Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01212/06
Data do Acordão:06/05/2008
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:PAIS BORGES
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ACTO DE PROCESSAMENTO DE VENCIMENTOS
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
REVOGAÇÃO DE ACTO INVÁLIDO
LEI INTERPRETATIVA
Sumário:O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA00065072
Nº do Documento:SAP2008060501212
Data de Entrada:12/13/2006
Recorrente:SREG DA EDUCAÇÃO DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:OUTROS
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Meio Processual:UNIFORM JURISPRUDÊNCIA.
Objecto:AC TCA.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL / UNIFORM JURISPRUDÊNCIA.
Legislação Nacional:CPTA02 ART151 ART152.
CPA91 ART141.
DL 155/92 DE 1992/07/28 ART40.
DL 155/92 DE 1992/07/28 NA REDACÇÃO DA L 55-B/2004 DE 2004/12/30 ART40.
CCIV66 ART13.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC42436 DE 1999/10/15.; AC STAPLENO PROC544/06 DE 2008/04/10.; AC STAPLENO PROC672/05 DE 2005/12/06.; AC STAPLENO PROC1024/04 DE 2006/05/23.; AC STA PROC121/07 DE 2007/11/13.; AC STA PROC48281 DE 2002/02/26.; AC STA PROC36163 DE 1996/05/12.; AC STA PROC86/07 DE 2007/10/30.
Referência a Doutrina:BAPTISTA MACHADO ÂMBITO DE EFICÁCIA E ÂMBITO DE COMPETÊNCIA DAS LEIS PAG224.
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO 2ED ART13.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:
(Relatório)
I. A... e outros 76 docentes com vínculo à Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação (DREER), todos identificados a fls. 1 e segs., intentaram no TAF do Funchal, nos termos dos arts. 112º, nºs 1/al. a) e 2, 120º, nº 1/al. a), 58º, nº 2/al. b), 10º, nº 3, 9º e 12º, nº 1, todos do CPTA, providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho nº 86/2005, de 01.08.2005, da autoria do SECRETÁRIO REGIONAL DA EDUCAÇÃO da Região Autónoma da Madeira, publicado no JORAM Nº 162, de 24.08.2005, que ordenou aos dirigentes e docentes do ensino especial, em regime de acumulação na DREER, segundo o disposto nos arts. 1º, 2º e 6º do DL nº 324/80, de 25 de Agosto, a reposição dos subsídios de especialização e de itinerância previstos nos nºs 1 e 2 do art. 1º do DL nº 232/87, de 11 de Junho, relativos aos anos de 2000 (período de Abril /Maio a Dezembro), 2001 e 2002, o que se traduziu para os requerentes na ordem de reposição das quantias reportadas na listagem constante do art. 4º da petição.
A entidade requerida deduziu oposição ao pedido, nos termos do articulado de fls. 348 e segs.
Por estar apenas em causa a legalidade do aludido despacho, e os requerentes informarem ir intentar a correspondente acção administrativa especial, o Sr. Juiz do TAF, entendendo estarem verificados, in casu, todos os pressupostos previstos no art. 121º do CPTA, decidiu antecipar a decisão sobre a causa principal, proferindo a sentença de fls. 371 e segs., pela qual anulou aquele despacho, que considerou ilegal por violação do art. 141º do CPA.
Esta sentença veio a ser confirmada, em sede de recurso jurisdicional, por acórdão do TCA-Sul de 11.05.2006 (fls. 476 e segs.).
Novamente inconformada com tal decisão, dela interpôs a entidade demandada recurso jurisdicional dirigido a este Supremo Tribunal Administrativo (mandado subir ao abrigo do art. 150º do CPTA), tendo este STA, por acórdão de 21.09.2006 (fls. 537 e segs.), em sede de apreciação preliminar sumária, decidido não admitir o recurso excepcional de revista, por falta dos requisitos legalmente estabelecidos.
Notificada desta decisão, e após a baixa dos autos ao tribunal recorrido, veio a entidade demandada, pelo requerimento de fls. 550 e segs., contendo a respectiva alegação, interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 152º do CPTA, pedindo a revogação daquele acórdão do TCA-Sul.
Após notificação para o efeito, formulou as seguintes conclusões:
1. Uma primeira questão fundamental de direito em causa nos autos respeita à qualificação jurídica dos actos de processamento de vencimento e abonos aos funcionários públicos.
2. O Acórdão sob recurso qualifica cada um dos sucessivos actos de processamento de vencimentos e de outros abonos, de per si, como verdadeiros actos administrativos.
3. Ao invés, o Acórdão de 09-10-1997, considera tais actos como meramente materiais e mecânicos, de mera execução, por parte dos serviços e, referindo-se à "reposição de quantias indevidamente recebidas ", conclui:
«...está em causa um mero acto de processamento de vencimentos, não havendo acto administrativo a definir a situação funcional da recorrente, fixou-se na ordem jurídica.»
4. Há, pois, como se vê, uma contradição, ou oposição entre o decidido no Acórdão recorrido e a decisão adoptada no Acórdão do S.T.A., de 09-10-1997, a que se fez referência.
5. Com o devido respeito, parece-nos bem mais acertada a decisão do aresto de 09-10-1997, do que a proferida pelo Acórdão recorrido.
6. Efectivamente, o art° 120º do CPA é claro quanto ao que sejam actos administrativos, referindo:
«Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta».
