Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0269/18
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
DIREITO DE DEFESA
CONSULTA DE PROCESSO
Sumário:I - O direito de defesa em processo contraordenacional é um direito fundamental, imprescritível e que apenas a arguida pode decidir não exercer, não se apagando ou fragilizando com meros ajustes procedimentais.
II - O tribunal perante a invocação de uma situação que possa ter contribuído para impedir ou diminuir o exercício do direito de defesa do arguido, não pode deixar de averiguar como, quando, e, porque forma foi garantido à arguida, de modo efectivo, o exercício do seu direito de defesa, antes de contra ela vir a ser proferida uma decisão condenatória.
III - A tal se não equipara saber que foi emitido pelo sistema informático o documento procedimental que, se acompanhado das formalidades legalmente previstas lhe teria dado essa possibilidade.
(Sumário elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil)
Nº Convencional:JSTA000P23355
Nº do Documento:SA2201805300269
Data de Entrada:03/08/2018
Recorrente:A..........., SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
- 09 de Novembro de 2017
Julgou totalmente improcedente o presente recurso de contra-ordenação, mantendo-se na íntegra as decisões administrativas recorridas.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, S.A., veio interpor o presente recurso da sentença supra referida proferida no Recurso de Contra-ordenação n.º 55/17.9BEBRG por si instaurado contra as decisões do Chefe do Serviço de Finanças de Braga 1 que, no âmbito dos processos de contra-ordenação n.ºs 03612016060000160310, 03612016060000160328 e 03612016060000160336, a condenou no pagamento das respectivas coimas, por entrega fora do prazo de imposto retido na fonte (IRS), em violação do disposto do artigo 98.º, n.º 3, do CIRS, infracção punida pelo artigo 114.º, n.º 2 e n.º 5, alínea a), do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. A decisão judicial fundou-se em autos de notícia que nunca não foram notificados, porquanto têm data posterior ao próprio recurso contraordenacional;

2. A decisão judicial fundou-se em atos sancionatórios de notificação para apresentação de defesa que nunca não foram notificados à Arguida, porquanto têm data posterior ao próprio recurso contraordenacional.

3. A decisão judicial fundou-se em decisões contraordenacionais que nunca não foram notificadas à Arguida, porquanto têm data posterior ao próprio recurso contraordenacional.

4. A Arguida apresentou o respetivo recurso contraordenacional, ao abrigo do artigo 80.º do Regime Geral das Contraordenações, por via eletrónica com assinatura digital, no dia 03-01-2017.

5. No corpo do próprio texto do recurso, nos artigos 9.º, e 17.º a 21.º, a Arguida invocou a nulidade das decisões contraordenacionais respetivas porque nunca tinha sido notificada dos autos de notícia.

6. A referida nulidade foi indeferida, porquanto o Tribunal recorrido entendeu que resulta dos autos a prova das notificações em causa.

7. A Arguida nunca foi notificada dos autos de notícia; disse exatamente isso no recurso contraordenacional e mantém na presente data.

8. O Tribunal recorrido entende que "a Arguida deveria ter manifestado o seu inconformismo relativo à falta de notificação do auto, caso tal se verificasse, na altura em que foi notificada das decisões de aplicação das coimas, o que não fez."

9. Acontece que o articulado posterior à decisão contraordenacional é precisamente o recurso contraordenacional - e no recurso contraordenacional a Arguida, de facto, alegou a falta de notificação do auto de notícia.

10. A data dos respetivos autos de notícia prova precisamente a falta de notificação alegada.

11. Todos os autos têm a data de dia 05-01-2017, conforme se verifica nas respetivas fls., na parte inferior.

12. Os autos foram emitidos depois da apresentação do recurso contraordenacional.

13. Assim sendo, como se julga ser claro, não podia o Tribunal recorrido fundamentar a sentença em autos de notícia que à data dos das notificações para apresentar defesa, das decisões sancionatórias e mesmo do recurso contraordenacional, não existiam.

