Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:024/17
Data do Acordão:05/17/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:PRESCRIÇÃO
PROGRAMA OPERACIONAL AGRO
IRREGULARIDADE
Sumário:I - Constitui comportamento repetido a prática de dois actos (atuações ou omissões) num intervalo inferior a 4 anos, que se traduzam na violação da mesma disposição de direito comunitário. (Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 6/10/2015, no âmbito do Proc. C-52/14).
II - Para que se esteja perante um plano plurianual é necessário que estejam indicadas no mesmo concretas acções a executar. (acórdão do Tribunal de Justiça, de 16.11.2017, processo C-491/16, proferido no proc. 912/15, a correr neste STA).
III - O início da contagem do prazo prescricional pressupõe, o preenchimento de dois pressupostos, um acto ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União, bem como uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União. (Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) 6 de outubro de 2015 Processo C59/14).
Nº Convencional:JSTA000P23293
Nº do Documento:SA120180517024
Data de Entrada:03/06/2017
Recorrente:INST DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Recorrido 1:A.......- SOCIEDADE AGRÍCOLA, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RELATÓRIO
1. O INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS interpõe recurso de revista para este STA do acórdão proferido pelo TCAN, de 9 de Setembro de 2016, que negou provimento ao recurso interposto do acórdão do TAF de Braga, de 30/08/2014, que julgara procedente a ação administrativa especial de anulação do ato do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP que determinou a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do AGRO – Medida 1) A……. - Sociedade Agrícola, SA, Projeto nº 2002120014523, e confirmou a decisão recorrida.

2. O Recorrente conclui as suas alegações da seguinte forma:

“ A. Vem o presente recurso de revista do Acórdão de 9/9/2016, proferido nos autos à margem melhor referenciados, através do qual o Tribunal Central Administrativo do Norte, negou provimento ao recurso apresentado pelo IFAP, I.P. confirmando a decisão recorrida do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em anular a decisão final proferida pelo Vogal do Conselho Diretivo do IFAP-IP, que determinou a modificação unilateral do contrato, por incumprimento pela ora recorrida, A………. – Sociedade Agrícola, SA, do Projeto nº 2002120014523.

B. No Acórdão ora recorrido estavam em análise duas questões:

 Prescrição do procedimento relativamente a uma ajuda paga no âmbito de um programa plurianual;

 Prescrição do procedimento relativamente a irregularidade continuada ou repetida;

C. O presente recurso, salvo melhor opinião, preenche os requisitos de admissibilidade previstos no Artº 150º do CPTA, pelo que deve ser admitido, para uma melhor aplicação do Direito, pois a interpretação do Tribunal a quo sobre a prescrição do procedimento, manifestamente viola o teor:

 da segunda parte do segundo parágrafo Artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, porque a Medida 1 - Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações do Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural (adiante designado por Programa AGRO), é uma ajuda ao investimento paga no âmbito de um programa plurianual. Além de que trata-se de uma questão cuja resposta não resulta claramente da letra da lei, daí o Supremo Tribunal Administrativo entender ser necessária e obrigatória a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia. (Neste sentido vide acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 7/6/2016, no âmbito do processo nº 912/15 – Recurso Revista (660/10.4BEPNF-A – TCA Norte)

 do segundo parágrafo do Artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95, porque se trata de uma irregularidade continuada ou repetida (pagamento de dois subsídios).

D. Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica pois a controvérsia acarretada a entendimento, extravasa os limites da situação singular em apreço, como aliás já sucede, em diversas situações similares em análise no Supremo Tribunal Administrativo sobre a regra da prescrição.

E. O recurso de revista revela-se também da maior utilidade jurídica, na medida em que, a posição a adotar por este Venerando Tribunal irá assumir um ponto obrigatório de referência, que servirá de linha orientadora para os demais casos análogos, na medida em que irá esclarecer os exatos termos em que será aplicável o disposto no Artº 3º do Regulamento 2988/95, no âmbito de ajudas ao investimento, pagas no âmbito de programas plurianuais, em que pelos beneficiários são praticadas irregularidades continuadas ou repetidas.

F. Salvo melhor entendimento, na situação em apreço nos autos, o Tribunal a quo não parece ter feito uma correta aplicação do direito, pois a ajuda em apreço nos autos é uma ajuda ao investimento paga ao abrigo Medida 1 - Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações do Programa AGRO, que se encontra regulada pelo D.L. nº 163-A/2000, de 27/7, e pela Portaria nº 533-B/2000, de 1 de Agosto, logo, com natureza distinta, da ajuda direta analisada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9/4/2014.

G. O ato impugnado não desrespeitou as regras de prescrição previstas no Artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM), nº 2988/95, uma vez que, o programa plurianual, no qual se insere o Programa AGRO, ainda estava a vigor aquando da notificação da decisão final impugnada nos presentes autos, e, nos termos da mencionada disposição, é expressamente prevista uma derrogação à regra geral da prescrição do procedimento (quatro anos a contar da prática da irregularidade), estipulando-se que havendo um programa plurianual o prazo de prescrição corre até ao encerramento do programa.

H. Ao contrário do que conclui o Tribunal a quo, a questão da prescrição do procedimento relativamente a uma ajuda paga no âmbito de um programa plurianual, não tem uma resposta que resulta claramente da letra da lei. (Neste sentido vide acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 7/6/2016, no âmbito do processo nº 912/15 – Recurso Revista (660/10.4BEPNF-A – TCA Norte) onde consta o entendimento “…suscita-se-nos dúvidas sérias sobre a correta aplicação ao caso dos autos do primeiro parágrafo do n° 1”, razão pela qual entende ser “…necessária e obrigatória a pronúncia em reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça da União Europeia…”).

I. Por outro lado, além de estarmos perante um programa plurianual, estamos também perante uma irregularidade continuada e repetida. (Sobre irregularidades continuadas ou repetidas vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29-01-2014, proferido no âmbito do Proc. nº 0299/13 e acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no âmbito do Proc. nº C-279/05).