7. Ora, o processamento dos montantes e abonos e as suas reposições são meros actos materiais e, como tais, não constituem actos jurídicos administrativos (V. Jéze, Carla Amado Gomes e outros).
8. Não houve assim, ao contrário do decidido pelo Acórdão recorrido, revogação ilegal de actos administrativos constitutivos de direitos, mas correcções e reajustamentos materiais, âmbito em que se situa o art° 40º do Dec-Lei n° 155/92.
9. A 2ª questão fundamental de direito tem a ver com a inaplicabilidade da tese do caso decidido ou resolvido (art° 141º do CPA) como facto impeditivo da revogação de actos de processamento de abonos e vencimentos.
10. No Acórdão recorrido decidiu-se que os processamentos dos vencimentos os vão firmando na ordem jurídica, como caso resolvido ou decidido, uma vez que, sendo constitutivos de direitos para os seus destinatários, só podem ser revogados no prazo de um ano (art°s 141º do CPA e 58º n° 2, do CPTA).
11. Entendimento diverso tem o Acórdão do S.T.A., de 12/05/1996 o qual, não obstante considerar que o processamento de vencimentos e abonos possa ser constitutivo de direitos, aspecto de que se discorda nos termos referidos, no entanto, entende haver, neste caso, um desvio ao prazo de revogação, não se lhe aplicando o art° 141°, n° 1, do CPA, mas o prazo de cinco anos do art° 40° do Dec-Lei n° 155/92, de 28/7, no respeitante a reposições ao Estado, já que, só as decisões judiciais importam caso julgado.
12. É neste sentido que, em nosso entender, deve ser proferido acórdão de uniformização da jurisprudência, no âmbito do presente recurso, por ser o que melhor salvaguarda o interesse público que a lei visou proteger.
13. Tal questão veio, aliás, a ser resolvida por norma interpretativa (Lei 55-8/2004, de 30 de Dezembro – art° 77°) e, portanto, retroactiva, que introduziu um novo número 3 no art° 40° do Dec-Lei n° 155/92, de 28/7, do seguinte teor:
«3 - O disposto no N° 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141 ° do diploma aprovado pelo Decreto-Lei N° 442/1991, de 15 de Novembro.»
14. Não poderá, pois, deixar de ser este o sentido e alcance das disposições citadas, a consagrar no acórdão a proferir, uniformizador da Jurisprudência quanto às duas questões fundamentais de direito em oposição, entre o Acórdão recorrido e os Acórdãos citados.
15. Assim, deverá ser proferido Acórdão fixando-se a seguinte Jurisprudência:
a) Tanto os actos de processamento como os de reposição de vencimentos ou abonos a funcionários são meros actos de execução material, por parte dos competentes serviços, e não actos administrativos;
b) Em qualquer caso, entendidos ou não como actos administrativos, ainda que constitutivos de direitos, e tendo o art° 77º da Lei n° 55-B/2004, de 31 de Dezembro, aditado um n° 3 ao art° 40º do Dec-Lei n° 155/93, temos que o prazo previsto nesta disposição prevalece sobre o do artº 141º, nº 1, do CPA;
c) Atenta a natureza interpretativa do nº 3 do artº 141º do Dec-Lei nº 442/91 de 15 de Novembro, aditado pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 31 de Dezembro, tem a mesmo aplicação retroactiva.
II. Contra-alegaram os recorridos, nos termos de fls. 608 e segs., sustentando, em suma, que as duas questões de direito sobre que é invocada oposição devem ser decididas no sentido propugnado no acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que o acto de processamento de abonos ou de vencimentos é um verdadeiro acto administrativo e não mero acto material, e que a sua não revogação pelo órgão competente, ao abrigo do art. 141º do CPA, os transforma em caso decidido ou caso resolvido, inviabilizando a sua revogação posterior.
Houve vista simultânea dos autos, nos termos do art. 92º do CPTA.
(Fundamentação)
A) Factos relevantes considerados pelo acórdão recorrido (deu por reproduzida a matéria de facto fixada na 1ª instância):
1. O Secretário Regional de Educação proferiu o seguinte acto administrativo:
SECRETARIA REGIONAL DA EDUCAÇÃO
Despacho nº 86/2005
Considerando que no Relatório nº 31/04-FS da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, com referência à Auditoria orientada à gerência de 1999 da Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação, aquele Tribunal constatou, na conferência efectuada, e com base no Decreto-Lei nº 232/87, de 11 de Junho, que foram abonados ilegalmente subsídios de especialização e de itinerância aos docentes do ensino especial, em regime de acumulação, e, bem assim, aos que exerciam funções dirigentes, aspectos que vieram a ser (re) confirmados nos Relatos das auditorias, orientadas às gerências de 2000, 2001 e 2002 daquela Direcção Regional.
Considerando ainda, que para suporte daquele entendimento o Tribunal de Contas entendeu que os contratos de prestação de serviços invocados, são celebrados com base no nº 1 do art. 9º da Portaria nº 169/91, segundo o qual a remuneração do pessoal docente especializado, em regime de acumulação, apenas tem por base o índice do escalão remuneratório do docente e que assim sendo, para além dos suplementos em causa não integrarem o índice do escalão remuneratório do docente, se estaria a pagar duas vezes pelo mesmo pressuposto, havendo uma duplicação de pagamentos o que configura um pagamento indevido.
