelo IFAP em 30-04-2010 ao abrigo do CPA/91, ao tempo vigente, por força do qual a Oponente se constituiu na obrigação de lhe pagar quantia pecuniária nele liquidada;
2.ª Como tal, a execução fiscal subjacente à Oposição a que respeitam os presentes autos, foi instaurada em conformidade com o disposto, conjugadamente, nos art.ºs 149.° e 155.° do CPA/91 e no n.º 2 do art.º 148.° do CPPT, tendo em vista a execução do acto administrativo exequendo mediante a cobrança da quantia por ele devida pela Oponente;
3.ª Consequentemente, tendo o acto administrativo exequendo na execução fiscal subjacente, sido praticado em 30-04-2010, só nesta data se constituiu nas esferas jurídicas do IFAP e da Oponente, o respectivo crédito (exequendo) e a respectiva dívida (exequenda);
4.ª Consequentemente, também, tendo o acto administrativo exequendo na execução fiscal subjacente, sido praticado pelo IFAP em 30-04-2010, e, como tal, só nessa data se tendo constituído nas esferas jurídicas do IFAP e da Oponente, o respectivo crédito (exequendo) e a respectiva dívida (exequenda), só a partir dessa data (30-04-2010) é que poderia ter-se iniciado qualquer eventual prazo de prescrição do crédito exequendo do IFAP e/ou da dívida exequenda da Oponente, pela simples razão de até então, ainda não se haver constituído, em nenhuma das suas respectivas esferas jurídicas, nem o crédito nem a dívida exequendo/a (que só o foram por força da prática do acto administrativo exequendo na execução fiscal subjacente);
5.ª Tratando a execução fiscal subjacente a que respeitam os presentes autos, da execução do acto administrativo praticado pelo IFAP em 30-04-2010 ao abrigo do CPA/91, ao tempo vigente, por força do qual a Oponente se constituiu na obrigação de lhe pagar quantia pecuniária nele liquidada, o conhecimento, apreciação e decisão sobre a invocada «prescrição» da "dívida objecto da execução" envolve o conhecimento, apreciação e decisão de factualidade relativa à legalidade da constituição, modificação e/ou extinção do crédito do IFAP nela exequendo (correspondente à correlativa "dívida objecto da execução");
6.ª Implicando, o conhecimento, a apreciação e a decisão sobre a invocada «prescrição» da "dívida objecto da execução", o conhecimento, a apreciação e a decisão de factualidade relativa à legalidade da constituição, modificação e/ou extinção do crédito do IFAP nela exequendo (correspondente à correlativa "dívida objecto da execução"), a competência em razão da matéria para tal, competeria (sic) ao «contencioso administrativo» do TAF;
7.ª Nessa medida, o Tribunal a quo, ao ter-se declarado competente em razão da matéria para conhecer, apreciar e decidir da prescrição da obrigação de pagamento da quantia exequenda, devida pela Oponente ao IFAP por força de acto administrativo praticado ao abrigo do CPA (a "dívida objecto da execução" e o correlativo crédito do IFAP), violou o disposto no n.º 1 art.º 44.º do ETAF, com influência na prolação da decisão recorrida;
8.ª A norma constante do n.º 1 do art.º 3.º do R 2988/95 estabelece, específica e explicitamente, que "O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no n.º 1 do artigo 1.º. Todavia as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos. (...) A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção. (...) 3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos n.ºs 1 e 2." (sublinhados e negritos, nossos).
9.ª Por outro lado, nenhuma das normas constantes do artigo 3.º do R 2988/95, dispõe sobre prescrição de créditos/dívidas;
10.ª Consequentemente, as normas constantes do art.º (sic) do R 2988/95, não dispondo sobre prescrição de créditos/dívidas, não têm aplicação ao concreto caso dos autos;
11.ª Nas concretas circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal a quo, tendo, no conhecimento, apreciação e decisão da invocada prescrição da "dívida objecto da execução", aplicado a norma constante do n.º 1 do art.º 3° do R 2988/95, que rege, especifica e explicitamente, em matéria de prescrição do procedimento e não em matéria de prescrição de créditos/dívidas, o Tribunal a quo errou na determinação a norma legal aplicável à invocada prescrição da "dívida objecto da execução" fiscal subjacente, com influência na prolação da decisão recorrida;
12.ª Não tendo a Oponente, na sua Petição, alegado
· qual a prescrição a que nela se referiu (se do procedimento administrativo se da dívida exequenda),
· qual a norma legal que a previsse,
· qual a factualidade em função da qual, no seu entender, a invocada prescrição devesse ser julgada operante para efeitos extintivos do crédito exequendo e/ou da obrigação pecuniária a ser cobrada na execução fiscal subjacente,
o Tribunal a quo não poderia conhecer nem decidir de tal questão (por ausência absoluta de elementos necessários à sua apreciação), nem, muito menos, ter suprido tais manifestas insuficiências nos termos em que o faz na Sentença recorrida, no qual acabaria por conhecer, apreciar e decidir sobre factualidade referente à tramitação do procedimento administrativo para efeitos de julgamento da invocada prescrição da "dívida objecto da execução";
13.ª Como tal, o Tribunal a quo, tendo conhecido de questão que não poderia conhecer (desde logo, por constituir matéria inerente à legalidade de acto administrativo referente à constituição, modificação e/ou extinção do crédito exequendo, para a qual é competente em razão da matéria o contencioso administrativo do TAF - já tratada) e tendo suprido as manifestas insuficiências da Petição a respeito da invocada prescrição da "dívida objecto da execução" violou o disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.° do CPC, com influência na prolação da decisão recorrida;
14.ª Tendo a irregularidade em que se acha fundado o acto administrativo do IFAP, exequendo na execução fiscal subjacente, consistido na "falta de comprovação [no procedimento administrativo] dos pagamentos efectuados à sociedade B…………", afigura-se claro que o que importaria determinar para efeitos de averiguação da invocada «prescrição» da "dívida objecto da execução" seria a data em que tal irregularidade (a falta de comprovação pela Beneficiária/Oponente dos pagamentos efectuados àquela sua fornecedora de bens e/ou serviços - a B…………) teria ocorrido para efeitos de fixação do dies a quo do início da contagem do prazo prescricional, sabendo-se que a comprovação de tal alegado pagamento por "retoma de pedra" teria que ter ocorrido, necessariamente, em data posterior:
· quer à data da celebração do contrato de fornecimento de bens e/ou serviços entre a Oponente/recorrida e a B………… LDA (em 15.02.2002)
· quer, mesmo, relativamente à data da conclusão da execução dos trabalhos contratados entre a Oponente/Recorrida e a B………… LDA.
por força do estipulado na Cláusula B das CONDIÇÕES GERAIS do Contrato de Atribuição de Ajuda provado em 1) da Fundamentação de Facto da Sentença recorrida;
15.ª Todavia, da factualidade conhecida, apreciada e julgada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida não é possível saber em que data é que tal comprovação deveria ter sido efectuada pela Oponente/Recorrida no procedimento administrativo, sendo que, de qualquer modo, a «data da prática da irregularidade» a que se refere o art.º 3.º do R 2988/95, apenas poderia relevar para efeitos do conhecimento, apreciação e decisão de eventual prescrição do procedimento, o que não está, nem poderia estar, em causa nos presentes autos por:
· a Oponente a não ter invocado;
e, mesmo que a Oponente a tivesse invocado
· o Tribunal a quo dela não poder ter conhecido por envolver matéria relativa a factualidade da tramitação do procedimento administrativo para a qual careceria de competência em razão a matéria;
16.ª Por outro lado, o certo é que para efeitos do conhecimento, apreciação e decisão sobre a invocada «prescrição» da "dívida objecto da execução", correspondente ao crédito do IFAP, nela exequendo, a data de celebração do contrato de fornecimento de bens e/ou de serviços entre a Oponente/Recorrida e a B………… LDA (em 15.02.2002), se afiguraria absolutamente irrelevante, por não poder ser esta a data a dever ser considerada para efeitos de início da contagem do prazo prescricional da "dívida objecto da execução", correspondente ao crédito do IFAP, nela exequendo, mas, antes, a data em que constitui o crédito na esfera jurídica do IFAP, ou a data a partir da qual o mesmo poderia ser exercido (a partir de 30-04-2010), correspondente à data da prática do acto administrativo exequendo na execução fiscal subjacente;
17.ª Assim sendo, o Tribunal a quo,
· ao ter omitido, na Fundamentação de facto da Sentença recorrida, o conhecimento, apreciação e julgamento de factualidade relevante em matéria de prescrição, designadamente a factualidade referente à data em que deveria ter sido comprovado pela Oponente/Recorrida, no procedimento administrativo, o alegado pagamento por "retoma de pedra";
· e ao ter fixado, na Sentença recorrida, a data de celebração do contrato de fornecimento de bens e/ou de serviços entre a Oponente/Recorrida e a B………… LDA (15.02.2002), como a data de início da contagem do prazo prescricional da "dívida objecto da execução", correspondente ao crédito do IFAP, nela exequendo e que, nessa data, ainda se não constituíra na sua esfera jurídica (que, como se disse apenas viria a constituir-se com a prática do acto administrativo exequendo, em 30-04-2010),
errou na apreciação prova, com influência na prolação da decisão recorrida, de mais a mais para o efeito se fundando, exclusivamente, no conhecimento, apreciação e julgamento de factualidade relativa à tramitação do procedimento administrativo.
Termos em que, com o douto suprimento, deverão proceder todas as conclusões das alegações do presente recurso e, por via de tal procedência, ser-lhe concedido provimento, com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra decisão que julgue improcedente a Oposição a que respeitam os presentes autos, assim se fazendo Justiça».

