Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01068/08
Data do Acordão:02/12/2009
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:RUI BOTELHO
Descritores:CONTRATO ADMINISTRATIVO
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
ÓNUS DE PROVA
RECUSA DE VISTO
VISTO DO TRIBUNAL DE CONTAS
QUESITOS
RESPOSTAS AOS QUESITOS
Sumário:I - Na responsabilidade pré-contratual o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos (dano da confiança), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato, não se incluindo na medida do dano ressarcível o lucro esperado com o cumprimento do contrato.
II - Da resposta negativa a um quesito não resulta a prova do seu contrário, resulta apenas que a matéria nele contida se não provou.
Nº Convencional:JSTA00065547
Nº do Documento:SA12009021201068
Data de Entrada:12/02/2008
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SEN TAC LISBOA DE 2008/07/08.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM ECON - EMP OBRAS PUBL.
Área Temática 2:DIR CONTRAT / DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CCIV66 ART227 ART566 N3 ART570 N1.
DL 405/93 DE 1993/12/10 ART134 N1 ART136 N1 A N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I Relatório
O ESTADO PORTUGUÊS vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa, de 8.7.08, que julgou parcialmente procedente a acção proposta por A… e OUTRA, contra o extinto INSTITUTO DE HIDRÁULICA, ENGENHARIA RURAL E AMBIENTE, para efectivação da responsabilidade civil por impossibilidade de execução de um contrato de empreitada, em consequência da recusa de visto por parte do Tribunal de Contas, sentença que o condenou ao pagamento da quantia de 470.000Esc. (2344,35 euros), acrescida de juros legais, e ainda ao que vier a ser apurado em execução de sentença, pelos custos que as ora Recorridas suportaram com a apresentação da sua proposta.
O Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado, alegou como segue:
“Vem o recurso de agravo, que agora se alega, interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a acção para efectivação de responsabilidade civil, nos termos do art. 71.° do Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho. A presente acção visa dar satisfação à pretensão indemnizatória dos AA., por impossibilidade de execução de um contrato de empreitada que havia celebrado com o extinto Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, em consequência da recusa de visto, por parte do Tribunal de Contas. Na sentença proferida nos autos, o Mm.° Juiz a quo considerou que os AA. apenas tinham direito ao pagamento dos danos decorrentes da ineficácia do contrato, tendo direito a ser indemnizados apenas pelos danos negativos (dano de confiança), isto é, pelos danos que teriam se não tivessem celebrado o contrato, não se incluindo na medida do dano ressarcível o lucro esperado com o cumprimento do contrato. O âmbito do presente recurso apenas se circunscreve à condenação do R. Estado na parte relativa ao pagamento das despesas efectuadas com a aquisição do molde viajante, em montante a liquidar em execução de sentença. O Mm.° Juiz a quo considerou provados os seguintes factos, no que concerne à aquisição do molde viajante, de modo a considerá-los como danos emergentes e, como tal, indemnizáveis:
1. os custos suportados com a aquisição e financiamento de um molde viajante destinado à execução da empreitada, em montante não concretamente apurado (quesito 14.°).
2. os custos com a aquisição do molde viajante após o contrato, com vista à execução da empreitada (quesito 17.°). E,
3. não considerou provado que tal molde era imprescindível para a execução da empreitada, nomeadamente no que respeita à execução das espaldas do canal.
A convicção do Tribunal assentou, no caso particular do molde viajante e apesar de não ter sido apresentado documento do pagamento do montante invocado, que tal custo englobava a requalificação do molde que não foi concluído; e, no que concerne à sua utilização que a obra veio a ser executada sem recurso a tal peça. Ora, da conjugação e análise da matéria de facto considerada provada respectiva fundamentação e do teor da declaração dos AA. na nota justificativa do preço proposto, de que “dispõe de todo o equipamento necessário à execução dos trabalhos próximo do local da obra”, não vemos como pode o Mm.° Juiz considerar, na douta sentença, indemnizáveis os danos emergentes efectuados com a aquisição de material não necessário à realização da empreitada, sendo certo que “quem a executou não usou o molde”. Ao ressarcir os AA., considerando os gastos tendentes à realização e preparação da obra, aí incluindo a eventual aquisição do molde viajante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento. Deve, pois, a douta sentença proferida, e aqui agravada, ser alterada e substituída por outra em que o Estado seja absolvido do pedido relativo aos custos com a aquisição da referida peça. Assim e em conclusão:
1. Os custos suportados com a aquisição e financiamento de um molde viajante destinado à execução da empreitada (em montante não concretamente apurado), e com a respectiva aquisição após o contrato, não podem ser considerados danos emergentes, já que tal molde não era sequer imprescindível para a execução da empreitada.
