Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0105/21.4BALSB
Data do Acordão:08/24/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
LIBERDADE DE CIRCULAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
LEI HABILITANTE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I – A medida restritiva do direito de circulação imposta ao Requerente, cidadão proveniente do Reino Unido, pelas RCM nºs 101-A/2021, de 30/7, e 114-A/2021, de 20/8, de isolamento profilático no domicílio por 14 dias, encontra fonte normativa suficientemente adequada nas normas indicadas como sua base habilitante, nomeadamente da “Lei do Sistema de Vigilância em Saúde Pública” (Lei nº 81/2009, de 21/8, art. 17º) e da “Lei de Bases da Saúde” (Lei nº 95/2019, de 4/9, Bases 34 e 35).
II – A medida em causa é de ter como justificada e adequada, ponderando todas as exceções previstas – nomeadamente, a detenção de Certificado Covid da UE ou a detenção de certificado de vacinação completa no Reino Unido, que permitem afastar a aplicação da medida (aplicável, portanto, apenas aos não vacinados) -, considerando a atual situação epidemiológica, em especial o fator de risco constituído pela chamada variante “delta” que se disseminou com particular velocidade e abrangência no Reino Unido, não obstante a elevada taxa de vacinação completa aí atingida, o que fundamentou a sua inclusão na lista de países de origem cujos passageiros devem cumprir um período de isolamento profilático (Despacho nº 7746-B/2021, de 6/8), respeitando, por isso, os princípios da necessidade e da proporcionalidade.
Nº Convencional:JSTA000P28088
Nº do Documento:SA1202108240105/21
Data de Entrada:08/12/2021
Recorrente:A.....
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, intentou neste Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art° 109° e segs. do CPTA, intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o CONSELHO DE MINISTROS/PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, pedindo a condenação deste «a respeitar o seu direito de livre deslocação como consequência da desaplicação do artigo nº 30 do anexo à Resolução do Conselho de Ministros nº 101-A/2021».
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O Requerente, alega, em síntese (cfr. requerimento inicial reformulado, a fls. 18 e segs. SITAF) que:
«O Requerente reside temporariamente no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e, a verificar-se tal factualidade, numa planeada viagem a Portugal entre os dias 16 de agosto de 2021 e 31 de Agosto de 2021 ver-se-ia impossibilitado de exercer o direito de livre deslocação devido à imposição de confinamento obrigatório, violando o artigo 44.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP.
Acrescenta-se que o Requerente far-se-á acompanhar da sua filha de quatro anos de idade que por necessitar de ser acompanhada nas deslocações ao exterior seria, também ela, privada do seu direito de livre circulação tal, também aqui a título de violação de um direito fundamental, como do direito ao ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa previstos no artigo 74.º, nº 2, al. i) da CRP.
Como o propósito da viagem é de visitar a família com quem não estamos presencialmente desde maio de 2020, o Requerente, e especialmente a sua filha menor de idade, veriam o seu direito à família violados.
Ora, o artigo 165.º, n.º1, al. b) da CRP estabelece que existe uma reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, sendo os atos legislativos os previstos no artigo 112.º, n.º 1 da CRP, e as restrições aos Direitos, Liberdades e Garantias devendo ser realizados por Lei, de acordo com o artigo 18.º, n.º 2 da CRP.
A Resolução do Conselho de Ministros 101-A/2021 foi emanada sobre a alçada da competência administrativa do Governo estabelecida no artigo 199.º al.) g, invocando como normas habilitantes o “artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 54-A/2021, de 25 de junho, dos artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, das Bases 34 e 35 da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, do artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual”.
Portanto, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 apela ao regime de situação de calamidade como habilitando o Governo a violar os direitos, liberdades e garantias estipulados na CRP.
Ora, a lei n.º 27/2006 estabelece o regime de situação de calamidade, reconhecendo ao Governo a competência de a declarar, e de acordo com o artigo 22.º, n.º 3 estabelece que “A declaração da situação de calamidade pode, por razões de segurança dos próprios ou das operações, estabelecer limitações quanto ao acesso e circulação de pessoas estranhas às operações, incluindo órgãos de comunicação social”.
A Lei n.º 81/2009 vem regular a declaração da situação de calamidade relativa a doenças transmissíveis, especialmente adequado à situação presente.
No artigo 7.º, n.º 2, al) b diz que compete à Comissão Coordenadora de Emergência (doravante CCE) “Elaborar relatórios de análise a submeter ao CNSP, em casos de calamidade pública que justifiquem a declaração do estado de emergência”, o artigo 18.º estabelece que “Nos casos em que a gravidade o justifique e tendo em conta os mecanismos preventivos e de reação previstos na Lei de Bases de Proteção Civil, o Governo apresenta, após proposta do CNSP, baseada em relatório da CCE, ao Presidente da República, documento com vista à declaração do estado de emergência, por calamidade pública, nos termos da Constituição.” 10- Este ponto é reforçado pelo artigo 19.º, n.º 2 da CRP que determina que a calamidade pública é fundamento de declaração de estado de emergência. 11- Logo, a situação de calamidade deve anteceder o estado de emergência de forma a lidar com a situação de calamidade em antecipação de posterior declaração do estado de emergência. 12- Como no presente as declarações de situação de calamidade sucederam a situação de emergência e prolongam-se no tempo através de sucessivas renovações sem que sejam seguidos de uma declaração de estado de emergência violam os pressupostos da situação de calamidade e violam igualmente o artigo 19.º da CRP. Desta forma, existe uma suspensão de direitos fundamentais através de perversão do espírito e letra da constituição e das leis que fundamentam a declaração de situação de calamidade.
O Governo vem igualmente alegar que a presente situação de emergência em saúde pública o habilita a violar os direitos, liberdades e garantias estipulados na CRP.
O n.º 1 do artigo 17.º da lei 81/2009 prevê limitações à liberdade de circulação para evitar a propagação de doenças contagiosas nos seguintes termos: “De acordo com o estipulado na base XX da Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de atividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infeção ou contaminação”.
E o n.º 3 do artigo supra referido que “As medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.”
A lei n.º 48/90 que fundamenta o n.º 1 do artigo 17.º da lei 81/2009 encontra-se revogada desde a entrada em vigor da Lei n.º 95/2019.
O n.º 3 exige o cumprimento de critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, onde se inclui o artigo 44.º, n.º 1 da CRP.
Desta forma parece abusiva a alegação que a situação de saúde pública legitima as presentes restrições.
