Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0545/10
Data do Acordão:09/15/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:IVA
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
PRAZO
APLICAÇÃO DA LEI NOVA
Sumário:I - O prazo de 4 anos, de caducidade do direito de liquidação, estabelecido no n.º 1 do artigo 45.º da LGT, aplica-se aos factos tributários ocorridos a partir de 1/1/1998, por força do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 389/98, de 17/12, que aprovou a LGT.
II - Na redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT dada pelo artigo 43.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30-12, o prazo, de 4 anos, em relação ao IVA, conta-se, não «a partir da data em que o facto tributário ocorreu», mas «a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto».
III - Atendendo a que o facto extintivo do direito à liquidação do IVA é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o "dies a quo"), a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável aos prazos em curso, atento ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.
Nº Convencional:JSTA00066578
Nº do Documento:SA2201009150545
Data de Entrada:06/23/2010
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 N4 ART46 N1.
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5 N5.
L 32-B/2002 DE 2002/12/30 ART43.
CCIV66 ART12 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1076/09 DE 2010/03/03.; AC STA PROC80/08 DE 2008/12/10.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG235 PAG242-243.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A representante da Fazenda Pública, inconformada com a decisão da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A…, Lda., com os sinais dos autos, contra as liquidações de IVA relativas aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, e respectivos juros compensatórios, e, em consequência, anulou as liquidações de IVA e de juros compensatórios referentes a 2002, dela veio interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
I- O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da procedência parcial da impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios referentes a 2002.
II- Fundamentação da sentença recorrida (síntese): Por conseguinte, quanto às liquidações de IVA do período de 0209T, 0206T e 0203T, deveriam ter sido emitidas e notificadas até Março, Junho e Setembro de 2006, respectivamente, uma vez que não o foram, verifica-se, quanto a estas, a caducidade do direito à liquidação.
III- A redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, ao art.º 45.º, n.º 4 da LGT, contemplou um alongamento do prazo de caducidade, por força do “deferimento” do momento inicial da contagem, pelo que será de aplicar a regra do n.º 2 do art.º 297.º do CC: a lei nova é imediatamente aplicável.
IV- Assim, face à redacção do n.º 4 do art.º 45.º da LGT à data da liquidação ora impugnada – 21/10/2006; e uma vez que a impugnante foi notificada desse acto de liquidação ainda em 2006 – al. F) do probatório; deverá concluir-se que nessa data não se encontrava caducado o direito da AF a liquidar IVA.
V- A douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação das regras vertidas nos n.ºs 1 e 4 do art.º 45.º da LGT, bem como da mais recente jurisprudência nesta matéria – cfr. Ac. desse Tribunal elaborado em 20.05.2009, no processo 0293/09.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante foi objecto de uma acção de inspecção com início a 12/01/2006 aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, em sede de IVA e IRC.
B) A acção de inspecção foi prorrogada por despacho do Director de Finanças de Lisboa, de 30/06/2006, com o fundamento, em síntese, que “O presente pedido de prorrogação do prazo do procedimento de inspecção tem acolhimento na alínea a) do n.º 3 do art.º 36.º do RCPIT, tendo em vista a complexidade derivada da necessidade de circularização de determinados fornecedores, um dos quais sediado na área da DFPorto, e cujos resultados são considerados essenciais para o sucesso da acção inspectiva”.
C) A impugnante foi notificada da prorrogação do prazo da acção de inspecção, por ofício datado de 06/07/2006.
D) A acção de inspecção terminou a 19/07/2006.
E) Na sequência das correcções efectuadas na acção de inspecção, foram emitidas à impugnante, em 21/10/2006, as seguintes liquidações de IVA, e respectivas liquidações de juros compensatórios:
a. N.º 06256280, referente a IVA do período 0412T
b. N.º 06256276, referente a IVA do período 0412T
c. N.º 06256274, referente a IVA do período 0406T
d. N.º 06256272, referente a IVA do período 0312T
e. N.º 06256270, referente a IVA do período 0309T
f. N.º 06256268, referente a IVA do período 0306T
g. N.º 06256266, referente a IVA do período 0303T
h. N.º 06256264, referente a IVA do período 0209T
i. N.º 06256262, referente a IVA do período 0206T
j. N.º 06256260, referente a IVA do período 0203T
F) As liquidações foram notificadas à impugnante a 8/11/2006.
