Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01402/16
Data do Acordão:05/03/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IRS
MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS
PAGAMENTO
TORNAS
VALOR DE AQUISIÇÃO
Sumário:I - Constituindo o recurso jurisdicional um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender (salvo no que respeita às questões de conhecimento oficioso) a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
II - Tomando em consideração o princípio da igualdade, enquanto princípio que impõe o respeito pela capacidade contributiva dos contribuintes e a prossecução do objectivo constitucional da “repartição justa dos rendimentos e riqueza” (nº 1 do art. 103º da CRP), o cálculo das mais-valias imobiliárias considerando como valor de aquisição o que resultar para efeitos de IMT consiste numa presunção ilidível, face ao disposto no art. 73º da LGT.
III - Em 2002 o Recorrente podia ter optado por ser tributado em SISA com base no valor que defende ser o valor real do imóvel, fixando também por essa forma o valor de aquisição dos prédios para efeitos de tributação mais-valias aquando da sua futura alienação.
Nº Convencional:JSTA000P23250
Nº do Documento:SA22018050301402
Data de Entrada:12/13/2016
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório-

1 – A……………. e B………………, ambos com os sinais dos autos, recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 17 de Junho de 2016, que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 201054841780, relativa ao ano de 2006, no valor de € 93.596,76 e a liquidação de juros compensatórios (JC) n.º 20101527192, no valor de € 12.000,88, apresentando para tal as seguintes conclusões:


Impõe-se a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que decida pela anulabilidade das liquidações impugnadas pois:

Primeiro:

1. Encontra-se provado (alínea B)) que a liquidação em causa respeita à aquisição e posterior venda de 3 prédios de naturezas diferentes (dois urbanos e um rústico) com valores patrimoniais e reais diferentes

2. A liquidação de IRS objecto dos presentes autos, não tem em conta tal discriminação, nem quanto ao valor de aquisição, nem quanto ao valor de realização.

3. Ora, considerando que os valores dos prédios (patrimoniais e/ou reais) são drasticamente diferentes entre si – um prédio rústico não tem o mesmo valor que um urbano

4. Como é óbvio, se atribuirmos mais valor de realização ao prédio com menor valor daí não resulta liquidação igual de imposto se atribuirmos maior valor de realização ao que tiver maior valor.

5. Logo, a nota de liquidação deve ser anulada, pois na sua génese não está qualquer suporte legal, mais não sendo do que uma mera imputação, totalmente injustificada e descriminada, de valores sem qualquer fundamentação, jurídico/factual

Segundo:

6. Considerando que se encontra provado (alíneas b) e c)) que o aqui Recorrente varão era, por si próprio, herdeiro do inventariado C………… e que a liquidação de IRS aqui em crise não teve em conta tal facto,

7. Limitando-se a considerar o valor de aquisição em globo, sem descriminar a parte adquirida aos demais herdeiros, da parte adquirida enquanto herdeiro – as quais têm valores diferentes

8. Facilmente concluímos pela total ausência de fundamentação e critério da liquidação o qual, por totalmente discriminatório e arbitrário é absolutamente ilegal e consequentemente impõe-se a sua revogação

Terceiro:

9. Encontrando-se provado:

o o valor real de aquisição da parte adquirida pelo Recorrente aos demais herdeiros, (alínea e))

o Conhecendo-se o valor patrimonial dos prédios (alínea b)) – o que nos permite calcular o valor da quota adquirida pelo Recorrente por sucessão

o o valor real de realização com a venda de 2/3 dos 3 prédios (alínea d) e g))

10. Fácil se torna calcular por prédio, o valor real de aquisição e, bem assim, o resultado obtido pelo Recorrente com a transacção dos prédios e, consequentemente o valor da mais valia

11. O n.º 2, do art.º 46.º do CIRS (versão anterior) dispõe que: 2 – Não havendo lugar a liquidação da sisa, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto e privilegiando o direito fiscal a tributação real,

12. Não é legal à AT fazer tábua rasa destes elementos e tributar o Recorrente, só porque não se consegue tributar o real devedor do tributo, pois quando teve conhecimento de tais elementos nada fez em relação aos demais herdeiros.

