Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0329/11
Data do Acordão:11/02/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
RECLAMAÇÃO GRACIOSA
RECURSO HIERÁRQUICO
REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
CONVOLAÇÃO
TEMPESTIVIDADE
PRAZO
IRS
INCAPACIDADE FÍSICA
Sumário:I - Não é intempestiva a reclamação administrativa apresentada dentro do prazo então previsto no n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, contado a partir da data em que foi obtido o certificado de incapacidade, pois que sem a certificação da incapacidade não poderia ser reconhecido nem o direito ao benefício fiscal, nem a possibilidade de impugnar, administrativa ou judicialmente, as liquidações sindicadas.
II - Mesmo que assim não fosse, nem por isso a intempestividade da reclamação constituiria obstáculo legal à convolação desta em procedimento de revisão com fundamento em injustiça grave e notória, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, já que a tal possibilidade não obsta a intempestividade da reclamação graciosa pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado e o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever».
Nº Convencional:JSTA00067220
Nº do Documento:SA2201111020329
Data de Entrada:04/05/2011
Recorrente:DIRECÇÃO GERAL DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC TAF SINTRA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO
DIR PROC FISC GRAC - RECLAMAÇÃO ORDINÁRIA
DIR PROC TRIBUT CONT - ACÇÃO ADM ESPECIAL
Legislação Nacional:EBF89 ART4 N1 ART11
CPPTRIB99 ART52 ART70 N2
LGT98 ART78 N4
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC475/09 DE 2009/10/07; AC STA PROC476/09 DE 2009/10/07
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Directora de Serviços de IRS recorre para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 12 de Novembro de 2010, que julgou procedente a acção administrativa especial interposta por A…, com os sinais dos autos, contra o indeferimento do recurso hierárquico deduzido da reclamação graciosa interposta do acto de liquidação de IRS dos anos de 2001 e 2002, apresentando as seguintes conclusões:
A) No caso “sub judice”, o que está em causa é, muito claramente, o acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2001, cuja legalidade estará afectada pelo facto de o ora Recorrido não ter feito constar na declaração de rendimentos a titularidade de deficiência fiscalmente relevante, em virtude de nessa data ainda não ser possuidor do respectivo Atestado Médico de Incapacidade.
B) Estando o reconhecimento da incapacidade fiscalmente relevante dependente da apresentação de documento comprovativo juntamente com a declaração de rendimentos, quando a liquidação tiver sido efectivada em ano anterior à data da emissão do Atestado Médico de Incapacidade, e se este mencionar expressamente que a incapacidade se reporta a data anterior à da respectiva emissão, poderá o contribuinte, desde que ainda decorra o prazo legal, reclamar a fim de ver considerado o benefício fiscal na respectiva liquidação.
C) No caso de inexistência parcial do facto tributário, como é o caso “sub judice”, na medida em que está em causa a consideração de benefícios fiscais, prevê o n.º 2 do artigo 70.º do CPPT que o prazo para reclamar da liquidação é de um ano, pelo que, nenhuma ilegalidade pode ser apontada ao despacho que a considerou intempestiva, se a liquidação foi notificada em 02/07/2003 e a reclamação apresentada somente em 24/01/2005.
D) Ao contrário do que se considerou no Acórdão recorrido, o exercício do direito ao benefício fiscal previsto nos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF) não tem como única condição para o seu exercício a data da verificação dos respectivos pressupostos nem afasta a consideração dos prazos de reclamação e de impugnação previstos no CPPT e no CIRS, mesmo que esteja em causa a alegada ilegalidade da liquidação.
E) Estando precludido o prazo para o recorrido poder reclamar da liquidação de IRS de 2001, o que, aliás, o tribunal “a quo” não deixou de reconhecer, assim como ultrapassado que estava, o prazo para pedir a revisão do acto tributário ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, revisão que não foi suscitada no decurso do procedimento administrativo,
F) Também não se colocava à administração proceder à convolação da reclamação em revisão do acto tributário prevista no n.º 4 do art. 78.º da LGT, tanto mais que não foi demonstrada ou sequer invocada no âmbito do procedimento administrativo qualquer dificuldade ou impossibilidade por parte do Recorrido, em obter anteriormente o Atestado Médico de Incapacidade, situação que poderia configurar eventualmente injustiça grave e notória.
Termos em que, com o mui Douto suprimento de V. Exas., deve ser considerado procedente o presente recurso jurisdicional e, em consequência, revogado o douto acórdão recorrido, como é de Direito e de Justiça.
2 – Contra-alegou o recorrido, defendendo a manutenção do decidido, concluindo nos seguintes termos:
A) No caso sub judicio está em causa liquidações de IRS que devem beneficiar do E.B.F.;
B) O Autor e aqui contra-alegante está afectado de uma incapacidade total e absoluta de 80% e é praticamente cego;
C) A (sic) douto Acórdão fez adequada aplicação do normativo fiscal aplicável.