J. As irregularidades consumam-se com o pagamento pelo organismo pagador e respetivo recebimento da ajuda, pelo beneficiário da mesma e não com a apresentação do pedido de pagamento das ajudas, para os efeitos previstos no segundo parágrafo do nº 1, do Artº 3º do Regulamento (CE, EURATOM), nº 2988/95, pelo que, só se pode falar em irregularidade continuada ou repetida, quando houver por parte do agente económico uma pluralidade de atos ou omissões que violem a mesma disposição de direito comunitário. (Sobre o momento da prática da irregularidade vide acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 6/10/2015, no âmbito do Proc. C-59/14)

K. Na situação em apreço, pela recorrida foram apresentados dois pedidos de pagamento instruídos com comprovativos de despesa que se veio a apurar em sede de controlo não serem elegíveis.

L. Entende o Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão recorrido, que na situação em apreço “… a irregularidade em causa não traduz um conjunto ou pluralidade de actos/actuações violadoras de uma disposição de direito comunitário, de forma continuada e dilatada no tempo”, pois, “… no caso vertente a irregularidade imputada à Recorrida foi a de ter efectuado “despesas antes da apresentação da candidatura”, que se consumou com a imputação pela Recorrida da correspondente despesa ao projecto, em 1/9/2004 e 25/2/2005, mediante o envio ao IFADAP dos documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos”.

M. Salvo melhor opinião, este entendimento não parece correto pois uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário. (Neste sentido vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 7/6/2016, no âmbito do processo nº 912/15 – Recurso Revista (660/10.4BEPNF-A – TCA Norte), e do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 11/1/2007 e de 11/7/2015 no âmbito dos Procs. C-279/05 e C-52/14).

N. Ora, na situação em apreço, o pagamento de subsídios tendo por base pedidos de pagamento que continham irregularidades, ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, configura uma situação de existência de pluralidade de actos/actuações violadoras de uma disposição de direito comunitário, de forma continuada/repetida.

O. Face ao exposto, verifica-se que nos presentes autos estamos perante uma irregularidade repetida, praticada no âmbito de um programa plurianual, razão pela qual, o entendimento do Tribunal a quo, ao confirmar a decisão recorrida de anular a decisão final proferida pelo recorrente, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando o acórdão ora impugnado.

Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a decisão recorrida, considerando-se válida a decisão final proferida pelo IFAP-IP, assim se fazendo

JUSTIÇA!”

3. A…………. – SOCIEDADE AGRÍCOLA conclui as contra-alegações da seguinte forma:

“ a) O presente recurso é absolutamente inadmissível em face do n.º 1 do artigo 150.º do C.P.T.A. porquanto não se verifica preenchido qualquer dos pressupostos que permite o presente recurso de revista, pelo que deve ser rejeitado liminarmente.

b) A jurisprudência do STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, de uma "válvula de segurança do sistema" que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos. Deste modo, a intervenção do STA só se justificará em matérias de assinalável relevância e complexidade, sob pena de se generalizar este recurso de revista, o que não deixaria de se mostrar desconforme com os aludidos fins tidos em vista pelo legislador.

c) Os interesses em jogo não ultrapassam os limites do caso concreto, pelo que não se vislumbra uma especial relevância social nas mesmas questões.

d) Atendendo a que as questões a que se reporta o Recorrente nas suas alegações não se apresentam como particularmente complexas, não demandando a sua resolução a realização de operações exegéticas de acentuada dificuldade, a questão foi já apreciada por 2 instâncias, que existe abundante jurisprudência do STA e do TCA e que o acórdão em sindicância não afronta a jurisprudência, a fundamentação da decisão impugnada na jurisprudência e na doutrina correntes afasta a necessidade clara de uma melhor aplicação do direito, não se verifica que revistam de especial relevância jurídica.

e) Talqualmente, é de afastar a necessidade clara de uma melhor aplicação do direito.

f) O douto Acórdão que se pede sindicância, ao negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, interpretou e aplicou correctamente a lei à factualidade, não enfermando, pois, de qualquer erro de julgamento ou merecendo qualquer censura.

g) O Recorrente alegou mas não provou que a data do encerramento definitivo do referido programa ocorreu em 08 de Julho de 2014, o que conduz, fatalmente, ao fracasso da sua impugnação e das suas alegações.

h) O artigo 3.º, n.º 1, último parágrafo, do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 não prevê uma derrogação ou excepção ao prazo de prescrição do procedimento de controlo e recuperação de quatro anos.

i) O sentido desse parágrafo é que, tratando-se de programas plurianuais, o prazo de prescrição não pode exceder o encerramento definitivo desse programa.

j) A letra e o espírito da norma é o estabelecimento da certeza e segurança jurídicas no âmbito da troca e circulação de bens na União Europeia, pelo que, elevando-se o prazo prescricional até ao terminus do programa iria inevitavelmente contra tais princípios.

k) Seria gravemente penoso e inexequível que o prazo de prescrição fosse prolongado até ao encerramento do programa à luz do qual é concedido o apoio e celebrado um determinado contrato, consubstanciando, a tal ser admissível, uma manifesta violação de direitos adquiridos.

l) Parece incontestável que não foi nem é esse o espírito da norma, nem foi essa a vontade do legislador da União Europeia, que entendeu que um prazo de prescrição de quatro anos, ou mesmo de três, era só por si suficiente para permitir às autoridades nacionais a actuação contra uma irregularidade lesiva dos interesses financeiros e que pode levar à adopção de uma medida como a recuperação de um benefício indevidamente recebido, e, talqualmente, era bastante para garantir a protecção de interesses da União.