13. Enferma a douta Sentença recorrida de claro e notório erro de julgamento que, uma vez reconhecido, conduzirá inevitavelmente ao provimento do presente recurso e à consequente revogação da decisão recorrida

14. Termos em que, ainda que por esta via, deve a liquidação oficiosa aqui em crise ser anulada e, consequentemente, ser igualmente anulada a liquidação relativa aos juros compensatórios, por claramente ilegais.

Termos em que face ao exposto deve o Douto Tribunal “a quem” conceder provimento ao presente recurso e consequente revogar a Douta Sentença recorrida e, em consequência serem as liquidações objecto dos autos anuladas mais se ordenando a extinção dos processos de execução fiscal.
Assim se fazendo JUSTIÇA!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o parecer de fls. 122/123 dos autos, concluindo nos seguintes termos:


1. Enquanto incremento patrimonial (rendimento da categoria G – IRS) as mais-valias constituem ganhos obtidos resultantes, designadamente da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (arts. 9º nº 1 al.a) e 10º nº1 al.a) CIRS)

O ganho sujeito a tributação corresponde à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (art. 10º nº4 al.a) CIRS)

No caso de alienação de bens imóveis prevalece como valor de realização, quando superior, o valor pelos quais os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT ou, não havendo liquidação deste imposto, os que devessem ser, caso fosse devida (art.44º nº2 CIRS)

Considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do IMT ou, não tendo havido liquidação, o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras daquele imposto (art.46º nºs 1 e 2 CIRS)

Estavam sujeitas a Sisa (actualmente IMT – art.28º nº 2 DL nº 287/2003, 12 novembro) as transmissões de propriedade imobiliária em acto de partilhas, em tudo o que excedesse o valor da quota-parte que ao adquirente pertencesse, por qualquer título, nos bens imobiliários; o valor do excesso sobre a quota-parte do adquirente, sujeito a tributação, era calculado em face do valor desses bens segundo o inventário, o projecto de partilha, ou segundo a matriz, conforme o que fosse superior (arts. 8º nº10 e $2º e 19º $ 3º 16ª regra CIMSISD)

2. No caso concreto o valor tributável corresponde ao excesso de valor do imóvel adquirido em relação ao valor da quota hereditária do adquirente, devolvido à herança a título de tornas, no montante de € 33 321,21 declarado no mapa de partilha (factos provados al.F)

Apenas este montante é relevante como valor da aquisição onerosa para efeito de determinação das mais-valias tributáveis em IRS.

A adesão à tese do recorrente (relevância de um valor superior de tornas, não constante do mapa de partilha) significaria um indevido benefício para o adquirente infractor que, em conluio com os restantes herdeiros, após uma redução fraudulenta da matéria tributável da Sisa (na aquisição onerosa do excesso da quota hereditária), obteria uma redução do montante das mais-valias pela consideração de um valor de aquisição superior ao montante das tornas constante do mapa da partilha, único legalmente atendível (art.46.º nº1 al.a) CIRS redacção vigente em 2002, ano da aquisição do imóvel)


CONCLUSÃO

O recurso não merece provimento.

A sentença impugnada deve ser confirmada.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


- Fundamentação -

4 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar que a liquidação adicional de IRS relativa ao exercício de 2006 deve ser mantida na ordem jurídica, por decorrer do cálculo oficioso de uma mais-valia imobiliária que considerou correctamente, para efeitos do respectivo valor de aquisição, o montante indicado pelos recorrentes, no mapa de partilhas, a título de tornas.

