Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021487
Data do Acordão:02/24/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:IVA
CADUCIDADE
LIQUIDAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
ÓNUS DE PROVA
EXTRAVIO
Sumário:I - Nos termos do art. 88.º do CIVA (redacção originária) só pode ser liquidado imposto nos cinco anos civis seguintes àquele em que se verificou a sua exigibilidade.
II - Dispondo o seu n.º 3 que a notificação do "apuramento" (liquidação) do imposto deve indicar, sob pena de nulidade, "os novos elementos e os actos ou factos através dos quais chegaram ao conhecimento da Administração Fiscal".
III - Extraviado o processo e se, procedendo-se à respectiva reforma, não foi possível reconstituir a predita notificação, há que considerar provados os factos alegados pelo impugnante, recte a falta, na notificação, de tais elementos, a acarretar a sua nulidade.
IV - Solução que resulta do lugar paralelo do art. 84.º n.º 5 do CPTA.
V - Integrando a notificação, nos expressos termos daquele art. 88.º, a própria liquidação, e sendo aquela nula, à míngua dos referidos elementos, verifica-se a caducidade do direito à liquidação.
Nº Convencional:JSTA00066829
Nº do Documento:SA220110224021487
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART22.
CPPTRIB99 ART37 ART38.
CIVA88 ART88 N3.
CPTA02 ART84 N1 N4.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA E OUTRO COMENTÁRIO AO CPTA 2ED PAG492 PAG493.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do STA:
A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do TAF de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B…, Lda., contra a liquidação de IVA referente a Dez 88 e respectivos juros compensatórios no montante total de 5.003.092$00, consequentemente a anulando.
Fundamentou-se a decisão na caducidade do direito à liquidação, pois que a notificação desta é nula por falta dos elementos a que se refere o art. 88.º do CIVA (redacção originária).
A Fazenda recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.º- Ao declarar a caducidade da liquidação aqui impugnada a douta decisão recorrida incorre em erro e ofende o art.º 5.º do CPCI, art.º 88º. 1, do CIVA, art.º 33.º, 1, do CPT.
2.º Ao declarar a nulidade da notificação, como absoluta ou insanável, (aliás, a imperfeição que lhe foi assacada mostra-se já sanada e não obstou à utilização do meio contencioso…) a douta decisão incorre em erro e ofende o art.º. 76.º do CPCI e os art.º 22 e 119.º do CPT.
Deve, assim, ser proferido douto Acórdão que dê provimento ao presente recurso, revogue a decisão em crise e ordene a baixa dos autos à 1.ª Instância para que seja proferida a final decisão de mérito.
Colhidos os vistos legais, nada obsta à decisão.
Em sede factual, vem apurado que:
1- Em Fevereiro de 1990, foi feita uma visita de fiscalização à impugnante, tendo sido elaborada a informação de fls. 35 a 36, na sequência do que se procedeu às liquidações (de imposto e juros) em causa e se notificou a impugnante nos termos de fls.7;
2- A impugnante apresentou o requerimento de fls. 8, tendo-lhe sido emitida e entregue a certidão ali referida.
Vejamos, pois:
A questão dos autos é, nos termos expostos, a da caducidade da liquidação.
Preceituava, a propósito, o art. 88.º do CIVA (redacção originária):
1- Só poderá ser liquidado imposto nos 5 anos civis seguintes àquele em que se verificou a sua exigibilidade.
2- Até final do período referido no número anterior, as rectificações e as tributações oficiosas podem ser integradas com base no conhecimento ulterior de novos elementos.
3- A notificação do apuramento do imposto nos termos do número anterior deverá indicar, sob pena de nulidade, os novos elementos e os actos ou factos através dos quais chegaram ao conhecimento da administração fiscal.
Refere a impugnante, na petição inicial, e aceita a sentença, que os elementos previstos naquele n.º 3 não integravam a notificação.
