Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0597/12
Data do Acordão:10/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:I – É com base no título executivo que se determina a legitimidade activa e passiva para a acção executiva, sem que se torne necessário efectuar qualquer averiguação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que ele se refere.
II – Tendo a sentença exequenda definido que é AT a responsável pela quantia exequenda e não o Estado ou outra entidade pública, não é pelo facto da verba destinada ao pagamento da despesa estar inscrita no orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, que a acção executiva deva ser instaurada contra esse Ministério e não contra a AT.
Nº Convencional:JSTA00067887
Nº do Documento:SA2201210310597
Data de Entrada:05/28/2012
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART146 N3 ART279 N2 ART183-A N6.
CPTA02 ART31 N2 ART142 N1 ART151.
ETAF02 ART6 N2 ART26 ART38.
LGT98 ART53 N3 N4 ART4.
CPC96 ART668 N1 C D ART671 ART45 N1 ART55 N1 ART677.
CONST76 ART205 N3.
DL 74/70 DE 1970/03/02 ART1 C D.
DL 118/2011 ART1 ART8 N2 N4.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC01128/06 DE 2007/05/02
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO 6ED VOLIV PAG389-390.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a execução da sentença proferida no processo nº 1152/05.9. BELRA, transitada em julgado em 7/10/2010, que condenou a Administração Tributária a pagar à exequente A……, Lda, identificada nos autos, uma indemnização pelos custos suportados com a prestação de garantia bancária desde 5/7/2001 até ao seu cancelamento em 17/11/2005.
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
a) Atentas as razões de facto e de direito invocadas no ponto II. 4 da sentença (a fls. 98 e 99 do processo) e devidamente referidas nos pontos 1 a 3 destas alegações, subsiste uma clara contradição entre os fundamentos e a decisão, o que conduz à sua nulidade, nos termos da al. c) do nº. 1 do art. 668° do CPC;
b) A sentença de que se recorre nunca decidiu da excepção de legitimidade invocada pela AT na sua contestação à acção de execução de julgado, o que equivale a omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do nº. 1 do art. 668° do CPC;
c) A AT só responde por facto gerador de responsabilidade civil conexo com a pendência da acção por mais de três anos sem ter sido proferida decisão judicial ou por caducidade de garantia, nos exactos termos do nº. 4 do art. 53° da LGT e nº. 6 do art. 183°-A do CPPT, aplicando-se no mais o disposto no DL nº. 74/70, de 02 de Março, com as alterações impostas pela Lei nº. 67-A/2007, de 31 de Dezembro e Decretos-Leis nº. 793/76, de 5.11, 275-A/93, de 09.08, 503/99, de 20.11.

1.2. A recorrida apresentou alegações, onde concluiu o seguinte:

1. A Sentença não é recorrível, pois o valor da acção (20.571,39 €, rectius 17.735,65€) é inferior à alçada de recurso (art. 146° CPPT e art. 142° do CTA).
2. As nulidades são invocadas fora de prazo: como a sentença não é recorrível, deveriam ser arguidas no prazo de 10 dias após a Sentença — o que não se verificou no caso presente (cfr. art. 668°, n.º 4 do CPC, e art. 153.°, n.º 1, do CPC).
3. Não há nulidade de Sentença: não há qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão da sentença.
4. O juiz a quo advoga, na parte decisória da sentença, que a AT é responsável pelo pagamento da indemnização, nos termos e por interpretação do art. 183° A do CPPT e art. 53.º da LGT.
5. A retórica da recorrente reconduz-se à incorrecta interpretação da lei e errónea aplicação do caso dos autos — mas isto é matéria de recurso, que não foi assim qualificada pelo recorrente (nem poderia ser pois não há alçada de recurso), e nunca se configura como uma nulidade da sentença.
6. A sentença debruçou-se sobre a excepção da legitimidade da AT (p. 3 e 5 a 8) — e tornou a decisão no sentido da legitimidade da Administração tributária; e, por isso, não há qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
7. A Sentença não tem de discorrer doutrinalmente e em muitas páginas sobre as questões decidendi. Tem de colocar a questão e decidir, justificando os argumentos ponderados para essa tomada de decisão, nesse exacto sentido. E foi isso o que fez a sentença — que por isso não está inquinada com qualquer nulidade.
