Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0441/04
Data do Acordão:01/17/2006
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL.
OMISSÃO.
RESPONSABILIDADE POR ACTO LÍCITO.
Sumário:I - Constando do intróito da petição inicial de acção para efectivação de responsabilidade civil a indicação, como réus, do Estado Português e do INGA, mas verificando-se que em toda aquela petição não vem alegada qualquer acção ou omissão por parte do INGA, toda a responsabilidade vindo fundada, nos próprios termos literais da petição inicial, exclusivamente, em alegada actuação do Estado Português, acrescendo que o próprio pedido de condenação acaba sendo deduzido, também, apenas contra este, carece aquele INGA de legitimidade, já que não é sujeito da relação controvertida tal como configurada pelos autores;
II – Não merece censura a sentença que julgou não verificados os pressupostos da responsabilidade civil, por conduta ilícita do Estado se, desde logo, não se encontra provada a factualidade em que assentava a tese dos autores para a verificação de uma alegada omissão do dever de proceder à revisão do Plano de Regionalização relativo à Campanha de Comercialização de 1996/97;
III – Também não se pode verificar a responsabilidade do Estado, nos termos do artigo 9.º do Decreto n.º 48051, tendo por fonte a mesma conduta omissiva, agora enquanto conduta omissiva lícita, se não se encontra provada qualquer omissão juridicamente relevante.
Nº Convencional:JSTA00063252
Nº do Documento:SA1200601170441
Data de Entrada:04/19/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA.
Legislação Nacional:CPC96 ART515.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART9 N1.
Referência a Doutrina:ALMEIDA COSTA DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 9ED ALMEDINA 2001 PAG510.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em subsecção, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1.
1.1. A... e outros, todos com os sinais nos autos, intentaram, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, contra o Estado Português e o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (INGA), acção declarativa de condenação sob a forma ordinária para efectivação de responsabilidade civil extracontratual.
Alegaram, em síntese, que as penalizações que lhes foram aplicadas em virtude de terem excedido os limites da superfície de base regional de regadio fixados para a campanha de 96/97, nos termos do n.º 6 do art. 2.° do Regulamento (CEE) n.° 1765/92, resultaram de omissão e negligência do R. Estado. Estruturaram a sua alegação no facto do R. Estado ter apresentado à Comissão Europeia um Plano de Regionalização relativo à Campanha de Comercialização de 96/97 que reduzia para cerca de metade a área destinada às culturas arvenses de regadio que não o milho em relação às áreas declaradas para as mesmas culturas nos três anos precedentes (93/94, 94/95 e 95/96) e no facto de, não obstante ter tido conhecimento em Agosto de 95 de que o Plano apresentado daria origem a graves penalizações para os agricultores das culturas arvenses referidas, o R. Estado nada ter feito nem solicitado à Comissão Europeia a modificação ou alteração do status quo anterior.
Terminaram pedindo a condenação do R. Estado no pagamento de uma indemnização no valor global de Esc. 429.393.152$00 (correspondente à diferença entre os montantes pagos pelo INGA de Setembro de 96 a Março de 97 a título de pagamentos compensatórios e os montantes que seriam pagos aos AA. caso, na comercialização de 96/97, não tivessem ocorrido as penalizações referidas) acrescido de juros de mora vincendos sobre a quantia de Esc. 381.892.896$00, desde 01.02.98 até integral pagamento.
1.2. O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa começou por se declarar incompetente, por estar em causa matéria exorbitante da jurisdição administrativa, mas tal decisão foi revogada pelo acórdão deste STA de fls. 1336 e seguintes.
1.3. Por despacho saneador de fls. 1412 e segts., foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do R. INGA — Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, sendo ele absolvido da instância.
1.4. Os autores interpuseram recurso dessa decisão.
1.5. Por sentença de fls. 1921-1949, a acção foi julgada improcedente por não provada e o Estado Português absolvido do pedido.
1.6. Inconformados os autores deduziram recurso.
1.7. Sob convite, os recorrentes manifestaram manter interesse no recurso do despacho de fls. 1412.
1.8. As alegações produzidas no recurso do despacho de fls. 1412 culminaram com as seguintes conclusões (nesta, como nas demais transcrições, nem sempre se atende à formatação, marcações e notas de rodapé constantes no original):
1. Vem o presente recurso interposto da decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva do R. INGA absolvendo-o da instância nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artº. 288º do Código de Processo Civil.
2. Parte a decisão proferida de um pressuposto que radica numa diferença de tratamento legislativo entre a relação processual singular e as relações processuais plurais.