2– A Recorrida A………… apresentou contra-alegações que concluiu do seguinte modo:
1 - Na sequência da notificação do Recorrente para apresentar Conclusões, este veio aditar um parágrafo às suas Alegações, na página 13, que não constava das Alegações iniciais, o qual deve ter-se por não escrito, bem como as respetivas conclusões (15ª. - desde “… de qualquer modo…” até final da conclusão).
2 - A douta sentença, objeto do presente recurso, deve manter-se, pois consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas legais e dos princípios jurídicos competentes, não sendo passível de qualquer censura.
3 - Recorrente não tem razão no que alega quanto à incompetência do Tribunal em razão da matéria, entrando, mesmo em contradição com outras posições já por si assumidas em processos anteriores, em que considera competente o foro fiscal, como seja nas contra-alegações que apresentou no âmbito do processo n.º 104/10.1BEMDL, da 2.ª. Secção do Contencioso Tributário, do Tribunal Central Administrativo do Norte – cfr. Acórdão do TAC Norte, de 07/12/2016, in DGSI.
4 - O artigo 148.º, n.º 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário Administrativo prescreve que podem ser cobradas mediante processo de execução fiscal as dívidas a pessoas coletivas de direito público que devam ser pagas por força de ato administrativo, daqui resultando, por força de uma correta interpretação e aplicação desta norma, que o Tribunal a quo é o competente em razão da matéria, não assistindo razão ao Recorrente.
5 - Também carecem de fundamento os argumentos aduzidos pelo Recorrente no que concerne ao alegado erro na determinação da norma aplicável, porquanto, a dívida exequenda diz respeito a ajuda atribuída ao abrigo do programa AGRO/Medida 5 Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola Co-Financiado pelo FEOGA, em 13 de fevereiro de 2002.
6 - Resultou provado que a alegada irregularidade imputada à Executada ocorreu no dia 15 de fevereiro de 2002, sendo que só no dia 26 de fevereiro de 2006, o recorrente enviou à Executada carta registada com aviso de receção dando conhecimento do alegado incumprimento e do prazo para exercer o direito de audiência prévia, carta que foi rececionada no dia 1 de Março de 2006.
7 - Além disso, só muito mais tarde, em data que não consta dos factos provados, mas que o IFAP assume como tendo sido em 30 de abril de 2010, este enviou carta com a decisão final.
8 - Ora, considerando a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia relativamente às normas jurídicas do Regulamento (CE Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18/12/95, designadamente, o n.º 1 do art. 3.º, ao prazo de prescrição da dívida exequenda é aplicável o prazo de prescrição do procedimento, ou seja, quatro anos contados desde a prática da infracção, que, no limite, tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção.
9 - A aplicação de tal prazo decorre do facto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o STA entenderem inexistir no direito interno um prazo especialmente previsto para o efeito, sendo, por isso, aplicável o prazo previsto no n.º 1 do art. 3.º do referido Regulamento.
10 - A alegada infração, que deu origem ao processo executivo, teria sido praticada no dia 15 de fevereiro de 2002, porém, só no dia 1 de março de 2006 é que a Executada foi notificada para exercer o direito de audiência prévia, ou seja, decorridos mais de quatro anos desde a prática da alegada infração.
11 - Mesmo que não se considerasse o procedimento e a dívida prescrita no prazo de 4 anos, sempre estariam prescritos por força do prazo máximo de oito anos: é que, de acordo com o alegado pelo IFAP, a decisão final teria sido enviada à Executada no dia 30 de abril de 2010, ou seja, decorridos mais de oito anos desde a prática da alegada infração.
12 - Pelo que veio explanado supra também deve improceder o alegado excesso de pronúncia e o erro na apreciação da prova, não sendo a sentença passível de qualquer censura.
13 - De facto, os elementos constantes do processo, designadamente, os documentos e os depoimentos das testemunhas, permitiram à Mta. Senhora Doutora Juíza formar a sua convicção, dando como provado o facto do ponto 2), sendo certo que, a ter sido praticada qualquer irregularidade, terá ocorrido quando da celebração do “Acordo” de pagamento de parte dos trabalhos através da retoma de pedra resultante da demolição de construções existentes na Quinta da Ribeira, objeto do projeto co-financiado.
Termos em que devem ser julgadas improcedentes as Alegações formuladas pelo Recorrente, mantendo-se inalterada a sentença recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!