8. In casu, não se aplica o regime geral da responsabilidade civil extracontratual (vertido na Lei n.º 74/70).
9. A lei especial (art. 53° da LGT e art. 183°-A, do CPPT) prevalece sobre a lei geral (Lei n.º 74/70);
10. A indemnização por demora injustificada do processo judicial não assenta num comportamento ilícito e culposo da Administração Tributária ou do IAPMEI — é antes uma responsabilidade por defeito do sistema judicial, sem culpa individualizada de qualquer entidade, mas que queria dar justiça efectiva ao contribuinte, cujo pagamento incumbe sempre à Administração tributária, por ser a contraparte do processo tributário e porque representa, em ultima instância, o Estado — o responsável em última instancia, mesmo que sem culpa, pelo atraso na decisão do processo judicial tributário.

1.3. O Ministério Público emitiu o douto parecer no sentido de que o recurso deve proceder, porquanto “tendo no caso sido exequente o IAPMEI, é de reconhecer nulidade no decidido em que assim se fundamentou”.

2. Na sentença deram-se por assentes os seguintes factos:

1 Em 07/12/2005, A……., Lda., vem deduzir pedido autónomo de indemnização por prestação de garantia bancária caduca, prestada na sequência de instauração de processo executivo pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI), tendo esta acção sido contestada pela Fazenda Pública — cfr. fls. 39 a 41 dos presentes autos;
2. A garantia bancária até ao montante de 88.891.946$00 foi prestada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 38303-09/100005 5 — cfr. ponto 1 dos factos assentes da sentença a fls. 17 dos presentes autos,
3. No processo de oposição n.º 14/93, foi proferida sentença transitada em julgado em 20/05/2010 – cfr. ponto 9 dos factos assentes da sentença a fls. 18 dos presentes autos,
4. Em 09/09/2010, foi proferida sentença no âmbito do processo a que é feita referência no ponto 1, tendo sido decidido que “a recorrente tem direito a ser ressarcida dos custos suportados com a garantia bancária depois de 05/07/2001, não a todos os custos que contabilizou desde a data da sua prestação, incluindo «o imposto de selo na sua formalização e contratação da garantia» e, tão pouco tem direito a juros indemnizatório. — cfr fls. 46 dos presentes autos.
5. Em 30/10/2010, o Banco Millennium, BCP, declarou que o montante das despesas incorridas com a prestação de garantia bancária, correspondentes ao período de 05/07/2001 até 17/11/2005, data do seu cancelamento ascenderam a € 20.569,29 – cfr. fls. 47 dos presentes autos
6. Em 02/11/2010, a A. requereu junto do Serviço de Finanças de Leiria, o pagamento do valor de € 20.569,29. - cfr. fls. 48 e 49 dos presentes autos;
7. Até ao presente não foi paga a quantia reclamada nos presentes autos.

3.1. Comecemos pelo obstáculo processual invocado pela recorrida: não cabe recurso da sentença, porque o valor da causa é inferior ao da alçada do tribunal.
Tendo a acção executiva o valor de €20.571,39, não se pode considerar que a sentença é irrecorrível por falta de valor. Quer o processo de “execução de julgados” dos tribunais tributários, quer os recursos dos actos jurisdicionais neles praticados, são regulados pelas normas sobre o correspondente processo nos tribunais administrativos (cfr. nº 3 do art. 146º e nº 2 do art. 279º do CPPT). Nesta forma processual, como expressamente se diz na alínea c) do nº 2 do art. 31º do CPTA, o valor processual releva para determinar se cabe recurso da sentença proferida em primeira instância. A norma remete para o nº 1 do art. 142º do mesmo diploma que estabelece que «o recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre».
O nº 2 do artigo 6º do ETAF preceitua que a alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de primeira instância. Todavia, para os processos do contencioso tributário que seguem os termos do processo nos tribunais administrativos aplicam-se as alçadas previstas para estes tribunais (cfr. Ac. do Pleno do STA de 2/5/2007, rec. nº 1128/06).
Como a alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância é de €5.000,00 para os processos iniciados após 1/1/2008 (cfr. 24º nº 1 da LOFTJ – Lei nº 3/99, de 13/1, na redacção dada pelo DL nº 303/2007, de 24/8, que corresponde ao nº 1 do art. 31º da actual LOFTJ, aprovada pela Lei nº 52/2008, de 28/8), e como a execução de julgados tributários segue a forma do processo executivo dos tribunais administrativos, a alçada a considerar para efeitos de recurso neste processo é de €5.000,00.