m) Ora, um prazo de prescrição alargado até ao terminus do próprio programa plurianual «poderia, de certa forma encorajar a inércia das autoridades nacionais no combate às irregularidades na acepção do artigo 1.º do Regulamento n.º 2988/95, expondo os operadores, por um lado, a um longo período de incerteza jurídica e, por outro, ao risco de já não terem a possibilidade de vir a fazer prova da regularidade das operações em causa após esse período» – cfr. ponto 45 do Acórdão da 4.ª Secção do T.J.U.E., proferido em 05/05/2011 nos Processos apensos C 201/10 e C 202/10.

n) Como destaca o Tribunal a quo, a questão em crise «foi recentemente apreciada pelo STA em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 0173/13, de 26-02-2015, no sentido de o prazo de prescrição relativo às quantias recebidas no âmbito das ajudas comunitárias ser de quatro anos (…)», pelo que consideramos que nada mais é discutível e há a apreciar.

o) Ademais, é jurisprudência pacífica do T.J.U.E. que o prazo previsto no n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 é suficiente para que possam as autoridades nacionais actuar perante uma irregularidade.

p) Pugna-se que o prazo de prescrição conta-se a partir da data em que foi praticada a irregularidade, designadamente com o envio dos documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos, i.e., em 01/09/2004 e 25/02/2005 (neste sentido vide página 24 da douta sentença proferida em 30/08/2014, de cujo entendimento não houve qualquer impugnação).

q) O pagamento da ajuda/valor indevidamente recebido pela Recorrida, no montante de €17.122,00, foi realizado em 02/02/2005, e não em 10/12/2004 ou em 11/10/2005 como invoca o Recorrente, caindo por terra o raciocínio do Recorrente, pois os quatro anos de prescrição do procedimento de controlo findariam em 02/02/2009, ou seja, antes da notificação da Recorrida para exercer o direito de audição prévia quanto à decisão de modificação unilateral e reembolso, que ocorreu em 10/08/2009.

r) Não poderão ser atendíveis as datas de 10/12/2004 ou sequer de 11/10/2005, por não serem estas que estão em causa, mas a data de 02/02/2005, por ser esta a data de pagamento da ajuda indevidamente recebida pela Recorrida, concluindo-se, forçosamente, que o prazo de prescrição do procedimento já estava esgotado (02/02/2005 – 02/02/2009).

s) Caso doutamente assim se não entenda, sempre se diga que não estamos perante uma irregularidade continuada e repetida, pelo que, consequentemente, no que concerne ao pagamento da quantia de €19.724,35, realizado em 10/12/2004, já nada podia/pode o Recorrente fazer, pois o prazo de prescrição do procedimento de controlo findou em 10/12/2008 e a Recorrida foi notificada para efeitos de audição prévia em 10/08/2009.

t) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 tem sido reiteradamente analisado pelo Tribunal de Justiça, que se ateve sempre ao respectivo teor quanto à sua aplicação, nunca exigindo a existência de uma lesão para que o prazo da prescrição começasse a correr. Neste sentido, deve recordar-se o Acórdão Handlbauer (proferido pelo TJUE em 24/06/2004 no Processo C 278/02), no qual o Tribunal de Justiça declarou pela primeira vez que o referido preceito «ao fixar, em matéria de procedimentos, um prazo de prescrição de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, não deixa qualquer margem de apreciação aos Estados Membros» e que o prazo de prescrição fixado no artigo 3.º, n.º 1, «se conta a partir da data em que foi praticada a irregularidade».

u) Uma irregularidade é continuada ou repetida na acepção destes normativos, relativos à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, quando for cometida por um operador que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário.

v) O comportamento da Recorrida não foi repetido, com o sentido com que a tipicidade acolhe a noção; estando em causa apenas um intervalo de tempo muito reduzido, não existe reiteração, recorrência ou persistência determinada no não cumprimento de uma norma comunitária, que necessariamente se pressupõe e impõe.

w) Não estão, assim, reunidos os elementos constitutivos de uma irregularidade continuada ou repetida, porquanto no caso sub judice existiu apenas a prática de dois actos que violaram uma disposição de direito comunitário, e não um conjunto, uma pluralidade, que pressupõe pelo menos três actuações ou omissões dilatadas no tempo, pelo que também bem andou neste ponto o Tribunal a quo...”

TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser recebido o presente recurso por carência dos pressupostos exigidos pelo artigo 150.º, n.º 1, do C.P.T.A., ou, no caso de assim doutamente se não entender, deve manter-se o douto Acórdão proferido, negando-se provimento ao recurso;

Assim se fazendo sã, boa, serena e objectiva JUSTIÇA!”

4. A revista foi admitida por acórdão de 9.02.2017, da formação deste STA a que alude o nº5 do artº 150º do CPTA, extraindo-se da mesma:

“(...) 3.2. Como já referimos foram apreciadas nos presentes autos duas questões relativas ao prazo da prescrição previsto no Regulamento (CE, Euratom), n.º 2988/95: a contagem do prazo de prescrição quando estejam em causa programas plurianuais e quando estejam em causa infracções continuadas.

O TCA Norte entendeu, relativamente à primeira questão, que o prazo de prescrição de 4 anos, previsto no referido regulamento, “…corre em todo o caso até ao encerramento do mesmo ou seja, tem como limite de contagem o encerramento definitivo do programa, correndo sempre até essa data”. Não se trata, continua o acórdão, “… diversamente do que pretende o recorrente de qualquer excepção ou derrogação ao prazo regra de prescrição de 4 anos, mas antes da previsão de um limite máximo de contagem para o decurso do referido prazo de 4 anos, o qual, nestes casos, não pode ultrapassar o encerramento definitivo do programa, mas corre sempre até essa data”.

Relativamente à segunda questão entendeu o TCA Norte que no caso vertente a irregularidade imputada à recorrida foi a de ter “efectuado despesas antes da apresentação da candidatura”, que se consumou com a imputação pela recorrida da correspondente despesa ao projecto, em 1-9-2004 e 25-2-2005, mediante o envio ao IFADAP dos documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação dos fundos. Daí que, a seu ver, a irregularidade em causa não traduz um conjunto ou pluralidade de actos/actuações violadoras de uma disposição de direito comunitário, de forma continuada e dilatada no tempo.