14. Conforme resulta do artigo 56.º, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, face ao apurado nestes autos, o que deveria ter servido de base ao presente processo contraordenacional deveria ter sido o respetivo auto de notícia.

15. Se o auto de notícia tem data posterior ao próprio recurso contraordenacional, verifica-se que o presente processo contraordenacional nem deveria tão-pouco ser levantado, porquanto para o processo se iniciar deveria haver autos de notícia antes.

16. Desta forma, os autos de notícia (essenciais à decisão recorrida) são prova proibida, por violação dos direitos de defesa da Arguida, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, número 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

17. Nestes termos, tendo o Tribunal recorrido admitido como válida uma prova proibida, a douta sentença incorre no vício de direito, o qual gera a nulidade da sentença, o que se invoca.

18. O Tribunal recorrido acolheu as notificações para o exercício do direito de defesa como válidas.

19. A Arguida nunca foi notificada das notificações para o exercício do direito de defesa que constam dos autos.

20. A Arguida foi sempre notificada por via eletrónica, através da plataforma Via CTT, pelo que as notificações dos autos nunca foram enviadas eletronicamente nem tão-pouco através de correio registado.

21. Fator decisivo é, mais uma vez, a data das respetivas notificações para o exercício do direito de defesa - São todas do dia 05-01-2017.

22. As notificações dos autos foram emitidas depois da apresentação do recurso contraordenacional.

23. Não podia o Tribunal recorrido fundamentar a sentença em notificações que à data do recurso contraordenacional, não existiam.

24. As notificações para o exercício do direito de defesa presentes nos autos (essenciais à decisão recorrida) são prova proibida, por violação dos direitos de defesa da Arguida, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, número 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

25. Nestes termos, tendo o Tribunal recorrido admitido como válida uma prova proibida, a douta sentença incorre no vício de direito, o qual gera a nulidade da sentença, o que se invoca.

26. O Tribunal recorrido entendeu que as decisões da administração tributária não violaram o princípio da culpa, porquanto se suportaram numa conduta negligente da Arguida suportada em decisões contraordenacionais presentes nestes autos.

27. A Arguida nunca recorreu das decisões que suportaram que resulta dos autos a prova das notificações em causa.

28. O mesmo é dizer, a Arguida foi notificada de outras decisões contraordenacionais, com outras fundamentações ("atos de ocultação, benefício económico, frequência da prática, negligência, obrigação de não cometer a infração, situação económica e financeira, tempo decorrido desde a prática da infração"), embora relacionadas com os mesmos factos contraordenacionais e mesmo número de processo, conforme decisões que ora se juntam.

29. Nas decisões de que a Arguida recorreu não havia uma linha relacionada com qualquer imputação subjetiva.

30. Em suma, a Arguida foi notificada de umas decisões contraordenacionais, recorreu das mesmas, e foi surpreendida na decisão judicial ora recorrida de outras decisões contraordenacionais, porventura mais fundamentadas.

31. Não deixa de ser aliás paradigmático que as decisões contraordenacionais que o Tribunal recorrido suportou o seu entendimento tenham a data de 05-01-2017, e os recursos contraordenacionais tenham dado entrada nos serviços competentes no dia 03-01-2017 - três dias antes.

32. Assim sendo, como se julga ser claro, não podia o Tribunal recorrido fundamentar a sentença em decisões contraordenacionais que à data do recurso contraordenacional, não existiam; e de que a Arguida não recorreu.

33. Desta forma, as decisões contraordenacionais (essenciais à decisão recorrida) são prova proibida, por violação dos direitos de defesa da Arguida, o que provoca a nulidade da sentença, por força do artigo 122.º, número 1, artigo 379.º, número 2 e artigo 412.º, número 3, todos do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, por força do art.º 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

34. Nestes termos, tendo o Tribunal recorrido admitido como válida uma prova proibida, a douta sentença incorre no vício de direito, o qual gera a nulidade da sentença, o que se invoca.


Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto Acórdão que decida pela revogação da, aliás douta, sentença recorrida.


Não foram apresentadas contra-alegações.

O Magistrado do Ministério Público propõe o provimento do recurso dizendo: «(…) Afigura-se-nos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto em ordem à apreciação da questão da nulidade processual suscitada pela arguida e colocada ao tribunal, motivo pelo qual entendemos que se impõe a sua revogação, determinando-se a baixa dos autos a fim de ser ampliada a matéria de facto nessa parte.»
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. A 22/11/2016, foi levantado contra a Arguida o auto de notícia n.º 16990255259, por entrega fora do prazo do imposto retido na fonte, referente a Março de 2016, que motivou a instauração do processo de contra-ordenação n.º 03612016060000160310, do qual consta, em suma, que:
“ (…)
01 IDENTIFICAÇÃO DO INFRACTOR
Nome: A………… SA
Sede: AVENIDA ……… N ……
4710-…… BRAGA
NIPC: ………
02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A(S) INFRACÇÃO(ÕES)
Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Tributação
Termo do prazo
Data Cump. obrigação
Artigo
Artº 98 nº 3 CIRS - Entrega fora do prazo de imposto retido na fonte
Artigo
Artº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária
201603
2016-04-20
26-08-2016
03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO
Nome do Autuante: …………
Categoria/Funções do Autuante: Taf – 2/Chefe de finanças
Data e local: Em 2016-11-22, neste Serviço de Finanças
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Verifiquei pessoalmente, na data e local referidos no quadro 3, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou no respectivo prazo legal, a prestação tributária exigível, o que constitui infracção às normas indicadas no quadro 02, puníveis pelas normas referidas no mesmo quadro, (…).
(…)” – cf. fls. 36 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos.
B) Através do ofício datado de 22/11/2016, foi a Arguida notificada para o exercício do direito de defesa e para, querendo, proceder ao pagamento da coima com redução – cf. fls. 33 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos;

C) A 16.12.2016, foi proferida, pelo chefe do Serviço de Finanças de Braga – 1, a decisão ora recorrida, enviada através de carta registada à Arguida, que apresenta a seguinte forma:
“ (…)

Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 3.654,03; 2. Valor da prestação tributária entregue: 3.654,03; 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação: 2016-08-26; 5. Período a que respeita a infracção: 2016/03; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-04-20, os quais se dão como provados. Número da Guia: G.80466061927.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Data
ArtigoArtigo
Tributação
Infracção
Art.º 98 nº 3 CIRS – Entrega fora do prazo de imposto retido na fonteArtº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária
201603
2016-04-20
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do RGIT):
Requisitos / Contribuintes
1 (…).
Actos de Ocultação
Benefício
Económico
Frequência da prática
Negligência
Obrigação de não Cometer infracção
Situação Económica e Financeira
Tempo decorrido desde a prática da infracção
Não

0,00
Frequente
Simples
Não
Baixa
Ø6 meses
(…)
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes e elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.131,83 cominada no(s) Art(s)º 114º nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
(…)
(…) - cfr. fls. 32 e 33 dos autos, aqui reproduzidas.

D. A 22/11/2016, foi levantado contra a Arguida o auto de notícia n.º 16990255257, por entrega fora do prazo do imposto retido na fonte, referente a Fevereiro de 2016, que motivou a instauração do processo de contra-ordenação n.º 03612016060000160328, do qual consta, em suma, que:
“ (…)
01 IDENTIFICAÇÃO DO INFRACTOR
Nome: A………… SA
Sede: AVENIDA ……… N ……
4710-…… BRAGA
NIPC: ………
02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A(S) INFRACÇÃO(ÕES)
Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Tributação
Termo do prazo
Data Cump. obrigação
Artigo
Artº 98 nº 3 CIRS - Entrega fora do prazo de imposto retido na fonte
Artigo
Artº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária
201603
2016-03-21
26-08-2016
03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO
Nome do Autuante: …………
Categoria/Funções do Autuante: Taf – 2/Chefe de finanças
Data e local: Em 2016-11-22, neste Serviço de Finanças
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Verifiquei pessoalmente, na data e local referidos no quadro 3, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou no respectivo prazo legal, a prestação tributária exigível, o que constitui infracção às normas indicadas no quadro 02, puníveis pelas normas referidas no mesmo quadro, (…).
(…)” – cf. fls. 46 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos;

