Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01466/16
Data do Acordão:02/16/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
DECISÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Justifica admitir-se o recurso de revista de acórdão que coloca questões ainda não equacionadas por este Supremo Tribunal acerca do regime de impugnação das decisões do juiz de tribunal administrativo e fiscal em acções administrativas especiais de valor superior à alçada do respectivo tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P21508
Nº do Documento:SA12017021601466
Data de Entrada:12/22/2016
Recorrente:MUNICÍPIO DO PORTO SANTO E A..........
Recorrido 1:B.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

B……….. intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, contra o Município de Porto Santo e o Presidente da sua Câmara Municipal, acção administrativa especial, pedindo a anulação do seu despacho do, de 7/03/2014, que determinou a cessação da sua comissão de serviço.
Alegou a ilegalidade do acto impugnado por o mesmo ter sido proferido sem que, por um lado, tenha havido audiência prévia e, por outro, sem que tenha havido processo disciplinar.

Com êxito já que aquele Tribunal julgou a acção procedente declarando, em consequência, a nulidade do despacho impugnado.

Inconformado, o Réu apelou para o TCA Sul mas este rejeitou o recurso e não conheceu do seu objecto por ter entendido que a sentença deveria ter sido impugnada “mediante reclamação para a conferência e não através de recurso jurisdicional. Acontece que não é possível convolar o recurso interposto pelo Réu, ora Recorrente, em reclamação, dado que a mesma é intempestiva.”

É desse acórdão que o Município do Porto Santo e A…………., seu Presidente, vêm recorrer, ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Os Recorrentes pretendem que esta Formação admita o recurso de revista que dirigiram contra o Acórdão do TCAS que rejeitou a apelação que interpuseram da sentença do Tribunal de 1.ª instância, que havia declarado nulo o acto impugnado, por entender que desta decisão cabia reclamação para a conferência e não recurso jurisdicional. Pretensão que fundamentam nas seguintes conclusões:
“16- À data da interposição do recurso de Apelação, vigorava a orientação proferida pelo Tribunal Constitucional - Ac. 442/2015 - Proc 400/2015, que decidiu “julgar inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da confiança consagrados nos artigos 2° e 20° n.º 4 da Constituição a norma do art. 27° n. 1 al.ª i) do CPTA, interpretada no sentido de que «de decisões relativas a acções administrativas especiais de valor superior ao da alçada, que tenham sido decididas por juiz singular, sem a menção de que essa decisão foi tomada ao abrigo da al.ª i) do n.º 1 do art. 27° do CPTA, se deve reclamar necessariamente para a conferência, antes de se poder recorrer para o TCA»”.
17 - Já o acórdão n.º 577/2015, do Tribunal Constitucional que decidiu ”não julgar inconstitucional a norma do artigo 27° n.º 1 al.ª i) do CPTA, interpretada no sentido de que a sentença proferida por tribunal administrativo e fiscal, em juiz singular, com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição, não é susceptível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo”, foi publicado em data posterior ao Recurso intentado pelo ora recorrente.
18 - Entendem os Recorrentes, salvo melhor opinião, que o referido acórdão do Tribunal Constitucional, analisando a interpretação interpretativa do artigo 27° n.º 1 al.ª i) do CPTA, formulou juízo de não inconstitucionalidade, mas relativamente à ausência de suficiente explicitação da fundamentação do uso da competência do relator prevista no artigo 27° n.º 1 al.ª i) do CPTA, em resultado da decisão proferida com base na mera invocação dos poderes conferidos por essa disposição.
19 - Ora, da sentença proferida pelo tribunal a invocação dos poderes conferidos pelo art. 27°, n.º 1, alínea i) e n.º 2 do CPTA, nem mesmo de forma implícita.
20 - Por outro lado, no recurso excepcional de revista interposto do acórdão do TCA Norte de 7/03/2013, que aplicou a doutrina do acórdão uniformizador 3/2012, o STJ afastou a possibilidade de flexibilização do prazo aplicável à reclamação para a conferencia, mas apenas por considerar que tendo sido justificada a prolação da decisão sumária pelo juiz singular, com base na simplicidade da questão a decidir e expressamente invocados os poderes que são conferidos pelo artigo 27 do CPTA, não se poderia suscitar a duvida razoável nos intervenientes processuais, quanto ao meio processual adequado para reagir contra a decisão (acórdão de 29 de Janeiro de 2014 - Proc. 1233/13), o que não aconteceu no caso concreto.
21 - Ora, no caso concreto, não consta da sentença que esta é proferida nos termos do art. 27° n.º 1 alínea i) e n.º 2 do CPTA, nem tal resulta implicitamente do seu teor, não existindo qualquer sinalização, alertando os destinatários para o tipo de decisão que lhes é dirigida, pelo que na ausência de qualquer explicitação, seria difícil às partes, nomeadamente aos ora recorrentes determinar que a sentença foi proferida ao abrigo do art. 27° n. 1 alínea i) e n.2 do CPTA.
22 - A se entender, no caso concreto, haver lugar a prévia reclamação para a conferencia e impossibilidade de convolação do respectivo requerimento em reclamação para a conferência, fica precludida a possibilidade de a parte reagir contra a sentença, por na data de interposição do recurso, se encontrar já esgotado o prazo para a reclamação para a conferencia, sem que fosse dada qualquer possibilidade de suprimento, quando o erro processual a se considerado que incorreu, é objectivamente desculpável, dado que a determinação do meio idóneo de reacção não era inteiramente liquido do ponto de vista jurídico.
23 - Seria de grande injustiça e violaria o princípio do processo equitativo, segurança jurídica e da protecção da confiança e com clara violação do Principio pro - actione, atenta a sua aplicação no presente caso de forma a não ser posta em causa o exercício do direito fundamental de acesso ao direito.”