3.3. Como decorre do exposto as questões suscitadas podem colocar-se em muitos outros processos, sendo por esse motivo questões jurídicas fundamentais, que têm gerado enorme controvérsia. Se é verdade que o STA proferiu Acórdão de Uniformização de Jurisprudência em 26-2-2015 (processo 0173/13), o certo é que não se pronunciou sobre as questões concretamente colocadas.

Por outro lado, como refere o recorrente, este STA, no acórdão de 7-6-2016, proferido no processo 912/15, procedeu ao reenvio prejudicial, nos termos do art.267º do TFUE, relativamente à contagem do prazo da prescrição no que se refere aos programas plurianuais, sendo que ainda não foi proferida decisão.

Assim, por estarem em causa questões não totalmente esclarecidas sobre matérias de grande relevância social (regularidade da utilização dos fundos comunitários e prescrição dos procedimentos de controle), deve ser admitia a revista - cfr. neste sentido e relativamente à mesma questão os acórdãos desta formação de 17-3-2016, proferido no processo 0249 e de 25-11-2015, proferido no processo 01478/15.”

5. Notificado o EMMP, ao abrigo do art. 146º, nº 1, CPTA, não foi emitido parecer.

6. A instância foi suspensa nos termos do despacho de fls 463 verso.

7. Cumpre decidir, tendo os autos ido já a vistos.

II- FUNDAMENTOS

As instâncias consideraram a seguinte matéria de facto:

1. A A. apresentou, em 18.12.2002, candidatura, no âmbito do Agro – Medida 1 Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações, a que foi atribuído o número de projeto 2002120014523 tendo como objetivo a reestruturação da exploração com vista ao aumento da rentabilidade, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos – cfr. docs. de fls. 308 e ss. do p.a. apenso aos autos.

2. Por despacho de 21.5.2004 o Gestor do Programa Agro aprovou o projeto, tendo como investimento elegível € 55.029,21 e subsídio € 29.909,55 – cfr. docs. de fls. 199 e ss. do p.a. apenso aos autos.

3. Em 30.11.2004 foi celebrado entre o então IFADAP e a A. Contrato de Atribuição de Ajuda ao abrigo do Programa Agro – Medida 1 Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas, do qual consta, além do mais [...]

- cfr. doc. de fls. 190 e ss. do p.a. apenso aos autos.

4. Em 2.9.2004 a A. remeteu ao IFADAP documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido,designadamente,

N.º FaturaData FaturaEmitenteN.º ReciboData ReciboValor
09355.8.2004….., Lda.08695.8.200418.193,32
97211.8.2004………..83311.8.20042.461,76
20452226.7.2004….., Lda.20334226.7.2004615,14
20452326.7.2004……, Lda.20334126.7.2004908,81
125828.12.200377419.12.20031.955,30
2342.7.2004….…18712.8.20046.072,29
089056.8.2004…..A/89056.8.20041.129,49
2059831.12.2002…..4013916.4.20047.084,47

- cfr. docs. de fls. 117 e ss. do p.a. apenso aos autos.

5. Em 25.2.2005 a A. remeteu ao IFADAP documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente,

N.º FaturaData FaturaEmitenteN.º ReciboData ReciboValor
03N11002930.11.2003………35408.9.20046.257,96

cfr. docs. de fls. 106 e ss. do p.a. apenso aos autos.

6. Foram pagos à A. os montantes de € 19.724,35, em 10.12.2004, e € 4.201,36, em 13.10.2005. – cfr. docs. de fls. 92 e ss. do p.a. apenso aos autos.

7. Em 12.7.2006 foi realizada pelo IFADAP ação de controlo físico ao projeto da A. – cfr. doc. de fls. 74 do p.a. apenso aos autos.

8. Na sequência da ação de controlo foi elaborado em Setembro de 2006 o relatório de controlo n.º 31/2006 do qual consta, além do mais …- cfr. doc. de fls. 62 do p.a. apenso aos autos.

9. Em 21.6.2007 o Gestor do Programa Agro apôs despacho de “Concordo.” sob informação da qual resulta, além do mais,

A beneficiária deverá dar cumprimento ao artigo 22.º disso fazendo prova junto do IFAP.

b) Dos elementos apurados constatou-se que a beneficiária liquidou diversa facturas em data anterior à entrada do projecto (18-11-2002), conforme o seguinte quadro: - cfr. doc. de fls. 38 e ss. do p.a. apenso aos autos.

10. O prazo para a conclusão do projeto foi prorrogado até 14.11.2007 – cfr. doc. de fls. 185 e ss. do p.a. apenso aos autos.

11. Em 10.8.2009 a A. foi notificada pelo IFAP para exercer o direito de audição prévia nos seguintes termos … - cfr. doc. de fls. 21 e ss. e 16 e ss. do p.a. apenso aos autos.

12. Por ofício remetido em 10.9.2009 a A. emitiu pronúncia nos termos que aqui se dão por reproduzidos – cfr. doc. de fls. 30 do p.a. apenso aos autos.

13. Em 29.9.2009 o Gestor do Programa Agro apôs despacho de “Concordo” sob informação da qual resulta, além do mais … - cfr. doc. de fls. 13 e ss. do p.a. apenso aos autos.

14. Em 7.6.2011 a A. foi notificada da decisão final do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP com o seguinte teor …- cfr. doc. de fls. 8 e ss. do p.a. apenso aos autos.

15. A A. apresentou reclamação da decisão referida no ponto anterior, nos termos que aqui se dão por reproduzidos – cfr. doc. de fls. 5 e ss. do p.a. apenso aos autos.

16. Em 25.11.2011 a A. foi notificada da decisão do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP relativa à sua reclamação, da qual consta … -cfr. doc. de fls. 1 e ss. do p.a. apenso aos autos.