Acresce ainda ter-se entendido também que, relativamente ao pessoal docente especializado com funções dirigentes que optou pela remuneração de origem e estando em causa o Decreto-Lei nº 232/87, sendo esta uma lei especial que define expressamente que o direito aos suplementos de especialização e de itinerância depende do exercício efectivo de funções na educação e ensino especial de crianças e jovens, os valores processados a título de gratificação àqueles dirigentes, não estando enquadrados nestes pressupostos, deverão ser considerados pagamentos indevidos.
Os docentes interessados foram devidamente notificados, em cumprimento do princípio da audiência dos interessados, para dizerem o que se lhes oferecia sobre o assunto, nada tendo alegado de novo que possa alterar o sentido do nosso despacho de 28 de Março de 2005, com excepção das questões da relevação da reposição das quantias recebidas e da prescrição da obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente recebidas.
A primeira das questões suscitadas está resolvida já que, por despacho de 2005/07/07, de Sua Excelência o Senhor Secretário Regional do Plano e Finanças, o pedido de relevação identificado foi indeferido, ao abrigo do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 324/80, de 25 de Agosto, diploma que se mantém em vigor (ao abrigo do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 57/2005, de 4 de Março), nos serviços e organismos da Administração Pública sem adesão plena, aos princípios definidos no Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.
Nestes termos, e ainda com os fundamentos constantes no relatório do Gabinete de Estudos e Pareceres Jurídicos da Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação, determino o seguinte:
1 - Indeferir a realização das diligências complementares e junção de documentos requeridos pelos docentes interessados no procedimento de reposição, com excepção da questão da relevação da reposição das quantias recebidas, a qual já foi apreciada.
2 - Declarar a prescrição da obrigatoriedade de reposição das quantias indevidamente recebidas até o mês de Abril ou Maio de 2000, consoante as datas de notificação dos devedores, correspondentes aos abonos das gratificações mensais de especialização e itinerância previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 1º do D.L. nº 232/87, de 11 de Junho, recebidos pelos docentes especializados no exercício da actividade docente em regime de acumulação e no exercício de funções dirigentes na Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação, ao abrigo do artigo 5º do Decreto-Lei nº 324/80, de 25 de Agosto.
3 - Ordenar, de acordo com o disposto nos artigos 1º, 2º e 6º do Decreto-Lei nº 324/80, de 25 de Agosto, a reposição dos abonos identificados no ponto anterior, correspondentes às gerências de 2000 (período de Abril/Maio a Dezembro), 2001 e 2002.
4 - Ordenar que seja submetida à consideração de Sua Excelência o Senhor Secretário Regional do Plano e Finanças os pedidos de reposição em prestações apresentados por docentes especializados em Educação e Ensino Especial.
5 - Ordenar à Senhora Directora Regional de Educação Especial e Reabilitação que, após a pronúncia sobre a reposição em prestações, se digne mandar notificar dos docentes visados para a dedução na coluna de descontos das folhas de vencimentos, sob a rubrica de receita orçamental "Reposições não abatidas nos pagamentos", ou, se não for praticável, a entrega nos cofres do Tesouro por meio de guia, indicando-se em ambos os casos os montantes a repor.
6 - Ordenar à entidade processadora das gratificações mensais de especialização e itinerância, para restituição do IRS retido e entregue nos cofres do Estado, a elaboração e entrega de reclamação graciosa no Serviço de Finanças.
Secretaria Regional de Educação, 1 de Agosto 2005.
2. Em 2003, por despacho da Directora Regional de Educação especial e Reabilitação da RAM, foi ordenado à Secção de expediente e pessoal a imediata suspensão do processamento das gratificações pagas, ao abrigo do nº 1 e 2 do artigo 1º do DL n° 232/87, de 11 de Junho, aos dirigentes e aos docentes da Educação e Ensino Especializado, em exercício de funções na DREER.
3. Todos os A.A. acima identificados deixaram de receber a referida gratificação a partir daquela data.
4. Todos os A.A. foram directa e pessoalmente notificados, durante os meses de Abril e Maio do corrente ano, pelo Exmo Secretário Regional da Educação do projecto-decisão para reposição dos abonos correspondentes aos suplementos previstos no DL. 232/87, de 11 de Junho.
5. Nos termos das notificações feitas para reposição de abonos, os A.A. têm a repor cada um, as quantias que a seguir se descriminam:
( ... )
6. Em face de tais notificações, todos os A.A., no exercício do direito de audiência, previsto no artigo 100º do CPA, enviaram a sua Ex.ª o Secretário Regional da Educação da RAM, a sua defesa assim fundamentada:
"tendo sido notificado, através da Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação da S.R.E. da RAM, do despacho de Sua Ex.ª O Sr. Secretário Regional de Educação, de 28 de Março de 2005 ordenador da reposição dos abonos correspondentes às gratificações mensais de especialização previstas nos número 1 do art. 1º do DL n° 232/87, indevidamente recebidos pelos docentes especializados no exercício da actividade docente em regime de acumulação, na DREER, no período das gerências de 1999 a 2003,
vem dizer em face do projecto de decisão final notificado com mapa de reposições, o seguinte:
1º Salvo o devido respeito e melhor opinião as gratificações mensais "sub-judice" não foram indevidamente recebidos pelos docentes especializados.
2º Na verdade, não foram os docentes especializados que determinaram o processamento desses suplementos ou gratificações na respectiva folha de vencimentos.
3º O pagamento de tais gratificações foi determinado superiormente na Secretaria Regional de Educação.
