Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0844/17
Data do Acordão:09/27/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se as questões suscitadas não revestem tal relevância e tais características e se, além disso, também se alega erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
Nº Convencional:JSTA000P22275
Nº do Documento:SA2201709270844
Data de Entrada:07/07/2017
Recorrente:A............ - SOCIEDADE DE ADVOGADOS
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA, da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A………… – Sociedade de Advogados, recorre, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 23/03/2017, no processo que aí correu termos sob o nº 09085/15 e no qual se deu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública da sentença do TAF de Castelo Branco, na parte em que julgara procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2002 e 2003, no montante global de 5.223.25 Euros.
Dando, pois, provimento ao recurso, o TCAS revogou a sentença recorrida e julgou totalmente improcedente a impugnação judicial.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as Conclusões seguintes:
I. O douto acórdão recorrido desconsiderou as conclusões de recurso da RFP, fez tábua rasa da douta sentença proferida em 1ª instância, aditou à matéria de facto dada como provada pela primeira instância, os pontos s), t), u), v) e w) do probatório e fazendo “um novo julgamento” da matéria de facto, sem atender à prova feita em julgamento, concedeu provimento ao recurso deduzido pela RFP, revogando a referida sentença, na parte recorrida, e julgando totalmente improcedente a impugnação deduzida pela sociedade recorrida. Sucede que,
II. e ao abrigo do disposto no art. 150°, n° 1 do C.P.T.A., a impugnante não pode concordar com o teor do douto acórdão recorrido, porquanto:
a) violou o disposto no art. 88°, al. a) da L.G.T., pois fez errada apreciação dos elementos probatórios constantes dos autos, vertidos nos pontos l), s), t), u), v) e w) do probatório e com base nessa errada apreciação entendeu estar “comprovada a falta de credibilidade da contabilidade da impugnante” e justificado o recurso à utilização de métodos indirectos no apuramento das liquidações adicionais da IVA;
b) violou o disposto no art. 74°, n° 3 da L.G.T. quanto à apreciação da questão suscitada pela sociedade de excesso de quantificação de matéria colectável, pois não levou em linha de conta a factualidade alegada pela impugnante, vertida no ponto t) da matéria de facto dada provada, aditada pelo próprio TCA.
III. Quanto aos pressupostos para aplicação da al. a) do art. 88° da L.G.T., entendeu o TCA que “d) Existem declarações dos clientes que afirmam ter pago quantias pelos serviços prestados pela impugnante, pagamentos não inscritos na contabilidade. Pagamentos em alguns casos provados através de cópias de cheques (alíneas l), s), t) e v) do probatório).” Sucede que:
a) das declarações dos clientes constantes do RIT, vertidas nos pontos l), s), t) e v) do probatório não foi possível concluir pela falta de registo contabilístico do pagamento de honorários pelos serviços prestados pela sociedade, uma vez não é possível concluir que os valores identificados tenham sido entregues para pagamento de honorários, ou sequer que tenham sido entregue à sociedade;
b) alguns clientes nem sabem dizer quando pagaram, nem quanto pagaram e outros reportam os pagamentos efectuados a anos diferentes daqueles que estão em apreciação nos presentes autos (2002 e 2003), mormente aos anos de 2004 e 2005;
c) quanto a esta questão, bem andou a douta sentença recorrida, proferida em 1ª instância que não merece qualquer reparo, que fez o julgamento, ouviu e apreciou a prova, foi exímio ao analisar, uma por uma;
d) quanto aos cheques pagos pelo senhor …………, o Tribunal de 1ª instância deu como provado nas als. p) e q) da matéria de facto dada como provada que a referida testemunha era cliente de B………… e não da sociedade impugnante;
e) os pagamentos efectuados por ………… e por …………, não se reportam ao período em apreciação nos presentes autos (2002 e 2003).
IV. Em face da matéria de facto vertida na al. l) do probatório, o Tribunal Superior concluiu, que “a) Não existem contas correntes de clientes (alínea l) do probatório); “b) Não existe acesso à conta de depósito bancário (alínea l) do probatório); “f) Seja a conta bancária da impugnante, seja o programa de suporte à contabilidade, não foram facultados (alíneas l) e w) do probatório).” Sucede que,
a) o sigilo profissional do advogado é um dever deontológico consagrado no respectivo Estatuto e o seu cumprimento não pode ser valorado contra a sociedade arguida, pois que o seu não cumprimento consubstancia a prática de infracção disciplinar, tanto que o parecer da Ordem dos Advogados foi no sentido de a referida informação estar, de facto, a coberto de sigilo profissional;
b) quanto a esta questão, impunha-se diferente valoração da referida factualidade, valoração essa que foi efectuada pela douta sentença proferida em 1ª instância, que não merece qualquer reparo.