Termos em que deve o recurso interposto ser declarado improcedente, condenando-se a AF nos termos do douto Acórdão Tribunal “a quo”.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
É a de saber se bem julgou o acórdão recorrido ao anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto de decisão que recusou a apreciação da impugnação administrativa por intempestividade da sua apresentação.
5 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
1. Os serviços da Adm Fiscal, procederam, em 22.08.2002, à liquidação do IRS do ano de 2001 do qual resultou um direito a reembolso de imposto, notificada ao interessado em 30.06.2003 com o número 4603233944, e na qual não foi considerado qualquer benefício fiscal em resultado da falta de indicação de deficiência por parte do sujeito passivo na respectiva declaração periódica de rendimentos – cfr. “Print Informático” de fls. 7, do P.A. apenso.
2. Em 24.01.2005, foi apresentada reclamação graciosa do acto tributário referido supra, na qual se solicita que seja corrigida a liquidação de imposto para aquele ano em resultado da situação de deficiência e por motivo da emissão posterior do respectivo atestado comprovativo da mesma em 11.03.2004, constante de fls. 2 a 4, a qual foi indeferida liminarmente por intempestividade da sua apresentação, por despacho de 29.12.2005, de fls. 4 e 5, devidamente notificado ao interessado – cfr. Ofício de fls. 6 do P.A. apenso aos autos.
3. Da decisão referida supra deduziu recurso hierárquico em 26.01.2006, o qual mereceu Despacho de 30.06.2006, pela D.S. do IRS, com base na informação que a sustenta, reiterando a intempestividade da reclamação do acto tributário, devidamente notificado ao recorrente. – cfr. Recurso Hierárquico de fls. 1 a 5 e Despacho e Informação de fls. 20 a 22 e notificação de fls 23 e 24, do Rec. Hierárquico apenso.
4. Da declaração médica de incapacidade do impugnante cujo conteúdo se dá por reproduzido, consta que lhe foi conferido um grau de incapacidade permanente de 80% desde o ano de 2000. – cfr. “Atestado Médico” passado pela Autoridade de Saúde Distrital, a fls. 12, dos autos.
6 – Apreciando.
6.1 Da anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto de decisão que recusou a apreciação da impugnação administrativa por intempestividade da sua apresentação
O acórdão recorrido, a fls. 93 a 97 dos autos, anulou a decisão que indeferiu o recurso hierárquico interposto da decisão que recusou a apreciação da anterior impugnação administrativa por intempestividade da sua apresentação, determinando que fosse objecto de nova decisão que aprecie o mérito do pedido de verificação dos pressupostos do direito ao benefício fiscal reportado àquele ano de 2004 (cfr. acórdão recorrido, a fls. 96).
Fundamentou-se o decidido nos termos seguintes:
«(…) quanto à consideração do benefício fiscal de natureza pessoal relativo ao titular do rendimento, na qualidade de portador de deficiência, na esfera do qual se constituiu o respectivo direito, face à verificação dos pressupostos subjectivos definidos por lei efectuada em 2004, do qual dependia o benefício fiscal resultante directamente da lei e atento a que o mesmo se reporta à data da verificação dos respectivos pressupostos, nos termos do disposto no artº 4.º, n.º 1 e art. 11º do E.B.F., carece de fundamento a consideração dos prazos de reclamação graciosa ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 2, do CPPT e do art. 140.º, n.º 4, alínea b), do CIRS, para o exercício do direito ao benefício fiscal, por tal limitação não resultar daquele estatuto, como bem aponta o recorrente, apenas se impondo o prazo geral de caducidade do exercício do direito de liquidação por parte da Adm Fiscal e sem prejuízo do eventual procedimento de revisão oficiosa da liquidação nos termos do disposto no art.º 78º da LGT (cfr. fls. 96 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, alegando que ao contrário do que se considerou no Acórdão recorrido, o exercício do direito ao benefício fiscal previsto nos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF) não tem como única condição para o seu exercício a data da verificação dos respectivos pressupostos nem afasta a consideração dos prazos de reclamação e de impugnação previstos no CPPT e no CIRS, mesmo que esteja em causa a alegada ilegalidade da liquidação, sendo a reclamação intempestiva por força do n.º 2 do artigo 70.º do CPPT então vigente e alegadamente aplicável uma vez que foi notificada em 02/07/2003 e a reclamação apresentada somente em 24/01/2005, pelo que estava precludido o prazo para o recorrido poder reclamar da liquidação de IRS de 2001 (…), bem como ultrapassado que estava, o prazo para pedir a revisão do acto tributário ao abrigo do n.º 1 do art. 78.º da LGT, revisão que não foi suscitada no decurso do procedimento administrativo, não se colocando à administração proceder à convolação da reclamação em revisão do acto tributário prevista no n.º 4 do art. 78.º da LGT, tanto mais que não foi demonstrada ou sequer invocada no âmbito do procedimento administrativo qualquer dificuldade ou impossibilidade por parte do Recorrido, em obter anteriormente o Atestado Médico de Incapacidade, situação que poderia configurar eventualmente injustiça grave e notória (cfr. as conclusões C) a F) das suas alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
Tem razão a recorrente quando alega que o exercício do direito ao benefício fiscal previsto nos Estatutos dos Benefícios Fiscais (EBF) não tem como única condição para o seu exercício a data da verificação dos respectivos pressupostos nem afasta a consideração dos prazos de reclamação e de impugnação previstos no CPPT e no CIRS, mesmo que esteja em causa a alegada ilegalidade da liquidação, pois que, ao contrário do decidido, das normas do EBF invocadas no acórdão recorrido para fundamentar tal conclusão – os seus artigos 4.º, n.º 1 e 11.º (actuais 5.º, n.º 1 e 12.º) do EBF – não decorre, directa ou indirectamente, a desnecessidade de observância dos prazos de impugnação administrativa ou contenciosa das liquidações reputadas ilegais por não consideração de benefícios fiscais automáticos.