E) Através do ofício datado de 22/11/2016, foi a Arguida notificada para o exercício do direito de defesa e para, querendo, proceder ao pagamento da coima com redução – cf.. fls. 43 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos;

F) A 16.12.2016, foi proferida, pelo chefe do Serviço de Finanças de Braga – 1, a decisão ora recorrida, enviada através de carta registada à Arguida, que apresenta a seguinte forma:
“ (…)
Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 3.654,03; 2. Valor da prestação tributária entregue: 3.654,03; 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação: 2016-08-26; 5. Período a que respeita a infracção: 2016/02; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-03-21, os quais se dão como provados. Número da Guia: G.80466061048.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Data
ArtigoArtigo
Tributação
Infracção
Art.º 98 nº 3 CIRS – Entrega fora do prazo de imposto retido na fonteArtº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária
201602
2016-03-21
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do RGIT):
Requisitos / Contribuintes
1 (…).
Actos de Ocultação
Benefício
Económico
Frequência da prática
Negligência
Obrigação de não Cometer infracção
Situação Económica e Financeira
Tempo decorrido desde a prática da infracção
Não

0,00
Frequente
Simples
Não
Baixa
Ø 6 meses
(…)

DESPACHO
Assim, tendo em conta estes e elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.131,83 cominada no(s) Art(s)º 114º nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
(…)
(…) - cfr. fls. 41 e 42 dos autos, aqui reproduzidas.

G) A 22/11/2016, foi levantado contra a Arguida o auto de notícia n.º 16990255256, por entrega fora do prazo do imposto retido na fonte, referente a Janeiro de 2016, que motivou a instauração do processo de contra-ordenação n.º 03612016060000160336, do qual consta, em suma, que:
“ (…)
01 IDENTIFICAÇÃO DO INFRACTOR
Nome: A………… SA
Sede: AVENIDA ……… N ……
4710-…… BRAGA
NIPC: ………
02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A(S) INFRACÇÃO(ÕES)
Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Tributação
Termo do prazo
Data Cump. obrigação
Artigo
Artº 98 nº 3 CIRS - Entrega fora do prazo de imposto retido na fonte
Artigo
Artº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta de entrega de prestação tributária
201601
2016-02-22
26-08-2016
03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO
Nome do Autuante: …………
Categoria/Funções do Autuante: Taf – 2/Chefe de finanças
Data e local: Em 2016-11-22, neste Serviço de Finanças
DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Verifiquei pessoalmente, na data e local referidos no quadro 3, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou no respectivo prazo legal, a prestação tributária exigível, o que constitui infracção às normas indicadas no quadro 02, puníveis pelas normas referidas no mesmo quadro, (…).
(…)” – cf. fls. 56 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos.

H) Através do ofício datado de 22/11/2016 foi a Arguida notificada para o exercício do direito de defesa e para, querendo, proceder ao pagamento da coima com redução – cf. fls. 53 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido para os legais efeitos;