3- O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso devendo ser confirmada a sentença recorrida, considerando que não se verifica a arguida nulidade da sentença, nem a incompetência do Tribunal Tributário de 1.ª instância para apreciar o litígio e ainda que, compulsada a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria, a dívida se tem de considerar prescrita.

4- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1) Em 13.02.2002 foi outorgado Contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do programa AGRO/Medida 5 Prevenção e restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola Co-Financiado pelo FEOGA entre IFADAP e A………… – cfr. fls. 91 e 92 do processo físico.
2) Em 15.02.2002 foi reduzido a escrito “Acordo” entre B…………, Lda. e A………… – cfr. fls. 91 e 92 do processo físico;
3) Em 26.02.2006 foi remetido a A………… por carta registada com aviso de recepção ofício com o seguinte teor: “(…) Assunto: PROJ. Nr.2001.11.002531.7 – AGRO MED.5 (…) Audiência prévia nos termos dos artigos 100.º e 101.º do CPA (…) De acordo com as conclusões da visita e controlo da contabilidade desencadeado no âmbito da aplicação das regras inerentes à concessão da medida em causa, verificou-se uma situação de incumprimento da legislação aplicável. Não são elegíveis as quantias referentes às seguintes rubricas. 1- Despesas de mão-de-obra relativas ao marido da Beneficiária 2- Despesas relativas à retoma da pedra, proveniente da demolição de construção, por não existir meio de comprovação. 3- Os pagamentos à “B…………”, dado que não enviou documento bancário que demonstrasse o efetivo desconto dos cheques, não estando por isso comprovado o efectivo pagamento (…) Nesta conformidade, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código de Procedimento administrativo, fica V. Exa, notificado da intenção de procedimentos ao acerto de subsídio, retirando as rúbricas não elegíveis, podendo ainda informar por escrito sobre o que se oferecer, no prazo máximo de 10 dias úteis, contados a partir da data de recepção do presente ofício (…)” – cfr. fls. 93 do processo físico;
4) O aviso de recepção a que se alude em 3) foi assinado por A………… em 1.03.2006 – cfr. fls. 94 do processo físico.
5) Em 17.03.2006, foi recepcionado no IFADAP resposta de A………… ao ofício descrito em 3) – cfr. fls. não numeradas do processo administrativo (PA) junto aos autos.
6) O IFAP remeteu a A………… ofício com o seguinte teor: “(…) Projecto n.º 2001110025317 (…) Finda a fase de instrução no procedimento administrativo relativo ao assunto supra identificado, cumpre tomar a decisão final, o que se faz, nos termos e com os fundamentos seguintes: A candidatura ao projecto referido em epígrafe foi aprovada em 20/12/2001, tendo-se realizado a celebração do contrato de atribuição de ajudas em 07/03/2002, pelo montante de investimento de 145.080,36€ correspondentes a 108.810,27€ de subsídio. Na sequência da auditoria efectuada ao projecto supra epigrafado, integrada no Plano Anual de Controlo de 1.º Nível de 2003, (…) foi informada através do ofício Refª 414/UI/-Porto/2006 de 23/02/2006 (para o conteúdo do qual remetemos na íntegra), das situações de incumprimento da legislação aplicável à medida 5 do programa AGRO, detectadas no âmbito das acções de controlo físico/contabilístico e, consequentemente da não elegibilidade das despesas referidas no ofício supracitado. Em resposta ao ofício (…) foi recepcionada em 17/03/2006 a v/ carta (…)” – cfr. fls não numeradas do PA junto aos autos.
7) Em 23.06.2011 o IFAP remeteu a A………… o ofício n.º 029261/2011 para pagamento voluntário do montante a que se refere em 6) – cfr. fls. do PA não numeradas.
8) O Serviço de Finanças do Porto 1 instaurou em 8.08.2012 o processo de execução fiscal n.º 3174201201075934 por dívidas provenientes de ajudas indevidamente recebidas no âmbito do programa Operacional POAGRO no montante de €29.917,67 - cfr. fls. 27 a 30 do processo físico.
9) Os autos foram apresentados junto de Serviço de Finanças do Porto 1 em 9.10.2012 – cfr. fls. 4 do processo físico;


2. Questão a decidir
Saber se a oposição à execução fiscal é o meio processual adequado para conhecer da prescrição dos procedimentos de devolução de ajudas financeiras indevidamente pagas e, em caso afirmativo, qual o prazo e as regas de contagem do mesmo que são aplicáveis.



3. Do direito
A resposta às questões exige o esclarecimento de aspectos de direito interno e aspectos de direito europeu.

3.1. Das normas aplicáveis
3.1.1. Do direito Europeu
· Dispõe o Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias:
(…)

Artigo 3.º
1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.
O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.
A prescrição do procedimento é interrompida por qualquer acto, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade. O prazo de prescrição corre de novo a contar de cada interrupção.
Todavia, a prescrição tem lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o nº 1 do artigo 6º.
2. O prazo de execução da decisão que aplica a sanção administrativa é de três anos. Este prazo corre desde o dia em que a decisão se toma definitiva.
Os casos de interrupção e de suspensão são regidos pelas disposições pertinentes do direito nacional.
3. Os Estados-membros conservam a possibilidade de aplicar um prazo mais longo que os previstos respectivamente nos n ºs 1 e 2.
(…)


3.1.2. Do direito nacional
· Dispõe o Decreto-Lei n.º 163-A/2000, de 27 de Julho, que serve de base legislativa à Portaria n.º 84/2001, de 8 de Fevereiro, a qual aprovou o regulamento de aplicação da Medida n.º 5 «Prevenção e Restabelecimento do Potencial de Produção Agrícola», que se enquadra no 12.º travessão do artigo 33.º do Regulamento (CE) n.º 1257/99, do Conselho, de 17 de Maio, relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural
(…)
Artigo 11.º
Rescisão ou modificação unilateral do contrato pelo IFADAP
1 - O IFADAP pode rescindir unilateralmente os contratos em caso de incumprimento pelo beneficiário de qualquer das suas obrigações ou da inexistência ou desaparecimento, que lhe seja imputável, de qualquer dos requisitos de concessão da ajuda.
2 - O IFADAP pode, também, em caso de incumprimento, modificar unilateralmente o contrato, nomeadamente quanto ao montante das ajudas, desde que tal se justifique face às condições concretamente verificadas na execução do projecto, ou à falta ou insuficiência de documentos comprovativos.