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O DIREITO

1.O IFAP vem interpor recurso de revista do acórdão do TCA Norte que negou provimento ao recurso do acórdão proferido pelo TAF de Braga que anulou o ato do Vogal do Conselho Diretivo do IFAP, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas IP que determinou a modificação unilateral do contrato de atribuição de ajuda ao abrigo do Programa AGRO – MEDIDA 1: Modernização e Diversificação das Explorações Agrícolas e a reposição voluntária de € 17.122,10, acrescido de juros no valor de € 4.540,39, com fundamento nas regras de prescrição do procedimento, previstas no art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM), n.º 2988/95.

Está aqui em causa um projeto aprovado pelo IFADAP em sede de candidatura ao abrigo do Programa Agro Medida 1 Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações, tendo como objetivo a reestruturação da exploração com vista ao aumento da sua rentabilidade aprovado por despacho de 21.5.2004 do Gestor do Programa Agro, tendo como investimento elegível € 55.029,21 e subsídio € 29.909,5.

Sendo que, em 30.11.2004 foi celebrado entre o então IFADAP e a aqui recorrida o referido Contrato de Atribuição de Ajuda ao abrigo do Programa Agro – Medida 1 Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações Agrícolas.

O recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento por violação dos artºs 8º e 9º do Código Civil e do disposto no 2º parágrafo do nº 1 do art. 3º do Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95 do Conselho, de 18/12/95.

Para tanto alega que à data da notificação da decisão final de reposição da quantia aqui em causa ainda não havia decorrido o prazo de prescrição aplicável, que o recorrente sustenta ser o de vinte anos nos termos do art. 309º do C.C. e não, como decidiu o Tribunal a quo, o prazo de quatro anos, a contar da data em que foi praticada a irregularidade.

E que, de qualquer forma, porque estamos perante uma irregularidade repetida, praticada no âmbito de um programa plurianual, o eventual prazo de 4 anos há-de contar-se a partir do pagamento pelo organismo pagador e respetivo recebimento da ajuda, pelo beneficiário da mesma e não com a apresentação do pedido de pagamento das ajudas e sempre até ao encerramento do programa.

A decisão de 1ª instância julgou a ação procedente por prescrição do procedimento por terem decorrido mais de 4 anos entre a data da concessão do subsídio e a data do ato de reposição do mesmo e não estar em causa uma irregularidade continuada.

Em sede de recurso para o TCAN o IFADAP invoca a questão de que, ainda que não se conclua pelo prazo prescricional de 20 anos, ainda assim o referido art. 3º nº1 do Regulamento 2988/95 não foi aplicado na sua plenitude já que a Medida 1 - Modernização, Reconversão e Diversificação das Explorações do Programa AGRO, sendo este um programa plurianual, ainda não se encontrava encerrada.

Então vejamos.

Quanto à aplicabilidade do prazo de 4 anos fixado no art. 3º nº1 do Regulamento supra referido, o TJUE, no acórdão de 17.09.2014 pronunciou-se relativamente ao pedido de reenvio deste STA, 2.ª Secção, no Acórdão de 17.04.2013, proc. 398/12 no sentido de que:

“1) O artigo 3.º do Regulamento (CE, EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho (…), relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que se aplica aos procedimentos instaurados pelas autoridades nacionais contra beneficiários de ajudas da União na sequência de irregularidades verificadas pelo organismo nacional responsável pelo pagamento das restituições à exportação no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA).

2) O prazo de prescrição previsto no artigo 3.º, n.º 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 aplica-se não apenas aos procedimentos por irregularidades que conduzem à aplicação de sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º deste regulamento, mas também aos procedimentos que conduzem à adoção de medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º do referido regulamento. Embora o artigo 3.º, n.º 3, do mesmo regulamento permita que os Estados-Membros apliquem prazos de prescrição mais longos do que os de quatro ou três anos previstos no n.º 1, primeiro parágrafo, deste artigo, resultantes de disposições de direito comum anteriores à data da adoção do referido regulamento, a aplicação de um prazo de prescrição de vinte anos excede o que é necessário para atingir o objetivo de proteção dos interesses financeiros da União”.

Também recentemente foi julgado por este STA, em Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2015, de 26-02-2015 [Proc. n.º 0173/13], que o prazo de prescrição relativo às quantias recebidas no âmbito das ajudas comunitários é de quatro anos.

Como se extrai do mesmo:

“II - O prazo para ser pedida a devolução das quantias recebidas irregularmente no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola é o previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, por se tratar de uma norma jurídica diretamente aplicável na ordem interna, e, porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior”.

Ora, se não há dúvidas que se deve considerar aplicável, no caso dos autos, o prazo de prescrição previsto no nº 1 do artigo 3º do Regulamento CE, Euratom nº 2988/95, por se tratar de uma norma jurídica diretamente aplicável na ordem interna - artigo 288º, parágrafo 2º TFUE (face às alterações operadas pelo Tratado de Lisboa) e artigo 8º, n.ºs 3 e 4 da CRP - e porque não existe no ordenamento nacional norma especificamente aplicável que preveja prazo superior (cf. para além do citado acórdão uniformizador os acórdãos, desta Secção de 30.10.2014, proc. 092/14 e da 2.ª Secção de 08.10.2014, proc. 398/12), outra questão será a de estarmos ou não perante uma das especificidades prevista neste mesmo preceito.

O Regulamento (CE, EURATOM) nº 2988/95 veio adotar uma “regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário” (art. 1º/1), estabelecendo no seu artigo 3.º que:

“1. O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.

O prazo de prescrição relativo às irregularidades continuadas ou repetidas corre desde o dia em que cessou a irregularidade. O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa...”.

Daqui resulta que se distingue, por um lado, se a irregularidade é ou não continuada ou repetida e, por outro, se está em causa um programa plurianual ou não, sendo que ambas as situações não interferem uma com a outra.