2. A convicção do Tribunal assentou no caso particular do molde viajante e, no que concerne à sua utilização, que a obra veio a ser executada sem recurso a tal peça.
3. Da conjugação e análise da matéria de facto considerada provada, da respectiva fundamentação e do teor da declaração constante da nota justificativa do preço proposto (de acordo com a qual os AA. dispunham de todo o equipamento necessário à execução dos trabalhos próximo do local da obra), o Mm.° Juiz a quo não poderia concluir, como concluiu, que as despesas efectuadas com a eventual aquisição de material não necessário à realização da empreitada são indemnizáveis, a título de danos emergentes, já que “quem a executou não usou o molde”.
4. Ao decidir como decidiu, o Mm.° Juiz incorreu em erro de julgamento.
5. Sendo assim, deve a douta sentença agravada ser alterada e substituída por outra, em que o Estado seja absolvido do pedido relativo aos custos com a aquisição do molde viajante.”
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
a) Por aviso publicado no DR, III Série, n.° 214, de 15/9/95, foi aberto pelo Instituto de Estruturas Agrárias e Desenvolvimento Rural o concurso público n.° 21/95, para execução da empreitada de reabilitação da rede de rega no perímetro de Idanha, tendo sido fixado o dia 13 de Novembro de 1995 como data limite para apresentação das propostas;
b) Foi estabelecido o prazo de 180 dias a contar da data do auto de consignação para execução dos trabalhos relativos à empreitada;
c) Por aviso publicado no DR, III Série, n.° 269, de 21/11/95, o prazo de apresentação das propostas foi adiado para o dia 27 de Novembro de 1995.
d) As AA. candidataram-se ao concurso, vindo a empreitada a ser-lhes adjudicada por despacho de 21.06.96 do Secretário de Estado da Agricultura, decisão que lhes foi notificada em 13/11/96;
e) Em 96.07.24 o R. enviou às AA. a minuta do contrato, e solicitou a prestação de garantia bancária ou equivalente no prazo de seis dias, no valor de Esc. 19.157.197$00;
f) Consta da referida minuta o seguinte: “O presente contrato produz efeitos financeiros a partir do Visto do Tribunal de Contas, ao abrigo do n.° 2 do art.° 40 do Decreto-Lei n.° 146-C/80, de 22/05”
g) Da cláusula terceira consta que “Os trabalhos constantes do presente Contrato deverão ter início a partir da data do Auto de Consignação e estar concluídos no prazo de 180 dias (132 dias úteis), a contar da mesma data”.
h) E da cláusula 8 consta que o valor da adjudicação é de Esc. 383.143.941$00, acrescido de IVA, no global Esc. 448.278.411$00;
i) O contrato de empreitada (n.° 10196) veio a ser celebrado entre as AA. e o R. aos 06.11.1996, nos termos constantes da minuta referida supra em e);
j) Em 28/7/97 o R. remeteu às AA. o ofício fotocopiado a fls. 69 dos autos, e recepcionado por estas a 29/7/97, tendo por assunto “Concurso n.° 21/95 - Empreitada de Reabilitação da Rede de Rega de Idanha”, cujo teor é o seguinte:
Sobre o concurso acima referido temos a informar que o visto ao contrato referente a esta empreitada foi recusado pelo Tribunal de Contas em sua sessão de 19 de Dezembro de 1996.