Ora, estando o valor da causa fixado em €20.571,39, pela norma do nº 1 do artigo 142º do CPTA, a sentença que a decidiu é recorrível.
E o facto de se tratar de um recurso directo para o STA de uma decisão de primeira instância não a torna irrecorrível para este tribunal por aplicação do artigo 151º do CPTA. Como refere Jorge de Sousa, «no contencioso tributário não tem aplicação a repartição de competências entre o STA e os tribunais centrais administrativos para o conhecimento de recurso jurisdicionais de decisões dos tribunais tributários, designadamente a que resulta dos recursos per saltum previstos no art. 151º do CPTA, pois essa repartição, em matéria tributária, é feita pelos arts. 26º e 38º do ETAF. Assim, se, nestes processos a que se aplica o CPTA, for interposto recurso de uma decisão de um tribunal tributário com fundamento exclusivamente em matéria de direito, é competente para o seu conhecimento o STA, por força do preceituado no art. 26º, alínea b) do ETAF de 2002, não sendo aplicáveis os requisitos exigidos pelo art. 151º do CPTA para o recurso de revista per saltum» (cfr. Código do Procedimento e do Processo Tributário, 6º ed. Vol. IV, pág. 389 e 390).

3.2. Após a declaração da caducidade da garantia bancária prestada, a ora recorrida instaurou acção autónoma contra a Administração Tributária (AT) pedindo a indemnização pelos encargos suportados com a prestação dessa garantia, no montante de €60.448,05.
Nessa acção, que correu termos no processo nº 1152/05, foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou a acção parcialmente procedente, determinando-se o «pagamento à requerente dos custos incorridos com a prestação da garantia desde 5/7/2001 até ao seu cancelamento junto da instituição bancária, a liquidar em execução de sentença, se necessário».
A recorrida solicitou aos Serviços de Finanças de Leiria o pagamento da indemnização, no valor de €20.569,29, mas, como a quantia reclamada não foi paga, instaurou a presente acção executiva, pedindo, além dessa indemnização, o pagamento de juros indemnizatórios, no montante de €66,64 e juros moratórios, no montante de 235,00 e os que se vencerem até integral pagamento.
A acção foi contestada pela recorrente com os seguintes fundamentos: (i) ilegitimidade da AT, porque a garantia bancária foi prestada no âmbito de uma execução fiscal em que o exequente era o IAPMEI; (ii) o pedido do exequente consubstancia uma indemnização por responsabilidade civil do Estado, uma vez que a caducidade da garantia se deveu ao atraso dos tribunais, pelo que quem se deve opor à execução é o Ministério Público; (iii) o valor da indemnização pedida ultrapassa o limite máximo previsto no nº 3 do art. 53º da LGT.
A sentença recorrida deu procedência ao último argumento, reduzindo a indemnização para o valor de €17.735,65, mas não aceitou que a AT fosse excluída da responsabilidade pelo seu pagamento, por considerar que, pela remissão que o nº 6 do artigo 183º-A do CPPT faz para o nº 4 da LGT, também na situação de caducidade da garantia, os encargos com a sua prestação devem ser suportados pela AT.
É quanto a esta parte que a AT não se conforma, apelando ao tribunal que declare nula e/ou revogue a sentença, porque (i) há contradição entre os fundamentos e a decisão (al. c) do nº 1 do art. 668º do CPC), (ii) omissão de pronúncia, uma vez que não foi decidida a questão da ilegitimidade (al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC), (iii) e erro de julgamento, porque a responsabilidade pelo pagamento da indemnização peticionada é o Estado ou o IAPMEI, por assentar num atraso judicial conexo com uma dívida não tributária.
Começando pelos alegados defeitos da sentença, deve dizer-se que, diferentemente do que afirma a recorrente, não se encontram nela, nem a omissão de pronúncia da invocada excepção de ilegitimidade, nem a existência de qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
A sentença começou precisamente por enunciar a questão da legitimidade, como questão a resolver prioritariamente: «por sua vez, considera a recorrente que (…) a DGCI não é parte legítima, desde logo porque o exequente é o IAPMEI pelo que a dívida não é tributária e porque a caducidade da garantia se deveu à demora de mais de três anos em se obter a decisão na oposição pelo Tribunal Tributário competente, pelo que estamos perante uma situação de indemnização por caducidade da garantia que se deve ao atraso dos serviços estaduais que gerem os tribunais tributários».