2. Quanto à questão da irregularidade imputada à Autora, que determinou o pedido de reposição, se consubstanciar num único ato, traduzido na apresentação da candidatura com a inclusão de despesas que o então IFADAP entendeu não elegíveis, entendeu-se na decisão recorrida que:

A propósito dos critérios que permitem apreciar se uma irregularidade deve ser continuada ou repetida, na acepção do artigo 3º, nº 1, segundo parágrafo, do Regulamento nº 2988/95, lê-se no acórdão C-279/05 do Tribunal de Justiça da União Europeia que “uma irregularidade é continuada ou repetida quando for cometida por um operador comunitário que retire benefícios económicos de um conjunto de operações similares que violem a mesma disposição de direito comunitário” (ponto 44.).

Do que se depreende que apenas a prática pelo agente económico de uma pluralidade de actos ou omissões que violem a mesma disposição de direito comunitário preenche a previsão de “irregularidade continuada ou repetida” para os efeitos previstos no artigo 3º, nº 1, segundo parágrafo, do Regulamento.

Ora, no caso vertente a irregularidade imputada à Recorrida foi a de ter efetuado “despesas antes da apresentação da candidatura”, que se consumou com a imputação pela Recorrida da correspondente despesa ao projeto, em 01/09/2004 e 25/02/2005, mediante o envio ao IFADAP dos documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos.

Não sendo tal actuação de não cumprimento da mesma norma comunitária, repetida, reiterada ou persistente, de modo plúrimo, estando, aliás em causa, um intervalo de tempo reduzido.

Ou seja, a irregularidade em causa não traduz num conjunto ou pluralidade de actos/actuações violadoras de uma disposição de direito comunitário, de forma continuada e dilatada no tempo.

Termos em que tal irregularidade não é continuada e repetida, improcedendo, em consequência, todas os argumentos do Recorrente a ela respeitante.”

A propósito das irregularidades repetidas e continuadas há que ter presente o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no âmbito do Proc. nº C-279/05 e referido na decisão recorrida.

E daí concluir que, para os efeitos previstos no art. 3º, nº 1, segundo parágrafo, do Regulamento (CE, EURATOM), nº 2988/95, só se pode falar em «irregularidade continuada ou repetida», quando houver por parte do agente económico uma pluralidade de atos ou omissões que violem a mesma disposição de direito comunitário.

É certo que na situação dos autos a recorrida apresentou dois pedidos de pagamento instruídos com comprovativos de despesa sendo que, em cada um dos mesmos, se veio a apurar em sede de controlo haver despesas que não eram elegíveis.

A irregularidade aqui invocada reporta-se, pois, a pagamentos de despesa do projeto ocorridas em 2002, 2003 e 2004 antes da assinatura do contrato constantes dos autos.

O contrato aqui em causa foi celebrado em 30.11.2004.

A propósito de noção de comportamento repetido diz-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 11 de junho de 2015 Processo C‑52/14:

“(...) 48. Com a quarta e oitava questões, a analisar conjuntamente, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, é necessário que várias irregularidades tenham entre si uma estreita relaçao cronológica para serem consideradas constitutivas de uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, e, por outro, de que as irregularidades relativas ao cálculo das quantidades de açuìcar armazenadas pelo fabricante, verificadas em campanhas de comercialização diferentes, que levaram a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante, e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem, podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição.

49. A título preliminar, há que recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma irregularidade é «continuada ou repetida», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, quando é cometida por um operador que retira vantagens económicas de um conjunto de operações semelhantes que violam a mesma disposição do direito da União (v. acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.° 41).

50. À luz desta definição, o tribunal de reenvio interroga-se, antes de mais, sobre a necessidade de uma estreita relação cronológica entre duas ou mais irregularidades para estas constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95. No caso, segundo esse tribunal, algumas das operações imputadas à recorrente no processo principal ocorreram unicamente em campanhas de comercialização diferentes.

51. A esse respeito, há que recordar que, como se indica no n.° 24 do presente acórdão, o prazo de prescrição previsto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2988/95 destina-se a garantir a segurança jurídica dos operadores, devendo estes ter a possibilidade de determinar quais das suas operações estão definitivamente adquiridas e quais podem ainda ser objeto de um procedimento.

52. Ora, as irregularidades não podem constituir uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, se estiverem separadas por um período superior ao prazo de prescrição de quatro anos previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. Com efeito, numa situação como essa, essas irregularidades distintas não apresentam uma relação cronológica suficientemente estreita. Na falta de um ato de instrução ou de abertura de procedimento da autoridade competente, um operador pode assim legitimamente considerar prescrita a primeira dessas irregularidades. Em contrapartida, essa relação cronológica existe quando o período que separa cada irregularidade da anterior é inferior a esse prazo de prescrição.

53. Seguidamente, quanto à qualificação das irregularidades em causa no processo principal, cabe ao tribunal de reenvio verificar se, à luz do direito nacional da prova aplicável ao processo principal e desde que não seja posta em causa a eficácia do direito da União, estão reunidos os elementos constitutivos de uma irregularidade continuada ou repetida, recordados no n.° 49 do presente acórdão (v., neste sentido, acórdão Vonk Dairy Products, C-279/05, EU:C:2007:18, n.°43). Contudo, o Tribunal de Justiça pode fornecer a esse tribunal, com base nos elementos contidos na decisão de reenvio, os elementos de interpretação suscetíveis de lhe permitir uma decisão.

54. A esse respeito, nomeadamente, verifica-se que as irregularidades imputadas à Pfeifer & Langen contribuem todas para o carácter errado das declarações prestadas por essa sociedade quanto à qualificação dada a uma parte da sua produção de açúcar branco, por cujos custos de armazenagem pedia o reembolso (quotas A e/ou B em vez de açúcar C). Assim, essas irregularidades podem constituir uma violação repetida do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1998/78, que impõe ao fabricante de açuìcar uma obrigação de declaração das existências elegíveis para o reembolso dos custos de armazenagem.