Este instituto vai comunicar ao Banco … o cancelamento da Garantia Bancária apresentada.
k) Em 12/8/97 as AA. requereram, nos termos que constam do doc. fotocopiado de fls. 71 a fls. 73, cujo teor se dá aqui por reproduzido, que lhes fosse passada certidão “nos termos e para os efeitos do art.° 31° do Dec-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho (LEPTA)” donde constasse o motivo da recusa de visto e todas as informações sobre a situação em que se encontrava o contrato;
l) Por ofício de 25 de Agosto de 1997, o R. enviou às AA. cópias dos documentos fotocopiado de fls. 76 a 86, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente cópia da decisão do Tribunal de Contas que recusou o visto ao contrato por o prazo referido em c) supra ser inferior ao inicialmente fixado e ter sido violado, assim, o princípio da igualdade;
m) Em 24/9/97 as AA. apresentaram ao R. a exposição fotocopiada de fls. 88 a fls. 90, reclamando uma indemnização por danos emergentes no montante de Esc. 41.070.820$00;
n) Por despacho de 20/11/97, constante do ofício da mesma data fotocopiado a fls. 92, do Presidente do R., a indemnização referida na al. anterior foi recusada, reconhecendo-se no entanto que as AA. deveriam ser reembolsadas de todas as despesas e demais encargos decorrentes da prestação da caução e com a celebração do contrato;
o) Em 07/01/98 as AA. recorreram hierarquicamente do despacho referido na al. anterior para o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas;
p) Em 24/04/98 as AA. requereram tentativa de conciliação perante o Conselho Superior das Obras Públicas e Transportes;
q) As AA. despenderam 70.000$00 na aquisição do processo do Concurso;
r) Imediatamente após a assinatura do contrato as AA. começaram a preparar a estrutura humana, técnica e financeira para, assim que fosse efectuada a consignação, começarem imediatamente a trabalhar;
s) Com o estudo e elaboração da proposta as AA. despenderam Esc. 400.000$00 em documentação legal a apresentar com a proposta e em dactilografia, quantia não concretamente apurada com deslocações ao local da obra e os honorários relativos à prestação de serviços da B…, foram orçamentados em 3.500.000$00;
t) As AA. despenderam Esc. 494.820$00 na obtenção da garantia bancária a favor do R., entre 5 de Agosto de 1996 a 25 de Julho de 1997, junto do Banco … ;
u) As AA. contrataram um engenheiro civil para responsável da obra, o qual se manteve disponível para a mesma durante um período de 5 meses, durante os quais recebeu o salário em montante concretamente não apurado;
v) Um preparador/medidor esteve disponível para a obra por um período não concretamente apurado, durante o qual auferiu o salário em montante concretamente não apurado;
w) As AA. tiveram despesas administrativas;
x) As AA. afectaram encarregados para a execução da obra, por um período não concretamente apurado, durante o qual cada um auferiu em montante concretamente não apurado;
y) As AA. afectaram manobradores para a execução da obra, por um período não concretamente apurado, durante o qual cada um auferiu salário em montante concretamente não apurado;
z) As AA. afectaram uma retroescavadora para a execução da obra, cujo salário era de Esc. 400.000$00 por mês;
aa) As AA. afectaram uma Buldozer Cat D5 para a execução da obra, cujo salário era de Esc. 350.000$00 por mês;
bb) As AA. afectaram um conjunto industrial JCB para a execução da obra, cujo salário era de Esc. 150.000$00 por mês;
cc) As AA. suportaram os custos com a aquisição e financiamento de um molde viajante destinado à execução da empreitada, em montante não concretamente apurado;
dd) O prazo normal de fornecimento do molde viajante é de um mês e meio a dois meses;
ee) A aquisição do molde após o contrato teve em vista a execução da empreitada;
ff) A empreitada foi incluída pelas AA. no plano das suas actividades para o ano de 1997;
gg) As AA., após a celebração do contrato, afectaram parte da sua estrutura para a realização da empreitada;
hh) Em resultado da inexecução da empreitada as AA. não realizaram proventos que lhes teriam permitido absorver parte dos seus custos fixos de estrutura;
ii) Caso tivessem realizado a empreitada as AA. obteriam um lucro líquido equivalente a 7% do valor da empreitada sem IVA;
jj) Tal percentagem situa-se nas margens actuais de ganho das empresas do sector de actividade relativo às empreitadas de obras públicas.
kk) Pelo menos em 25.02.1997 o R. tomou conhecimento da recusa do visto.
