Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0722/14
Data do Acordão:01/28/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:REVISÃO OFICIOSA
ACTO DE LIQUIDAÇÃO
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I - O art.º 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, sem definir o momento a partir do qual são os mesmos devidos.
II - O nº 3, c) do mesmo preceito consagra que também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
III - O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Nº Convencional:JSTA000P18514
Nº do Documento:SA2201501280722
Data de Entrada:06/17/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu
. de 29 de Novembro de 2013


Julgou a impugnação judicial procedente, por provada, e, em consequência, determinou a anulação dos actos de liquidação de Imposto de Selo, nos montantes de 31.700,00 € e de 21.000,00 € e a restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescidos de juros indemnizatórios desde a data dos pagamentos indevidos até à data da emissão das respectivas notas de crédito a favor das impugnantes.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.º 1135/08.7BEVIS, deduzida por A……………….., S.A. contra o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação de Imposto de Selo, devido por aumento de capita social, nas entradas realizadas em numerário, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:


A) Vem o presente recurso da sentença que julgou procedente por provada a presente impugnação e, em consequência, anulou as liquidações de Imposto de Selo, nos montantes de € 31.700,00 e € 21.000,00 e determinou a restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios desde a data dos pagamentos indevidos até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor das impugnantes;

B) De realçar que estamos perante um lapso de escrita uma vez que a primeira liquidação de imposto mencionada é de € 30.700,00 e não já de € 31.700,00, sendo que o mesmo será de retificar, antes da subida do presente recurso, nos termos do art.º 614º, nº2 do CPC;

C) Está patente na decisão que: “No caso vertente, como concluímos supra, os atos de liquidação de imposto de Selo em questão padecem de erro nos pressupostos de direito.

D) Em consequência, mostrando-se efectuado o pagamento do imposto (cfr. alíneas B) e D) do probatório), são devidos, às impugnantes, juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor das mesmas, nos termos do artigo 61º, nº3 do CPPT.”.

E) Contudo, a Fazenda Pública não pode conformar-se com tal decisão.

F) Resulta dos factos provados que: “E) Em 23/11/2007, as sociedades impugnantes, em coligação, apresentaram um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de imposto de Selo identificados nas alíneas B) e D), com a consequente restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios – cfr. Fls 44/55 dos autos e 1/12 do processo de revisão oficiosa apenso aos autos.”;

G) Estabelece o art.º 43º, nº3 alínea c) da LGT que são devidos Juros Indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária;

H) São Doutrina e Jurisprudência assentes que no caso de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, os juros indemnizatórios só são devidos a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, ainda que o ato de liquidação apenas tenha vindo a ser anulado só na impugnação judicial do indeferimento daquela revisão;

I) A justificação para tal limite assenta na inércia do contribuinte no tempo que medeia entre o desembolso do imposto e o pedido de revisão oficiosa, correndo assim este por conta do contribuinte que não reclamou nem impugnou;

J) Na impugnação nº 575/11.9BEVIS, da mesma autora, foi decidido no mesmo sentido do agora invocado pela FP, tendo a AT sido condenada apenas no pagamento de Juros Indemnizatórios a partir de um ano após a apresentação da revisão oficiosa;

K) Na situação decidenda, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 23-11-2007, quando as liquidações foram efetuadas em 27-08-2004, logo, aquando da revisão oficiosa estava largamente ultrapassado quer o prazo de reclamação graciosa quer o de impugnação judicial, pelo que não será aplicável o nº1 do art.º 43º da LGT e consequentemente o nº3 do art.º 61º do CPPT, mas sim o art.º 43º, nº3 alínea c) da LGT, sendo apenas devidos juros indemnizatórios desde 24-11-2008 e não já desde a data do pagamento do imposto do selo em questão;

L) Padece, assim, a sentença recorrida de erro de julgamento;


Requereu a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra em que, após a análise do seu mérito, se condene a FP a Juros Indemnizatórios a partir de 24-11-2008, com as legais consequências.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido do provimento do recurso.

