Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0155/16
Data do Acordão:03/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário: I - É aplicável subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário, regulado pelo RGIT, a norma do art. 73.º, n.º 2, do RGCO, em que se permite aos tribunais superiores aceitar recursos da sentença, ou do despacho referido no art. 64.º do mesmo RGCO, quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, mesmo em casos em que o valor da coima é inferior a ¼ da alçada do tribunal tributário.
II - Um despacho como o recorrido, que se refere, exclusivamente, à devolução da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP, não pode ser qualificado como sentença nem como despacho judicial proferido nos termos do art. 64.º do RGCO, motivo por que não cabe na previsão do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, onde apenas podem subsumir-se decisões judiciais que se reconduzam a uma daquelas categorias e, por isso, integrem decisões finais que conheçam do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima.
Nº Convencional:JSTA00070578
Nº do Documento:SA2201803070155
Data de Entrada:02/11/2016
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A......., LDA E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NÃO ADMITIR O RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:LQC02 ART73 N2 ART64 N2.
RGIT01 ART3 B ART83 N1.
CONST05 ART32 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0139/16 DE 2018/02/21.; AC RP PROC JTRP00042541 DE 2009/05/06.; AC RE PROC0226/08.9TBMRA-A.E1.; AC TC PROC0637/2006 DE 2006/11/28.; AC TC PROC0253/2008 DE 2008/10/29
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 4ED PÁG562.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – Vem o Ministério Público interpor recurso do despacho de 16 de Outubro de 2015, proferido pelo Mº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fls. 99 dos autos, o qual deferiu a restituição de taxa de justiça à sociedade recorrida, A………., Ld.ª, no âmbito de um recurso de contra-ordenação.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1 – O STJ fixou jurisprudência no sentido de “Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, não há lugar à restituição da taxa de justiça paga nos termos do art. 8º nºs 7 e 8 do Regulamento das Custas Processuais.”
2 – Os tribunais devem fundamentar as divergências relativamente às decisões que fixam jurisprudência quando a não apliquem.
3 – A decisão recorrida deveria ter indeferido a devolução da taxa de justiça.
4 – Porquanto a mesma não colide nem com o direito ao recurso por denegação de justiça.
5 – Nos termos do art.º 446º nº2 do CPP, aplicável por força do art.º 3º b) do RGIT e 41º nº1 do RGCO o presente recurso é obrigatório para o Ministério Público.
Termos em que deverá o recurso ser procedente e a decisão recorrida ser substituída por outra que aplique a jurisprudência fixada.»

2 – A entidade recorrida, A………., Ldª, veio apresentar as suas contra alegações, com o seguinte quadro conclusivo:
«A. O Ministério Publico interpôs recurso do douto despacho judicial, datado de 16 de Outubro de 2015, que deferiu o pedido de restituição da taxa de justiça requerida pelo ora Recorrido.
B. O que está verdadeiramente em causa no presente recurso não é a discussão jurídica de fundo atinente ao mérito da decisão de restituição da taxa de justiça, mas antes a questão de saber se o tribunal a quo poderia ter decidido como decidiu contra a jurisprudência fixada pelo STJ e se a fundamentação em que se louvou é suficiente para o efeito.
C. Estipula o n° 3 do artigo 445º do Código de Processo Penal que “ A decisão que resolve o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas a jurisprudência fixada naquela decisão”.
D. O tribunal a quo demonstrou conhecer o referido Acórdão e expressou a sua visão jurídica crítica em relação ao sentido do mesmo, aderindo, aliás, totalmente e sem reservas ao voto de vencido do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Dr. Maia Costa; citando o mesmo na íntegra.
E. Ao referir o Acórdão do STJ em apreciação e ao aderir ao aludido voto de vencido, o tribunal a quo fundamentou - e bem - a sua posição
F. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto podia - como o fez - ter decidido em sendo contrário ao Acórdão do STJ, desde que fundamentasse a sua posição, como igualmente o fez!»