III Direito
1. Vejamos o que nos diz a sentença recorrida. "A presente acção visa dar satisfação à pretensão indemnizatória das AA., relacionada com a impossibilidade de execução de um contrato de empreitada que haviam celebrado com o R., em consequência da recusa do respectivo visto por parte do Tribunal de Contas (TC). Como é sabido, o instituto da responsabilidade civil, seja ela contratual ou extra-contratual, postula a existência de quatro pressupostos, de cuja verificação cumulativa depende a reparação dos prejuízos que o lesado invoca. Como ponto de partida o facto (ou conjunto de factos), sejam eles lícito (s) ou ilícito (os) é elemento incontornável no apuramento dessa responsabilidade, visto que só a partir de uma acção humana, por acção ou omissão, é que se pode conceber a produção de um evento lesivo para terceiro que juridicamente faça incorrer o seu autor na obrigação de indemnizar. No caso em concreto as autoras, que estruturam o pedido indemnizatório por referência a um facto ilícito, alegam que o que deu causa aos prejuízos que invocam foi a circunstância do R. atempadamente não lhes comunicar a recusa do visto e, mais ainda, que essa recusa se deve a uma conduta igualmente ilícita da sua parte, já que não se rodeou das cautelas necessárias para que a mesma se não se produzisse. Ou seja, e dito de outro modo, segundo a A. a ilicitude no caso em apreço resulta de duas condutas: (i) uma, prévia à emissão do visto do TC, consistente na prática de actos desconformes à lei e determinantes da recusa do visto, (ii) outra, decorrente do atraso na comunicação dessa recusa, que se fosse feita em tempo oportuno impediria que as AA. efectuassem gastos no pressuposto do começo da execução da empreitada. Da alínea 1) do probatório colhe-se que a recusa do visto se ficou a dever ao prazo de adiamento de apresentação das propostas (com fundamento na rectificação do anterior aviso) ser inferior ao inicialmente fixado, considerando o TC que se violou, por esta via, o princípio da igualdade. Do elenco dos factos provados também se retira que, em vista do começo da obra, as AA. mobilizaram meios humanos e materiais e efectuaram gastos que, se a recusa fosse imediatamente notificada, não teriam efectivado, pelo menos na totalidade. Analisemos então a parte do pedido indemnizatório que se relaciona com a recusa do visto, ou seja, o pedido por "lucros cessantes". A tese do R. é a de que o contrato nunca chegou a ser eficaz, visto que não se verificou a condição que lhe conferiria eficácia jurídica e validade, ou seja, o visto. É verdade, porque a recusa do visto - talhado para permitir ou desbloquear os efeitos financeiros do contrato - impede a produção de todos os efeitos deste, visto que não é concebível que à realização da prestação do adjudicatário (execução da obra) não possa corresponder a contra-prestação pecuniária do adjudicante (o pagamento do preço). Por isso, não sendo eficaz não pode falar-se em danos por lucros cessantes em consequência da inexecução do contrato (cfr. artº 34° da p.i.), mas apenas numa pretensão indemnizatória fundada em responsabilidade pré-contratual, que surge quer se rompam as negociações, quer o contrato venha a ser declarado nulo ou ineficaz. E é neste aspecto que a teoria do interesse contratual negativo ou de confiança assume particular relevância, na medida em que não está provado que as AA. perderam "uma ocasião de negócio", caso em que só então o interesse contratual positivo seria indemnizável. O que significa que as AA. não podem aspirar a receber o montante relativo aos lucros que previsivelmente colheriam da execução da empreitada, ou seja, uma indemnização fundada em lucros cessantes positivos, mas apenas as despesas e perdas provocadas pela frustração do negócio, a título de culpa na formação dos contratos por parte do R. (cfr. art. 227° do C. Civil). Acresce que as AA. não podiam desconhecer que o contrato estava sujeito a essa condição suspensiva, o visto, sem o qual nunca adquiriria eficácia, o que afasta esse investimento de confiança de que fala Menezes Cordeiro; por outro lado não alegaram e muito menos provaram que ficaram impedidas de celebrar outro negócio semelhante à empreitada sub judice. No que se refere aos danos emergentes temos de distinguir dois momentos: os que se relacionam com a preparação da proposta e os que surgiram depois da adjudicação, rectius, depois da celebração do "contrato". Os primeiros não suscitam dúvidas: são relativos aos custos em que as AA. incorreram com a apresentação