5 – Matéria de facto

É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida:


Com base na documentação junta aos autos, no depoimento da testemunha inquirida e na posição assumida pelas Partes, considera-se provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão:

A. Os Impugnantes são casados no regime de separação de bens – facto não controvertido alegado no ponto 6.º da petição inicial;

B. No âmbito do processo de inventário n.º 50311/2000, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Leiria para partilha de bens de C……….., foi atribuído ao prédio misto inscrito na matriz sob o artigo urbano 1702, sob o artigo urbano 2299 e sob o artigo rústico 67, descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o número 2163, o valor de € 34.083,68 – cf. fls. 16 a 29 do procedimento de reclamação graciosa (PRG) que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

C. O valor de € 34.083,68 que foi atribuído ao prédio misto referido no ponto B. que antecede corresponde ao respetivo valor patrimonial tributário (VPT) que se encontrava fixado nessa data – cf. informação que se extrai de fls. 14 do processo de recurso hierárquico (PRH) que integra o PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

D. Em 12.07.2002, o Impugnante A…………. celebrou um contrato promessa de compra e venda com D………. e E…………, no qual, além do mais, estes prometeram vender os quinhões hereditários de C……… pelo preço de € 623.500,00 – cf. fls. 31 do PRG que integra o PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

E. O Impugnante A……………… emitiu cheques em nome de D……….. no valor total de € 623.500,00 – cf. fls. 33 e 34 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas; cf. depoimento da testemunha …………;

F. Em 24.10.2002, no âmbito da partilha de bens de C……… realizada em sede do processo de inventário n.º 50311/2000, o Impugnante A………., enquanto herdeiro, recebeu, além do mais, o prédio misto referido no ponto B. supra, tendo sido declarado o pagamento de tornas aos restantes herdeiros no valor de € 33.231,21 – cf. fls. 16 a 29 e 49 a 53 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

G. Em 08.06.2006, o Impugnante A………… vendeu, pelo preço de € 538.630,00 dois terços do prédio misto referido no ponto B. supra, sendo que do respetivo preço € 200.000,00 corresponde às partes urbanas e € 338.630,00 respeita à parte rústica – cf. fls. 9 a 13 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

H. Os Impugnantes não procederam à entrega da declaração modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2006 dentro do prazo legal – cf. informação que se extrai de fls. 56 do PRG que integra o PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

I. Em 13.07.2010, a AT elaborou oficiosamente uma declaração modelo 3 do IRS relativa aos rendimentos auferidos pelos Impugnantes no ano de 2006, na qual, além do mais, foi tributada como rendimento da categoria G – Mais Valias o valor recebido pela venda do imóvel referida no ponto G. supra, tendo sido considerado como valor de aquisição o respectivo VPT – cf. fls. 44 e 45 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

J. Em 05.08.2010, a AT emitiu em nome dos Impugnantes a liquidação adicional de IRS n.º 201054841780, relativa ao ano de 2006, no valor de € 93.596,76, e a liquidação de JC n.º 20101527192, no valor de € 12.000,88 – cf. fls. 3 do PRG que integra o PAT, que se dá por integralmente reproduzida;

K. Em 14.12.2010, os Impugnantes apresentaram reclamação graciosa contra as liquidações referidas no ponto J. que antecede – cf. fls. 5 a 8 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

L. Por despacho que 10.03.2011, do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria, foi indeferida a reclamação graciosa referida no ponto K. que antecede – cf. fls. 60 a 63 do PRG que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

M. Em 13.04.2011, os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa referida no ponto L. que antecede – cf. fls. 3 a 8 do PRH que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

N. Por despacho de 06.09.2011, da Diretora de Serviços do IRS, foi negado provimento ao recurso hierárquico apresentado pelos Impugnantes referido no ponto M que antecede, sendo que na mesma é, além do mais, referido o seguinte:

“(…)

2 – Apreciação do Pedido

(…)

20. (…) Porquanto, e conforme já se encontra expressa na decisão proferida em sede de reclamação graciosa, existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direcção (Art. 13.º n.º 2 do CIRS).