Artigo 12.º
Reembolsos das ajudas e despesas
1 - No caso de rescisão do contrato pelo IFADAP, o beneficiário constitui-se na obrigação de reembolsar as importâncias recebidas a título de ajuda, acrescidas de juros à taxa legal, calculados desde a data em que tais importâncias foram colocadas à sua disposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas na lei.
2 - O reembolso previsto no número anterior deve ser realizado nos 15 dias posteriores à comunicação da rescisão, sendo o beneficiário expressamente avisado para o efeito.
3 - Não procedendo o beneficiário ao reembolso no prazo previsto no número anterior, passa a incidir sobre as importâncias em dívida a sobretaxa moratória de 2%, desde o termo do referido prazo até ao efectivo reembolso.
4 - Verificada a situação prevista no número anterior, constitui-se, ainda, o beneficiário na obrigação de pagar ao IFADAP os encargos resultantes das despesas extrajudiciais para cobrança dos montantes devidos, no montante de 10% do valor total das quantias recebidas pelo beneficiário.
5 - O disposto nos números anteriores é aplicável no caso de modificação unilateral do contrato que determine a obrigação de devolução de importâncias recebidas, incidindo a percentagem prevista no n.º 4 sobre o montante da importância a devolver.
(…)
Artigo 15.º
Títulos executivos
Constituem títulos executivos as certidões de dívida emitidas pelo IFADAP.
(…)

· Dispõe o Código do Procedimento Administrativo
Artigo 163.º
Actos anuláveis e regime da anulabilidade
1 - São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.
2 - O ato anulável produz efeitos jurídicos, que podem ser destruídos com eficácia retroativa se o ato vier a ser anulado por decisão proferida pelos tribunais administrativos ou pela própria Administração.
3 - Os atos anuláveis podem ser impugnados perante a própria Administração ou perante o tribunal administrativo competente, dentro dos prazos legalmente estabelecidos.
(…)

Artigo 179.º
Execução de obrigações pecuniárias
1 - Quando, por força de um ato administrativo, devam ser pagas prestações pecuniárias a uma pessoa coletiva pública, ou por ordem desta, segue-se, na falta de pagamento voluntário no prazo fixado, o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o órgão competente emite, nos termos legais, uma certidão com valor de título executivo, que remete ao competente serviço da Administração tributária, juntamente com o processo administrativo.

· Dispõe o Código do Processo nos Tribunais Administrativos
Artigo 58.º
Prazos
1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:
a) Um ano, se promovida pelo Ministério Público;
b) Três meses, nos restantes casos.
2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 59.º, os prazos estabelecidos no número anterior contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil, transferindo-se o seu termo, quando os prazos terminarem em férias judiciais ou em dia em que os tribunais estiverem encerrados, para o 1.º dia útil seguinte.
3 - A impugnação é admitida, para além do prazo previsto na alínea b) do n.º 1:
a) Nas situações em que ocorra justo impedimento, nos termos previstos na lei processual civil;
b) No prazo de três meses, contado da data da cessação do erro, quando se demonstre, com respeito pelo contraditório, que, no caso concreto, a tempestiva apresentação da petição não era exigível a um cidadão normalmente diligente, em virtude de a conduta da Administração ter induzido o interessado em erro; ou
c) Quando, não tendo ainda decorrido um ano sobre a data da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória, o atraso deva ser considerado desculpável, atendendo à ambiguidade do quadro normativo aplicável ou às dificuldades que, no caso concreto, se colocavam quanto à identificação do ato impugnável, ou à sua qualificação como ato administrativo ou como norma.
4 - (Revogado.)

· Dispõe o Código do Procedimento e Processo Tributário
Artigo 148.º
Âmbito da execução fiscal
1 - O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:
(…)
2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:
a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;
b) Reembolsos ou reposições.

Artigo 204.º
Fundamentos da oposição à execução
1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos:
(…)
d) Prescrição da dívida exequenda;