4º A suspensão de tal pagamento das gratificações mensais a dirigentes da educação especial e a docentes em acumulação de funções foi determinada pela D.R.E.E.R., em Novembro de 2003, data a partir da qual deixou de processar nos vencimentos dos funcionários tais gratificações mensais de especialização e itinerância.
5º O certo é que, até a presente data não foi emitido por qualquer órgão competente da Secretaria Regional de Educação um acto administrativo de revogação ao processamento nos vencimentos de tais gratificações.
6º Ou seja, os docentes em acumulação de funções e os dirigentes não foram notificados de qualquer acto revogatório relativamente ao pagamento mensal das gratificações "sub-judice" - a menos que, se entenda o acto de cancelamento como sendo um verdadeiro acto administrativo revogatório, todavia desacompanhado de fundamentação e do dever de reposição.
7º Apenas, meramente tomaram conhecimento em Novembro de 2003 da suspensão do processamento das gratificações em apreço, ou seja, há mais de um ano atento os prazos de impugnação.
8º É jurisprudência unânime do nosso Supremo Tribunal de Justiça que os actos de processamento de vencimentos ou outras remunerações, abonos ou gratificações não constituem simples operações materiais, sendo actos jurídicos individuais e concretos, fixando-se na ordem jurídica com força de caso decidido ou caso resolvido, se não forem oportunamente impugnados - acórdão do STA de 17/11/1994; AP-DR de 18/04/1997, página 8139.
9º Durante o período a que respeita o mapa de reposição notificado não foi proferido qualquer acto administrativo de revogação ao processamento na folha de vencimentos das gratificações "sub-judice".
10º Se admitirmos que o processamento das gratificações em apreço a dirigentes e a docentes em regime de acumulação são, face às normas do n° 1 e 2 do art. 1º do DL 232/87, de 11 de Junho, actos inválidos, resulta indiscutível que, relativamente a cada acto jurídico individual e concreto de processamento mensal das gratificações "sub-judice», a sua revogação só pode ser feita no mesmo prazo do respectivo recurso contencioso ou até a resposta da entidade recorrida, prazo esse que é de 1 ano, nos termos do art. ° 28° e 47° da L.P.T.A. e 18°, da L.O.S.T.A., leis vigentes até 1 de Janeiro de 2004.
11º A Secretaria Regional da Educação ou qualquer outro órgão competente não revogaram o processamento das gratificações, admitindo a sua ilegalidade, que não se aceita, no prazo legal.
12º É jurisprudência unânime do S.T.A. que a não revogação pelo órgão competente, ao abrigo do art. 141º do C.P.A. e art. 28º da L.P.T.A., converte os actos, alegadamente ilegais, em actos válidos desde a sua origem.
13º A validade dos actos ilegais advém da sua não revogação tempestiva, nem deles ter sido interposto recurso contencioso de anulação.
14º O que se passou no caso do docente aqui Respondente, Dirigente e também com os seus colegas docentes em acumulação em funções, é que a Secretaria Regional de Educação e a D.R.E.E.R. pagaram ao longo dos anos a que respeita o mapa de reposições, de modo livre e voluntário, as gratificações mensais de especialização e itinerância.
15º Do mesmo modo a partir do dia 1 de Novembro de 2003 suspenderam voluntariamente tal processamento de gratificações.
16º Assim, quer relativamente aos actos sucessivos de processamento das gratificações "sub judice”, quer à sua suspensão, estamos perante actos que se fixaram na ordem jurídica sob a forma de "caso decidido” ou "caso resolvido” em virtude da sua não impugnação atempada como já se relevou por qualquer dos intervenientes directos e pelo Ministério Público – não deixando aqui de lembrar que o próprio Tribunal de Contas não apresentou participação da ilegalidade ao M.P. para contencioso de anulação.
17º Em suma, não há lugar a qualquer reposição na medida em que o processamento das gratificações ao longo dos anos constantes do mapa de reposições não foi objecto de revogação atempada e de impugnação contenciosa, são actos cujo eventual vício de ilegalidade foi sanado pelo decurso de tempo.
18º Daí que, o projecto de decisão tendo em vista a reposição pelos docentes de gratificações pagas voluntariamente pela S.R.E. e D.R.E.E.R., é ilegal, despropositado, desproporcionado e fere o princípio da estabilidade.
19º Por outro lado, entendemos que o processamento das gratificações relativamente aos docentes em regime de acumulação é em qualquer caso legal.
20º Salvo o devido respeito e melhor opinião, a Respondente desde há muito que exerce efectivamente funções na educação e ensino especial de crianças e jovens.
21º Até Outubro de 2003 a Respondente recebeu mensalmente o subsídio de especialização previsto no D.L. 232/87, de 17/06, o qual se encontra reflectido no talão de vencimentos anexo aos autos do procedimento.
22º A partir do mês de Novembro de 2003 até à presente data, verifica-se que o subsídio de especialização deixou de ser processado na folha de vencimentos.
23º O não processamento de tal subsídio de especialização desde Novembro de 2003, constitui um prejuízo mensal superior a € 100,00 (cem euros) provocado aos rendimentos da Respondente.
24º Do despacho recorrido parece surgir a ideia que não assiste à Respondente o direito de receber a gratificação de especialização prevista no art. 1º do referido diploma.
25º A Respondente não exerce quaisquer outras actividades públicas em acumulação que lhe vedem o recebimento de tal gratificação, nos termos do nº 3 do art. 1° do D.L. 232/87.