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

3 – O despacho sob recurso tem o seguinte teor:
«A……….., Lda. deduziu o presente recurso de contraordenação no processo n.º 445/2013, tendo sido proferida sentença procedente.
Por requerimento, constante a fls. 88 e seguintes do processo físico, o Recorrente requer o reembolso da taxa de justiça paga.
O Exmo. Sr. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer, no sentido do indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir se no âmbito dos recursos de contraordenação se procede ao reembolso da taxa de justiça paga quando se obtém uma sentença favorável.
Sobre esta matéria, da devolução da taxa de justiça no âmbito dos recursos de contra-ordenação a jurisprudência tem sido maioritariamente no sentido da sua inadmissibilidade legal.
A este propósito vejam-se os acórdãos do TRP, de 03.04.2013, no processo 5570/12TRP e do TCAS, de 12.06.2014, no proc. 7603/14.
Acresce que pelo Acórdão do STJ, para fixação de jurisprudência, de 06.03.2014, no processo 5570/10, foi decidido que não há lugar à restituição da taxa de justiça.
Com efeito, neste acórdão foi fixada a jurisprudência seguinte: Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do art.° 8°, nºs 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais.
Todavia, sufragamos integralmente o voto de vencido proferido no acórdão de fixação de jurisprudência citado, que passaremos a transcrever para melhor compreensão:
O art 93/2, do Regime Geral das Contraordenações dispunha na sua versão originária (a do DL n°433/82, de 27-10), que a impugnação judicial das decisões das autoridades administrativas estava isenta de taxa de justiça.
Essa disposição foi tacitamente revogada pelo Código das Custas Judiciais de 1996 (aprovado pelo DL n° 224-A/96 de 26-11), por sua vez revogado pelo Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n° 34/2008, de 26-2.
Actualmente regem os nºs 7 e 8, do art. 8 do dito regulamento na versão da lei nº 7/2012, de 13/2, que dispõem:
7. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.
8. A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.
A razão de ser da imposição da “taxa-preparo” terá sido a de evitar a necessidade de instauração de “pequenas execuções por custas” (como se refere no preâmbulo do DL n° 34/2008), cobrando assim inicia ente a taxa devida, no caso de o recurso ser improcedente. É uma medida pragmática, visando evitar a “multiplicação” daquelas execuções, como se diz no referido preâmbulo. Mas não impede, antes de alguma forma até pressupõe, a restituição da taxa, caso o recurso proceda.
Acresce que se mantém em vigor o n.º 3, do referido art. 93, do Regime Geral das Contraordenações, que estipula:
3. Dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido.
Este deve ser considerado o “princípio geral” em matéria de custas no âmbito do processo contraordenacional: há lugar ao pagamento de taxa de justiça quando (e só quando) as decisões judiciais sejam desfavoráveis ao arguido.
É essa também a regra do processo penal, estabelecida no art. 513/1, do Código de Processo Penal.
E é esse entendimento o único que se harmoniza com o princípio do direito ao recurso (art. 32/1/10, da Constituição): se o arguido obteve vencimento no recurso não pode ser sancionado, em termos de custas, por ter exercido esse direito.
Se a lei lhe impõe um pagamento prévio de uma taxa de justiça para o seguimento da impugnação, essa taxa terá de lhe ser restituída, se a decisão desta lhe for favorável.
Por outro lado, o entendimento que fez vencimento envolve uma desigualdade de tratamento que não tem justificação material. Na verdade, segundo o n° 7 referido, só há lugar ao pagamento da taxa de justiça nos casos em que as coimas não tiverem sido previamente liquidadas.
Não há, no entanto, qualquer razão material para distinguir entre essas situações e aquelas em que as coimas foram previam ente liquidadas (e em que o recorrente não terá de pagar a taxa de justiça para o seguimento da impugnação).
Esta desigualdade de tratamento de situações substancialmente idênticas (condenação em coima por infracção contraordenacional) ofende o princípio da igualdade, previsto no art. 13° da Constituição.
Por último, refira-se que não existe, em processo contraordenacional ou penal, qualquer regra geral que impeça a devolução da taxa de justiça. E existem casos em que essa devolução é expressamente contemplada. Assim, no processo de revisão, a lei prevê expressamente, no caso de sentença absolutória no juízo de revisão, a restituição ao arguido das quantias relativas a custas que tiver suportado (art. 462°, n° 1, do Código de Processo Penal), assim como a restituição ao assistente das custas que tiver pago, no caso de a sentença, no juízo de revisão, ser condenatória (art. 463°, n° 3, b), do mesmo diploma).
Por este conjunto de razões, entendo que deveria ter sido fixada jurisprudência no sentido de, em caso de procedência de impugnação judicial de coima não previamente liquidada, há lugar à restituição ao arguido da taxa de justiça que tiver pago, nos termos do n° 7 do art. 8° do Regulamento das Custas Processuais, na versão vigente.
Por todos estes argumentos, com os quais concordamos na íntegra e nos quais nos fundamentamos, entendemos ser devida a devolução da taxa de justiça, sob pena de denegação de justiça, por violação do princípio constitucional do direito ao recurso, previsto no art. 32/1/10, da Constituição.
Pelo exposto, defere-se a restituição da taxa de justiça.»


4. Do objecto do recurso
Mostram os autos que, no recurso judicial da decisão de aplicação da coima nº 75/14, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por sentença de fls. 78/83, julgou aquele recurso procedente e, por considerar estarem preenchidos os respectivos pressupostos, dispensou a aplicação da coima à arguida A………., Ldª.
Após o trânsito em julgado dessa decisão, veio a arguida requerer, a fls. 88 e seguintes, o reembolso da taxa de justiça paga, pedido esse que foi deferido pelo despacho objecto do recurso e acima transcrito em 3.