da proposta e que seriam reembolsados com a execução do contrato e o percebimento do respectivo preço. Portanto, este não reembolso representa um dano cuja reparação as AA. têm direito a exigir, como de resto o próprio IHERA reconheceu. Onde a situação se toma mais melindrosa é nos danos que as AA. invocam e subsequentes à celebração (formal) do contrato. Aqui poderia reconduzir-se a situação aos mesmos limites que valem para o interesse contratual positivo, argumentando-se que tais danos não se verificariam se as AA. usassem de normal prudência em face da eventualidade da recusa do visto impedir a eficácia do contrato. Sucede, porém, que uma tal visão das coisas ajusta-se mal à realidade e peca por excesso de rigor. Na verdade, é sabido que o começo de uma empreitada envolve um período de preparação dos meios técnicos e humanos, necessário para que aquela se inicie efectivamente na data da consignação e decorra normalmente, em respeito do calendário aprovado, do plano de trabalhos e do prazo de execução. É o que se passa no caso em apreço, em que logo a seguir à celebração formal do contrato as AA. começaram a preparação da empreitada. Esta preparação poderia ter terminado mais cedo se o R. tivesse agido com diligência, comunicando a recusa do visto em tempo oportuno. Não o fez, ou pelo menos não provou que o tenha feito, dando azo com a sua conduta negligente a que as AA. tenham mantido nesse período de preparação recursos humanos e materiais em vista do imediato início da obra, caso o visto do TC tivesse sido concedido. E com isto dando origem a que as AA. tivessem de suportar os correspondentes custos, que traduzem os danos que reclamam (obviamente, na extensão que ficou provada), incluindo a aquisição do molde viajante, que só poderia ter sido utilizado na obra em causa. Todavia, importa ponderar o seguinte: é razoável imputar ao R. todos os custos que as AA. dizem ter suportado, durante o dilatado lapso de tempo que decorreu desde a feitura do "contrato" e a notificação por escrito da recusa do visto? O artº 134.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, prevê um prazo máximo para consignação, de 22 dias, contados desde a data da assinatura do contrato. Ora, não obstante o retardamento da consignação não imputável ao empreiteiro lhe conferir o direito a indemnização (artº 136°, n.º 2, do referido diploma), a lei prevê a possibilidade de rescisão do contrato por banda do empreiteiro se a consignação não for feita no prazo de 132 dias contados da data em que deveria efectuar-se, ou seja, 154 dias contados desde a data da assinatura do contrato (artº 136°, n.º 1, al. a), do diploma citado). Tendo em conta estes elementos entende-se que um empreiteiro diligente e prudente indagaria junto do adjudicante e dono da obra das razões que justificavam o atraso na consignação e não ficaria à espera para mais tarde reclamar os danos que lhe fossem provocados pela demora, bem sabendo que estes seriam cada vez mais elevados à medida que o tempo decorresse. Mas não foi isto que fizeram as AA. "Pacientemente", ficaram à espera de "notícias" por parte do IHERA. Por isso, afigura-se-nos que há um comportamento das AA. que potencia a produção dos danos que invocam e que cai na previsão do artº 570°, n.º 1, do CC, justificando a redução da indemnização. Então, qual a medida dessa redução? O artº 570°, n.º 1, do CC, não pode deixar de conexionar-se com o artº 566°, n.º 3, do mesmo diploma, o que significa que a medida da indemnização há-de ser estabelecida por recurso a critérios de equidade, embora sujeita à bitola determinada pela "gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram", tendo sempre presente que a equidade não equivale ao arbítrio, significando antes um justo equilíbrio, nomeadamente entre lesante e lesado. Neste contexto e com estas "premissas", afigura-se-nos que todos os custos em salários de máquinas e pessoal, que as AA. suportaram após o prazo de 154 dias acima referido (cinco meses!) devem ser excluídos, prazo que se reputa suficiente para as AA. se inteirarem da situação de recusa do visto, se tivessem agido com o mínimo de diligência e cuidado, e que corresponde, como se disse, ao prazo que a lei lhes conferia para rescindirem o contrato. Para terminar importa dizer o seguinte: A matéria provada não permite a fixação concreta de toda o montante indemnizatório devido à AA., havendo necessidade de remeter para execução de sentença a concretização do quantum relativo à maioria dos danos que invocaram" (negrito nosso).