4. Do meio processual adequado e da contagem do prazo
O Recorrente começa por suscitar a questão de saber se os tribunais tributários, no âmbito de uma oposição à execução fiscal – que se caracteriza por ser uma fase judicial, enxertada no processo executivo que corre termos nos serviços da Administração Tributária ou de outras entidades que, por lei, possam utilizar este instrumento para obter a cobrança coerciva de quantias em dívida, in casu, o reembolso de quantias indevidamente recebidas a título de ajudas no âmbito da medida financeira regulada pela Portaria n.º 84/2001, de 8 de Fevereiro, com base no regime jurídico-legal estipulado pelo Decreto-Lei n.º 163-A/2000, de 27 de Julho –, podem conhecer da prescrição do procedimento de pedido de reembolso estipulada no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995.
Segundo o Recorrente, está aqui em causa uma dívida de natureza administrativa e não tributária e a questão que em concreto é suscitada no processo – prescrição da dívida – está inelutavelmente associada a aspectos materiais administrativos que não podem ser conhecidos em sede de oposição à execução fiscal, mesmo que esta seja a via legalmente prevista – como o é – para a cobrança coerciva das dívidas tituladas por actos administrativos (cf. artigo 148.º n.º 2 do CPPT e 179.º do CPA).
Lembramos que neste meio de garantia dos executados – na oposição à execução –, a tutela aí legalmente prevista se circunscreve à questão da prescrição da dívida, ou seja, a estar ou não ultrapassado o prazo de que o credor dispõe para validamente exigir ao devedor o pagamento de uma dívida regularmente constituída, ao passo que o n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95, do Conselho se reporta a um prazo de prescrição do procedimento, que culmina com a decisão de rescisão do contrato de financiamento e/ou o acto que impõe a devolução dos montantes indevidamente recebidos.
A determinação da competência ou não dos tribunais tributários para conhecer do fundamento da oposição à execução – i. e., a competência ou não dos tribunais tributários para, em sede de oposição à execução, poderem conhecer da prescrição do procedimento de pedido de reembolso estipulada no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995 – encerra especial complexidade, pois não existe dúvida de que estamos perante o uso legítimo e adequado do processo de execução fiscal para cobrança de uma dívida não tributária e também não restam dúvidas de que a oposição à execução, sendo um meio legítimo para obviar à cobrança coerciva de uma dívida que se encontre prescrita, suscita sempre problemas e dificuldades na determinação da verificação ou não dessa prescrição quando a dívida que está a ser cobrada não tem natureza tributária e quando, como é o caso aqui, o que obsta à legítima exigibilidade da dívida não é a prescrição do direito de crédito, mas sim do procedimento para a respectiva cobrança. Mais, neste caso acresce ainda a dificuldade de determinar, materialmente, segundo as regras do direito europeu, o tipo ou tipos de prescrição que aqui em causa. Por tudo isto, a resposta à questão da competência ou não da jurisdição administrativa para conhecer do pedido exige a fixação de critérios sobre a natureza jurídica do que efectivamente vem peticionado no âmbito do presente recurso. Em outras palavras, para saber se o Tribunal Tributário é competente importa, primeiramente, saber se o meio processual da oposição à execução fiscal é o meio adequado para assegurar a tutela jurídica neste caso. Vejamos.
Ora, a oponente solicitou ao tribunal a quo que se pronunciasse sobre a legalidade da cobrança coerciva que lhe estava a ser exigida, fundamentando a alegada ilegalidade da cobrança na verificação da prescrição, que identificou com a circunstância de o acto que impôs a devolução da ajuda financeira (e, por conseguinte, que serve de título à execução) ter sido praticado em 23 de Junho de 2011, ou seja, depois de decorridos mais de oito anos a contar da data em que alegadamente foram praticadas as irregularidades na execução do contrato, em 15 de Fevereiro de 2002 Referimos a data de 15 de Fevereiro de 2002, por ser aquela que é mencionada na decisão recorrida como data em que alegadamente foram praticadas as irregularidades, mas ela não é fixada na matéria de facto dada como provada, uma vez que a irregularidade decorre da inexistência de comprovação de desconto de cheques (pagamento) e aquela data é, segundo o ponto 2 da matéria de facto, a data da redução a escrito do acordo entre a beneficiária da ajuda financeira e a empresa. (designadamente, por alteração do investimento aprovado sem autorização), a que acresceria o facto de o IFAP apenas ter notificado a beneficiária da irregularidade em 1 de Março de 2006 (data em que foi assinado pela aqui Oponente o aviso de recepção do ofício pelo qual a mesma foi notificada da verificação das irregularidades), ou seja depois de decorridos quatro anos sobre a prática da irregularidade.
Não ficou apurado na matéria de facto a eventual existência de uma irregularidade continuada, a circunstância de se estar ou não perante um programa plurianual ou mesmo de ser efectivamente a data de 15 de Fevereiro de 2002 a que se deva considerar como data da prática da irregularidade. O mesmo é dizer que na base probatória não existem dados que permitam saber se os prazos de quatro e oito anos de prescrição do procedimento do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 se devem contar a partir da data de 15 de Fevereiro de 2002.
Acresce que, mesmo a admitir-se que o executado que não tenha impugnado a decisão que impôs a devolução do financiamento com fundamento em irregularidades pode invocar a respectiva prescrição em sede de oposição à execução fiscal, suscita-se o problema de saber qual é o prazo que deve ser tido em conta: se o prazo de quatro anos contados da prática da irregularidade (artigo 3.º, n.º 1, 1.º§ do Regulamento n.º 2988/95); se, uma vez que aquele prazo não é absoluto e o tribunal que julga a oposição à execução não dispõe de poderes para julgar a questão administrativa, se há-de contar, então, o prazo de 8 anos a partir da prática da irregularidade (artigo 3.º, n.º 1, 3.º§ do Regulamento n.º 2988/95); se, por se tratar da execução de uma decisão administrativa que impôs a devolução de quantias indevidamente pagas (execução de acto administrativo), ao prazo de oito anos para a aplicação da medida haverá que somar os três anos de que a Administração dispõe para a execução da decisão, computando assim para a prescrição total da obrigação um prazo de 11 anos contados da prática da irregularidade (artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento n.º 2988/95).

5. Da jurisprudência precedente relevante para o caso
Compulsada a jurisprudência emanada do TJUE ao longo dos últimos anos sobre a interpretação e aplicação do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, concluímos que:
(a) o TJUE tem vindo a reiterar a interpretação segundo a qual a norma do n.º 1 deste artigo 3.º é aplicável tanto às medidas administrativas, cfr. artigo 4.º, como às sanções administrativas, cfr. artigo 5.º [esta abordagem corresponde a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, confirmada pelo acórdão Pfeifer & Langen (C-52/14, EU:C:2015:381). Segundo esta jurisprudência, não há que distinguir entre uma sanção administrativa e uma medida administrativa na aplicação do artigo 3.°, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95. O Tribunal de Justiça decidiu claramente que essa disposição é aplicável quer às irregularidades que conduzem à aplicação de uma sanção administrativa, na aceção do artigo 5.° deste, quer às que são alvo de uma medida administrativa, na aceção do artigo 4.° do referido regulamento, medida que tem por objeto a retirada de uma vantagem indevidamente obtida, sem, no entanto, revestir caráter de sanção (v., neste sentido, acórdãos Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.ºs 33 e 34; Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., C-278/07 a C-280/07, EU:C:2009:38, n.° 22; Cruz & Companhia, C-341/13, EU:C:2014:2230, n.° 45; e Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.° 23), cfr. acórdão proferido no processo n.º C-383/14].

(b) A intenção que presidiu à edição das normas do artigo 3.º, n.º 1 do referido Regulamento resulta de forma explícita do que o TJUE disse no acórdão Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., proferido nos processos n.ºs C-278/07 a C-280/07:
«(…)
27. Ao adoptar o Regulamento n.º 2988/95 e, em particular, o seu artigo 3.°, n.º 1, primeiro parágrafo, o legislador comunitário pretendeu, contudo, instituir uma regra geral de prescrição aplicável na matéria e mediante a qual procurava, por um lado, definir um prazo mínimo aplicado em todos os Estados-Membros, e, por outro, renunciar à possibilidade de recuperar somas indevidamente recebidas do orçamento comunitário, depois de decorrido um período de quatro anos sobre a prática da irregularidade que afecta os pagamentos controvertidos.
28. Daqui resulta que, a partir da data de entrada em vigor do Regulamento n.º 2988/95, qualquer vantagem indevidamente recebida do orçamento comunitário pode, em princípio, à excepção dos sectores para os quais o legislador comunitário previu um prazo inferior, ser recuperada pelas autoridades competentes dos Estados-Membros, no prazo de quatro anos.
29. No que toca ao tipo de vantagens indevidamente obtidas através do orçamento comunitário em virtude de irregularidades cometidas antes da entrada em vigor do Regulamento n.º 2988/95, não se pode deixar de observar que, mediante a adopção do artigo 3.°, n.º 1, desse regulamento e sem prejuízo do n.º 3 desse artigo, o legislador comunitário definiu, desse modo, uma regra de prescrição geral, com a qual reduziu voluntariamente para quatro anos o período durante o qual as autoridades dos Estados-Membros, actuando em nome e por conta do orçamento comunitário, deveriam recuperar ou deveriam ter recuperado essas vantagens indevidamente obtidas.
(…)». (sublinhados nossos)