III – Vem o presente recurso interposto da sentença da Mma. Juíza do TT de Lisboa no segmento em que esta julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos períodos 0203T, 0206T e 0209T por se ter verificado quanto a estas a caducidade do direito à liquidação uma vez que deveriam ter sido emitidas e notificadas, respectivamente, até Março, Junho e Setembro de 2006 e não o foram.
Vejamos. A questão que se coloca é, pois, a de se saber se relativamente a tais liquidações se verificou, ou não, a caducidade do direito a essa liquidação.
O prazo de 4 anos de caducidade do direito de liquidação é aplicável aos factos tributários ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 1998 (artigos 45.º, n.º 1 LGT e 5.º, n.º 5 do DL 398/98, que aprovou a LGT).
Sendo o IVA um imposto de obrigação única, esse prazo de 4 anos contava-se a partir da data da ocorrência do facto tributário (artigo 45.º, n.º 4 LGT, na redacção originária).
Porém, por força do artigo 43.º da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o termo inicial de tal prazo começou a contar-se a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
Importa, então, saber se a nova redacção do n.º 4 do artigo 45.º da LGT e, consequentemente, esse novo modo de contagem do prazo nele prevista se aplica, ou não, aos prazos que já se encontravam em curso no início da vigência da lei que introduziu a alteração em causa.
Ora, contrariamente ao entendimento expresso na sentença recorrida, esta alteração é de aplicação imediata, abrangendo, assim, os prazos ainda em curso, sem que isso signifique aplicação retroactiva da nova disposição legal, porquanto o facto extintivo do direito à liquidação é duradouro (o decurso do prazo) e não instantâneo (o início do prazo em momento temporal determinado) – cfr. artigo 12.º, n.º 2 do CC.
Este entendimento manifesta-se em abundante jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA – v. acórdãos de 26/11/2008, 20/5/2009, 25/6/2009 e 3/3/2010, proferidos nos recursos n.ºs 598/08, 293/09, 1109/08 e 1076/09, respectivamente – que merece a nossa adesão e também na doutrina (v. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp. 235 e 242/243).
Aplicando estas considerações ao caso em análise, verificamos que estando em causa IVA do ano de 2002, o prazo de caducidade teve início em 1/1/2003, pelo que o termo do prazo ocorreria em 1/1/2007.
Neste caso, o prazo de caducidade ficou suspenso com a notificação do início da acção de inspecção externa à contribuinte em 12/1/2006 (artigo 46.º, n.º 1 da LGT); esse efeito suspensivo cessou, porém, em consequência de a acção de inspecção ter ultrapassado o prazo de seis meses após essa notificação, por virtude da prorrogação operada, contando-se o prazo desde o início (alíneas A a D do probatório) – vd. art.º 46.º, n.º 1 da LGT e, entre outros, os acórdãos de 10/12/08 e de 5/7/08 desta Secção do STA, proferidos nos recursos 80/08 e 102/08, respectivamente.
Neste contexto, apesar da cessação da suspensão do prazo, e porque as liquidações aqui em causa foram notificadas à impugnante a 8/11/2006, ou seja, antes do termo do prazo, pelo que não se verifica, pois, a caducidade do direito de liquidação.
A sentença recorrida que assim não entendeu não pode, por isso, manter-se na ordem jurídica no segmento que constitui o objecto do presente recurso.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se, assim, a decisão recorrida no segmento em que considerou verificada a caducidade do direito à liquidação do IVA referente aos períodos de 0203T, 0206T e 0209T e, em consequência, julgar totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida.
Custas pela impugnante, apenas na 1.ª instância.
Lisboa, 15 de Setembro de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.