O Governo sustenta igualmente que as restrições específicas aos passageiros provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte se baseiam numa análise de risco.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 estabelece no artigo 30.º, n.º 6 do seu anexo que “No âmbito da fiscalização do cumprimento do disposto no presente artigo, compete ao SEF, com base numa análise de risco, verificar o país de origem dos passageiros ou onde estes realizaram o teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2, disponibilizando-o informaticamente às autoridades de saúde.”
No anexo I do Despacho n.º 7746-A/2021 consta o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte como sendo um dos países a partir dos quais é obrigatória a realização de isolamento profilático, de acordo com o n.º 1 do mesmo Despacho.
Isto é, de acordo com o artigo 30.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, fica determinado que os passageiros de voos provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte ficam obrigados a realização de isolamento profilático devido a uma análise de risco.
Como determinado no artigo 165.º, n.º 1, al.) b da CRP esta matéria é de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Como a formulação que emana da Resolução do Conselho de Ministros 101-A/2021, e das normas reguladoras da mesma, violam diversos direitos fundamentais sem respeitar os requisitos de produção normativos previstos na CRP, violam igualmente o n.º 2 do Artigo 18.º da CRP que estabelece que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição”.
Visto que o artigo 3.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 estabelece que “compete às forças e serviços de segurança, às polícias municipais e à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (doravante ASAE) fiscalizar o cumprimento do disposto na presente resolução”, a vigilância daqueles que se encontrem em “confinamento obrigatório”, como estabelecido na al. b) do mesmo n.º, estas limitações igualmente violam o Direito à liberdade e à segurança estatuídos no artigo 27.º da CRP.
O n.º 3 do artigo 27.º da CRP estabelece os limites a este direito, a quarentena obrigatória imposta pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 não corresponde a nenhuma dessas exceções, visto que não existe “detenção em flagrante delito” (al. A)), “detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de crime doloso” (al. B), “Prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão” (al. C)), “Prisão disciplinar imposta a militares” (al. d)), “Sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação” (al. E)), “Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal” (al. F)), “Detenção de suspeitos” (al. g)), nem “Internamento de portador de anomalia psíquica” (al. H)).
É igualmente incumprido o artigo 32.º da CRP, por não existir instrução por parte de um juiz previamente à determinação de limitação de liberdade aos cidadãos provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
De acordo com o artigo 283.º do decreto-lei n.º 48/95 é punível quem efetivamente propagar doença perigosa (artigo 283.º, n.º 1, al. a)) ou quem criar “perigo” (artigo 283.º, n.º 1, al. c)).
A mesma visão é expressa na Lei n.º 95/2019, base 34, n.º 2, al. b) quando afirma que cabe à autoridade de saúde “Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública”.
Visto que a imposição do artigo 30.º, n.º 6 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 impõe a realização de confinamento obrigatório mesmo após a realização de teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2, expressamente substitui o que está estatuído na lei de basear a violação da liberdade de deslocação na existência de “perigo” por um conceito abstrato de “risco”, violando igualmente o artigo 32.º, n.º 2 da CRP que estabelece a presunção de inocência.
A lei de bases de saúde pública, aprovada pela lei n.º 95/2019 é explícita na distinção destes dois conceitos, pois o n.º 2, al. A) da Base 34, estabelece que a avaliação de risco pode informar decisões no âmbito de políticas públicas, enquanto o n.º 2, al. B) da mesma Base estabelece que é apenas uma avaliação de perigo que permite a restrição de direitos, liberdades e garantias.
Ora, é esta terminologia de “risco” que é utilizada no Decreto-Lei 54-A/2021 que no seu número 6.º cria um regime discriminatório de cassação de liberdades, direitos e garantias para os cidadãos que não sejam portadores de Certificado COVID.
De acordo com os números 2.º e 3.º e 4.º do Despacho nº 7746-B/2021 o mesmo regime discriminatório aplica-se aos viajantes provenientes do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.
É sabido que em matéria de direitos, liberdades e garantias tem a Assembleia da República competência relativa de legislação (artigo 165.º, n.º 1, al. b) da CRP).
Mesmo que fosse legislado pela Assembleia da República, o artigo 26.º, n.º 1 estabelece a “proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”.
Além disto, o regime de coação instaurado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, como regulado pelo Despacho n.º 7746-B/2021, está em violação do direito “a decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, sobre os cuidados de saúde que lhe são propostos” (Lei 95/2019, Base 2, n.º 1, al. F)).
Por sua vez, esta coacção encontra-se em violação do artigo 154.º, n.º 1 do Decreto-Lei 48/95, e possivelmente reveste-se de carácter consonante com “coacção grave” por violação do artigo 155.º, n.º 1, al. B) do mesmo Decreto-Lei.
Como tal, o artigo 30.º do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 não encontra norma legal habilitante, padecendo de inconstitucionalidade formal e organicamente.
Padecendo igualmente de inconstitucionalidade por violação do princípio de proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), sustentado numa novação legislativa através do conceito de “risco”.
Assim, no caso concreto do Requerente, e como acredita em muitos outros casos, não se vê como pode a sua liberdade de deslocação ser violada sem provar que este constitui um “perigo” concreto para a saúde pública.
Esta violação substancia-se pela imposição de confinamento obrigatório sem que existam normas habilitantes que legitimamente a autorizem.
Isto é feito através da assunção ilegítima de poderes legislativos por parte do Conselho de Ministros».
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A Presidência do Conselho de Ministros (Conselho de Ministros) veio apresentar a sua resposta (cfr. fls. 30 e segs. SITAF), começando por excecionar a “falta de interesse processual” do Requerente na interposição da presente Intimação e, também, a “não indispensabilidade da Intimação”.
E, por impugnação, defende, em suma, que não está em causa a suspensão de nenhum direito fundamental e que há base legal para o Governo restringir a liberdade de circulação nos termos que foram concretamente determinados (o que redunda na não inconstitucionalidade orgânico-formal da RCM nº 101-A/2021), os quais respeitam, aliás, o disposto no art. 27º da CRP e o princípio da proporcionalidade (o que, por sua vez, redunda na não inconstitucionalidade material da referida RCM).
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O Requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre as aludidas exceções através do articulado de fls. 260 e segs. SITAF, o qual foi notificado Requerido (cfr. fls. 267 SITAF).
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Sem vistos, cumpre decidir.