(…)

25.1. Estando-se na presença de aquisição gratuita (Art.º 45) considera-se aquele que haja sido considerado para efeito de liquidação do imposto sobre sucessões e doações, ou os valores que lhe serviriam de base, caso fosse devido, determinados de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

25.2. Tratando-se de aquisição onerosa (Art.º 46.º), considera-se valor o que tiver servido para efeitos de liquidação da sisa aquando da aquisição ou, não havendo lugar a tributação, o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

26. Da factualidade que integra os Autos, os bens alienados (no seu todo) foram adquiridos pelo recorrente de forma diferenciada, e em diferentes momentos. Senão vejamos:

26.1 Face à sua qualidade de herdeiro legitimário por obtido de C………., ocorrido em 08/02/1999, adquiriu nessa data 1/40 dos prédios em causa, que era a sua quota parte a que tinha direito no conjunto de bens que integravam a herança. (…) Esta aquisição assume carácter gratuito, ficando adstrita às regras definidas no Art.º 45.º do CIRS.

26.2 O restante (39/40) foi adquirido por partilha judicial, ratificada em 2002, no âmbito da qual pagou aos restantes herdeiros tornas. Esta aquisição assume carácter oneroso, razão pela qual fica vinculada às regras definidas no Art.º 46.º do CIRS (ver 24.2.).

27. Isto significa que, para efeitos fiscais, a aquisição de bens ocorreu pelos seguintes valores:

27.1 Em 1999, pelo valor de € 850,06 que corresponde à matéria colectável imputada ao recorrente em sede de imposto sobre sucessões e doações, cf. mapa de apoio à liquidação que integra os autos.

27.2 Em 2002, pelas tornas pagas pelo recorrente aos restantes herdeiros, para que passasse a ser titular da totalidade dos bens, e sobre o qual incidiu SISA.

28. E no que respeita a este último aspecto, sublinha que o CIMSISSD na regra 16.º do § 3.º do Art. 19.º fixava como matéria colectável em sede de SISA nas partilhas judiciais e extrajudiciais: “(…) o valor do excesso de imobiliários sobre a quota-parte do adquirente, nos termos do § 2 do artigo 8.º, será calculado em face do valor desses bens segundo o inventário ou projecto de partilha, ou segundo a matriz, conforme o que for maior (negrito nosso).

29. Deste modo, tendo a partilha (e respectiva tributação em sede de SISA) sido realizada com base nos valores constantes do mapa de partilha (€ 2.315,70 para o Art.º U-2299, € 31.604,70, para o Art.º U-1702, e € 163,28 para o Art.º R-67), são esses os valores que relevam para efeitos de cálculo de mais valias, uma vez que não são inferiores aos respectivos valores patrimoniais que, à data, tinham na matriz. Logo, por força do disposto no CIMSISSD, a matéria colectável em sede de SISA pela aquisição dos quinhões hereditários dos restantes herdeiros no que concerne aos bens imóveis ascende a € 33.231,59 => (1-1/40) x € 34.083,68.

30. Não colhe o argumento ora invocado pelo SP quanto ao valor que serviu de base ao pagamento de tornas, se o mesmo não foi declarado enquanto tal e considerado para efeitos de liquidação da SISA que era devida ao recorrente aquando da citada aquisição.

31. Além de não ter enquadramento no disposto no Art.º 46.º do CIRS, não é legítimo que o recorrente venha agora reivindicar, a título de aquisição, de montantes que foram de forma consciente e intencional omitidos de tributação pelas partes intervenientes. (…)

32. É sobretudo censurável que perante a discrepância de valores (cerca de € 590.000) e a postura de conluio das partes, para ocultarem os reais valores por que se efectuou a transacção e reduzirem a carga fiscal que sobre aquela incidia, o recorrente se rogue, agora, no direito de beneficiar de tais valores.

33. Face ao exposto, não merece provimento a pretensão do recorrente no sentido de que o valor de aquisição dos bens alienados em 2006 contemple o montante de € 623.500, que terá pago aos restantes herdeiros.