3. Porém, a solução inicialmente pensada e adoptada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95 de 12.12 foi abandonada pelo Decreto-Lei n.º 180/96 de 25.09.
4. Ou seja o legislador acabou por não estabeleceu diferenças entre o tratamento que conferiu à legitimidade no que respeita à relação processual singular e aquela que foi dispensada em relação às relações processuais plurais.
5. A titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência de uma relação jurídica (ainda para que, com base nela, se constituir, pela sentença — constitutiva -, nova relação jurídica entre as partes), pela titularidade das situações jurídicas (direito, dever, sujeição, etc.) que a integram: legitimados são então os sujeitos da relação jurídica controvertida, como estatui o n.º 3 do art.º 26.
6. E se é certo que o n.º 2 do art.º 4 do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967 refere que “se houver pluralidade de responsáveis é aplicável o disposto no art.º 497º do Código Civil”, ou seja, é solidária a sua responsabilidade, como muito bem refere o Tribunal a quo, deve dizer-se que o n.º 1 do art.º 517º do Código Civil não deixa margem para dúvidas: “a solidariedade não impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam por ele conjuntamente demandados”.
7. O Tribunal a quo referiu, com base no pressuposto que se explicitou que, “nenhum facto concreto’ referiram (os AA.J quanto a essa alegada participação ou colaboração. Como, em face de tudo o que acima se expôs, não baste alegar a existência da relação jurídica, é necessário concretizá-la através da alegação dos pertinentes factos, a inexistência destes no que tange à responsabilidade do INGA determina, não a ineptidão mas a ilegitimidade passiva deste réu”.
8. Mas se assim é, deveria o Tribunal a quo ter lançado mão do art.º 508º do C.P.C. e, em particular, do seu n.º 3, que deve ser interpretado em conjugação com a alínea b) do nº 1 da mesma disposição.
9. Como refere, aliás, a jurisprudência dominante:”O poder conferido ao juiz no artigo 508º, nº 3, do Código de Processo Civil é um poder-dever de prevenir as partes sobre as deficiências ou insuficiências das suas alegações ou do pedido, designadamente quando as partes, em vez de alegarem factos concretos, se limitam a usar de expressões com mero significado técnico-jurídico (Cfr. Ac. da Rel. Do Porto de 25.06.98 in Bol. do Mm. da Just., 478, 456).
10. Aliás, idêntica solução é adoptada pelo n.º 2 do art.º 265º do C.P.C. que refere sem margem para dúvidas que “O juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los”
11. Deste modo, sendo a ilegitimidade de alguma das partes excepção dilatória, nos termos e para os efeitos da alínea e) do art.º 494º do C.P.C. e pressuposto processual por aplicação do n.º 1 do art.º 288º, deveria o Juiz providenciar, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da eventual falta, nos termos do n.º 2 do art.º 265º, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância.
12. Uma vez que nada disto foi efectuado, a decisão em causa violou os preceitos citados nas conclusões da presente alegação, o que se alega para todos os efeitos legais.
Nestes termos e em face de todo o exposto,
Deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente por provado, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por outro que julgue improcedente a excepção de ilegitimidade passiva invocada pelo R. INGA ou que, subsidiariamente, determine o suprimento dos pressuposto processual da ilegitimidade nos termos e para os efeitos do n. 3 do art.º 288 aplicável ex vi do art. 265º n.º 2 do C.P.C. ou, em alternativa, que seja proferido despacho que convide os AA. ao suprimento da insuficiência/imprecisão na exposição da matéria de facto alegada nos termos e para os efeitos do art.º 508º do C.P.C., pois só assim será Direito e JUSTIÇA”.
1.9. O INGA contra-alegou, concluindo:
1. A questão da responsabilidade conjunta ou solidária não é relevante para a boa decisão do presente recurso que se deverá centrar somente na questão da legitimidade.
2. Ora, o Agravado INGA não tem, nos termos do art° 26° CPC, interesse directo em contradizer - já que nenhum pedido contra ele foi deduzido pelos Autores e ora Agravantes nem na p.i. nem na réplica, não lhe advindo da eventual procedência da acção qualquer prejuízo.
3. Se dúvida houvesse que não há, então subsidiariamente ter-se-ia que averiguar se face à causa de pedir, tal como ela é alegada pelos Autores e ora Agravantes e sempre articulado com o pedido deduzido, o Agravado INGA é ou não titular dessa relação.