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2.1. A RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N° 101-A/2021 (DR n° 147/2021, 1ª série, de 30/7/2021):
Sumário: Altera as medidas aplicáveis em situação de calamidade, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.

«Desde março de 2020, o combate à pandemia da doença COVID-19 tem vindo a exigir a adoção de várias medidas extraordinárias. Algumas destas medidas envolvem necessariamente a restrição de direitos e liberdades, em especial no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas.
O esforço dos portugueses nos últimos meses tem permitido conter a evolução da pandemia em níveis que garantem a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e permitiram o avanço no processo de vacinação, tendo atingido os 52% de portugueses totalmente vacinados.
Considerando a avaliação do risco de transmissibilidade do vírus e do nível de incidência, da gravidade clínica da pandemia, da capacidade de resposta do SNS, bem como a evolução da cobertura de vacinação completa da população, importa prosseguir a estratégia gradual de levantamento de medidas de combate à pandemia da doença COVID -19.
Com a entrada em vigor da presente resolução, as regras aplicáveis passam a ser consideradas para todo o território nacional continental, deixando de existir regras em função do nível de risco dos concelhos.
Atendendo aos critérios de avaliação de risco e ao facto de que pelo menos 50 % da população já se encontra com a vacinação completa, a partir de dia 1 de agosto o teletrabalho passa a ser recomendado sempre que as atividades o permitam, a limitação à circulação na via pública a partir das 23 h deixa de existir, terminam os limites aos horários de abertura e passam a vigorar novas regras em matéria de horários de encerramento. Os espetáculos desportivos passam a admitir público de acordo com as orientações da Direção-Geral da Saúde. Os bares passam a poder estar em funcionamento desde que sujeitos às regras aplicáveis aos estabelecimentos de restauração e similares, não podendo ter espaços de dança.
Determina-se, ainda, que o membro do Governo responsável pela área da saúde define os indicadores relativos à avaliação da situação epidemiológica, sem prejuízo dos patamares de percentagem de população com vacinação completa.
Nesse sentido, se os relatórios o permitirem e 70 % da população se encontrar com vacinação completa, prevê -se que seja possível o levantamento da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos, podendo passar a permitir-se, designadamente, a abertura de lojas de cidadão sem necessidade de marcação prévia, o aumento da lotação dos restaurantes, cafés e pastelarias, o aumento da ocupação máxima dos estabelecimentos e equipamentos e o aumento da lotação em determinados eventos.
Por fim, se a avaliação da situação epidemiológica constante dos referidos relatórios o permitir e se 85 % da população se encontrar com vacinação completa, pode passar a permitir-se, designadamente, que os bares e discotecas abram desde que o acesso aos mesmos se faça com Certificado Digital COVID da UE ou teste com resultado negativo. Nesta mesma fase deixam também de existir limites à lotação em estabelecimentos, equipamentos e determinados eventos.
Assim:
Nos termos do artigo 12.º do Decreto -Lei n.º 54 -A/2021, de 25 de junho, dos artigos 12.º e 13.º do Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, por força do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março, na sua redação atual, das Bases 34 e 35 da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro, do artigo 17.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto, do artigo 19.º da Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, na sua redação atual, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Declarar, na sequência da situação epidemiológica da COVID -19, até às 23:59 h do dia 31 de agosto de 2021, a situação de calamidade em todo o território nacional continental.
2 - Determinar, sem prejuízo das competências dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia, da administração interna, da Administração Pública, da saúde, do ambiente e das infraestruturas, as quais podem ser exercidas conjuntamente com os membros do Governo responsáveis pelas respetivas áreas setoriais, quando aplicável, a adoção, em todo o território nacional continental, das seguintes medidas de caráter excecional, necessárias ao combate à doença COVID -19, bem como as previstas no regime anexo à presente resolução e da qual faz parte integrante:
(…)
17 - Determinar que a presente resolução entra em vigor no dia 1 de agosto de 2021.

ANEXO

(…)
Artigo 30.º - Regras aplicáveis ao tráfego aéreo em matéria de isolamento profilático
1 - Os passageiros dos voos com origem em países que integrem a lista a definir nos termos do n.º 4 devem cumprir, após a entrada em Portugal continental, um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde, não se considerando origem, para efeitos da presente norma, uma escala aeroportuária em qualquer desses países.
2 - O disposto no número anterior é ainda aplicável aos passageiros de voos, independentemente da origem, que apresentem passaporte com registo de saída da África do Sul, do Brasil, da Índia ou do Nepal nos 14 dias anteriores à sua chegada a Portugal.
3 - Estão excecionados do disposto nos números anteriores, devendo limitar as suas deslocações ao essencial para o fim que motivou a entrada em território nacional, os passageiros que:
a) Se desloquem em viagens essenciais e cujo período de permanência em território nacional, atestado por bilhete de regresso, não exceda as 48 horas;
b) Se desloquem exclusivamente para a prática de atividades desportivas integradas em competições profissionais internacionais, constantes de lista a definir nos termos do número seguinte, desde que garantido o cumprimento de um conjunto de medidas adequadas à redução máxima de riscos de contágio, nomeadamente evitando contactos não desportivos, e a observância das regras e orientações definidas pela DGS.
4 - Os membros do Governo responsáveis pelas áreas dos negócios estrangeiros, da defesa nacional, da administração interna, da saúde e da aviação civil determinam, mediante despacho, a lista dos países a que se refere o n.º 1 e a lista de competições desportivas a que se aplica o disposto na alínea b) do número anterior.
5 - As companhias aéreas remetem, no mais curto espaço de tempo, sem exceder 24 horas após a chegada a Portugal continental, às autoridades de saúde a listagem dos passageiros provenientes de voos, diretos ou com escala, com origem nos países que integram a lista prevista no número anterior, com vista a dar cumprimento ao disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º.
6 - No âmbito da fiscalização do cumprimento do disposto no presente artigo, compete ao SEF, com base numa análise de risco, verificar o país de origem dos passageiros ou onde estes realizaram o teste para despiste da infeção por SARS-CoV-2, disponibilizando-o informaticamente às autoridades de saúde.
(…)
Artigo 32.º - Medidas aplicáveis em matéria de fronteiras terrestres, marítimas e fluviais
1 - Os cidadãos que entrem em território nacional por via terrestre ou fluvial, provenientes dos países constantes da lista prevista no n.º 4 do artigo 30.º, devem cumprir um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde.
(…)».

Através do Despacho nº 7746-B/2021, Diário da República nº 152, 2ª Série, de 6/8/2021 (“Aprova as listas dos países e das competições desportivas internacionais a que se aplicam as regras em matéria de tráfego aéreo, aeroportos, fronteiras terrestres, marítimas e fluviais”), com produção de efeitos desde 0h00m de 9/8/2021 até às 23h59m de 31/8/2021, podendo ser revisto em qualquer altura em função da evolução da situação epidemiológica, o Reino Unido foi incluído na “lista de países cuja origem determina que os passageiros de voos e os cidadãos que se desloquem por via terrestre, marítima ou fluvial devem cumprir, após a entrada em Portugal continental, um período de isolamento profilático de 14 dias, no domicílio ou em local indicado pelas autoridades de saúde” (cfr. nº 1).

Também neste Despacho se previu, designadamente, que:
«(…)
2 - Os cidadãos, que nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 54-A/2021, de 25 de junho, sejam titulares do certificado Digital COVID da UE de vacinação ou recuperação, estão dispensados do cumprimento do isolamento profilático.

3 - O disposto no n.º 1 também não é aplicável aos passageiros provenientes do Reino Unido quando munidos de comprovativo de vacinação realizada nesse país e que ateste o esquema vacinal completo do respetivo titular, há pelo menos 14 dias, com uma vacina contra a COVID-19 com autorização de introdução no mercado nos termos do Regulamento (CE) n.º 726/2004».