(…)” – cf. fls. 13 a 23 do PRH que integra o PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;

O. Em 27.12.2011, a petição inicial deu entrada neste Tribunal – cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos.

6 – Apreciando

6.1. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 82 a 89 dos autos, julgou improcedente, por não provada, a impugnação judicial deduzida por A……………… e B……………., com os sinais dos autos, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 201054841780, relativa ao ano de 2006, no valor de € 93.596,76 e a liquidação de juros compensatórios (JC) n.º 20101527192, no valor de € 12.000,88, no entendimento de que no caso dos autos ficou provado que (…) foi declarado no mapa de partilha o pagamento de tornas aos restantes herdeiros no valor de € 33.231,21 (cf. ponto F. dos factos provados). Nesta conformidade, impõe-se, necessariamente, concluir que é este valor (€ 33.231,21) que deve ser considerado como valor de aquisição no que se refere às tornas, tendo em conta o disposto nos artigos 46.º do Código do IRS e na regra 16.ª do § 3.º do artigo 19.º do CIMSISSD.

Nos termos da sentença recorrida, o valor de € 623.500,00 só não foi considerado no âmbito da partilha que foi realizada porque os herdeiros, incluindo o Impugnante A………….., optaram por omitir o seu pagamento. (…) Esta conduta é violadora, entre outros, dos princípios da colaboração e da boa-fé que devem presidir à relação entre os contribuintes e o Estado em matéria fiscal, revelando a prática de actos dirigidos a reduzir – de forma ilegítima – o valor da carga fiscal a suportar por essa aquisição. É por isso inadmissível, perante os mais elementares princípios da justiça fiscal e de boa prática fiscal, que os Impugnantes recorram agora à sua conduta ilegal como forma de justificar a tese que é expendida na petição inicial, sobretudo quando não foi ainda retificado o valor indicado a título de tornas no mapa de partilhas (o que seria sempre indispensável à luz do que dispõe o artigo 46.º do Código do IRS).

Discordam do decidido os recorrentes, alegando, em síntese, que:


1. A liquidação de IRS sub judicerespeita à aquisição e posterior venda de 3 prédios de naturezas diferentes (dois urbanos e um rústico) com valores patrimoniais e reais diferentes”, o que deveria ter sido tomado em consideração para a determinação dos valores de aquisição e de realização que serviram de base à liquidação;

2. A liquidação não considerou, de forma discriminada, a parte dos prédios adquirida no momento da abertura da herança e a parte dos prédios adquirida aquando da partilha, “limitando-se a considerar o valor de aquisição em globo”; e

3. Sendo conhecidos os valores efectivos pelos quais se realizou a operação (designadamente, o valor real de aquisição aos demais herdeiros, o VPT dos prédios e o valor de realização obtido com a venda de 2/3 dos prédios), deveriam ter sido esses os valores considerados na liquidação nos termos do n.º 2, do art.º 46.º do CIRS (que “dispõe que: 2 – Não havendo lugar a liquidação da sisa, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto”) e ao abrigo do princípio da tributação pelo rendimento real.

A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações e o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos, pronuncia-se pelo não provimento do recurso.

Vejamos.


Os recorrentes começam por afirmar que na determinação dos valores de aquisição e de realização que serviram de base à liquidação adicional sub judice deveria ter relevado o facto de estarmos perante “3 prédios de naturezas diferentes (dois urbanos e um rústico) com valores patrimoniais e reais diferentes”. Afirmam também os recorrentes que a liquidação não considerou, de forma discriminada, a parte dos prédios adquirida no momento da abertura da herança e a parte dos prédios adquirida aquando da partilha, “limitando-se a considerar o valor de aquisição em globo”.

Tratam-se, porém, de fundamentos que não foram invocados na petição de impugnação – a fls. 2 a 11 dos autos -, e como tal não apreciados pelo Tribunal “a quo”.