4. Sendo que o Agravado INGA também não é titular da relação material controvertida tal como prefigurada pelos AA. e Agravantes uma vez que estes não imputam qualquer facto ilícito, nem assacam responsabilidade ao R. INGA ou dele pedem uma indemnização, mas sim exclusivamente ao R. Estado.
5. Não está em causa uma situação de insuficiência ou deficiência na exposição da matéria de facto alegada, mas uma situação de ilegitimidade que não comporta a aplicação do artigo 508°, n° 3 C.P.C (que de resto se traduz em um despacho não vinculado).
6. Ao admitir a aplicação do artigo 508°, n° 3 C.P.C. ao presente caso, permitir-se-ia uma alteração simultaneamente subjectiva e objectiva da instância, legalmente inadmissível.
7. A ineptidão é uma questão precípua à da aferição da legitimidade e respeita ao fundamento jurídico concreto do direito invocado ou da pretensão deduzida perante o tribunal, sendo que a sua apreciação positiva preclude a apreciação da questão da legitimidade, como resulta do estabelecido no artigo 288° C.P.C. e conjugado com o artigo 660°, n° 1 CPC.
8. Não faz sentido, salvo o devido respeito, estar-se a falar em insuficiência de factos e sanação dos mesmos nos termos do art° 508°, n° 3 CPC quando a mesma causa de pedir não foi posta em causa na relação com a pretensão deduzida a não ser metodologicamente e instrumentalmente para analisar e decidir da questão da legitimidade.
9. Daí ser igualmente insustentável o pedido de ou o convite a que alude o art° 508°, n° 3 C.P.C., porquanto directamente não se está a pôr em causa a insuficiência da causa de pedir como fundamento do direito invocado, mas apenas o interesse em contradizer por parte do R. INGA, face a esse pedido e essa causa de pedir.
10. Também não faz sentido, salvo o devido respeito, o pedido formulado pelos Agravantes em sede de recurso, de se determinar o suprimento do pressuposto processual da ilegitimidade nos termos e para os efeitos do n° 3 do artigo 288° C.P.C. aplicável ex vi do art° 265°, n° 2 do C.P.C. já que no caso em apreço não se está perante uma situação de litisconsórcio necessário.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se o despacho recorrido que julgou procedente a excepção de ilegitimidade invocada pelo R. INGA e ora Agravado, assim se fazendo JUSTIÇA”.

1.10. No recurso da sentença, concluem os recorrentes:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida a fls... que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o R. Estado do pedido contra si formulado pelos AA., e outros, todos com sinais nos autos.
2. Conforme ficou inequivocamente demonstrado pela resposta à matéria de facto dada pelo Tribunal a quo, pelo menos em finais de Outubro, princípios de Novembro de 1995, o Recorrido Estado dispunha de elementos estatísticos – confirmados, apurados e definitivos – que lhe permitiam verificar que iria ser superada a superfície de base regional de regadio na campanha subsequente de 1996/1997 (vide resposta ao quesito 29.º a contrario).
3. Mesmo antes da data acima indicada já o Recorrido possuía informações concretas e elementos que revelavam a mesma evidência (vide resposta ao quesito 29.º a contrario).
4. Pelo menos em final de Agosto de 1995, senão mesmo antes, o ora Recorrido Estado tinha conhecimento do total da área declarada por cada um dos agricultores (resposta ao quesito 8.º), ou seja:
· Possuía “informações” que acusavam o esgotamento da superfície de base de regadio (respostas aos quesitos 9.º e 29.º a contrario).
Efectivamente, tal superfície fora fixada no Plano de Regionalização referente à campanha de 1996/1997 em 235 400 ha, quando já na campanha de 1995/1996 as áreas totais declaradas no regadio eram da ordem dos 237 424 ha (resposta ao quesito 3.º).
· Sabia que fora largamente ultrapassada a superfície de base das culturas arvenses regadas que não o milho (resposta ao quesito 10.º).
Na realidade, tal superfície fora fixada no Plano de Regionalização referente à campanha de 1996/1997 em 40 400 ha, quando as áreas declaradas no âmbito dessas mesmas culturas vinham registando, mesmo sem incluir o pousio obrigatório, valores da ordem dos 58 650 ha, em 93/94, dos 74 086 ha, em 94/95 e dos 72 387 ha, em 95/96 (respostas aos quesitos 1.º, 2.º e 3.º).
5. Por conseguinte, em finais de Agosto de 1995, o Estado sabia que bastaria que fossem declaradas pelos produtores de culturas arvenses de regadio na campanha 96/97 áreas idênticas às registadas nos anos anteriores para que fossem aplicadas penalizações (resposta ao quesito 11.º).