26º As únicas actividades públicas que exerce respeitam apenas à educação especial onde exerce efectivas funções nesta área de ensino especial e está integrada em equipa especial ou unidade de orientação educativa tal como determinam as alíneas a) e b) do art. 1º do DL 232/87 de 11 de Junho.
27º Perante isto a Respondente tinha e tem o direito de recebimento da gratificação especial mensal prevista na lei, não se colocando qualquer questão relativamente ao direito à gratificação de itinerância como dúvidas há em relação a outros docentes.
28º O legislador exige duas condições cumulativas para atribuição da gratificação mensal, a saber:
1- Exercício efectivo de funções na educação e ensino especial.
2- Integração em equipas especiais e/ou em unidades de orientação educativa especial.
29º O legislador não refere "exercício efectivo de funções docentes" mas, de "funções na educação".
30º Perante isto a Respondente reúne e sempre reuniu as condições de atribuição da gratificação mensal.
31º Daí que, o cancelamento na sua atribuição e do processamento na folha de vencimentos é legalmente descabido.
32º Sendo ínvia a intenção de reposição de algo que foi devidamente pago ao Respondente por determinação superior da S.R.E. e seus órgãos competentes.
33º Assim, independentemente do "caso resolvido" ou da ilegalidade do acto da reposição das gratificações "sub judice”, o certo é que é de esperar que a Secretaria Regional da Educação, o Secretário Regional das Finanças e o próprio Governo Regional determine em qualquer caso a relevação da reposição das quantias.
34º Por último, constata-se que o mapa de reposições não atende à prescrição estabelecida no art. 40º do DL. 155/92 de 28 de Julho.
35º E a verdade é que tais gratificações pagas estão prescritas quanto à obrigação de reposição, prescrição que se invoca para todos os efeitos legais independentemente de tudo o que atrás se alegou.
Nestes termos,
Requer a Vossa Ex.ª se digne determinar a não reposição das gratificações de especialização e itinerância tal como constam do processo no projecto de decisão notificado.
( ... )
7. O Exmo Secretário Regional de Educação, em vez de dar uma resposta a cada um dos A.A., docentes e defendentes, decidiu-se pelo acto administrativo ora impugnado.
B) Apreciação de direito
Estamos perante um recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no art. 152º do CPTA, que tem de ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido, e cujos requisitos de admissibilidade são:
· Existir contradição entre acórdão do TCA e acórdão anterior do mesmo Tribunal ou do STA, ou entre acórdãos do STA, sobre a mesma questão fundamental de direito;
· Ser a petição de recurso acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada à decisão recorrida;
· Não estar a orientação perfilhada no acórdão recorrido de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
A parte final do nº 2 do preceito prevê um duplo ónus de alegação (dos aspectos de identidade que determinam a contradição e da infracção imputada à decisão recorrida), o que tem a ver com os dois juízos decisórios que o tribunal tem, em consequência, que emitir: um relativo à existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito; outro, consequente a esse, e se ele for positivo, sobre o novo julgamento da causa (judicium rescisorium).
A propósito da exigida identidade da questão de direito, a jurisprudência do STA, designadamente do Pleno, vem de há muito reiterando, no domínio dos recursos por oposição de julgados previstos no art. 24º, al. b) do ETAF/84 (cujos pressupostos coincidem, no essencial, com os do recurso aqui versado), mas igualmente já no domínio do CPTA, a exigência de identidade da situação de facto subjacente aos arestos em confronto, como suporte da identidade da questão de direito, sublinhando-se que não há oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respectivas decisões.
A identidade da questão de direito passa, necessariamente, pela identidade da questão de facto subjacente, na exacta medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas contenham elementos que as identifiquem como “questões” merecedoras de tratamento jurídico semelhante.
Para Baptista Machado “Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis”, pág. 224., “não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, simultânea, às questões de direito e às situações da vida”.
Segundo a referida jurisprudência, para que ocorra oposição ou contradição de julgados, “é indispensável que haja identidade, semelhança ou igualdade substancial da situação de facto, não havendo oposição de julgados se as soluções divergentes tiverem sido determinadas, não pela diversa interpretação dada às mesmas normas jurídicas, mas pela diversidade das situações de facto sobre que recaíram” (Ac. do Pleno de 15.10.99 – Rec. 42.436).
Resta referir que a circunstância de o art. 152º do CPTA utilizar o termo «contradição», em vez de «oposição», não significa, relativamente ao regime da LPTA, uma opção por um conceito técnico ou etimológico diverso.
Com efeito, e como se observou no Ac. deste STA de 13.11.2007 – Rec. 121/07, “seria absurdo entender que o legislador restringira os recursos para uniformização de jurisprudência aos casos de contradição entre proposições jurídicas fundamentais, excluindo desses mecanismos os casos – aliás, muito mais vulgares – de contrariedade entre tais proposições. Assim, o nome «contradição» continua a designar o género lógico «oposição», o qual, no plano judicativo do discurso, se divide em duas únicas espécies – em que as proposições são, ou reciprocamente contrárias, ou contraditórias”.
A entidade recorrente identifica, na respectiva alegação, duas questões de direito sobre as quais entende existir contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos-fundamento indicados (um para cada questão): a da natureza jurídica dos actos de processamento de abonos aos funcionários públicos; e a da aplicabilidade à situação sub judice do art. 141º do CPA, face ao nº 3 do art. 40º do DL nº 155/92, aditado pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
Importa, pois, averiguar da existência real dessa contradição, o que implica o cotejo comparativo dos dois arestos em confronto, em ordem a saber se as proposições jurídicas neles emitidas acerca dessas questões, repousando em situações de facto idênticas, se mostram contrárias ou contraditórias entre si.