E de seguida avança com três argumentos que, no seu entender, levam à conclusão de que a AT é quem deve ser responsabilizada pela indemnização exequenda:
(i) a remissão feita pelo nº 6 do art. 183º-A do CPPT para o nº 4 do art. 53º da LGT «não pode ter outro alcance que não seja o de também nos casos de caducidade de garantia fazer pagar a indemnização pelo produto do tributo no ano em que o pagamento se efectuou, com a consequente assunção dos respectivos encargos pela Administração Tributária, que é a detentora das receitas dos Tributos», e por isso, também nesse caso será responsável, «mesmo que os factos que geram a responsabilidade sejam imputáveis aos serviços estaduais que gerem os Tribunais Tributários»;
(ii) a imputação de responsabilidade à AT apenas é aceitável quando o tributo for receita da AT, sendo certo que «a garantia foi prestada no âmbito da execução fiscal nº 38303-09/100005.5, sendo a Administração Tributária a recebedora das quantias em execução fiscal»;
(iii) «não se conformando com o sentido da sentença a AF teve, em devido tempo, o correspondente direito de recorrer da mesma, pelo que não o tendo feito, a sentença que a condenou no pagamento da indemnização transitou em julgado, com os efeitos previstos no art. 671º do Código de Processo Civil».
Ora, perante esta justificação, de modo algum se pode concluir que a sentença deixou de se pronunciar sobre a legitimidade da executada ou que a decisão de a condenar na indemnização exequenda está em discordância com os fundamentos em que se baseou. Há clareza e suficiência de argumentos na exposição do raciocínio que levou o juiz a considerar a AT como parte com legitimidade para contestar o pedido formulado na execução. Independentemente da correcção desses motivos, a verdade é que o nº 4 do artigo 53º da LGT e a figura do caso julgado são fundamentos que não conduzem necessariamente a uma solução de sentido diferente. Poderia eventualmente haver uma errada subsunção dos factos àquela norma ou à extensão do caso julgado, ou mesmo uma errada interpretação dela, mas nessa situação estar-se-ia perante um erro de julgamento e não perante uma construção viciosa da sentença.
A questão fulcral para a recorrente, e que a move no recurso, é a de saber se deve ser responsabilizada por uma indemnização que assenta num facto ilícito cuja ocorrência não se deveu à sua acção. Como vimos, a sentença afirma que sim, pelo facto de ser ela a recebedora das receitas não tributárias cobradas através da execução fiscal. Contra isso argumenta a AT que não foi ela quem emitiu a certidão de dívida e que, relativamente a dívidas não tributárias, os serviços de finanças são «meros instrumentos de cobrança coerciva por conta de outrem, tendo, por isso, de lhes remeter o produto da cobrança, não sendo a Administração Tributária a entidade exequente».
Mas, colocando-se o problema numa fase executiva, não se pode discutir quem é o responsável pela dívida exequenda sem tocar no âmbito do que foi julgado. É que, a condição necessária e suficiente da acção executiva é o título executivo, através do qual se define o fim e os limites da acção (cfr. nº 1 do art. 45º do CPC). Há-de ser, pois, com base no título executivo que se determina a legitimidade activa e passiva para a acção executiva, sem que se torne necessário efectuar qualquer averiguação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que ele se refere.
Na situação dos autos, o título executivo é a sentença condenatória prolatada no processo declarativo nº1152/05.9.BELRA. E como se sabe, regra geral, para que a sentença seja exequível, é necessário que tenha transitado em julgado, isto é, que seja já insusceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 677º do CPC), como é o caso. Dado o efeito de caso julgado, é simples determinar quem tem legitimidade para a acção executiva. Como no processo executivo são partes as pessoas que no título figuram como credor e devedor (art. 55º, nº 1 do CPC), então basta confrontar as partes na acção executiva com o título que lhe serve de base.
A autoridade especial que a sentença adquire quando já não é susceptível de recurso impõe-se sobretudo às pessoas que participaram no processo como partes. Assim, através da eficácia subjectiva do caso julgado, pode indagar-se quem são o credor e devedor na acção executiva que tenha por base uma sentença condenatória. Em relação às partes, a sentença transitada em julgado já não pode ser modificada e o que nela tiver sido decidido deve ser executado, sob pena de sanções contra os responsáveis pela inexecução (cfr. art. 205º nº 3 da CRP).