É desse despacho que, não conformado, vem o Ministério Público interpor recurso ao abrigo do disposto no art. 73.º, n.º 2, do RGCO, aplicável por força do art. 3.º, alínea b), do RGIT, alegando, em síntese, que a decisão recorrida deveria ter indeferido a devolução da taxa de justiça, invocando a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Março de 2014, proferido no recurso para fixação de jurisprudência com o n.º 5570/10.2TBSTS-APL-A.S1.
Mais alega que «os tribunais devem fundamentar as divergências relativamente às decisões que fixam jurisprudência quando a não apliquem».

5. Questão prévia da admissibilidade do recurso.

Como questão prévia importa decidir da admissibilidade do recurso, pois que este foi interposto de decisão proferida em processo cujo valor da coima é de € 150,00 euros acrescida de custas no valor de € 76,50 e o despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal “a quo” não vincula este Supremo Tribunal.

Vejamos então.
Estabelecem os números 1 e 2 do artigo 83.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) que o arguido e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, ou para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de Direito, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória.
A razão de ser desta regra é evitar que o tribunal superior seja colocado em situação de resolver inúmeros casos de pouca importância, com prejuízo da sua disponibilidade para a apreciação de outros casos de maior relevo.

Admite-se, contudo, que em casos justificados se receba o recurso com base em fundamentos previstos no artigo 73.º Lei-Quadro das Contra-Ordenações (LQC), aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º da LQC).

O Ministério Público invoca esta disposição legal e alega, como fundamento da admissibilidade do recurso, que a solução jurídica encontrada pela decisão recorrida é «comprovadamente duvidosa» pelo que a aceitação do recurso é manifestamente necessária para a melhoria da aplicação do direito.
Afigura-se-nos, porém, que, no caso subjudice não se verificam os referidos pressupostos do artº 73º, nº 2 da LQC, pelo que o presente recurso não preenche os requisitos legais para ser submetido à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo.
É certo que, apesar de o art. 73.º, n.º 2, do RGCO se referir apenas a sentença, se tem vindo a entender que se a decisão recorrida tiver sido proferida por despacho, ao abrigo da faculdade concedida pelo art. 64.º, n.º 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, não há razão para não estender a admissibilidade desse recurso aos despachos, pois, como dizem JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS ( ), «não existe nenhuma diferença de natureza entre as duas decisões», sendo que «a alternativa da decisão por despacho ou sentença não radica na complexidade das questões a decidir pelo que aquele n.º 2 do dito art. 73.º se deve aplicar indiferentemente a ambas as decisões».
Porém, cumpre ter presente que a decisão recorrida não é uma sentença nem sequer um despacho proferido ao abrigo do n.º 2 do art. 64.º do RGCO; é, isso sim, um despacho proferido após o trânsito em julgado da decisão judicial do recurso da decisão administrativa que aplicou uma coima, despacho que se refere, exclusivamente, à devolução da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP.
Ora, como se sublinhou no recente acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2018, proferido no recurso 139/16, um despacho como o recorrido, que se refere, exclusivamente, à devolução da taxa de justiça, paga nos termos do art. 8.º, n.ºs 7 e 8, do RCP, não pode ser qualificado como sentença nem como despacho judicial proferido nos termos do art. 64.º do RGCO, motivo por que não cabe na previsão do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, onde apenas podem subsumir-se decisões judiciais que se reconduzam a uma daquelas categorias e, por isso, integrem decisões finais que conheçam do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima (Neste sentido se pronunciaram também, os seguintes acórdãos
- da Relação do Porto, de 6 de Maio de 2009, proferido no processo n.º JTRP00042541;
- da Relação de Évora, de 28 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 226/08.9TBMRA-A.E1
Ainda no mesmo sentido, os despachos do Presidente da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2003, proferido no processo n.º 14/03-5, do Vice-Presidente da mesma Relação, de 22 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 1754/07.).

Tal interpretação do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, que, subscrevemos, apenas alude a “aceitar o recurso da sentença” e não enferma de inconstitucionalidade alguma, designadamente por violação das garantias de defesa que o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa consagra para o processo penal e que sejam extensíveis ao processo de contra-ordenação, como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional (Vide, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 659/2006, de 28 de Novembro de 2006, proferido no processo n.º 637/2006, n.º 522/2008, de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 253/08, ambos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt..).
Daí que se conclua que não é de admitir o recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos, o que prejudica o conhecimento da questão nele suscitada.

6. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.
Sem custas por delas estar isento o Ministério Público.

Lisboa, 7 de Março de 2018. – Pedro Delgado (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.