6. Repare-se que uma vez esgotada qualquer margem de manobra no âmbito da superfície de base de regadio o Recorrido nem sequer poderia esperar prevalecer-se da faculdade teoricamente prevista no artigo 3.º, n.º 1, 3.º parágrafo do Regulamento (CEE) n.º 1765/92, na redacção introduzida pelo Regulamento (CE) n.º 231/94 do Conselho de 1994 (identificados, respectivamente, com os n.ºs 1 e 4 da compilação legislativa junta aos autos) transferindo a superfície que porventura não fosse atingida no milho para as outras culturas arvenses, contrariamente ao que pretende a decisão a quo.
7. Outros factores contribuíam ainda para agravar o cenário com que o ora Recorrido se deparou já em finais de Agosto de 1995:
· É que a cultura do milho de regadio vinha registando por si só desde a campanha de 93/94 um crescimento exponencial.
As superfícies declaradas para o milho de regadio eram da ordem dos 64 081 ha, em 93/94, dos 110 254 ha, em 94/95 e dos 146 610 ha, em 95/96 (respostas aos quesitos 1.º, 2.º e 3.º).
· No plano de regionalização elaborado para vigorar na campanha seguinte de 96/97 o Estado adoptou o propósito expresso de favorecer a cultura do milho de regadio, alterando as respectivas classes de rendimento (resposta aos quesitos 23.º e 24.º).Ou seja, para uma mesma área de milho de regadio declarada em 95/96 e em 96/97, a ajuda compensatória a receber em 96/97 poderia ser superior, o que inevitavelmente constituía um incentivo adicional para que os produtores investissem nesse tipo de cultura.
8. Como tal, se perante os elementos estatísticos disponíveis se impunha como incontroversa a superação da área de regadio na campanha de 1996/1997 (resposta ao quesito 29.º) e a correspondente aplicação de penalizações – o que já de si era suficientemente grave –, em rigor, nem sequer se poderiam razoavelmente colocar quaisquer dúvidas quanto à violência das penalizações que seriam infligidas aos produtores, como os ora Recorrentes AA.
9. Os controlos físicos das declarações apresentadas na campanha de 1995/1996 ficaram concluídos em Setembro de 1995; em finais de Outubro, princípios de Novembro desse mesmo ano o Estado possuía já elementos estatísticos definitivos de que iria ser superada a superfície de base de regadio na campanha de 1996/1997.
10. Tal conhecimento sobreveio, pois, em tempo útil para permitir ao Recorrido Estado verificar que o Plano de Regionalização enviado para Bruxelas para vigorar na campanha seguinte de 96/97 era flagrantemente desajustado à realidade, facultando-lhe, pois, larga margem de manobra para agir (pelo menos, mais de de oito meses, até 5 de Julho de 1996, data da publicação do Regulamento (CE) n.º 1300/96 fixou as superfícies de base regionais para Portugal).
11. Ora, se assim é (e cotejando as respostas aos quesitos supra identificados) não faz sentido referir, como o faz o Tribunal a quo, que « o R. Estado não estava em condições de emitir um juízo seguro sobre a probabilidade de superação da superfície de base do regadio».
12. Por outro lado, os A. têm entendimento contrário ao que refere o Tribunal a quo, quando diz que «os AA. não lograram provar que a revisão do plano por eles entendida como devida e que implicaria, forçosamente, o alargamento da superfície de base das outras culturas de regadio que não o milho para além dos 40.400 ha constantes do plano sob censura não traria mais desvantagens e prejuízos quer para o interesse público quer para o interesse dos produtores de outras culturas que não aquelas de que se ocupam, profissionalmente, os AA.».
13. É que, o ónus de prova dos factos referidos era do Recorrido Estado (tais factos foram, em conformidade, alegados pelo Estado nos art.ºs 75º e 77º da sua contestação, tendo dado origem aos quesitos 30º e 31º que foram considerados «não provados» pelo Tribunal a quo) pelo que era a este que incumbia a demonstração do facto positivo.
14. O que não se pode é pretender que esse facto possa resultar em desvantagem para os AA., principalmente quando o ónus do facto positivo contrário aos seus interesses processuais não lhes incumbia… (cfr. art.º 342º n.º 2 do Código Civil, preceito violado pela decisão proferida pelo Tribunal a quo).