A imodificabilidade e executoriedade da sentença, duas das principais características do caso julgado, impedem que na acção executiva se torne a discutir os elementos (objectivos e subjectivos) da relação jurídica de que ela é objecto. Como refere Lebre de Freitas «a acção executiva logicamente pressupõe a prévia solução da dúvida sobre a existência e a configuração do direito exequendo». E que a constatação deste «acertamento», leva a concluir que o processo executivo «embora sempre estruturalmente autónomo, se coordena com o processo declarativo no ponto de vista funcional, sempre que por ele é precedido» (cfr. A Acção Executiva, 5ª ed. pág. 20).
Ora, estando a presente execução de julgados dependente do processo onde se formou o título executivo, naturalmente que a parte que ali foi condenada não pode deixar de a ser a mesma contra quem deve ser deduzida a execução. Quem figurou no processo declarativo como parte e quem foi condenado na sentença exequenda foi a AT e não o Estado ou o IAPMEI. Ainda que se admitisse que as duas últimas entidades são as responsáveis pelo facto ilícito que originou a quantia exequenda, o efeito de caso julgado tornou imodificável a decisão tomada quanto à pretensão do autor e quanto aos sujeitos que intervieram no processo.
Deste modo, estando definido na sentença exequenda que a parte condenada foi AT, é ela quem se deve apresentar como devedora na acção executiva, não podendo discutir-se agora se o responsável deveria ser o IPAMEI ou o Estado.
Há, porém, um novo argumento que ela adianta, e que à primeira vista poderia levar a pensar na existência de um desvio ou excepção à legitimidade passiva, tal como está figurada no título.
Diz a AT que se deve aplicar as alíneas c) e d) do artigo 1º do DL nº 74/70 de 2/3 (alterado pelas Lei nº. 67-A/2007, de 31/12 e Decretos-Leis nº. 793/76, de 5/11, nº 275-A/93, de 09/08, e nº 503/99, de 20.11), segundo as quais, as despesas que «o Estado seja compelido a pagar, por sentença dos tribunais com trânsito em julgado» e as «indemnizações para compensação de danos causados a terceiros» são pagas através de uma verba anualmente inscrita na Secretaria-Geral do Ministério das Finanças. E que essa dotação não se aplica às despesas da responsabilidade dos «serviços com autonomia administrativa e financeira, nem aos dotados de autonomia administrativa e receitas próprias não consignadas, independentemente do valor dessas receitas» (nº 1 do art. 4º).
A AT é um serviço da administração directa do Estado dotado de autonomia administrativa, com receitas próprias, embora consignadas a determinados fins (cfr. arts. 1º, e nºs 2 e 4 do art. 8º do DL nº 118/2011 de 15/12). Atenta a consignação das suas receitas próprias, não pode deixar de estar sujeita ao regime do DL nº 74/70. Mas, tendo a sentença definido que é ela a responsável pela quantia exequenda, e não o Estado ou o IAPMEI, não é pelo facto da verba destinada ao pagamento da despesa estar inscrita no orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, que a acção executiva deva ser instaurada contra esse Ministério. Após a condenação, será a AT, assim como os demais serviços com autonomia administrativa sem receitas próprias ou com receitas consignadas, a diligenciar junto da Secretaria-Geral no pagamento da quantia em que foi condenada.
A ratio legis do DL nº 74/70, que se deixa transparecer no seu preâmbulo, é a de obviar aos inconvenientes de se inscrever em orçamentos de diversos serviços verbas insuficientes para cobrir os riscos por prejuízos causados ao património do Estado provenientes de circunstâncias acidentais ou fortuitas, constituindo-se assim na Secretaria-Geral do Ministério das Finanças «uma reserva pecuniária que a todo o tempo possa ser utilizada para a ocorrer a essas despesas imprevistas». O artigo 3º desse diploma, determinou que os processos das correspondentes despesas continuarão a ser organizados nos serviços que deram lugar ao respectivo encargo até à fase de se ordenar o pagamento, altura em que transitarão para a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças.
Trata-se, pois, de um procedimento interno que em nada afecta a posição processual do credor e do devedor, tal como figuram no título executivo.
Ora, no caso dos autos, foi o que faltou à AT fazer, após o trânsito em julgado da sentença que a condenou a pagar à recorrida a indemnização pela caducidade da garantia prestada na execução fiscal: organizar o processo de pagamento e remetê-lo à Secretaria-Geral para efeito de pagamento.

4. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 31 de Outubro de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.