A decisão recorrida considerou provados, os seguintes factos com relevo para a decisão do presente recurso:

A. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes B…………. e C………………., na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “A……………….., S.A.”, ora impugnante, cujo teor ora se transcreve parcialmente: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com SETE MILHÕES SEISCENTOS E SETENTA E CINCO MIL EUROS, elevando-o para DEZ MILHÕES DE EUROS, através da emissão de um milhão quinhentos e trinta e cinco mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D………………, SGPS, S.A. (…)”. – fls. 34/37 dos autos.

B. No ato de outorga da escritura pública referida em A) a impugnante “A……………….., S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 30.700,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS. – fls. 38 dos autos.

C. Em 27/08/2004, no 1.º Cartório Notarial de Viseu, foi celebrada escritura pública de “Aumento de Capital e Alteração de Pacto Social”, na qual intervieram como outorgantes E……………. e C……………….., na qualidade de Administradores, em representação da sociedade “F………………., S.A.”, ora impugnante, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) Disseram os outorgantes: Que na referida acta da reunião da Assembleia Geral, de vinte deste mês, estando representada a totalidade do capital social, foi deliberado reforçar esse capital, em numerário, com CINCO MILHÕES DUZENTOS E CINQUENTA MIL EUROS, elevando-o para SETE MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS, através da emissão de um milhão e cinquenta mil novas acções, nominativas do valor nominal de cinco euros, cada uma, subscritas pela accionista D……………., SGPS, S.A. (…)”. – fls. 39/42 dos autos.

D. No ato de outorga da escritura pública referida em C) a impugnante “F………….., S.A.” pagou Imposto de Selo, no montante de 21.000,00 €, correspondente à verba 26.3 da TGIS. – fls. 43 dos autos.

E. Em 23/11/2007, as sociedades impugnantes, em coligação, apresentaram um pedido de revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação de imposto de Selo identificados nas alíneas B) e D), com a consequente restituição dos montantes de imposto indevidamente pagos, acrescida de juros indemnizatórios – fls. 44/55 dos autos e 1/12 do processo de revisão oficiosa apenso aos autos.

F. Não foi proferida decisão no âmbito do procedimento de revisão oficiosa a que se alude em E).

G. A petição de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 01/08/2008 – cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.


Questão objecto de recurso:

1- Qual a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art.43º nº 3 al.c) LGT).


A sentença recorrida invocando o disposto no artº 61º, nº 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário considerou que: (...) mostrando-se efetuado o pagamento do imposto (cfr. alíneas B) e D) do probatório), são devidos, às impugnantes, juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor das mesmas, nos termos do artigo 61.º, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário

O art.º 43.º, n.º 1 do da Lei Geral Tributária estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, sem definir o momento a partir do qual são os mesmos devidos. O nº 3, c) do mesmo preceito consagra que também são devidos juros indemnizatórios, «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária».
A situação dos autos é enquadrável no nº 3, al. c) do artº 43º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 27/08/2004, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 23/11/2007, apresentou um pedido de revisão oficiosa dos acto tributário.
Entre 2004 e 2007 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão.
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.
Tal tem vindo a ser a posição reiteradamente afirmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em situações similares, de que a título meramente exemplificativo se enuncia o Ac. 01041/06 de 15-02-2007, disponível em www.dgsi.pt, aqui reiterada.
Pelo exposto, se declara que os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado, ou seja, a partir de 24/11/2008.

O recurso procede, pois, inteiramente.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios desde a data dos pagamentos indevidos até à data da emissão das respectivas notas de crédito a favor das impugnantes, por os mesmos serem devidos apenas desde 24/11/2008 até à data da emissão das respectivas notas de crédito a favor das impugnantes.

Sem custas, por não terem sido apresentadas contra-alegações.

Lisboa, 28 de Janeiro de 2015. – Ana Paula Lobo (relatora) – Dulce Neto – Ascensão Lopes.