Ora, constituindo o recurso jurisdicional um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender (salvo no que respeita às questões de conhecimento oficioso, o que manifestamente não é o caso) a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Não haverá, pois, que deles conhecer.

Alegam ainda os recorrentes que sendo conhecidos os valores reais de aquisição e de realização pelos quais se realizou a operação de alienação do imóvel, deveriam ter sido esses os valores considerados pela AT aquando da liquidação adicional de IRS, nos termos do n.º 2, do art.º 46.º do CIRS e ao abrigo do princípio da tributação pelo rendimento real.

Nos termos do artigo 10.º n.º 1 alínea a) do Código do IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis. O ganho sujeito a tributação corresponde à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição do imóvel.

No que se refere, em particular, ao valor de aquisição dos bens imóveis, importa atender ao disposto no artigo 46.º do Código do IRS, cuja redacção é a seguinte:


Artigo 46.º

Valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis


1 – No caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, se o bem imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transações onerosas de imóveis (IMT).

2 – Não havendo lugar à liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

(…)

A norma prevista nos n.º 1 e 2 do artigo 46.º do CIRS a respeito do valor de aquisição dos imóveis consagra uma presunção implícita, tal como defendido recentemente por este STA a respeito do valor de realização dos bens no Acórdão de 11 de Outubro de 2017, proferido no âmbito do Processo n.º 0880/16. Consignou-se neste Acórdão que “(…), tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. nº 1 do art. 103º da CRP), aquela imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o resultante da posterior avaliação para efeitos de IMT, há-de reconduzir-se, como diz a sentença, a uma presunção legal ou, até, a uma ficção legal que, face ao disposto no art. 73º da LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) deverá ter-se por ilidível. (Cfr. o ac. do STA, de 9/4/2003, proc. nº 0320/03.)

Ora, o mesmo entendimento vale no que respeita ao valor de aquisição. Com efeito, também neste caso se está perante uma norma que ficciona um valor de referência a considerar para efeitos de cálculo do montante da mais-valia imobiliária sujeita a tributação em sede de IRS.

Como doutrina JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011 pp. 589-591, “… as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção. // Em situações deste tipo, está-se perante a aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva (conceito em que se englobam as normas sobre determinação da matéria tributável de natureza substantiva, como é jurisprudência assente do TC), pelo que os interessados podem ilidi-las, ao abrigo do disposto no art. 73° da LGT, e fazer uso do procedimento de ilisão de presunções previsto neste art. 64° do CPPT; é admissível ilidir as presunções implícitas porque o que se pretende «sempre» é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer «sempre» tributar valores reais, que o art. 73° da LGT permite «sempre» ilidir presunções. // É esta a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no art. 11°, n° 3, da LGT de que, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários: como a tributação de rendimentos inexistentes conduziria a que quem os não teve fosse tributado como quem os teve e tal ofende o princípio da igualdade, é «sempre» possível demonstrar a realidade dos rendimentos, ilidindo o que se presume nas normas relevantes para a fixação de valores para o seu cálculo. // Pode tributar-se com base em ficções de rendimentos, quando a lei os presume, mas só se pode fazê-lo porque se presume que os valores dos rendimentos ficcionados são os que correspondem à realidade, admitindo-se «sempre» a prova de que há dissonância entre os rendimentos ficcionados e a realidade.”

Tem-se, pois, por assente que o artigo 46.º do Código do IRS, ao prever que o valor de aquisição a considerar nas situações em que o bem imóvel tenha sido adquirido a título oneroso deve consistir no valor que serviu para efeitos de liquidação do IMT, consagra uma presunção implícita, necessariamente ilidível ao abrigo do princípio da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva.

Assim, e considerando o disposto no artigo 73.º da LGT – nos termos do qual “as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário” –, cumpre analisar se, no caso dos autos, os recorrentes conseguiram ilidir a referida presunção.