E, em caso afirmativo, julgar-se-á do mérito dessas questões, decidindo qual das pronúncias emitidas é juridicamente correcta, nela fazendo repousar a decisão do presente recurso jurisdicional.
1. A primeira questão fundamental de direito sobre a qual se invoca terem sido proferidas decisões contraditórias é a que respeita à qualificação jurídica dos actos de processamento de vencimentos e outros abonos aos funcionários públicos, mais concretamente, a de saber se tais actos são verdadeiros actos administrativos ou meras operações materiais.
E trata-se, inequivocamente, de uma questão “fundamental”, na justa medida em que a sua resolução, por si e como pressuposto necessário da apreciação da outra questão identificada (aplicabilidade do regime de revogação dos actos administrativos inválidos, constante do art. 141º do CPA), foi determinante para a emissão das pronúncias finais de ambos os processos.
Sobre tal matéria, constata-se que o acórdão sob recurso, invocando jurisprudência reiterada do STA, considera que, em princípio, “cada um dos actos de processamento de vencimentos e de outros abonos são verdadeiros actos administrativos que se vão sucessivamente firmando na ordem jurídica se não forem objecto de oportuna impugnação ou revogação”, concluindo que “ao contrário do que sustenta a recorrente, existiu um acto administrativo (de processamento das gratificações em causa) que foi tacitamente revogado pelo aludido despacho nº 86/2005 e com fundamento em erro jurídico e não em qualquer erro de cálculo ou material ostensivo”.
Ou seja, ao contrário do que decidiu o acórdão fundamento (Ac. STA de 09-10-1997 – Rec. nº 37.914), no qual se caracteriza os actos de processamento de vencimentos e abonos como “meras operações materiais”, o acórdão aqui recorrido está em sintonia com a orientação jurisprudencial que pode considerar-se consolidada neste STA, segundo a qual os actos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros actos administrativos, e não meras operações materiais, susceptíveis de se consolidarem na ordem jurídica como «casos decididos» se não forem objecto de atempada impugnação, na medida em que contenham uma definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado, relativamente ao processamento em determinado sentido e com determinado conteúdo (cfr., por todos, os Acs. de 10.04.2008 (PLENO) – Rec. 544/06, de 19.12.2007 – Rec. 899/07, de 28.11.2007 – Rec. 414/07, de 06.12.2005 (PLENO) – Rec. 672/05, de 04.11.2003 – Rec. 48050, de 03.12.2002 – Rec. 42/02, de 19.03.2002 – Rec. 48065, de 07.03.2002 – Rec. 48338, e de 26.02.2002 – Rec. 48281.
Este limite da caracterização dos actos de processamento de abonos como verdadeiros actos administrativos (definição inovatória), que o acórdão recorrido não põe em causa, resulta, na situação em apreço, da natureza dos abonos aqui processados.
Como resulta dos autos, os peticionantes, ora recorridos, celebraram com a Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação (DREER), do Governo Regional da Madeira, contratos de prestação de serviço em acumulação, com base no nº 1 do art. 9º da Portaria nº 169/91, para o exercício de funções docentes no âmbito da educação e ensino especial, e de funções de itinerância no âmbito do apoio a crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
A partir de 1999, passou a ser-lhes processada uma gratificação mensal, cuja atribuição está expressamente prevista no art. 1º, nºs 1 a 3 do DL nº 232/87, de 11 de Junho, mas sob determinadas condições ali elencadas (exercício efectivo de funções, integração em equipas especiais), para além de não serem abonadas nos períodos de interrupção das actividades lectivas.
Tais gratificações constituem pois um abono suplementar do vencimento normal, de processamento condicionado à verificação dos aludidos pressupostos, e apenas devido nos períodos de actividade lectiva, o que permite concluir que cada processamento constitui uma “definição voluntária e inovatória, por parte da Administração, da situação jurídica do funcionário abonado”.
A orientação perfilhada pelo acórdão recorrido quanto a esta questão está, assim, de acordo com a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
O que significa que, quanto a essa questão, falha o pressuposto de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no nº 3 do art. 152º do CPTA, pelo que o recurso não é, nessa parte, admitido.
2. Assente a caracterização dos actos de processamento das referidas gratificações como actos administrativos, importa então afrontar a outra questão fundamental de direito sobre a qual se invoca terem sido proferidas decisões contraditórias: aplicabilidade à situação sub judice do regime de revogação dos actos administrativos inválidos previsto no art. 141º do CPA, face ao disposto no art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho.
E dir-se-á, desde já, que os arestos em confronto, perante situações de facto idênticas, e fazendo uso dos mesmos critérios jurídicos, emitiram sobre tal questão pronúncias opostas.
O acórdão recorrido, perante a factualidade exposta, e acompanhando o Ac. do STA de 12.05.1996 – Rec. 36.163, decidiu:
«"... a prescrição reporta-se à exigibilidade dos créditos existentes a favor do Estado e, portanto, à possibilidade desses créditos serem cobrados ainda que coercivamente. Pelo contrário, a revogação dos actos administrativos insere-se no estrito plano da actividade jurídica da Administração e dos administrados no âmbito da relação jurídica administrativa.