15. O Tribunal a quo pretende caracterizar a possibilidade que o Recorrido Estado tinha de proceder à revisão do Plano como uma “discricionariedade de planeamento”, sendo certo que caberia aos ora Recorrentes e às respectivas associações representativas uma “participação preventiva” ou “participação constitutiva” na elaboração do plano.
16. Certo é que o Recorrido Estado desvalorizou a relevância da realidade, ou seja, dos dados relativos às superfícies individuais constantes dos pedidos de ajuda apresentados em campanhas anteriores, enquanto critério determinante na elaboração e revisão dos planos de regionalização, ao arrepio do artigo 2.º, n.º 6 do Regulamento (CEE) n.º 1765/92.
17. Uma vez adoptado um regime de superfícies de base separadas entre o regadio e o sequeiro, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1, 8.º parágrafo do Regulamento (CEE) n.º 1765/92, como é o caso português, a alocação de hectares entre as referidas superfícies quando não acompanhada de uma estrita conexão com evoluções estatísticas registadas em anos anteriores pode gerar consequências devastadoras para o rendimento dos produtores de culturas arvenses, já que a ultrapassagem de uma das referidas superfícies determinará a aplicação inelutável de penalizações, enquanto a inadequada utilização de uma delas nunca permitirá a transferência do respectivo excedente (ou seja, da parcela não utilizada) para a superfície superada.
18. Os “critérios adequados e objectivos” e a coerência a que os Estados-membros se encontram vinculados por força do artigo 3.º, n.º 4 do Regulamento (CEE) n.º 1765/92 na elaboração dos seus Planos de Regionalização não podem, pois, deixar de referir-se também aos elementos disponíveis relativos a campanhas anteriores, em conformidade, aliás com a jurisprudência comunitária sobre a matéria (vide, acórdão Matthias Witt, oportunamente citado na p.i. e para onde se remete por razões de economia processual).
19. Em conformidade, uma mera análise superficial do regime jurídico comunitário de apoio aos produtores de culturas arvenses demonstra à exaustão a importância inequívoca da necessidade de acompanhamento estatístico da evolução do sistema. (cfr. Regulamento (CEE) n.º 1664/93 da Comissão, de 29 de Junho de 1993 – preâmbulo e art.º 1º, Regulamento (CEE) n.º 3508/92 do Conselho, de 27 de Novembro de 1992, artigos 3º, 7º e 10.º)
20. São invariavelmente as áreas declaradas que são disponibilizadas por serem consideradas relevantes para efeitos estatísticos.
21. Não será, pois, por acaso que, aquando dos factos objecto do presente litígio, o IMAIAA possuía na sua estrutura orgânica múltiplos serviços operativos exclusivamente dedicados à recolha e tratamento de dados estatísticos necessários à gestão dos mercados agrícolas, como o que nos ocupa (v.g. a Direcção de Serviços de Informação dos Mercados e Estatística, compreendendo a Divisão de Metodologia da Recolha e Análise de Informação de Mercados, a Divisão de Coordenação e Controlo da Recolha e Difusão de Informação de Mercados, e a Divisão de Estatística; bem como a Divisão especializada de Cereais e Arroz no âmbito da Direcção de Serviços de Produtos Vegetais – artigos 18.º a 22.º do Decreto-Lei n.º 98/93, de 2 de Abril que aprovou a Lei orgânica do IMAIAA).
22. Ademais, bastará observar a evolução das áreas das superfícies de base regional ao longo de diversas campanhas de comercialização, tal como estabelecidas pelo Estado Português nos seus planos de regionalização e posteriormente fixadas por regulamento comunitário, para se constatar que as revisões de tais superfícies foram sempre promovidas pelo Estado com vista a acomodarem-se ao somatório das áreas declaradas em campanhas anteriores. Por exemplo:
· Durante a campanha de 1994/1995, o Estado Português solicitou a transferência de cerca de 58 000 da superfície de base de regadio (que era de 293 400 ha) para a de sequeiro, já que na campanha de 1993/1994 as culturas arvenses de regadio não tinham atingido os 136 261 ha [vide, Regulamento (CE) n.º1098/94, da Comissão de 11 de Maio – fotocopiado a fls. 77/n.º 35 da compilação -, bem como alíneas m) e n) da matéria assente e resposta ao quesito 1.º];
· Posteriormente, durante a campanha de 1997/1998, promoveu a revisão que poderia e deveria ter levado a cabo na campanha anterior de 1996/1997, de forma a obstar à aplicação de penalizações, a saber: a transferência de 53 200 ha da superfície de sequeiro para a de regadio! – vide Regulamento (CE) n.º 794/97 da Comissão, de 30 de Abril de 1997 que altera o Regulamento (CE) n.º 1098/94 que fixa as superfícies de base regionais aplicáveis no âmbito do sistema de apoio aos produtores de culturas arvenses, que esclarece, sem margem para dúvidas, no seu 4.º considerando, que «na sequência de um pedido de Espanha e Portugal devem ser fixadas novas superfícies de base em conformidade com o respectivo plano de regionalização» (n.º 38 da compilação legislativa junta aos autos).