2.2. A RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N° 114-A/2021 (DR n° 162/2021, 1ª série, 1º suplemento, de 20/8/2021)

Entretanto, foi publicada, no passado dia 20, a RCM nº 114-A/2021, a qual, tendo revogado, com efeitos a partir de 23/8/2021, a RCM nº 101-A/2021 e determinado a passagem, a nível nacional, do estado de calamidade para o estado de contingência, manteve, na parte que releva à presente lide, as regras anteriormente estabelecidas, nomeadamente a imposição de isolamento profilático para os passageiros e cidadãos provenientes dos países constantes de lista para o efeito elaborada – cfr. arts. 29º nºs 1 e 4 e 31º da RCM nº 114-A/2021, de 20/8.
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3. O DIREITO

Antes de mais, e preliminarmente, refira-se que, embora o Requerente afirme, no seu r.i., que se faz acompanhar da sua filha menor de 4 anos de idade, resultando afetado o “direito ao ensino da língua portuguesa e acesso à cultura portuguesa” da sua filha, o certo é que a mesma não é requerente na presente Intimação nem consta do pedido formulado qualquer referência à mesma ou à defesa de tais direitos supostamente afetados. Assim, não se ponderará, nem se decidirá, sobre tal matéria, sob pena de se decidir, indevidamente, sobre objeto diverso do pedido - cfr. arts. 609º nº1 e 615º nº 1 e) do CPC.

A) A invocada exceção da “falta de interesse processual”

1. O Requerente, que reside temporariamente no Reino Unido, intentou a presente intimação com o objetivo de, a verificar-se uma sua planeada viagem a Portugal entre os dias 16/8 e 31/8/2021, acompanhado da sua filha de 4 anos, poder ver-se isento do confinamento obrigatório profilático de 14 dias imposto pelo Governo através da RCM nº 101-A/2021, de 30/7, e do Despacho nº 7746-B/2021, de 6/8, a todos os passageiros provenientes do Reino Unido, assim violando o seu direito de livre deslocação garantido pelo artigo 44.º, n.º 1 da CRP.

2. O Requerido excecionou, desde logo, a “falta de interesse processual” do Requerente alegando que este «limita-se a alegar genericamente, sem minimamente o substanciar, uma (suposta e hipotética) “planeada viagem a Portugal entre os dias 16 de agosto de 2021 e 31 de agosto de 2021” (artigo 1.º do ri), sobre cujo «planeamento» ou intenção efetiva de realização num futuro próximo não é oferecida qualquer prova. (…) Quer dizer: o requerente não alega qualquer circunstancialismo que evidencie que, atual e efetivamente, essa violação ocorre. Antes, limita-se a hipotizar uma situação de facto em que, eventualmente, poderá ocorrer essa violação. (…) O requerente não oferece qualquer prova – nem sequer prova indiciária – de que adquiriu o contrato de transporte aéreo, ou outro, que titula o seu interesse. Ainda que se esteja perante um caso de summaria cognitio devido à urgência da presente ação intimatória, não deixa de ser exigido ao requerente que apresente ao Tribunal um mínimo de prova, visto que o ónus da prova não deixa de correr por sua conta».

Porém, em resposta à matéria das exceções, veio o Requerente afirmar que se concretizou a viagem em causa, encontrando-se já em Portugal, tendo aterrado no dia 16, pelas 18h15m, em Faro, proveniente de Londres, no voo FR9282.

Ora, ainda que, efetivamente, o Requerente não tenha apresentado prova deste facto, o tribunal, em face das afirmações do Requerente contidas no r.i. e da confirmação pelo mesmo prestada na sua resposta às exceções, julga ter-se por adquirido tal facto, em termos de “summaria cognitio”.

Por outro lado, julga também que se verifica um real interesse na propositura da presente intimação, já que, uma vez em território português, onde chegou no passado dia 16, provindo do Reino Unido, é este o meio processual adequado e eficaz para, defendendo a sua posição jurídica, ver eventualmente satisfeita a sua pretensão, que é a da obter declaração judicial de isenção de isolamento profilático por 14 dias a que está obrigado.

Julgamento a que se adere integralmente, sendo absolutamente irrelevante para efeito de aferir do seu interesse processual em agir que o Requerente tenha alegado (e mesmo que tivesse comprovado) que nenhuma autoridade o tenha intimado ou forçado a cumprir a lei, bastando-se este mesmo pressuposto processual com a existência da norma limitadora e o correlativo dever do seu cumprimento a que, bem, por via judicial, o Requerente se pretende eximir.

Improcede, assim, esta primeira exceção.

B) A invocada exceção da “não indispensabilidade da intimação”

O Requerido alega também que a pretensão do Requerente de se deslocar com total liberdade em território nacional, «se e quando nele se encontrar, pode, à data de hoje, ser perfeitamente tutelada através da propositura de uma ação administrativa impugnatória (da disposição que entende ser inconstitucional), eventualmente em cumulação com um instrumental pedido cautelar».

Porém, esta alegação do Requerido sustentava-se, ainda, na eventualidade, ainda incerta, da planeada viagem do Requerente. Afastada que está esta mera eventualidade (“se e quando”), verifica-se, como dissemos no ponto anterior, um interesse real e atual do Requerente na presente lide processual. E, por outro lado, esta intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual urgente adequado a que o Requerente veja afastada a obrigação de isolamento profilático a que está, neste preciso momento, obrigado, e que, a seu ver, ofende o seu direito de livre deslocação pelo território nacional, não se revelando, portanto, suficiente ou eficaz, no caso, uma ação impugnatória.

Também improcede, portanto, esta segunda exceção.

*

C) Do mérito da Intimação

1.a. A questão da violação da reserva de lei parlamentar habilitante da restrição da liberdade de circulação (alegada “inconstitucionalidade orgânico-formal da RCM nº 101-A/2021”)

Considerando que estamos ante uma medida restritiva da liberdade de circulação – mas não, contrariamente ao sustentado pelo Requerente, perante uma suspensão (geral e absoluta) do respetivo direito -, cuja intencionalidade direta é restringir o direito individual de circular e que, como tal, cabe no âmbito dos artigos 18° n° 2 e 165° n° 1 b) da CRP, carecendo de uma lei habilitante, cabe avaliar se essa habilitação, não provindo de uma lei parlamentar específica, pode considerar-se resultante de uma cadeia de legitimação que tem no seu topo uma lei parlamentar, ou seja, a restrição que resulta da norma medida aqui em apreço tem de encontrar em preceitos legais do Parlamento ou em decretos-lei autorizados uma expressão textual que contemple a restrição.