V. Da matéria de facto dada como provada nas als. l) e s), o TCA entendeu erroneamente que: “b) Existe lista de clientes da impugnante fornecida pelo Tribunal Judicial da Guarda, mas omitida na contabilidade (alíneas l) e s) do probatório); e) As prestações de serviços omitidas, em relação às quais não foi liquidado IVA constam da alínea s) do probatório.” Sucede que,
a) o Tribunal não indica em concreto quais as alegadas prestações de serviços omitidas, limitando-se a remeter de forma genérica para a alínea s) do probatório;
b) quanto à alegada “lista de clientes da impugnante fornecida pelo Tribunal Judicial da Guarda, mas omitida na contabilidade” o Tribunal fez errada apreciação da matéria vertida nas als. l) e s) do probatório, uma vez que não levou em linha de conta a matéria vertida no ponto t) de onde resulta provada, em sede de RIT, a alegação da sociedade impugnante vertida nos pontos K e L a) e b) do direito de audição.
VI. Se o Tribunal recorrido tivesse apreciado e valorado a matéria probatória, mormente a vertida nos pontos l), s), t), u), v e w) do probatório, no sentido aqui defendido pela sociedade impugnante, e que, em suma consta da douta sentença recorrida, teria concluído que nos autos não tem aplicação o disposto no art. 88°, al. a) da L.G.T., ou seja, que não existem nos autos factos que permitam concluir “pela falta de credibilidade da contabilidade da impugnante e o inquinamento da mesma”, pelo que, o RIT padece de falta de fundamentação que permita o recurso à aplicação de métodos indirectos. Pelo que, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha o sentido da douta sentença recorrida.
VII. Ao revogar a douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, o TCA substituiu-se ao Tribunal “a quo” e apreciou e julgou improcedente a questão suscitada pela sociedade em sede de impugnação judicial quanto ao excesso de quantificação de matéria colectável, cujo conhecimento havia ficado prejudicado pelo conhecimento do vício de falta de verificação dos pressupostos para a aplicação do método de avaliação indirecta. Sucede que,
VIII. a AT, no momento de fazer as contas, não levou em consideração os fundamentos aduzidos pela recorrida em sede de direito de audição, pois que, embora do RIT conste quanto ao direito de audição da impugnante que “o agora referido vai ser considerado neste relatório, alterando-se os valores em conformidade”, o certo é que compulsando o RIT constata-se que os valores da matéria tributável de IRC fixada por métodos indirectos não contemplaram os argumentos da impugnante. Sendo certo que,
IX. também o TCA, tocando pelo mesmo diapasão, fez tábua rasa dos fundamentos invocados pela impugnante e vertidos da matéria de facto dada como provada no ponto t) do probatório, assim violando o disposto no art. 74°, n° 3 da L.G.T., 2ª parte, arts. 104° n° 2 e 268° n° 3 da CRP. Pelo que, deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que aprecie à factualidade invocada pela impugnante, vertida no ponto t) da matéria de facto dada como provada e julgue procedente a invocada questão de excesso de quantificação da matéria tributável.
X. O douto acórdão recorrido violou, de entre outros, o disposto nos arts. 88°, al. a) e 74°, n° 3, ambos da L.G.T., e 21º, 104° n° 2 e 268° n° 3 da CRP.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emite Parecer, nos termos seguintes:
«A recorrente, A………… - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, veio interpor recurso ao abrigo do disposto no artigo 150° do CPTA, do acórdão do TCAS, de 23 de Março de 2017, proferido a fls. 247/280, que julgou procedente recurso jurisdicional interposto de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, no entendimento de que, da factualidade apurada, resulta verificarem-se os pressupostos legais para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, sendo certo que a recorrente não teria logrado demostrar o excesso de quantificação da matéria tributável.
A recorrente produziu alegações, tendo concluído nos termos de fls. 326/329.
A recorrida, Fazenda Pública, não contra-alegou.
Vejamos, pois, se o recurso deve ser admitido.
Nos termos do estatuído no artigo 150º/1 do CPTA o recurso excecional de revista ali regulado só é admissível quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
É jurisprudência reiterada [(1) Acórdãos do STA, de 14 de Setembro de 2011, 16 de Novembro de 2011 e 12 de Janeiro de 2012, proferidos nos recursos números 0387/11, 0740/11 e 0899/11, disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt] da SCT deste STA que:
1. O recurso de revista excecional regulado no artigo 150° do CPTA, pelo seu carácter excecional, estrutura e requisitos, não pode entender-se como de índole generalizada mas antes limitada, de modo a que funcione como uma válvula de escape do sistema, só sendo admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou que, por mor dessa questão, a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. Assim sendo, este tipo de recurso só se justifica se estamos perante questão que é, manifestamente, suscetível de se repetir num número de casos futuros indeterminados, isto é, se se verifica a capacidade de expansão da controvérsia que legitima o recurso de revista como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática.
Não é de admitir o recurso de revista excecional quando se está perante uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida” [(2) Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012 - P. 084/12, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
“... o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas.
Por outro lado, a clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objetivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Em suma, a intervenção do STA no âmbito de um recurso excecional de revista só pode considerar-se justificada em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso.” [(3) Do acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013 - P. 0185/13, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt].
Ora, compulsados os autos e analisadas as alegações/conclusões de recurso da recorrente constata-se que esta pretende que o STA reaprecie as questões da verificação dos pressupostos para determinação da matéria tributável por métodos indiretos e o excesso de quantificação de tal matéria.