23. Outros exemplos poderiam ser fornecidos, referentes a alterações efectuadas no decurso de campanhas mais recentes, que inevitavelmente inculcam a necessidade de adaptar o plano de regionalização às áreas declaradas em campanhas anteriores, o que não foi feito na campanha de 96/97, em violação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 48 051.
24. Só uma interpretação ampla, ainda que rigorosa, do conceito de ilicitude se afigura consentânea com a perspectiva garantística que informa a nossa Lei Fundamental, bem como com o princípio da responsabilidade da Administração Pública, consagrado no artigo 22.º da CRP como princípio estruturante do Estado de Direito. (cfr. o acórdão do S.T.A. de 29.02.96, relativo ao proc. n.º 38045; em sentido semelhante, vide acórdãos de 20.01.2000, proc. n.º 43794, de 17.02.98, proc. n.º 42065, de 21.11.96, proc. n.º 39162, etc.)
25. Com efeito, a moderna actividade administrativa deve pautar-se por critérios exigentes de eficiência e boa administração os quais são postulados pelos princípios da prossecução do interesse público e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, directamente impostos pelo legislador constituinte [artigo 266.º, n.º 1 da Constituição (CRP)] e positivamente acolhidos pelo legislador ordinário (artigo 4.º do Código de Procedimento Administrativo).
26. A ofensa dos referidos princípios possui consequências plenas em sede de responsabilidade civil do Estado – vide, nesse sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Revista do Ministério Público, n.º 86, pág. 13 e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E PACHECO DE AMORIM, in “Código de Procedimento Administrativo – Comentado”, 2.ª Edição, página 752 e artigo 93.º, n.º 1, alíneas b) e c) da CRP.
27. Conforme ficou bem demonstrado pela decisão do Tribunal a quo relativa à matéria de facto, o comportamento omitido, permitiria evitar penalizar todos os produtores de culturas arvenses irrigadas, sem sequer, evidentemente, prejudicar os produtores de sequeiro abrangidos pelo sistema de apoio.
28. A revisão do plano impunha-se, pois, como um dever primário de boa administração (cfr. acórdão do S.T.A. de 13.10.1999, R. 44 975
29. Acresce que o Recorrido podia e devia prever os prejuízos que resultariam do seu comportamento omissivo, pelo que este não poderá deixar de merecer a censura do direito, sendo de qualificar como um comportamento culposo (acórdão do S.T.A. de 20.01.200, proc. n.º 43794, acórdão do S.T.A. de 08.07.99, proc. n.º 43956, no mesmo sentido, por exemplo, o acórdão de 22.09.1996, Recurso n.º 34 034)
30. Cumpre ainda salientar que a tutela ressarcitória deve prevalecer mesmo que não tenha sido possível identificar em juízo o órgão ou agente individualmente responsáveis pelos danos, imputando o juízo de censura aos serviços globalmente considerados, pela não previsão do resultado como consequência possível da sua omissão de diligência (reconhecendo a culpa anónima ou dos serviços como fundamento de responsabilidade vide, na jurisprudência, os acórdãos do S.T.A. de 16.01.2002, proc. n.º 26526; de 19.12.2001; de 21.11.96, proc. n.º 39 162, etc. Na doutrina, DIOGO FREITAS DO AMARAL, in “Direito Administrativo - volume III”, Lisboa, 1989, pág. 503, e CARLOS ALBERTO CADILHA, op. cit., pág. 15).
31. É este o único entendimento compatível com a resposta dada ao quesito 11º que se reproduz pela sua importância:
“Nessa data [final de Agosto de 1995] o R. Estado teve conhecimento de que o plano de regionalização para a campanha de 1996/1997 poderia vir a causar penalizações aos produtores de culturas arvenses se fossem declaradas as mesmas áreas dos anos anteriores”
32. O artigo 1.º, n.º 4, 3.º parágrafo, in fine do Regulamento (CEE) n.º 2836/93 da Comissão, de 18 de Outubro de 1993, que estabelece normas de execução do Regulamento (CEE) n.º 1765/92 do Conselho no que respeita à gestão das superfícies de base regionais (n.º 20 do compêndio legislativo junto aos autos) estatui, sem margem para dúvidas que «o Estado-membro deve notificar os produtores logo que seja provável uma superação» [da superfície de base regional a que se refere o artigo 2.º, n.º 6 do Regulamento (CEE) n.º 1765/92].