Também o Pleno da secção do CT deste Supremo Tribunal, no seguimento de diversos acórdãos proferidos pelo TJUE, esclareceu no acórdão datado de 3 de Junho de 2015 (recurso n.º 0793/14) o seguinte:
«(…) Esta questão já não é nova e encontra-se há muito resolvida pelo TJUE no sentido de que o prazo de prescrição do procedimento previsto no disposto do art. 3º, n.º 1 do Regulamento (CE/Euratom) 2988/95, visando a aplicação de sanções e a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum, é de quatro anos.
A este propósito escreveu-se no acórdão datado de 21.06.2017, recurso n.º 0768/16:
…após a pronúncia do Tribunal de Justiça, no âmbito de pedido de reenvio (acórdão de 17 de Setembro de 2014, proc. C-341-13), no sentido de que o prazo de 20 anos excede o que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União, a jurisprudência das duas secções do STA alterou-se, passando a entender-se que o prazo de prescrição a atender é o prazo de 4 anos previsto no Regulamento nº 2988/95, por não haver norma no direito interno especialmente previsto- cfr. a este propósito os acórdãos da secção de contencioso tributário de 08/10/2014, proc. nº 0398/12, e da secção de contencioso administrativo de 26/02/2013, proc. 0173/13, e de 30/10/2014, proc. 092/14.
A referida jurisprudência do Tribunal de Justiça foi entretanto reiterada nos acórdãos daquele tribunal de 11/06/2015 e 03/09/2015, processos nºs C-52/14 e C- 383/14, respetivamente.
No acórdão de 11/06/2015 (proc. C-52/14), realça-se o facto de «o Regulamento n.º 2988/95 aprova, de acordo com o seu artigo 1.°, «uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito da [União]», a fim de, conforme resulta do terceiro considerando desse regulamento, «combater em todos os domínios os atos lesivos dos interesses financeiros da [União]» (v. acórdãos Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.º 31; JosefVosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e O., C-278/07 a C-280/07, EU:C:2009:38, n.º 20; e Pfeifer & Langen, C-564/10, EU:C:2012:190, n.º 36) (…)».

Mais recentemente, o TJUE, esclareceu relativamente àquele mesmo prazo de prescrição, no acórdão proferido no processo n.º C-378/18:
«(…)
28. Além disso, pela aprovação do Regulamento n.º 2988/95, em particular o seu artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, o legislador da União decidiu instituir uma regra geral de prescrição aplicável na matéria, mediante a qual pretendia, por um lado, definir um prazo mínimo aplicado em todos os Estados-Membros e, por outro, renunciar à possibilidade de abrir um procedimento devido a uma irregularidade que lesa os interesses financeiros da União Europeia depois de decorrido um período de quatro anos posterior à prática dessa irregularidade (Acórdãos de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., já referido, n.º 27, e de 22 dezembro de 2010, Corman, C-131/10, EU:C:2010:825, n.º 39).
29. Daqui resulta que, a partir da data da entrada em vigor do Regulamento n.º 2988/95, qualquer irregularidade que lese os interesses financeiros da União pode, em princípio, com exceção dos setores para os quais o legislador da União previu um prazo inferior, iniciar um procedimento pelas autoridades competentes dos Estados-Membros, no prazo de quatro anos (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., C-278/07 a C-280/07, EU:C:2009:38, n.º 28, e de 22 de dezembro de 2010, Corman, C-131/10, EU:C:2010:825, n.º 40).
30. O artigo 3.°, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 fixa, em matéria de procedimentos, um prazo de prescrição que é contado a partir da data em que foi praticada a irregularidade, a qual, segundo o artigo 1.°, n.º 2, do mesmo regulamento, consiste em «[q]ualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral [da União]» (v., nesse sentido, Acórdãos de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., C-278/07 a C-280/07, EU:C:2009:38, n.ºs 21 e 22, e de 22 de dezembro de 2010, Corman, C-131/10, EU:C:2010:825, n.º 38).
31. Esse prazo é, pois, aplicável tanto às irregularidades que são sujeitas a uma medida administrativa para retirar o benefício indevidamente obtido, como às irregularidades que culminam na aplicação de uma sanção administrativa (v., nesse sentido, Acórdãos de 11 de junho de 2015, Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.º 23 e jurisprudência aí referida, e de 2 de março de 2017, Glencore Céréales France, C-584/15, EU:C:2017:160, n.º 26).
32. Por força do artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. De acordo com o artigo 3.º, n.º 1, segundo parágrafo, desse regulamento, relativamente às irregularidades continuadas ou repetidas esse prazo de quatro anos corre desde o dia em que cessou a irregularidade.
33. Dado que a prática da irregularidade pressupõe a verificação de duas condições, a saber, um ato ou omissão que constitui uma violação do direito da União, bem como uma lesão do orçamento da União, o prazo de prescrição começa a correr, por conseguinte, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão que constitui uma violação do direito da União como a lesão do orçamento da União, situando-se sempre o início do prazo de prescrição, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na data do facto ocorrido em último lugar (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2015, Firma Ernst Kollmer Fleischimport und-export, C-59/14, EU:C:2015:660, n.ºs 24 a 26, e de 2 de março de 2017, Glencore Céréales France, C-584/15, EU:C:2017:160, n.º 47).
34. A regra que estabelece a prescrição de quatro anos, constante do artigo 3.°, n.º 1, primeiro parágrafo, primeiro período, do Regulamento n.º 2988/95, que é diretamente aplicável nos Estados-Membros, só pode ser afastada por uma regulamentação setorial na aceção do artigo 3.°, n.º 1, primeiro parágrafo, segundo período, desse regulamento, quando essa regulamentação setorial prevê um prazo mais curto, mas não inferior a três anos (v., nesse sentido, Acórdãos de 29 de janeiro de 2009, Josef Vosding Schlacht-, Kühl- und Zerlegebetrieb e o., C-278/07 a C-280/07, EU:C:2009:38, n.º 44, e de 22 de dezembro de 2010, Corman, C-131/10, EU:C:2010:825, n.º 42).
(…)». (destacados nossos)