55. Não se pode, pois, excluir que as irregularidades imputadas à Pfeifer & Langen no processo principal constituem no seu conjunto uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, o que, contudo, cabe ao tribunal de reenvio verificar.

56. À luz destas considerações, há que responder à quarta e oitava questões que o artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que, quanto à relação cronológica pela qual as irregularidades tenham de estar ligadas para constituírem uma «irregularidade repetida», na aceção dessa disposição, unicamente se exige que o período que separa cada irregularidade da anterior seja inferior ao prazo de prescrição previsto no primeiro parágrafo desse mesmo número. As irregularidades, como as que estão em causa no processo principal, relativas ao cálculo das quantidades de açúcar armazenadas pelo fabricante, que tenham ocorrido em campanhas de comercialização diferentes, tenham levado a declarações erradas dessas quantidades por esse mesmo fabricante e, por isso, ao pagamento de quantias indevidas a título de reembolso dos custos de armazenagem constituem, em princípio, uma «irregularidade repetida», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.(...)”

Pelo que, temos de considerar que o comportamento da recorrida foi repetido com o sentido previsto nos termos supra referidos.

A prática de dois atos num intervalo inferior aos referidos 4 anos revela um conjunto ou uma pluralidade (mais do que uma) de atuações ou omissões dilatadas no tempo na violação da mesma disposição de direito comunitário a que alude o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 6/10/2015, no âmbito do supra referido Proc. C-52/14.

3. Vem invocado, também, como fundamento da revogação da decisão recorrida o facto de estarmos perante causa um programa plurianual, correndo o prazo de prescrição até ao encerramento definitivo do mesmo.

O recorrente alega, em síntese, e em alternativa a não se entender que o prazo de prescrição é de vinte anos, que a ajuda em causa se enquadra num programa plurianual, que ainda não se encontrava encerrado aquando da notificação da impugnada decisão final de reposição, pelo que, quanto à prescrição do procedimento seria aplicável a supra referida norma do Regulamento comunitário, segundo a qual “O prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa”, que, no caso, só ocorreu no dia 20 de dezembro de 2013.”

Pelo que, a questão é a da qualificação de um determinado programa como plurianual ou não, assim como a da fixação da data do seu encerramento, elementos esses que depois serão integrados na aplicação de uma norma comunitária.

Dispõe o artigo 14º do Regulamento (CE) nº 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999 que:

“1. Cada plano, quadro comunitário de apoio, programa operacional e documento único de programação abrangerá um período de sete anos, sem prejuízo do disposto no artigo 6º e no nº 4, primeiro parágrafo do artigo 7.

O período de programação terá início em 1 de Janeiro de 2000.

2. Os quadros comunitários de apoio, programas operacionais e documentos únicos de programação serão reexaminados e, se for caso disso, adaptados por iniciativa do Estado-Membro ou da Comissão, com o acordo desse Estado-Membro, nos termos do presente título, na sequência da avaliação intercalar referida no artigo 42.º e da atribuição da reserva de eficiência prevista no artigo 44.

Aqueles quadros, programas e documentos podem ser igualmente revistos noutro momento, se se verificarem mudanças importantes da situação socioeconómica e do mercado de trabalho.”

Por sua vez no despacho do Tribunal de Justiça, de 16.11.2017, no processo C-491/16, suscitado em sede de pedido de reenvio no âmbito do proc. 912/15 a correr neste STA, diz-se que:

“ ...2) O artigo 3º, nº 1, segundo parágrafo, segunda parte, do Regulamento (CE, Euratom) nº2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, deve ser interpretado no sentido de que um programa operacional....que estabelece disposições gerais sobre os Fundos estruturais, como o programa operacional “Agricultura e desenvolvimento rural”, aprovado pela Decisão C ( 2000) 2878 da Comissão, de 30 de Outubro de 2000, não está abrangido pelo conceito de “programa plurianual”, na aceção da primeira destas disposições, exceto se o referido programa já indicar ações concretas a executar, o que cabe ao órgão jurisdicional do reenvio verificar.”

Contudo, não esclarece este acórdão se o programa Agro aqui em causa se deve considerar ou não como um programa plurianual.

O que é essencial para aferir o prazo de prescrição a que alude o art. 3º nº1 1ª parte do supra referido Regulamento, já que, nos termos da 2ª parte do mesmo preceito, o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa.

Atendendo a tudo o que supra foi exposto vejamos.

O Quadro Comunitário de Apoio a Portugal para o período de 2000 a 2006, foi aprovado pela Comissão Europeia através da Decisão C (2000) 762, de 30 de Março.

No âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio para o período de 2000 a 2006 (QCA III) o DL 163-A/2000, de 27 de Julho, estabeleceu as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS.

E, como resulta do art 1º deste Decreto-Lei nº 163-A/2000, de 27 de Julho de 2000, in DR 172 – Série I-A 1º Suplemento

“… Objeto

O presente diploma estabelece as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural, abreviadamente designado por AGRO, bem como da Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional, abreviadamente designada por AGRIS, aprovados no âmbito do III Quadro Comunitário de Apoio para o período de 2000 a 2006 (QCA III).”

Em suma, este diploma estabelece as regras gerais de aplicação do Programa Operacional de Agricultura e Desenvolvimento Rural (AGRO/Programa), bem como da componente agrícola dos programas operacionais de âmbito regional do III Quadro Comunitário de Apoio (QCA III) para o período de 2000 a 2006 integrando intervenções operacionais no âmbito da agricultura e do desenvolvimento rural, enquadradas nos Eixos Prioritários 2 e 3 do Plano de Desenvolvimento Regional (PDR), designadamente o Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural e a Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural dos programas operacionais de âmbito regional.