Ora, os autos de impugnação originais extraviaram-se - aparentemente a quando da respectiva remessa, por este STA, ao TAF de Braga, a título devolutivo, em 26-02-97 - e foram reformados, mas não se conseguiu reconstituir a predita notificação, pelo que não é possível, presentemente, ao Tribunal, o exame do referido documento, em ordem a dissecar o seu conteúdo.
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do referido preceito, a notificação desacompanhada dos elementos ali referidos é nula - que não meramente ineficaz - pelo que tal omissão não pode ser suprida, ao contrário do que pretende a Fazenda recorrente, através do mecanismo previsto no art.º 22.º do CPT, relativamente à comunicação ou notificação insuficiente.
Aliás, de modo paralelo ao que hoje acontece relativamente às disposições combinadas dos arts. 37.º e 38.º do CPPT, em que a omissão dos elementos neste enumerados não pode ser suprida pelo mecanismo daquele primeiro normativo.
Não obstante a falta daquele acto de notificação, o tribunal não pode emitir um juízo de non liquet sobre o ponto, havendo, mesmo assim, que emitir pronúncia.
Pelo que, a questão haverá de resolver-se em sede de ónus da prova.
Assim, é propositado que o tribunal se socorra do disposto no art. 84.º. do CPTA, quanto mais não seja por analogia - pois que se trata de situação semelhante, em termos de ratio do preceito.
Dispõe-se efectivamente ali - n.º 4 - que a falta de envio do processo administrativo, a que a entidade demandada é obrigada - n.º 1 - , não obsta, por um lado, ao prosseguimento da causa, e, por outro, determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta se tiver tornado impossível ou de considerável dificuldade.
O dever de remessa do processo – como sublinha Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentário ao CPTA, 2.ª edição, pags. 492/93 - assenta essencialmente num princípio de cooperação processual, constituindo uma solução tradicional do modelo do nosso contencioso administrativo, e visando primacialmente o “apuramento dos factos que interessam à apreciação do mérito da causa, tendo sobretudo em conta que, na generalidade das situações, a averiguação da legalidade de um acto administrativo ou da sua omissão ou recusa se funda em factos comprovados documentalmente”
Ora, o extravio do processo - e a concomitante impossibilidade de o A. Fazer a prova dos elementos que, nos preditos termos, devem acompanhar a notificação é, no caso, imputável à Administração (em sentido amplo) pois que, como informa o Sr. Escrivão, devendo a remessa dos processos ser feita com registo e acompanhada de um impresso (protocolo), o qual, após o seu recebimento, é assinado e devolvido à Secção, onde fica arquivado, todavia, nem o protocolo foi devolvido, nem existe qualquer talão de registo no livro de porta.
E a consequência é, nos apontados termos, terem-se como provados os factos alegados pela impugnante, isto é, que a notificação não integrava os aludidos elementos previstos no n.º 3 daquele art. 88.º, já que, assim, tal prova é, se não impossível, de considerável dificuldade.
Certo que ao tempo - e ao contrário do que hoje acontece - não se exigia, em geral, a notificação da liquidação, para impedir a caducidade, bastando que aquela se efectuasse no respectivo prazo, em geral de cinco anos.
Todavia, não é essa a melhor interpretação do art. 88.º em causa.
Na verdade, aí, o mesmo normativo, contendo um inciso - n.º1 - que estabelece o prazo de caducidade de 5 anos, inclui também um outro - n.º 3 - que ordena a notificação, especifica os elementos que ela deve conter e fulmina a sua falta com a nulidade.
Do que parece só poder entender-se que é inerente ao prazo de caducidade, a necessidade da notificação, com as expressas indicações legais.
E sendo, pois, nula tal notificação, a conclusão inequívoca é de que, como pretende a impugnante e vem decidido, o direito à liquidação caducou efectivamente.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2011. – Brandão de Pinho (relator) – Pimenta do ValeIsabel Marques da Silva.