Como fundamento de admissão do recurso invoca a necessidade de melhor aplicação do direito, uma vez que, em seu entendimento, as questões teriam sido tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória.
Ressalvado melhor juízo afigura-se certo que não corre uma clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito.
Na verdade, não se verifica uma evidente capacidade de expansão da controvérsia, pois, que estamos perante um caso individual, com contornos factuais específicos, sem possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em que atenta a factualidade, concretamente, apurada nos autos, a decisão de direito se afigura, manifestamente plausível.
Contrariamente ao que parece ser pretensão da recorrente, o STA não pode sindicar a factualidade apurada ou as ilações de facto tiradas pelo tribunal recorrido, atento o disposto no artigo 150°/3/4 do CPTA, tendo, apenas, competência para a reapreciação da decisão de direito, em função de toda a factualidade apurada pelas instâncias.
Como já se referiu, atenta a factualidade apurada, a decisão recorrida que julgou verificados os pressupostos legais para determinação da matéria tributável por métodos indiretos e que não se mostra evidenciado o excesso de quantificação de tal matéria, não sofre de erro palmar ou grosseiro, antes sendo perfeitamente plausível.
Não se verificam, pois, em nosso entendimento, os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista previsto no artigo 150° do CPTA.
Termos em que não deve ser admitido o recurso.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do Código de Processo Civil dá-se por reproduzido o Probatório constante do acórdão recorrido (fls. 247/280).

3.1. Apelando ao disposto nos arts. 87º, nº 1, al. b) e 88º. al. a), ambos da LGT e considerando que, no caso, ficou comprovada a falta de credibilidade da contabilidade da impugnante e resultou da factualidade provada não ser também possível a quantificação através da avaliação directa, o acórdão recorrido conclui que a AT estava legitimada para recorrer à avaliação indirecta na determinação da base tributável do IVA dos exercícios em causa e que, nessa medida, a sentença incorrera em erro de julgamento na parte em que julgou procedente a impugnação.

3.2. Discordando do assim decidido, a recorrente pretende que o STA reaprecie as questões ligadas à verificação dos pressupostos para a utilização de métodos indirectos e ao excesso de quantificação da base tributária assim calculada.
Vejamos, pois, se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1, 4 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
4 - O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

4.1. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema».(Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito,(Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.) também a jurisprudência do STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

4.2. No caso, o recorrente entende que esta revista excepcional deve ser admitida, por tal ser necessário em vista da melhor aplicação do direito, pois que as questões decididas teriam sido tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória.
Todavia, atentando no teor das alegações e das conclusões do recurso, o que se constata é que a recorrente pretende, no essencial, ver reapreciada a valoração dos factos que as instâncias julgaram provados e não provados, nomeadamente com referência aos constantes das als. l), s), t), u), v) e w) do Probatório, por forma a que agora se conclua, como concluíra a sentença proferida em 1ª instância, pela não aplicação do disposto no art. 88°, al. a) da LGT, ou seja, pela inexistência de factos que permitam concluir “pela falta de credibilidade da contabilidade da impugnante e o inquinamento da mesma” e pela não verificação dos pressupostos para o apuramento por via indirecta a que a AT procedeu relativamente à base tributável do IVA em causa e que, no entendimento da recorrente, implicou alegado excesso de quantificação da mesma base.
Ora, face ao disposto no nº 4 do art. 150º do CPTA, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa também não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso nos autos.
De todo o modo, como bem sublinha o MP, também não ocorre uma clara necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito, porque, atendendo à situação concreta e à factualidade concretamente apurada, a decisão de direito se afigura manifestamente plausível.
E também não se antevê que, face à apontada delimitação factual, a questão em causa revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo (estamos perante um caso individual, com contornos factuais específicos e singulares, sem possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros) nem que estejamos perante questões cuja apreciação jurídica se revista de complexidade superior ao comum em razão do respectivo enquadramento normativo ou da necessidade de compatibilizar os diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou, mesmo, em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar.
Nem, por último, se descortina no acórdão recorrido erro de julgamento ostensivo ou manifesto que justifique a admissão da revista, acrescendo que a desconformidade constitucional, por alegada violação dos arts. 21º (princípio da resistência), 104º, nº 2 (princípio da tributação pelo lucro real) e 268º, nº 3 (direitos e garantias dos administrados - fundamentação e notificação dos actos), todos da CRP, também não seria fundamento deste recurso (cfr., entre muitos outros, o ac. desta Secção de Contencioso Tributário do STA, de 10/9/2014, proc. nº 0659/14, bem como os acs. da Secção de Contencioso Administrativo, de 12/9/2013, proc. nº 0982/13; de 10/7/2013, proc. nº 01123/13; de 26/9/2013, proc. nº 01371/13; de 31/10/2013, proc. nº 01603/13; de 18/12/2013, proc. nº 01788/13) uma vez que as questões de inconstitucionalidade podem discutir-se (e só podem discutir-se definitivamente) em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (art. 70º nº 1, als. a), c) e f) da Lei 28/82, de 15/11).
Em suma, não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no art. 150º do CPTA.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista excepcional, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o n° 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 27 de Setembro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.