Tal como é referido pelo TJUE no processo n.º C-383/14:
«(…)
28. Com efeito, o Tribunal de Justiça já sublinhou que as irregularidades que acarretam a tomada de medidas administrativas na aceção do artigo 4.° do Regulamento n.º 2988/95, como as que estão em causa no processo principal, devem ser consideradas prescritas no prazo de quatro anos a contar da data em que essas irregularidades foram cometidas, tendo em conta os atos interruptivos da prescrição previstos no artigo 3.°, n.º 1, terceiro parágrafo, do referido regulamento e desde que respeitado o limite máximo previsto no quarto parágrafo do referido artigo 3.°, n.º 1 (acórdão Cruz & Companhia, C-341/13, EU:C:2014:2230, n.º 64).
29. Deste modo, resulta claramente da jurisprudência recente do Tribunal de Justiça que a interpretação do artigo 3.°, n.º 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 incide quer sobre a possibilidade de uma sanção, quer sobre a possibilidade de uma medida administrativa (acórdão Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.ºs 40, 43 e 47).
30. Por último, há que destacar os objetivos prosseguidos no artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 2988/95. Nesse aspeto, não se pode deixar de observar que o prazo previsto nessa disposição se destina a garantir a segurança jurídica dos operadores económicos (v., neste sentido, acórdãos Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.º 40, e SGS Belgium e o., C-367/09, EU:C:2010:648, n.º 68). Com efeito, estes devem estar em condições de determinar, de entre as suas operações, quais as que estão definitivamente adquiridas e quais as que continuam a poder ser alvo de procedimentos (acórdão Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.ºs 24 e 64).
(…)».

Da leitura atenta que se faz dos diversos acórdãos emitidos pelo TJUE no sentido de interpretar aquele artigo 3.º, n.º, 1, do referido Regulamento n.º 2988/85, podemos concluir que o prazo de prescrição de 4 anos aí estabelecido, com a possibilidade de se estender ao máximo de 8 anos, visa tornar estável a situação do obrigado à restituição de quantias financeiras, incumbindo à Administração a recuperação do valor em causa dentro daquele prazo imperativo, ou seja, o prazo de 8 anos é aquele que o legislador europeu definiu como adequado para salvaguardar o princípio da protecção da confiança legítima dos beneficiários de financiamentos europeus perante a prática de actos que visem repor a legalidade e a integridade do Orçamento da União, face a irregularidades e actos que devam ser sancionados.
Note-se que neste prazo de oito anos não se contabiliza a execução das medidas de reposição da legalidade financeira do orçamento europeu, dispondo os Estados de três anos – após a prática do acto que aplica a medida de restituição das verbas ou que aplica a sanção – para proceder à execução daquela decisão, leia-se, à cobrança coerciva (se for o caso), das quantias irregularmente pagas.
Assim, na verdade, afigura-se que o Estado pode dispor de um prazo de até 11 anos para obter a cobrança coerciva da quantia indevidamente paga, sempre que proceda validamente à notificação do acto que determina aquela devolução, o mais tardar, no prazo de oito anos a contar da prática da irregularidade.


6. Das garantias de legalidade da cobrança coerciva de dívidas

Este Supremo Tribunal já afirmou, por diversas vezes (ver por todos o acórdão datado de 03.07.2019, recurso n.º 02528/08.5BEPRT) que:
«(…) em sede de oposição a uma execução já não pode de regra discutir-se a ilegalidade em concreto da dívida o que está absolutamente certo pois que essa discussão a ter lugar deve ser feita a montante em sede de impugnação permitindo-se a prova concreta de factos que isentem o contribuinte da obrigação tributária que contesta. E isto decorre da regra elementar de que à certidão de dívida regulamentarmente emitida tem de ser atribuído o valor de uma decisão judicial definitiva quanto à existência e quantitativo da dívida à qual só é possível deduzir oposição com os fundamentos tipificados no art.º 204.º do CPPT.
A decisão proferida no procedimento administrativo que determinou a reposição das ajudas era contenciosamente impugnável e o recorrente foi notificado da decisão administrativa que ordenou a reposição das ajudas, conforme consta do ponto 3 do probatório. Manifestamente, não concordou com a mesma, mas nada fez e, agora em sede de oposição à execução já não pode ter uma segunda oportunidade de impugnar aquela deliberação pois que o prazo para esse efeito se mostra, há muito esgotado. Com efeito foi notificado em … para proceder à reposição da quantia considerada indevidamente recebida … e só apresentou a oposição em … sendo que o prazo que tinha para impugnar, manifestamente, há muito que tinha decorrido.

Adiantamos já que não foi questionado o procedimento tendente à reposição das quantias consideradas indevidamente recebidas (o que também sucedeu por se ter configurado a oposição em termos completamente afastados da vigência e dos efeitos do Regulamento CE Euratom 2988/95 de 18/12/1995) regulamento este que, que entendemos dever considerar.
Assim sendo, não havendo questionação do procedimento com vista à reposição das ajudas comunitárias nunca poderia a eventual prescrição do mesmo determinar a procedência da oposição (…)».

Ou seja, à luz do direito interno português, uma vez proferido o despacho final do procedimento a que alude o artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/85 em análise, recai sobre o interessado o ónus de impugnar contenciosamente tal despacho (cfr. artigos 37.º, 50.º e 58.º, todos do CPTA), assacando-lhe as ilegalidades ou desconformidades que entenda que o afectam e que possam determinar a anulação do acto lesivo praticado, incluindo a prescrição do procedimento de irregularidade que legitimaria a exigência da devolução da ajuda concedida ou contratualizada. Seria nesta sede que caberia analisar e discutir, quer a factualidade relevante para a prescrição do procedimento, quer a fixação do facto que daria origem ao início do prazo prescricional, pelo que é deslocada a alegação do Recorrente sobre o erro na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo (ponto 17.º das conclusões das alegações), a qual, de resto, teria sempre de ser julgada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Mas não é isso que cabe analisar e discutir em sede de oposição à execução fiscal, onde apenas se pode julgar da inexigibilidade da dívida. Até porque, uma vez ultrapassado o prazo legalmente previsto para a impugnação do acto lesivo na jurisdição administrativa, fica vedada ao interessado a possibilidade de, em oposição à execução fiscal, sindicar as ilegalidades ou desconformidades que deveria ter invocado em acção administrativa própria.
Assim, a prescrição do procedimento a que alude o artigo 3.º, n.º 1 do referido Regulamento n.º 2988/95 é uma questão que a Oponente teria que ter discutido através da interposição da referida acção impugnatória do acto final do procedimento, como refere o Recorrente nas suas alegações, não podendo agora, em sede de oposição à execução fiscal, discutir a ilegalidade do título executivo por alegada prescrição do procedimento de verificação de irregularidade, que culminou com a prática do acto de imposição de devolução do subsídio.
Acresce que o acto que qualificou as despesas como não elegíveis e, consequentemente, impôs a devolução do financiamento, por não ter sido impugnado atempadamente, consolidou-se na ordem jurídica, e, por isso, as eventuais ilegalidades de que o mesmo padeceria, ao não terem sido impugnadas, não podem hoje erguer-se como fundamento de invalidade da certidão de divida, a qual, para efeitos de requisitos de validade de um título executivo, não enferma de qualquer vício, cumprindo as exigências de identificação do credor e do devedor, da origem da divida, dos montantes em divida e das datas de cumprimento, cfr. artigo 163.º do CPPT.
O problema coloca-se porque para o direito europeu afigura-se irrelevante, na prática, a diferença entre a prescrição do procedimento e a prescrição da dívida, estipulando-se um prazo para a efectivação da devolução da ajuda irregularmente atribuída, prazo que, uma vez ultrapassado, parece impedir a sua exigibilidade.