A medida em apreço foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n° 101- A/2021, de 30/7, em conjugação com o Despacho nº 7746-B/2021, de 6/8, para vigorar entre as 0h00m do dia 9/8/2021 e as 23h59m do dia 31/8/2021 (podendo ser revista em qualquer altura, em função da evolução da situação epidemiológica), e indica como “lei habilitante” o artigo 12º do DL nº 54-A/2021, de 25/6, os artigos 12° e 13° do DL n° 10-A/2020, de 13/3 (diploma ratificado pelo artigo 2° da Lei n° 1-A/2020, de 19/3), as Bases 34 e 35 da Lei nº 95/2019, de 4/9, (Aprova a Lei de Bases da Saúde), o artigo 17° da Lei nº 81/2009, de 21/8 (Lei do sistema de vigilância em saúde pública) e o artigo 19° da Lei n° 27/2006, de 3/7 (Lei de Bases da Protecção Civil), e a alínea g) do art. 199º da CRP, todos nas suas redações atualizadas.

Importa, pois, verificar se a medida adoptada - “isolamento profilático de 14 dias” de cidadãos e passageiros provenientes do Reino Unido, exceto nos casos aí salvaguardados - encontra naquelas normas legais uma fonte normativa adequada.

Entendemos que sim, ainda que reconhecendo que as normas legais referidas como suporte da medida em questão não foram pensadas pelo legislador, ao tempo da sua emissão, para as concretas circunstâncias que ora nos preocupam, sendo certo que estamos, como é sabido, perante uma situação de emergência sanitária totalmente nova, sem paralelo, ao menos nos tempos atuais.

Mas a circunstância de o legislador não ter concretamente em mente – por óbvia e lógica razão – as circunstâncias de emergência atualmente em causa, não significa que as estatuições normativas referidas não alberguem, na sua previsão (letra e, sobretudo, espírito), tais circunstâncias fácticas. Ou, de outro modo, não significa que o legislador, se conhecedor destas atuais circunstâncias (factuais) de emergência, não teria admitido, ele próprio, a adequação da sua inclusão nas previsões normativas em questão.

Aliás, isto mesmo já foi dito por este STA em similar processo de intimação em que se colocaram questões semelhantes ao do presente, ainda que referido a diferentes medidas restritivas (no caso, de proibição de circulação entre concelhos, ao fim de semana, imposta pela RCM nº 89-A/2020, de 26/10) – cfr. Acórdão de 31/10/2020 (proc. 122/20.1BALSB). Aí se explanou:

«(…) consideramos que encontra [fonte normativa adequada], não obstante estarmos perante normas legais que não foram aprovadas para dar cobertura legal a esta concreta medida, mas sim para fazer face a hipotéticas situações de emergência sanitária e de prevenção de riscos colectivos inerentes a situações de acidente grave ou de catástrofe ou de atenuação dos respectivos efeitos (i. e. protecção civil), a que esta medida não deixa também de se reconduzir.
Vejamos, o n° 2 do artigo 17.° da Lei n° 81/09 (Lei do sistema de vigilância em saúde pública) dispõe que “O membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta do director-geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, pode emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação”.
E é verdadeiramente isso que temos aqui: (i) primeiro, uma orientação ou norma regulamentar cujo conteúdo se aproxima mais de uma “recomendação agravada” do que uma proibição; (ii) segundo, emitida no âmbito de uma situação de emergência em saúde pública, situação que é hoje um facto público e notório; e (iii) terceiro, uma norma de contingência para uma situação de epidemia. A norma do n.° 2 do artigo 17.° consubstancia uma base habilitante mínima para a medida, tendo em conta que a medida é uma proibição imprecisa ou porosa e que a norma habilitante tem a densidade possível para uma norma habilitante de medidas urgentes (indispensáveis e cuja eficácia dependa de celeridade) adoptadas em situação de emergência sanitária».

Ora, ainda que agora possa estar em causa uma “proibição” (de circulação, por efeito da imposição de isolamento profilático por 14 dias, salvaguardadas as exceções admitidas) e não uma mera “recomendação agravada”, a apreciação em causa, transcrita, mantém aqui inteira aplicabilidade, uma vez que a norma em referência expressa a possibilidade de “exercício de poder de autoridade com força executiva imediata”.

E continuou o Acórdão citado:

«Já quanto aos artigos da Lei de Bases da Protecção Civil, em especial os que respeitam às consequências da declaração da situação de calamidade, verificamos que a mesma pode estabelecer “a fixação, por razões de segurança dos próprios ou das operações, de limites ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas”.
Não se trata, é evidente, de uma autorização de restrição à liberdade de circulação expressamente prevista para o caso dos autos, porém, não deixa de ser claro que existe uma autorização legislativa parlamentar para a restrição deste direito-liberdade por acto das autoridades administrativas, sempre que seja decretada pelo Governo a situação de calamidade, declaração que resulta, expressamente, do n.° 1 da Resolução do Conselho de Ministros n.° 89-A/2020.
Em suma, conclui-se do arrazoado legislativo que estão preenchidas as exigências legais para, num contexto (público e notório) de emergência sanitária, reconhecer a habilitação parlamentar do Governo para a emissão desta concreta medida, cujo cunho e eficácia restritiva foram além disso gizados e modo fortemente atenuado e com uma vigência temporal reduzida».

No mesmo sentido, a propósito de diferente medida restritiva de circulação (no caso, de e para a Área Metropolitana de Lisboa), cfr. os Acórdãos deste STA de 27/6/2021 (cfr. processos de Intimação nºs 85/2021 e 86/2021).

Ora, este entendimento, que acompanhamos, é inteiramente transponível para o caso dos presentes autos, em que também se encontra em causa medida restritiva de circulação tomada em “estado de calamidade”, declarado pelo nº 1 da RCM nº 101-A/2021, de 30/7.

Deste modo, concluímos que as normas expressamente indicadas neste RCM nº 101-A/2021 se revelam, no seu conjunto, como habilitantes da medida restritiva em questão nos presentes autos – imposição de isolamento profilático, por 14 dias, a passageiros ou cidadãos provenientes do Reino Unido, salvas as exceções consagradas (detenção de certificado COVID da UE de vacinação ou recuperação, ou comprovativo de vacinação completa realizada no Reino Unido há, pelo menos, 14 dias).

Em especial, releva o invocado art. 17º da Lei nº 81/2009, de 21/8 (“Lei do sistema de vigilância em saúde pública”):
«Artigo 17.º
Poder regulamentar excepcional
1 - De acordo com o estipulado na base xx da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de excepção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo a restrição, a suspensão ou o encerramento de actividades ou a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de forma a evitar a eventual disseminação da infecção ou contaminação.
2 - O membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta do director-geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, pode emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação.
3 - As medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei.
4 - As medidas e orientações previstas nos n.ºs 1 e 2 são coordenadas, quando necessário, com o membro do Governo responsável pelas áreas da segurança interna e protecção civil, designadamente no que se reporta à mobilização e à prontidão dos dispositivos de segurança interna e de protecção e socorro, devendo ser comunicadas à Assembleia da República».