33. Ora, a decisão a quo (vide respectivas págs. 25 e 26) interpreta inexplicavelmente a citada disposição, em óbvio desrespeito até do seu elemento literal, como um pretenso “dever de publicitação sobre o plano e sobre as consequências de uma eventual superação da superfície de base regional” - o que mais não seria que um esclarecimento redundante sobre o regime legal aplicável!
34. O folheto produzido pelo INGA, em Dezembro de 1995, que foi remetido a algumas Direcções Regionais de Agricultura e Associações do Sector [alínea k) da matéria assente e respostas aos quesitos 34 e 35], mais não é do que a explicação teórica simplificada do que já resultava directamente do regime – maxime, as regras e condições de elegibilidade das candidaturas – tal como disciplinado pelos actos comunitários aplicáveis e pelo Despacho Normativo n.º 49/95, de 5 de Setembro de 1995 que regulamentou, a nível nacional, a aplicação do sistema de apoio aos produtores de culturas arvenses, na campanha de comercialização de 1996/1997 (n.º 49 da compilação legislativa junta aos autos).
35. Repare-se que mesmo que a divulgação integral do conteúdo do plano aos agricultores houvesses sido feita – e não foi (cfr. resposta ao quesito 12) –, da análise desse documento (n.º 1 da Contestação do Estado) não permitiria aos AA. sequer suspeitar quanto às suas repercussões na campanha 96/97 – superação concreta das superfícies aí fixadas (cfr. respostas aos quesitos 5.º, 6.º e 7.º) pelo somatório das superfícies individuais para que é pedida ajuda compensatória!
36. É que apenas o Recorrido conhecia todas as variáveis do problema, i.e., somente o Estado dispunha, como era seu dever, em finais de Outubro, princípios de Novembro de 1995, de elementos estatísticos – confirmados, apurados e definitivos – que lhe permitiam verificar que iria ser superada a superfície de base regional de regadio na campanha subsequente de 1996/1997, por comparação com as áreas que havia estabelecido no seu Plano de Regionalização.
37. Perante, semelhante constatação o R. Estado poderia e deveria ter adoptado um de dois cursos de acção: ou promovia a revisão do plano de forma a obstar à aplicação de penalizações, ou, em derradeira instância, notificava os produtores que a superfície de base regional de regadio, bem como, por maioria de razão, a parcela relativa às culturas arvenses regadas que não o milho, com uma probabilidade próxima da certeza, iria ser superada!
38. Não obstante, como é consabido, o Recorrido Estado nada diligenciou, tendo actuado ilícita e culposamente, nos termos que acima se deixaram melhor descritos, bem como por violação do estatuído no artigo 1.º, n.º 4, 3.º parágrafo, in fine do Regulamento (CEE) n.º 2836/93.
39. O facto de o Estado (e na sua esteira a decisão a quo) vir invocar em sua defesa o número de potenciais beneficiários do regime (resposta ao quesito 33.º) só abona, ademais, a favor da respectiva falta de diligência e culpabilidade, porquanto, por um lado, o R. Estado é directamente financiando pelo orçamento comunitário para gerir as ajudas compensatórias, por outro lado, estavam apenas em causa os produtores de culturas arvenses de regadio – maxime que não o milho – e não foi o respectivo número que impediu o Recorrido Estado de comunicar a cada produtor, em Março de 1997, que havia sofrido uma penalização... (acórdão do S.T.A. de 29.02.96, proc. n.º 38045).
40. O n.º 7 do artigo 11.º do Regulamento (CEE) n.º 1765/92 (introduzido pelo Regulamento (CE) n.º 3116/94 do Conselho, de 12 de Dezembro de 1994 – n.º 7 da compilação legislativa junta aos autos) estabelece que, quanto às sementes oleaginosas, onde exista o risco de a respectiva superfície nacional de referência vir a ser superada de forma significativa, os Estados-membros podem limitar a superfície em relação à qual um produtor individual pode receber os pagamentos compensatórios para as sementes oleaginosas.
41. Porém, esse limite deve ser comunicado aos produtores invariavelmente antes do início da respectiva sementeira, de forma a não prejudicar os rendimentos com que estes estão legitimamente a contar quando decidem produzir aquela cultura.