Os fundamentos da prescrição e da regra geral da revogabilidade dos actos administrativos são, pois, inteiramente diversos. A prescrição envolve uma reacção contra a inércia e o desinteresse do titular do direito que deixa passar um apreciável intervalo de tempo sem exigir o cumprimento da dívida. A revogação justifica-se pela necessidade de ajustamento da acção administrativa à variação do interesse público ou, no caso de revogação de actos ilegais, à exigência de cumprimento do princípio da legalidade.
O prazo de revogação dos actos administrativos não pode deixar de ser o estabelecido na lei administrativa geral, assumindo aí relevância a distinção entre os actos constitutivos e não constitutivos de direitos. E não se vê razão para alterar esse critério legal quando estejam em causa remunerações de funcionários ou agentes administrativos".
Não esteve subjacente ao espírito do legislador do D.L. n° 155/92 pôr em causa o princípio do caso decidido ou do caso resolvido ou operar, no âmbito da aludida reposição, a revogação tácita do art. 141°. do CPA; o citado art. 40° foi manifestamente concebido para a reposição de abonos ou pagamentos processados por erros de ordem material ou contabilística, v.g. de soma ou de cálculo, por natureza rectificáveis a todo o tempo, nos termos do art. 148°. do CPA (cfr. citado Ac. do Pleno de 29/4/98).
Assim sendo, é indubitável que, ao contrário do que sustenta a recorrente, existiu um acto administrativo (de processamento das gratificações em causa) que foi tacitamente revogado pelo aludido despacho n° 86/2005 e com fundamento em erro jurídico e não em qualquer erro de cálculo ou material ostensivos.
Portanto, a sentença recorrida, ao anular o referido despacho nº. 86/2005, não merece a censura que lhe é dirigida pela recorrente, devendo ser confirmada.»
Por seu lado, o acórdão fundamento (Ac. STA de 14-05-1996 – Rec. nº 39.403) – em que está em causa a ordem de reposição de quantia indevidamente recebida por um médico de um Centro de Saúde, em virtude de haver sido incorrectamente posicionado no 2º escalão – decidiu o seguinte:
«A obrigação de repor as referidas quantias (resultante da integração indevida no 2º escalão, quando o deveria ter sido no 1º, como implicitamente reconhece o recorrente) durante o prazo de 5 anos, verifica-se mesmo no caso do seu processamento, como acto administrativo que é, se ter firmado na ordem jurídica como caso "decidido" ou "caso resolvido" ainda que o despacho que ordene a sua reposição importe revogação do anterior acto que decidiu a situação remuneratória em causa para além do prazo mais amplo do recurso contencioso – um ano previsto no nº 1 do artigo 141º do CPA.
Só o caso julgado, emergente de decisões dos tribunais, em princípio, não cede perante a lei que o atinja, não assim o "caso decidido” ou o "caso resolvido”, face ao disposto no artigo 40º do DL nº 155/92, de 28.7, em que o próprio interesse público reclama a recuperação de quantias que indevidamente saíram dos Cofres do Estado.»
É pois evidente, perante os segmentos decisórios transcritos, a existência de contradição entre os dois julgados.
O que de imediato nos impõe decidir qual a solução juridicamente correcta (se a do acórdão fundamento, reclamada pela entidade recorrente; se a do acórdão recorrido, que esta entidade diz violadora do art. 40º do DL n° 155/92, de 28 de Julho).
A posição acolhida no acórdão recorrido (segundo a qual o regime de prescrição relativo à reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, previsto no art. 40º do DL nº 155/92, em nada interfere com o regime de revogação de actos administrativos estabelecido no art. 141º do CPA) tem sido repetidamente afirmada por este STA, como se pode ver dos Acs. do Pleno de 23.05.2006 – Rec. 1024/04, e de 06.12.2005 – Rec. 672/05, e de 05.07.2005 – Rec. 159/04.
Deles se transcreve o seguinte trecho:
«Conforme este Supremo Tribunal repetidamente tem afirmado (...), o prazo prescricional de cinco anos, estabelecido no artº 40º do DL 155/92, de 28.7, para a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas que devam entrar nos cofres do Estado, reporta-se exclusivamente à exigibilidade ou à possibilidade de cobrança de um crédito preexistente a favor do Estado e não à prévia definição jurídica da obrigação de repor, em nada interferindo, pois, com a regra geral da revogabilidade dos actos administrativos constitutivos de direitos.
Esta última insere-se no estrito plano da actividade jurídica da administração e dos administrados, no âmbito da relação jurídica administrativa, enquanto o regime da prescrição de créditos do Estado foi manifestamente concebido para a reposição de abonos ou pagamentos processados por erros de ordem material ou contabilística, nomeadamente, erros de cálculo.
“Os fundamentos da prescrição e da regra geral da revogabilidade dos actos administrativos são, pois, inteiramente diversos. A prescrição envolve uma reacção contra a inércia e desinteresse do titular do direito que deixa passar um apreciável intervalo de tempo sem exigir o cumprimento da dívida. A revogação justifica-se pela necessidade de ajustamento da acção administrativa à variação do interesse público ou, no caso de revogação de actos ilegais, à exigência do cumprimento do princípio da legalidade” (ac. de Pleno de 10.11.98, acima citado).
(...)
O que está, pois, em causa não é a exercitabilidade do direito à devolução de verbas (o que supõe um crédito preexistente) mas a existência da obrigação de repor, à luz da validade jurídica do acto administrativo que, ordenando a reposição, determina a alteração da remuneração definida por acto anterior, o que convoca a aplicação das normas que regulam a revogação dos actos administrativos constitutivos de direitos.