O Requerente assinala que a citada Lei nº 48/90, que fundamenta o nº 1 deste art. 17º da Lei nº 81/2009, se encontra revogada. Porém, vigora atualmente a Base 34 da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei nº 95/2019, de 4/9 que dispõe:
«1 - À autoridade de saúde compete a decisão de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, nas situações suscetíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde dos cidadãos ou das comunidades, e na vigilância de saúde no âmbito territorial nacional que derive da circulação de pessoas e bens no tráfego internacional.
2 - Para a defesa da saúde pública, cabe, em especial, à autoridade de saúde:
a) Ordenar a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública e privada, quando funcionem em condições de risco para a saúde pública;
b) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública;
c) Exercer a vigilância sanitária do território nacional e fiscalizar o cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional ou de outros instrumentos internacionais correspondentes, articulando-se com as autoridades nacionais e internacionais no âmbito da preparação para resposta a ameaças, deteção precoce, avaliação e comunicação de risco e da coordenação da resposta a ameaças;
d) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes.
3 - Em situação de emergência de saúde pública, o membro do Governo responsável pela área da saúde toma as medidas de exceção indispensáveis, se necessário mobilizando a intervenção das entidades privadas, do setor social e de outros serviços e entidades do Estado».

E, ademais, com especial relevância para o caso dos presentes autos, determina a Base 35 desta Lei 95/2019:
«Base 35
Defesa sanitária das fronteiras
1 — O Estado promove a defesa sanitária das suas fronteiras, com respeito pelas regras gerais emitidas pelos organismos competentes.
2 — Cabe, em especial, aos organismos competentes estudar, propor, executar e fiscalizar as medidas necessárias para prevenir a importação ou exportação das doenças submetidas ao Regulamento Sanitário Internacional, enfrentar a ameaça de expansão das doenças transmissíveis e promover todas as operações sanitárias exigidas pela defesa da saúde da comunidade internacional».

E como este STA já teve ocasião de expressar (cfr. citado Acórdão de 27/6/2021, processo de Intimação nº 86/21):
«Ora, o referido art. 17º [da Lei 81/2009] sob pena de contradição interna permite que o membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta do diretor-geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, possa emitir orientações e normas regulamentares no exercício dos poderes de autoridade, com força executiva imediata, no âmbito das situações de emergência em saúde pública com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação.
E ao referir-se que essas medidas devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei, está, pois, a admitir que a possibilidade de aquelas medidas interferirem com os mesmos.
Podemos, assim, dizer que existem normas legais em matéria de saúde pública que habilitam o Governo a adotar medidas, mais ou menos amplas, de interferência sobre direitos fundamentais, em especial perante cenários de emergência de saúde pública ― como é o caso, evidentemente, de combate a uma pandemia como tal declarada há já vários meses pela Organização Mundial de Saúde».

1.b. A questão da violação da reserva de lei parlamentar habilitante da restrição da liberdade de circulação (alegada “inconstitucionalidade orgânico-formal) agora relativamente à RCM nº 114-A/2021, de 20/8, em vigor a partir de 23/8)

Como já acima se disse, a RCM nº 114-A/2021 manteve, no que interessa à presente lide, as regras anteriormente fixadas pela RCM nº 101-A/2021, sendo que a questão da habilitação governamental para a sua emissão se coloca de modo idêntico ao que se colocava relativamente àquela, nos mesmos termos, portanto, já analisados.

Por esta razão, entende-se desnecessário auscultar as partes sobre esta circunstância, ponderada, também, a urgência numa decisão de mérito.

É certo que a RCM nº 114-A/2021, diferentemente da RCM nº 101-A/2021, declarou, em termos nacionais, o estado de contingência, em vez do estado de calamidade, que estava declarado por esta última. Porém, esta alteração, com previsão e relevância no âmbito da Lei nº 27/2006, de 3/7 (Lei de Bases da Proteção Civil), não afasta a adequação habilitante das outras normas legais invocadas, nomeadamente as contidas no já citado art. 17º da Lei nº 81/2009, de 21/8 (Lei do sistema de vigilância em saúde pública), uma vez que o pressuposto é, aí, o da verificação de uma situação de emergência de saúde pública, que se continua a verificar no âmbito da presente pandemia.

2. A alegada violação do art. 27º da CRP

Sustenta o Requerente que a imposição de isolamento profilático a que está sujeito, na qualidade de passageiro proveniente do Reino Unido, viola o seu direito fundamental à liberdade garantido pelo art. 27º da CRP, sem que se encontre incluída no elenco de exceções previsto no seu nº 3.

O Requerido opõe que não são confundíveis, por serem realidades distintas, uma privação de liberdade física, imposta através de uma medida de “prisão ou detenção”, a que se refere o citado art. 27º da CRP, e uma medida administrativa de imposição de separação ou isolamento profilático legalmente admitida, designadamente no art. 17º da Lei nº 81/2009, de 21/8 (Lei do sistema de vigilância em saúde pública).

É certo, e o Tribunal Constitucional recentemente o confirmou (acórdão nº 424/2020), que a privação da liberdade física imposta através de uma medida de “prisão e detenção”, a que se refere o convocado artigo 27º da CRP, e a imposição de separação ou isolamento profilático imposta por uma medida administrativa podem, em determinadas circunstâncias, ser confundíveis ou até equiparáveis. Todavia, no caso, tal confusão ou equiparação não ocorre, quer porque as circunstâncias de facto são distintas, quer porque, também contrariamente ao que ali sucedia, a medida restritiva imposta não estava sustentada numa cadeia de legitimação legal, como é aqui o caso, como já acima analisado.

É, pois, aqui inaplicável o juízo de inconstitucionalidade firmado pelo Tribunal Constitucional no citado acórdão nº 424/2020, de 31/7, relativamente a normas da Resolução do Governo da Região Autónoma dos Açores nº 123/2020, que determinava o confinamento obrigatório, por 14 dias, dos passageiros que aterrassem na Região, dado que:
a) Foi ali emitida declaração por inconstitucionalidade orgânica de normas do Governo Regional, uma vez que se tratava de matéria que se encontra abrangida pela reserva de competência legislativa prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – competência que não foi concretamente delegada e só o poderia ser no Governo (e não no Governo Regional – cfr. artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, da Constituição) -, independentemente de estar em causa o cerceamento do direito à deslocação (art. 44º da CRP) ou, como foi entendido na situação específica do Requerente ali em causa, do direito à liberdade (art. 27º da CRP); não foi, pois, ali analisada, ou criticada, a habilitação legal para a previsão, em RCMs, da medida restritiva em discussão nos presentes autos.
b) Por outro lado, comparativamente com a situação concreta do Requerente ali analisada, de confinamento, durante 14 dias a um quarto de hotel (de onde não podia sair durante todo esse período, fosse para os corredores, fosse para outras áreas do hotel), a situação do Requerente em questão nos presentes autos é significativamente distinta, pois que previsto o seu isolamento na residência (cfr., aliás, artigo 15º da sua resposta às exceções, a fls. 260 e segs. SITAF), o direito restringido é, aqui, claramente, o de deslocação, garantido no art. 44º nº 1 da CRP, e não o direito à liberdade garantido no art. 27º da CRP.