7. Da conformidade do direito nacional com o direito europeu

Ora, por estar aqui em causa a interpretação e aplicação de normas de direito europeu, a solução anteriormente referida, e que se alcança segundo a aplicação das normas do direito interno, de onde resultaria a incompetência da jurisdição administrativa para conhecer da prescrição prevista no Regulamento Europeu, assim como a inexistência de fundamento para a oposição à execução, coloca o problema de saber a mesma (que resulta da conjugação dos artigos 163.º, n.º 3 do CPA, 58.º do CPTA e 204.º e 163.º do CPPT) está em conformidade com o direito europeu, designadamente, se viola o disposto no artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95.
Com efeito, embora os tribunais dos Estados-membros sejam competentes para aplicar o direito europeu, a competência para a interpretação “dos actos adoptados pelas instituições, órgão ou organismo da União” cabe, segundo o disposto no artigo 267.º, al b) do TFUE, ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Aliás, como se acrescenta no referido artigo 267.º, §3.º do TFUE, “Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos actos das Instituições da União] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal”.
Deste modo, existindo dúvidas sobre a interpretação do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 e da conformidade da solução ditada pelo direito interno com aquelas normas de direito da União, impõe-se, antes de proferir a decisão, submeter a questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
Assim, formulam-se as seguintes questões:
I. o artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento n.º 2988/95 opõe-se a uma solução de direito interno segundo a qual recai sobre o beneficiário da subvenção financeira o ónus de impugnar judicialmente, no tribunal competente, o acto que determine a devolução dos montantes indevidamente recebidos por verificação de uma irregularidade, sob a cominação de que a não impugnação atempada daquele acto (i. e., o não exercício pelo beneficiário, em tempo, dos meios de defesa que o direito interno lhe disponibiliza) determinar a sua inimpugnabilidade, e, consequentemente, a possibilidade de a devolução da quantia indevidamente paga ser exigida segundo as regras e os prazos do direito nacional?
II. o artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento n.º 2988/95 opõe-se a uma solução de direito interno segundo a qual o beneficiário da subvenção financeira não pode invocar o decurso do prazo de 4 ou 8 anos no processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si, por apenas se permitir a apreciação dessa questão na acção de impugnação do acto que determine a devolução dos montantes indevidamente recebidos por verificação de uma irregularidade?

Em caso de resposta negativa a estas perguntas, ou seja, admitindo-se que mesmo que tenha ocorrido a caducidade do prazo para a prática do acto que impõe a devolução do montante indevidamente recebido seja o prazo de quatro anos a contar da verificação da irregularidade, seja o prazo de oito anos a não impugnação atempada daquele acto junto da jurisdição competente a nível nacional determina a inimpugnabilidade do mesmo e também a impossibilidade de invocar o decurso daquela prazo como fundamento de oposição à execução no âmbito da cobrança coerciva, importa ainda saber qual o prazo que se tem de ter em conta para a prescrição da dívida, i. e., para a cobrança coerciva do montante correspondente aos valores indevidamente recebidos e para isso pergunta-se:

III. O prazo de três anos previsto no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 deve considerar-se um prazo de prescrição da dívida que se gera com a prática do acto que impõe a devolução das quantias indevidamente recebidas em caso de irregularidades no financiamento? E deve contar-se a partir da data em que foi praticado o acto?

Por último, importa ainda esclarecer se:

IV. O artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95 se opõe a uma solução de direito interno em que o prazo de três anos para a prescrição da dívida que se gera com a prática do acto que impõe a devolução das quantias indevidamente recebidas em caso de irregularidades no financiamento se conte a partir da prática daquele acto e se interrompa com a citação para a cobrança coerciva daqueles valores, ficando suspenso enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida?


8. Da necessidade de fixação da correcta interpretação do direito europeu para a decisão da causa

A resposta às questões precedentes é essencial para a correcta decisão da causa, pois caso o Tribunal de Justiça da União Europeia considere que a solução actualmente decorrente do direito nacional não viola o direito da União, a Oponente nos presentes autos, por não ter atempadamente impugnado o acto que impunha a devolução da ajuda financeira, não pode, agora, suscitar a prescrição do procedimento que levou à aplicação daquela medida, por irregularidade, no âmbito da oposição à execução fiscal; mas se o TJUE considerar que a cominação com a inimpugnabilidade do acto administrativo é neste caso violadora do direito europeu e que a prescrição do procedimento tem de ser conhecida por qualquer órgão judicial e no âmbito de qualquer processo, a oposição à execução fiscal poderá ter de proceder, dependendo do que vier a ser apurado em sede de ampliação da matéria de facto e da resposta que venha a ser dada às restantes questões.
Com efeito, importará então saber se o TJUE considera que o prazo para a execução das decisões que impõem a devolução das quantias ilegalmente pagas, quando se verifiquem irregularidades, é o prazo de três anos estipulado no n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento n.º 2988/95, contando esses três anos a partir da data da prática do acto, e, ainda se se opõe a uma solução em que a citação do beneficiário no âmbito do processo executivo para a cobrança coerciva daquele montante interrompa o prazo de prescrição, a que se terá ainda que somar a suspensão que possa advir dos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, pelo período que tardar até haver decisão definitiva e transitada em julgado que ponha termo a esses processos.

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra enunciadas sob os n.ºs. I e II; e, em consequência,
B) Suspender esta instância de recurso, nos termos do artigo 267.º do TFUE;
C) Ordenar a transmissão do pedido à Secretaria do Tribunal de Justiça, por via electrónica, acompanhado de cópia digital da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente, bem como de todas as peças processuais posteriores, fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão e da indicação dos dados concretos das partes no litígio no processo principal e dos eventuais representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações do TJUE (2019/C 380/01).

Não são devidas custas.
D.N.
Lisboa, 1 de Julho de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Aragão Seia.