Como resulta do seu preâmbulo: “Estas intervenções contribuem, ainda, para outras prioridades fixadas no PDR, como sejam as respeitantes à elevação do nível de qualificação dos portugueses e à promoção do emprego, da coesão social e do desenvolvimento sustentável das regiões, assegurando a igualdade de oportunidades.”

Mas, este programa e as medidas não referem quaisquer acções concretas a executar, estando antes dependentes de concretas candidaturas que sejam formuladas.

Como resulta do art. 3º do Decreto-Lei nº 163-A/2000, de 27 de Julho:

“Medidas

1 - No âmbito do Programa AGRO, podem ser concedidas ajudas nos seguintes domínios:

a) Modernização, reconversão e diversificação das explorações agrícolas;

b) Transformação e comercialização de produtos agrícolas;

c) Desenvolvimento sustentável das florestas;

d) Gestão e infra-estruturas hidro-agrícolas;

e) Prevenção e restabelecimento do potencial de produção agrícola;

f) Engenharia financeira;

g) Formação profissional;

h) Desenvolvimento tecnológico e demonstração;

i) Infra-estruturas informativas e tecnológicas;

j) Serviços agro-rurais especializados.”

Não estão aqui indicadas quaisquer concretas ações a executar.

Pelo que, e nos termos do acórdão do Tribunal de Justiça, de 16.11.2017, no processo C-491/16, proferido no proc. 912/15, a correr neste STA não estamos perante um plano plurianual.

Neste mesmo sentido se pronunciou este STA nos acórdãos de 26/04/2018 Processo nº 249/16 e nº 1478/15 cuja argumentação subscrevemos.

4. Tendo em consideração que estamos perante uma infração repetida e que o programa não é plurianual vejamos se já havia decorrido o prazo prescricional.

Quanto ao início do prazo de contagem do prazo prescricional diz-se no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta SecçaÞo) 6 de outubro de 2015 Processo C‐59/14:

“(...) 23.Em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95, o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade. O artigo 1.°, n.° 2, desse regulamento define o conceito de «irregularidade» como qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos por esta.

24. A prática de uma irregularidade, que faz correr o prazo de prescrição, pressupõe, por isso, o preenchimento de dois pressupostos, a saber, um ato ou omissão um agente económico que constitua uma violação do direito da União, bem como uma lesão ou uma lesão potencial ao orçamento da União.

25. Em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação do direito da União foi detetada após a concretização da lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir da prática da irregularidade, isto é, a partir do momento em que tenham ocorrido tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta.

26. Essa conclusão está em conformidade com o objetivo do Regulamento n.° 2988/95, que, de acordo com o seu artigo 1.°, n.° 1, visa a proteçaÞo dos interesses financeiros da União. Com efeito, o dies a quo situa-se na data do facto ocorrido em ultimo lugar, ou seja, quer na data da concretização da lesão, quando esta ocorra após o ato ou omissão que constitua uma violação do direito da União, quer na data desse ato ou omissão, quando a vantagem em causa tenha sido concedida antes do referido ato ou omissão. A prossecução do objetivo de proteção dos interesses financeiros da União está, por conseguinte, facilitada.

27. Além disso, essa conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo grego, segundo o qual o dies a quo situar-se-ia no dia da descoberta da irregularidade pelas autoridades competentes. Com efeito, esse argumento colide com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual a data em que as autoridades nacionais tomaram conhecimento de uma irregularidade eì irrelevante para o início do prazo de prescrição (acórdão Pfeifer & Langen, C-52/14, EU:C:2015:381, n.° 67).

28. Aliás, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Administração tem um dever geral de diligência na verificação da regularidade dos pagamentos que efetua e que estão a cargo do orçamento da União (acórdão Ze Fu Fleischhandel GmbH e Vion Trading, C-201/10 e C-202/10, EU:C:2011:282, n.° 44). Admitir que o dies a quo corresponde ao dia da descoberta da irregularidade em causa iria contra esse dever de diligência.

29. Em face destas consideraçoÞes, há que responder à primeira questão que os artigos 1.°, n.° 2, e 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 2988/95 devem ser interpretados no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, em que a violação de uma disposição do direito da União só foi detetada após a concretização de uma lesão, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que ocorreram tanto o ato ou omissão de um agente económico que constitua uma violação do direito da União como a lesão ao orçamento da União ou aos orçamentos geridos por esta. (...)”

Em 2.9.2004 e 25.2.2005 a A. remeteu ao IFADAP documentos comprovativos da execução física e correspondente aplicação de fundos de onde constava a irregularidade detectada.

Em 10.12.2004 foram pagos à A. os montantes de € 19.724,35 e em 13.10.2005 de € 4.201,36.

Pelo que, o prazo prescricional de quatro anos conta-se a partir 13.10.2005, data em que foi pago à A. o último montante no valor de € 4.201,36 (e sendo que nesta data já tinham sido cometidas as irregularidades pela aqui recorrida) e já que estamos perante uma irregularidade repetida.

O prazo prescricional inicia-se, pois, a partir de 13.10.2005, já que estamos perante uma irregularidade repetida e, nesta data, já tinha ocorrido o ato do agente económico que constitui violaçaÞo do direito da União assim como a lesão ao orçamento da mesma.

Pelo, em 10.8.2009, quando a A. foi notificada pelo IFAP para exercer o direito de audição prévia sobre a intenção de modificação unilateral do contrato, ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 4 anos.

Portanto, não se acompanha a decisão recorrida, que deve ser revogada nesta parte impondo-se a improcedência da ação.

Em suma, quando se interrompeu o prazo de prescrição de 4 anos previsto no art. 3.º, n.º 1 do Regulamento (data em que a mesma foi notificada em sede de audiência prévia e não apenas quando é notificada da decisão final) ainda não estava esgotado o prazo quanto a todas as despesas consideradas inelegíveis.

*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:

a) Conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida;

b) Julgar a ação improcedente e absolver o aqui recorrente do pedido.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 17 de Maio de 2018. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Carlos Luís Medeiros de Carvalho.