2. Vejamos. O recorrente aceita o conteúdo global da sentença, a construção jurídica enunciada, insurgindo-se, simplesmente, contra a condenação referente ao molde viajante ("O âmbito do presente recurso apenas se circunscreve à condenação do R. Estado na parte relativa ao pagamento das despesas efectuadas com a aquisição do molde viajante, em montante a liquidar em execução de sentença"). Funda a sua posição na existência de contradição insanável na matéria de facto. Com efeito, diz que se é certo que a as autoras procederam à aquisição do "molde viajante destinado à execução da empreitada" (resposta ao quesito 14.°) e que houve "custos com a aquisição do molde viajante após o contrato, com vista à execução da empreitada" (quesito 17.°), todavia não considerou "provado que tal molde era imprescindível para a execução da empreitada, nomeadamente no que respeita à execução das espaldas do canal" (quesito 15º).
Quanto a este último quesito importa sublinhar que o colectivo apenas respondeu negativamente ao quesito 15 onde se perguntava se "Tal molde era imprescindível para a execução da empreitada, nomeadamente no que respeita à execução das espaldas do canal". Da resposta negativa a um quesito não resulta a prova do seu contrário. Isto é, não resulta que fosse desnecessário. Nem tão pouco que tal pergunta não pudesse ter obtido uma resposta positiva. Resulta, apenas, que no âmbito da discussão gerada, as interessadas não conseguiram, por não terem produzido a necessária prova, uma resposta afirmativa.
Assim, em relação a esses quesitos, tem que se considerar como definitivamente assente no processo que as autoras procederam à aquisição do "molde viajante destinado à execução da empreitada" (resposta ao quesito 14.°) e que houve "custos com a aquisição do molde viajante após o contrato, com vista à execução da empreitada" (quesito 17.°). Nada mais.
Por outro lado, não foi objecto de discussão nos autos nenhuma das duas considerações agora adiantadas pelo recorrente, com que pretende fundamentar o seu recurso, designadamente a de que "o teor da declaração dos AA. na nota justificativa do preço proposto, de que dispõe de todo o equipamento necessário à execução dos trabalhos próximo do local da obra” ou a de que “quem a executou não usou o molde”. Trata-se de matéria que não foi levada aos factos assentes, nem incluída na Base Instrutória para discussão na audiência de julgamento. Nem sequer, agora, o recorrente a elege como matéria de facto omitida nos factos dados como provados na sentença recorrida. De resto, aquelas considerações, por si só, sempre seriam irrelevantes com vista à alteração do decidido. A afirmação de que “dispõe de todo o equipamento necessário à execução dos trabalhos próximo do local da obra” é uma afirmação genérica que apenas pretende significar que o equipamento essencial para a sua execução já está no local (ou perto do local), não pretendendo indicar que já lá esteja, efectivamente, tudo; depois, a afirmação de que “quem a executou não usou o molde” é absolutamente indiferente pois é perfeitamente admissível que a obra pudesse realizar-se sem ele. Contudo, essa possibilidade não impede que outros quisessem realizá-la com ele, sendo certo que no caso em apreço se deu como assente que o molde foi adquirido para aquela obra.
Improcedem, assim, todas as conclusões das alegações do recorrente.
IV Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009. – Rui Botelho (relator) – Pais Borges – Freitas Carvalho.