Ora, de acordo com a factualidade assente, resulta provado que, em 12 Julho de 2002, o Recorrente celebrou um contrato promessa de compra e venda nos termos do qual prometeu adquirir a totalidade do quinhão hereditário pertencente a D………….. e E…………., emitindo um cheque em nome do primeiro pelo valor de 623.500,00 – cfr. a alínea D) do probatório.

Mais tarde, em 24 de Outubro de 2002, o Recorrente recebeu por partilha um imóvel com o VPT de € 34.083,68, incluído naquele quinhão hereditário, tendo sido especificamente declarado no mapa de partilhas o pagamento de tornas aos restantes herdeiros no montante de € 33.231,21 - cfr. a alínea F) do probatório - e não no montante de € 623.500,00.

Adicionalmente, alienado o imóvel no exercício de 2006 pelo valor global de € 538.630 – cfr. a alínea G do probatório - , os recorrentes não apresentaram a declaração de rendimentos Modelo 3 dentro do prazo legal – cfr. a alínea H do probatório fixado.

Ora, à semelhança do que sucedeu no caso objecto do Acórdão deste STA de 23 de Abril de 2013, rec. n.º 0442/12, também no caso dos autos em Outubro de 2002 (e, mais tarde, no momento da alienação do imóvel) “estava nas mãos do Recorrente fazer a justiça que propugna”, de respeitar o (alegado) valor real de aquisição dos prédios para efeitos de tributação, desde logo no que se refere à SISA, “que seria, decerto, superior àquele que pagou, como também, consequentemente, quanto à Contribuição Autárquica e posterior IMI incidentes sobre esses prédios, que viriam a ser, necessariamente, calculados com base nesse valor real.// É também fora de dúvida que, nesse conspecto, e tal como todos os demais contribuintes que foram tributados em imposto de selo, ou mesmo em imposto sucessório, com base no valor real dos bens determinado em avaliação, o Recorrente pagaria as mais-valias resultantes da diferença entre esse valor real dos bens” e o que derivasse do preço de venda, já que o carácter geral e abstracto do artigo 46.º do CIRS assim o determina.

Assim, apesar de agora afirmarem, peremptoriamente, que o valor de € 33.231,21 não corresponde ao valor real de aquisição do imóvel, verifica-se que foram os Recorrentes que declararam expressamente que o valor das tornas pagas pela aquisição daquele concreto imóvel ascendiam ao valor de € 33.231,21, optando por ser tributados em SISA com base nesse valor, apesar de não deverem ignorar que seria aquele o valor a considerar como de aquisição na eventualidade de tributação de mais-valias, já que é esse o critério legal nessa matéria, conforme dispõem os nºs. 1 e 2 do art. 46º do CIRS.

E mais. Tendo declarado no mapa de partilhas o montante de € 33.231,21, os Recorrentes não lograram provar que o cheque de € 623.500,00 emitido aquando da promessa de compra dos quinhões hereditários realizada em Julho de 2012 correspondia, tão-somente, à aquisição do imóvel sub judice. Com efeito, resulta da matéria provada que o valor de € 623.500,00 se destinou, “além do mais”, à promessa de compra dos quinhões hereditários em termos globais, i.e., que o valor de € 623.500,00 se destinava à aquisição de outros bens para além dos quinhões hereditários.

Como tal, não tendo sido fixados na sentença recorrida os concretos valores de aquisição de cada bem incluído no âmbito do contrato promessa de compra e venda, e não sendo a matéria de facto questionada pelos Recorrentes, não se pode considerar que a presunção ínsita no artigo 46.º n.º 1 e 2 do CIRS esteja afastada.

Com efeito, da matéria provada – e não contestada –, e ao contrário do que defendem os Recorrentes, não resulta o conhecimento de qualquer valor concreto de aquisição do imóvel para além daquele que foi declarado no mapa de partilhas.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.

- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 3 de Maio de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Pedro Delgado - Dulce Neto.