I) A 16.12.2016, foi proferida, pelo chefe do Serviço de Finanças de Braga – 1, a decisão ora recorrida, enviada através de carta registada à Arguida, que apresenta a seguinte forma:
“ (…)
Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 3.654,03; 2. Valor da prestação tributária entregue: 3.654,03; 3. Valor da prestação tributária em falta: 0,00; 4. Data de cumprimento da obrigação: 2016-08-26; 5. Período a que respeita a infracção: 2016/01; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2016-02-22, os quais se dão como provados. Número da Guia: G.80466060971.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas
Normas Punitivas
Período
Data
ArtigoArtigo
Tributação
Infracção
Art.º 98 nº 3 CIRS – Entrega fora do prazo de imposto retido na fonteArtº 114 nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4 do RGIT – Falta de Entrega de prestação tributária
201601
2016-02-22
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº 27 do RGIT):
Requisitos / Contribuintes
1 (…).
Actos de Ocultação
Benefício
Económico
Frequência da prática
Negligência
Obrigação de não Cometer infracção
Situação Económica e Financeira
Tempo decorrido desde a prática da infracção
Não

0,00
Frequente
Simples
Não
Baixa
Ø6 meses
(…)
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes e elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 1.559,95 cominada no(s) Art(s)º 114º nº 2, 5 a), 24 nº 2 e 26 nº 4, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26º do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
(…)
(…) - cfr. fls. 51 e 52 dos autos, aqui reproduzidas.

Questão objecto de recurso:

1- Nulidade da decisão recorrida, por o julgamento de facto estar fundamentado em documentos falsos.
2- Erro de julgamento, por não ter sido dado como verificada a nulidade ocorrida por falta de notificação do auto de notícia.
*****
Como questão prévia ao conhecimento do recurso anota-se que a sentença recorrida diz o seguinte:
(…) Como se explica no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado, cuja fundamentação se acolhe, ao passo que no regime de punição do cúmulo jurídico do concurso das contra-ordenações há lugar a uma avaliação global da actividade delituosa do arguido e da culpa, no regime de cúmulo material isso não sucede, uma vez que essa avaliação deve ser feita apenas na aplicação de cada uma das coimas parcelares aplicadas, não podendo, por isso, a omissão de realização do cúmulo material pela entidade administrativa ser sancionada com nulidade.

Pelo exposto, julgo totalmente improcedente o presente recurso de contra-ordenação, mantendo-se na íntegra as decisões administrativas recorridas.

*
IV – DECISÃO:
Em consonância com o exposto, julgo totalmente procedente o recurso apresentado pela arguida, anulando-se, em conformidade, as decisões recorridas.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1Uc [art.º 8.º, n.º 7 do RCP], sem prejuízo da isenção de que beneficia.».

Toda a argumentação da sentença conduz a, julgar totalmente improcedente o presente recurso de contra-ordenação, mantendo-se na íntegra as decisões administrativas recorridas assim tendo sido entendido pela recorrente, pelo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal e, ainda que por omissão, pela entidade recorrida que não veio invocar não ser admissível o recurso por falta de sucumbência. Cremos, pois que a frase:
Em consonância com o exposto, julgo totalmente procedente o recurso apresentado pela arguida, anulando-se, em conformidade, as decisões recorridas se deve a manifesto lapso, pelo que a desconsideraremos, passando à análise do recurso.

1- Nulidade da decisão recorrida

Em processo de contra-ordenação a sentença é nula quando enferme de qualquer dos vícios constantes do art.º 379.º do Código de Processo Penal, aqui aplicável por força do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 3º, alínea b), do Regime Geral das Infracções Tributárias, e 41º, nº 1, do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (Ilícito de Mera Ordenação Social).
A consideração de meios de prova falsos não consta da enumeração das causas de nulidade da sentença, pelo que a sua existência apenas poderá ser tida em conta em sede de verificação de erro de julgamento.
Anota-se, porém, que, na presente situação, a invocada falsidade dos documentos decorre de a arguida pretender demonstrar que o auto de notícia foi criado em momento posterior ao da instauração do recurso da decisão que aplicou a coima. Apesar de deles constar uma data que é posterior à instauração do recurso da decisão que aplicou a coima, tal data refere-se à data em que os autos de notícia foram impressos para instrução do recurso e não à data da sua criação original que há-de buscar-se na plataforma informática que processa as contra-ordenações em matéria tributária.
Não sendo a situação indicada uma das que a lei selecionou para determinar a nulidade da sentença, este fundamento de recurso improcede totalmente.