Daqui não resulta, porém, que, como alegado, a reclamação administrativa apresentada em 24 de Janeiro de 2005 (cfr. o n.º 2 do probatório fixado) tivesse sido intempestivamente apresentada, pois que o prazo de um ano para a sua dedução (que a própria Administração fiscal considera aplicável em face do disposto no n.º 3 do artigo 70.º do CPPT) previsto ao tempo no n.º 2 do artigo 70.º do CPPT (na redacção anterior à da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro), se tem de contar, in casu, a partir da data em que foi obtido o certificado de incapacidade (11 de Março de 2004, de acordo com o n.º 2 do probatório fixado), pois que sem a certificação dessa incapacidade não lhe poderia ser reconhecido nem o direito ao benefício fiscal, nem a possibilidade de impugnar, administrativa ou judicialmente, as liquidações sindicadas.
De facto, dispunha o artigo 70.º do CPPT, na redacção aplicável (anterior à Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro):
ARTIGO 70.º - Fundamentos e prazo da reclamação graciosa
1 - A reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo fixado no n.º 1 do artigo 102.º.
2 - O prazo de reclamação graciosa será de um ano se o fundamento consistir em preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial, do facto tributário.
3 - Considera-se que se verifica o fundamento da inexistência, total ou parcial, do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais.
4 - Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar nos prazos previstos nos números anteriores, estes contar-se-ão a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer o facto.
6 - A reclamação graciosa é apresentada por escrito, podendo sê-lo oralmente em caso de manifesta simplicidade, caso em que será reduzida a termo nos serviços locais ou periféricos da administração tributária.
Tendo ficado demonstrado em 1.ª instância que o certificado comprovativo de incapacidade apenas foi emitido em 11 de Março de 2004 (cfr. o n.º 2 do probatório fixado), forçoso é concluir que, a 24 de Janeiro de 2005 - data em que foi deduzida a reclamação (cfr. o n.º 2 do probatório fixado), não se esgotara ainda o prazo de um ano de que dispunha para tal, em face do n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, razão pela qual se terá de concluir ser efectivamente tempestiva a reclamação administrativa deduzida.
Mas mesmo que assim não fosse, nem por isso a intempestividade da reclamação constituiria obstáculo legal à convolação desta em procedimento de revisão com fundamento em injustiça grave e notória, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), como se decidiu nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Outubro de 2009 (rec. n.º 475/09 e 476/09), pois que, como aí se consignou, por um lado «a tal possibilidade não obsta a intempestividade da reclamação graciosa pois que, para o efeito, apenas é relevante a tempestividade do meio procedimental adequado», por outro, «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever».
No caso dos autos, tendo a liquidação sindicada sido efectuada em 22 de Agosto de 2002 (cfr. o n.º 1 do probatório fixado), manifesto é que, em 24 de Janeiro de 2005, data em que foi deduzida a reclamação (cfr. o n.º 2 do probatório fixado), não se haviam esgotado ainda os três anos dentro dos quais a revisão oficiosa da liquidação com fundamento em injustiça grave e notória poderia ser ordenada, devendo mesmo tê-lo sido, se a reclamação fosse considerada intempestiva, independentemente de pedido nesse sentido (pois que o dever de convolação é oficioso – cfr. o artigo 52.º do CPPT) pois que nenhuma demonstração havia de ter havido negligência do contribuinte na obtenção do certificado de incapacidade apenas naquela data.
Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2 de Novembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.