Daí que haja que concluir-se que, nas circunstâncias de facto e de direito em que se move a questão colocada nos presentes autos, a medida restritiva não se confunde nem se aproxima da apreciada no referido acórdão do TC nº 424/2020.

Note-se, ademais, que o aqui Requerente, provindo do Reino Unido, ao recusar a vacinação, se auto-exclui, ele próprio, da previsão normativa de exceção prevista para entrada e permanência em território nacional sem quarentena, distintamente do que ocorria na situação analisada no mencionado acórdão em que aos passageiros, chegados aos Açores, não era dada qualquer alternativa à restrição de livre circulação ou de liberdade física imposta.

Deste modo, contrariamente ao alegado pelo Requerente, a medida restritiva que lhe é imposta não viola o disposto no art. 27º da CRP.

3. A questão da violação do princípio da proporcionalidade (alegada “inconstitucionalidade material” da RCM nº 101-A/2021, e da atual RCM nº 114-A/2021)

Alega, por último, o Requerente, que a RCM nº 101-A/2021 (e, portanto, a RCM nº 114-A/2021, vigente desde 23/8), ao impor-lhe um isolamento profilático de 14 dias em decorrência da sua entrada em território nacional proveniente do Reino Unido, ofende o princípio da proporcionalidade, pressuposto da restrição de direitos, liberdades e garantias, pelo que sempre resulta numa violação material da CRP (art. 18º nº 2).

Sucede que o Requerente limita-se, a este propósito, a ser pouco mais que conclusivo, apenas adiantando, nos arts. 40º e 41º do seu r.i., que a RCM nº 101-A/2021 é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que viola a sua liberdade de deslocação sem que resulte comprovado um “perigo concreto” para a saúde pública.

Mas não tem o Requerente razão nesta sua alegação, uma vez que a restrição em causa mostra-se adequada – sobretudo quando considerada com as exceções que lhe estão associadas.

Na realidade, como é sabido, e vem salientado pelo Requerido (cfr. artigos 148º e segs. da sua resposta), verifica-se, neste momento, um específico fator de risco constituído pela propagação da chamada variante Delta do vírus, que se espalhou com particular velocidade e abrangência no Reino Unido, não obstante a elevada taxa de vacinação aí atingida.

Assim sendo, e contrariamente à alegação do Requerente, a imposição da medida de isolamento profilático em questão mostra-se proporcional, adequada e necessária. E, além disso, também contrariamente ao alegado pelo Requerente, não se apresenta como discriminatória relativamente a passageiros e cidadãos provenientes de outros países (não incluídos na lista em causa), já que a suposta “discriminação” se encontra justificada pela específica situação epidemiológica do Reino Unido.

Note-se que a medida em causa apenas é imposta aos passageiros e cidadãos provenientes do Reino Unido que não possuam Certificado Covid da UE ou comprovativo de vacinação completa efetuada no Reino Unido, ou seja, apenas aos não vacinados (cfr, nºs 2 e 3 do aludido Despacho nº 7746-B/2021). Tendo esta circunstância em consideração, conclui-se que a medida imposta revela-se, assim, bastante menos restritiva do que aparenta, sobretudo se também se tiver em consideração a elevadíssima taxa de vacinação já atingida no Reino Unido, comparativamente à média dos outros países, designadamente da UE, o que permite concluir que, basicamente, só quem se negou a vacinar-se é afetado por tal medida restritiva.

Ora, embora a vacinação anti-covid seja, de momento, um ato voluntário, a verdade é que, no contexto da presente epidemia, o Governo tem o dever de preservar a saúde dos cidadãos – se necessário, através de medidas adequadas, necessárias e proporcionais de separação dos que, por se negarem a vacinar-se, representam uma ameaça para a saúde pública (como expressamente se prevê no nº 1 do art. 17º da Lei nº 81/2009, diploma que institui um sistema de vigilância em saúde pública: possibilidade de o Governo «… tomar medidas de excepção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública, incluindo … separação de pessoas que não estejam doentes…, de forma a evitar a eventual disseminação da infecção ou contaminação») –, bem como, por seu lado, os restantes cidadãos vacinados tem o direito de exigir do Governo que este assim proceda em defesa da sua saúde.

Acresce que, especificadamente, no que toca à medida restritiva nos presentes autos, a já acima citada Base 35 da Lei nº 95/2019 (Lei de Bases da Saúde) impõe ao Governo a “defesa sanitária das fronteiras” em ordem a “prevenir a importação ou exportação das doenças” e a “enfrentar a ameaça de expansão das doenças transmissíveis”.

Destarte, não se verifica, também, “in casu”, qualquer “coação grave” ou violação de um alegado direito do Requerente a “decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, sobre os cuidados de saúde que lhe são propostos” (cfr. artigos 37º e 38º do r.i.) – direito que lhe não é negado.

Por tudo o exposto, não se julga verificada a violação de direitos, liberdades e garantias invocada pelo Requerente.
*

4. DECISÃO

Acordam os juízes que compõem este Tribunal em julgar improcedente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, por considerar não verificada a violação de direitos, liberdades e garantias invocada pelo Requerente.

Sem custas.

D.N.

Lisboa, 24 de agosto de 2021

Adriano Cunha, relator,
Anabela Ferreira Alves e Russo
Pedro Nuno Pinto Vergueiro, com voto de vencido.

Voto de Vencido (Juiz Conselheiro Pedro Nuno Pinto Vergueiro):

«Desde logo, não tenho por adquirida a decisão no que concerne à matéria de excepção apreciada nos autos, na medida em que é sabido que os tribunais na sua acção e função destinam-se a prevenir e dirimir situações com interesse prático e não a praticar actos inúteis, sendo que as pronúncias pelos mesmos emitidas não podem servir como meros pareceres ou opiniões sem outra valia e a utilidade do meio contencioso corresponde à sua utilidade específica, não podendo aquela utilidade ser dissociada das possibilidades legais que esse meio pode proporcionar para a satisfação dos direitos ou interesses legítimos que os interessados pretendem fazer valer e tutelar por seu intermédio, não relevando para o efeito as consequências indirectas, reflexas ou colaterais como o interesse abstracto na legalidade, o que significa que a tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesse legítimos visa, nomeadamente, conferir ou assegurar a quem acede aos tribunais o direito de obter o reconhecimento jurídico da sua existência e a eliminação jurídica dos obstáculos à sua concretização, bem como a possibilidade de executar coercivamente o julgado.