2. Falta de notificação do auto de notícia

A arguida refere repetidamente que não foi notificada dos autos de notícia havendo sido apenas notificada da decisão que aplicou a coima.
Na matéria de facto provada, sob as alíneas B, E, H indica-se que «Através do ofício datado de 22/11/2016 foi a Arguida notificada para o exercício do direito de defesa e para, querendo, proceder ao pagamento da coima com redução».
Não há qualquer referência sobre a forma como estes ofícios terão sido levados ao conhecimento da arguida nem a data em que tal conhecimento ocorreu.
Ora sem esse conhecimento, ou, pelo menos sobre a possibilidade de o ter tido acompanhada, neste caso, da recusa da arguida em receber os ofícios em causa, o processo não revela um formalismo essencial a todos os procedimentos de contra-ordenação, imposto pelo direito constitucional consagrado no art.º 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa de a todos ser assegurado que efectivamente tiveram possibilidade de exercer o seu direito de defesa.
O direito de defesa deve ser exercido no momento próprio e a possibilidade desse exercício terá que ser efectiva e tendente a evitar a condenação. Por isso, contrariamente ao que se diz na sentença recorrida, a arguida nem tem o dever de se insurgir contra os vícios procedimentais quando é notificada da decisão final, e, sob pena de não o fazendo, perder tal direito, nem a indicação, com a decisão final de que poderá consultar o processo, apaga esse direito se à arguida não lhe foi dada a possibilidade de o exercer.
O direito de defesa em processo contraordenacional é um direito fundamental, imprescritível e que apenas a arguida pode decidir não exercer, não se apagando ou fragilizando com meros ajustes procedimentais.
Assim, o tribunal perante a invocação de uma situação que possa ter contribuído para impedir ou diminuir o exercício do direito de defesa do arguido, não pode deixar de averiguar como, quando, e, porque forma foi garantido à arguida, de modo efectivo, o exercício do seu direito de defesa, antes de contra ela vir a ser proferida uma decisão condenatória, que se não equipara a saber que foi emitido pelo sistema informático o documento procedimental que, se acompanhado das formalidades legalmente previstas lhe teria dado essa possibilidade. O que consta da matéria provada nas alíneas destacadas chega para perceber apenas que a Administração Tributária deu início aos procedimentos que poderiam ter permitido que a arguida, em tempo oportuno, exercesse o seu direito de defesa, mas nada se sabe sobre a concretização de tal objectivo. A Administração Tributária tem o dever legal de dar a conhecer à arguida todos os elementos necessários para que possa exercer o seu direito de defesa e, quando o arguido diz que o não cumpriu, a exibição do ofício que deveria ter sido levado a conhecimento da arguida para tal efeito não é bastante para demonstrar que efectivamente foi levado ao conhecimento da arguida, em tempo oportuno e da forma legalmente imposta.
Deparamo-nos, assim com um probatório manifestamente insuficiente para permitir uma decisão deste recurso que se impõe seja completado.
A insuficiência da matéria de facto inviabiliza que possa encontrar-se, nesta instância, a solução jurídica do pleito.
Deste modo, como expressamente se preceitua no art.662.º, n.º 2, c), e 682.º, do Código de Processo Civil, ex vi do artº 3.º, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias, 32.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e 4.º do Código de Processo Penal, impõe-se a ampliação da matéria de facto quanto à (in)verificação da notificação da arguida para exercício do seu direito de defesa.
A sentença recorrida enferma, pois, de erro de julgamento, impondo-se a sua anulação para ampliação da matéria de facto.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e determinar a ampliação da matéria de facto nos termos antes indicados.

Sem custas dado que a decisão não é desfavorável à arguida, nos termos do nº 3 do artº 93º do RGCO.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).


Lisboa, 30 de Maio de 2018. - Ana Paula Lobo (relatora) - António Pimpão - Francisco Rothes.