(…) Face ao exposto, impõe-se concluir que, ao invés do decidido no recurso contencioso, que o acórdão recorrido confirmou, não sendo aplicável ao caso o artº 40º do DL 155/92, o acto administrativo contenciosamente impugnado violou o preceituado no artº 141º do CPA, por consubstanciar a revogação de actos processadores de vencimentos do recorrente após o decurso de prazo de um ano.»
Sucede, porém, que esta orientação jurisprudencial, bem como a tarefa de interpretação legal em que a mesma repousa, veio a ser posta em causa com a alteração da redacção do citado art. 40º do DL nº 155/92.
É que nenhum dos citados arestos, todos eles posteriores a essa alteração legislativa, ponderou ou teve em conta a nova redacção do referido preceito e as consequências daí decorrentes para a solução da questão que nos ocupa.
Pelo que a aludida orientação jurisprudencial deverá naturalmente ser reponderada por este Pleno com a convocação desse novo elemento de ordem legal, não presente na elaboração das decisões anteriores, em ordem a saber se o mesmo é compatível com a dita orientação jurisprudencial, ou se, ao invés, ele determinará uma nova composição da questão jurídica presente e do juízo decisório a empreender.
Aliás, a sentença do TAF, confirmada pelo acórdão recorrido, transcreve, na sua fundamentação de direito, este art. 40º do DL nº 155/92 apenas com 2 números, ou seja, na sua redacção inicial, quando ao preceito já tinha sido aditado um nº 3.
Vejamos então.
O art. 40º do DL nº 155/92, de 28 de Julho, na sua redacção original, dispunha:
Prescrição
1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento.
2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
O art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005), que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2005, deu nova redacção a este preceito, introduzindo-lhe um nº 3, de natureza interpretativa, nos seguintes termos:
Regime da administração financeira do Estado
O artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, passa a ter a seguinte redacção, tendo o nº 3 ora introduzido natureza interpretativa:
«Artigo 40º
1- ......................................................................................
2- ......................................................................................
3- O disposto no nº 1 não é prejudicado pelo estatuído pelo artigo 141º do diploma aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro.»
A este nº 3 foi atribuída, pela própria Lei que o introduziu, “natureza interpretativa”,tratando-se pois de uma interpretação autêntica, do próprio legislador, que vem, por esta forma, fixar vinculativamente o alcance que, ab initio, deve ser atribuído ao preceito interpretado.
Como é sabido, a norma interpretativa integra-se na norma interpretada, retroagindo os seus efeitos ao início da vigência desta (art. 13º, nº 1 do C.Civil), ou seja, “retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª Edição, anotação ao art. 13º).
E não se vê que outro alcance ou sentido normativo possa ter este nº 3, introduzido pela Lei nº 55-B/2004, a não ser o de que a previsão legal do nº 1 – de que a obrigatoriedade de reposição nos cofres do Estado das quantias indevidamente recebidas só prescreve 5 anos após o seu recebimento – não é prejudicada ou condicionada pelo regime de revogação dos actos administrativos inválidos fixado no art. 141º do CPA (neste sentido, pode ver-se o Ac. da 2ª Subsecção do STA, de 30.10.2007 – Rec. 86/07).
Assim sendo, e contrariamente ao que foi decidido pelo acórdão recorrido, o impugnado despacho nº 86/2005, da autoria do Secretário Regional da Educação da Região Autónoma da Madeira, não violou o art. 141º do CPA, assim procedendo, nesta parte, a alegação da entidade recorrente.
*
(Decisão)
Com os fundamentos expostos, acordam em:
a) Julgar procedente o recurso jurisdicional;
b) Anular o acórdão recorrido;
c) Julgar improcedente a acção administrativa especial a que os autos se reportam;
d) Uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:
«O despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do art. 40º, nº 1 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, não viola o art. 141º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no nº 3 do DL nº 155/92, de 28 de Julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo art. 77º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.»
Custas pelos Autores, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, 5 UC e 8 UC, respectivamente no TAF, no TCA e neste Supremo Tribunal, em todos com procuradoria de 1/6.
Cumpra-se o disposto na 2.ª parte do n.º 4 do artigo 152.º do CPTA.
Lisboa, 5 de Junho de 2008. – Luís Pais Borges (relator) – José Manuel da Silva Santos Botelho – Rosendo Dias José – (Com a declaração que concordo com a solução e continuo a entender que o processamento de vencimento dos servidores públicos é acto jurídico, mas não de autoridade.) – Maria Angelina Domingues – João Manuel Belchior – Jorge Manuel Lopes de Sousa – Adérito da Conceição Salvador dos Santos – Rui Manuel Pires Ferreira Botelho – Jorge Artur Madeira dos Santos – António Bento São Pedro – António Políbio Ferreira Henriques – Fernanda Martins Xavier e Nunes – José António de Freitas Carvalho – Edmundo António Vasco Moscoso – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (vencido. Com efeito, se o acto de processamento é, como a jurisprudência deste Pleno tem afirmado, um acto administrativo a sua revogação com fundamento na sua ilegalidade tem de respeitar o prazo previsto no art.° 141 do CPA. Sendo assim, independentemente do disposto no art.° 40/1 do D.L. 155/92, é ilegal a reposição de quantias, ainda que ilegalmente processadas, se o acto de revogação excede aquele prazo).