Ora, no caso presente, o Requerente informou nos autos que, entretanto, na sequência de uma viagem efectivamente realizada no dia 16 de agosto de 2021, chegou no voo FR9282 com proveniência de Londres Stansted e destino Faro, tendo aterrado por volta das 18:15 e, à sua chegada, não foi intimado a cumprir o disposto nas normas referidas no presente processo, sendo manifesto que até ao momento o Requerente não foi perturbado no uso dos direitos que pretende salvaguardar com o presente meio processual, não se vislumbrando que as autoridades de saúde venham ainda a tomar qualquer iniciativa nesta matéria, dado que, não tendo actuado no momento oportuno, decidam agora, uma vez frustrada a razão de ser das normas apontadas, impor ao Requerente o cumprimento das mesmas na antecâmara do seu regresso ao Reino Unido, o que significa que, efectivamente, não existe qualquer necessidade de tutela capaz de justificar o presente meio processual.

Por outro lado, e de forma mais decisiva, não acompanhando a fundamentação/motivação do juízo de improcedência da presente intimação.

Na abordagem da questão da violação da reserva de lei parlamentar habilitante da restrição da liberdade de circulação (alegada “inconstitucionalidade orgânico-formal da RCM nº 101-A/2021”), para depois sustentar que a RCM nº 114-A/2021 manteve, no que interessa à presente lide, as regras anteriormente fixadas pela RCM nº 101-A/2021, sendo que a questão da habilitação governamental para a sua emissão se coloca de modo idêntico ao que se colocava relativamente àquela, nos mesmos termos, portanto, já analisados, o presente acórdão, além do mais, faz apelo ao decidido por este Supremo Tribunal, a propósito de diferente medida restritiva de circulação (no caso, de e para a Área Metropolitana de Lisboa), cfr. os Acórdãos deste STA de 27/6/2021 (cfr. processos de Intimação nºs 85/2021 e 86/2021), referindo que “… este entendimento, que acompanhamos, é inteiramente transponível para o caso dos presentes autos, em que também se encontra em causa medida restritiva de circulação tomada em “estado de calamidade”, declarado pelo nº 1 da RCM nº 101-A/2021, de 30/7.

Deste modo, concluímos que as normas expressamente indicadas neste RCM nº 101-A/2021 se revelam, no seu conjunto, como habilitantes da medida restritiva em questão nos presentes autos – imposição de isolamento profilático, por 14 dias, a passageiros ou cidadãos provenientes do Reino Unido, salvas as exceções consagradas (detenção de certificado COVID da UE de vacinação ou recuperação, ou comprovativo de vacinação completa realizada no Reino Unido há, pelo menos, 14 dias).”.

Ora, nesta matéria, e com referência aos elementos presentes neste aresto, não se subscreve a posição que fez vencimento nos termos do voto de vencido subscrito pelo Ex.mo Sr. Cons. Carlos Carvalho nos aludidos processos de Intimação nºs 85/2021 e 86/2021, destacando-se aqui apenas a seguinte passagem:
“…
9. Frise-se, no entanto, que uma tal cadeia de legitimação não pode bastar-se, ou ser entendida/considerada como admitindo a possibilidade de «delegação» aberta e irrestrita de que uma lei da AR ou um decreto-lei autorizado do Governo possam autorizar um ato regulamentar, ou um ato administrativo, a operarem uma restrição, inovadora e autónoma, de um direito, liberdade e garantia, mormente o em causa na ação - liberdade de deslocação -, já que isso envolveria uma inequívoca infração dos referidos arts. 18.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. b), da CRP.
10. E essa «cadeia de legitimação» mostra-se alvo de sérias reservas doutrinárias [cfr., entre outros, J.J. Gomes Canotilho, in: «Direito Constitucional e Teoria da Constituição», págs. 1278/1279; J.C. Vieira de Andrade, in: «Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», 5.ª ed., págs. 224 e 290/291].
11. Apreciada a situação resulta que nem a determinação/proibição constante da RCM restritiva do direito/liberdade de deslocação goza diretamente da exigida cobertura formal e competencial, nem quanto ao mesmo direito/liberdade a mesma resulta ou se pode extrair do quadro normativo nela invocado [in casu os arts. 12.º e 13.º do DL n.º 10-A/2020 («na sua redação atual, por força do disposto no art. 2.º da Lei n.º 1-A/2020 … na sua redação atual), 17.º da Lei n.º 81/2009, 19.º da Lei n.º 27/2006, e 199.º, al. g) da CRP] como justificador ou legitimador da e para a emanação da mesma e determinações ali inscritas.
12. Na verdade, manifestamente a mesma não reside nos arts. 12.º e 13.º do DL n.º 10-A/2020, já que respeitantes à disciplina das restrições de acesso a estabelecimentos privados e a serviços e edifícios públicos.
13. Nem na al. g) do art. 199.º da CRP, dado que, sendo relativa à prática dos atos e à tomada de todas as providências necessárias no exercício da função administrativa destinadas à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas, não contém, dada a sua generalidade, título legitimador de competência a uma tal restrição.
14. E, de igual modo, não se vislumbra que a mesma radique no art. 17.º da Lei n.º 81/2009, já que não só a Base XX da Lei n.º 48/90 a que nele se faz referência veio a ser revogada [cfr. art. 03.º, n.º 1, al. a), da referida Lei n.º 95/2019 - Lei de Bases da Saúde] e não encontra na atual Lei de Bases da Saúde publicada em anexo à referida Lei uma previsão inteiramente correspondente [cfr. n.º 3 da atual Base 34.º], como do que se disciplina no preceito convocado não se extrai uma qualquer legitimação para introdução de restrição à liberdade de deslocação, na certeza de que no seu n.º 3 exige-se, inclusive que as «medidas previstas nos números anteriores devem ser aplicadas com critérios de proporcionalidade que respeitem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos da Constituição e da lei».
15. Falha, por fim, também como base de legitimação a Lei n.º 27/2006 [Lei de Bases da Proteção Civil], in casu o seu art. 19.º, pois este preceito limita-se tão-só a conferir competência ao CM para a declaração da situação de calamidade, nada aportando em termos de norma conferidora de autorização de introdução de restrições a qualquer direito, liberdade e garantia, sem que dos termos e teor da RCM em crise ressalte a invocação de uma qualquer outra norma habilitante ou de legitimação fundada naquele diploma, não nos cabendo, nesta sede, o ónus de aferir ou encontrar base de sustentação na referida Lei ou num qualquer outro diploma legal, nem se mostram como válidas e operantes bases normativas de legitimação não contextuais ao ato, já que invocadas a posteriori, mormente nos articulados. …”.

Deste modo, teria julgado procedente a pretensão de intimação reconhecendo ao Requerente o direito de se deslocar em todo o território nacional no período compreendido entre 16 e 31 de Agosto, devendo as autoridades públicas, mormente o Requerido, absterem-se de o impedir ou cercear no exercício daquele direito.