3. A presente revista visa a reanálise do regime de impugnação das decisões do Juiz do TAF em acções administrativas especiais de valor superior à alçada do respectivo tribunal.
Questão que já foi, por múltiplas vezes, abordada neste Supremo Tribunal.
Deste modo, na sequência dos Acórdãos do Pleno deste STA, de 5-6-2012 (rec 0420/12), publicado em Diário da República, 1ª Série, de 19-9-2012, sob o n.º 3/2012, e do Plenário do Tribunal Constitucional, n.º 577/2015, de 03.11, ficou plenamente consolidado o entendimento de que, no domínio da redacção do art.º 40.º do ETAF que foi dada pelo DL 107-D/2003, de 31/12, das decisões do juiz relator sobre o mérito da causa, proferidas nos termos dos poderes conferidos do art. 27º/1/i), do CPTA, cabia, por força do disposto no seu n.º 2, reclamação para a conferência e não recurso e de que este só poderia ser interposto da decisão que se pronunciasse sobre a reclamação.
Por ser assim, o Acórdão recorrido, invocando os fundamentos da citada jurisprudência, rejeitou o recurso jurisdicional que o Recorrente lhe dirigiu da decisão do Tribunal de 1.ª instância, proferida pelo Juiz singular, que se debruçou sobre o mérito da causa.

Só que o art.º 40.º do ETAF foi alterado pelo DL 2014-G/2015, de 2/10, e nos termos da sua nova redacção – que entrou em vigor no dia imediato à sua publicação, isto é, em 3/10/2015 (art.º 15.º/4). O que significa que, tendo sido revogada a estatuição que impunha que, nas acções administrativas especiais de valor superior à alçada, o Tribunal funcionasse em colectivo, pode razoavelmente sustentar-se que a reclamação que a jurisprudência anterior tinha como necessária deixou de ser possível.
Daí que se imponha retirar conclusões dessa alteração legal.
As quais são decisivas, in casu, uma vez que, muito embora seja certo que na data em que foi proferida a decisão recorrida a reclamação fosse necessária certo é que quando ela foi notificada ao Recorrente a mesma poderá já não ser possível. Ou seja, e revertendo para o caso, importa analisar se o Tribunal recorrido ajuizou bem quando afirmou que “o mandatário do Recorrente foi notificado da sentença por carta de 1/10/2015 e interpôs recurso da mesma em 30/10/2015, data em que já tinha terminado o prazo para a apresentação da reclamação, razão pela qual tal recurso não pode ser convolado em reclamação para a conferência.”
A situação dos autos tem, assim, contornos novos em relação à jurisprudência citada no Acórdão recorrido e, por isso, a mesma ainda não foi equacionada por este Supremo.
Sendo assim, e sendo que a questão suscitada nos autos não só deve ser considerada de importância fundamental como se pode revelar claramente necessária para melhor aplicação do direito é de concluir que se mostram reunidos os requisitos estabelecidos no art.º 150.º do CPTA para a admissão deste recurso.

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.

Sem custas.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017. – Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Oliveira – São Pedro.