42. O Regulamento (CE) n.º 333/95 da Comissão, de 17 de Fevereiro de 1995 que veio estabelecer, no decurso da campanha de comercialização 1995/1996, normas de execução quanto ao normativo previsto no referido n.º 11 do artigo 7.º do Regulamento (CEE) n.º 1765/92, vem clarificar esse escopo de forma categórica, maxime, no seu artigo 2.º, n.º 2.
43. O momento em que deveria ter sido promovida a notificação dos produtores de culturas arvenses de regadio, sobretudo dos produtores de culturas arvenses regadas que não o milho, por força do artigo 1.º, n.º 4, 3.º parágrafo, do Regulamento (CEE) n.º 2836/93, como indica a própria letra e o impõe a interpretação sistemática do preceito, seria “logo” que fosse “provável” a superação – ou seja, no máximo, em fins de Outubro/princípios de Novembro de 1995, a tempo de acautelar as sementeiras de Outono/Inverno de 1995/1996, bem como as sementeiras da Primavera de 1996!!
44. Assim, qualquer alerta quanto à probabilidade de aplicação de penalizações na campanha de 96/97 que fosse porventura levado a cabo após as sementeiras de Primavera de 1996, fosse aleatoriamente através da imprensa, fosse através de comunicações às Associações do sector, quando as penalizações já eram um facto consumado, revelar-se-ia, como é de toda a evidência, manifestamente irrelevante e ineficaz!
45. Em todo o caso, se dúvidas subsistissem quanto à interpretação da disposição comunitária em apreço, o que, de resto, não se concede e por mera cautela da patrocínio se pondera, este Ilustre Tribunal poderia suspender a instância, com vista a recorrer à faculdade que o artigo 234.º do Tratado Institui a Comunidade Europeia concede aos juizes nacionais com vista a assegurar a aplicação uniforme do direito comunitário em todos os Estados-membros, a saber, o mecanismo de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
46. Note-se, aliás, que os dados de que resultaram as penalizações foram fornecidos às instituições comunitárias pelo próprio Estado. Será que nem nesse momento era exigível ao Estado, “fazer as contas”? Ou soube da superação pela imprensa?
47. Por outro lado, quando o Recorrido já há muito dispunha de elementos que lhe permitiam verificar que iria ser superada a superfície de base regional de regadio na campanha de 1996/1997 (reposta ao quesito 29.º), tendo em conta a superfície por si fixada no Plano de Regionalização, mais não fez que flexibilizar as condições de elegibilidade das candidaturas ao sistema de apoio para essa mesma campanha, ou seja, promover as sementeiras de culturas arvenses de regadio, “em consequência da situação de intempérie verificada nos últimos meses” !! [cfr. o Despacho do Ministro da Agricultura, de 13.02.96, fotocopiado a fls. 82 – al. e) da matéria assente]
48. Assim, os produtores que não houvessem conseguido realizar as culturas arvenses de Outono-Inverno «como haviam previsto» - (disposição claramente subjectiva que atribui enorme margem de manobra aos produtores), viram-se, pois, incentivados a aumentar as áreas de cultivo!!
49. Neste ponto, o Estado não só revelou uma falta de diligência verdadeiramente grosseira, senão mesmo leviana, por desconsiderar as consequências inelutáveis que essa conduta ocasionaria na esfera jurídica dos produtores, como violou ostensivamente os princípios da boa fé e da tutela da confiança, ínsitos no conceito de Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP, sobre os quais se devem estribar as relações jurídico-administrativas.
50. A violação do princípio da boa fé em circunstâncias como as presentes, designadamente, em conjugação com a adopção dos restantes comportamentos ilícitos que acima se descreveram e considerando, ademais, a amplitude com que o mesmo se encontra consagrado no 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo, não pode deixar de gerar consequências plenas em sede de responsabilidade civil do R. Estado, com o consequente dever de indemnizar os AA. pelos danos assim ocasionados (neste sentido, vide MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E PACHECO DE AMORIM, in “Código de Procedimento Administrativo – Comentado”, 2.ª Edição, página 115, ponto VI.).
51. O comportamento ilícito e culposo perpetrado pelo R. Estado ocasionou os prejuízos directos na esfera patrimonial do AA. que já se deixaram oportunamente evidenciados, resultantes da diferença entre os montantes efectivamente recebidos e aqueles que seriam devidos não fora a aplicação das penalizações controvertidas (vide artigos 69.º e 95.º da p.i.);
52. Não podem, ainda, deixar de merecer tutela ressarcitória, tanto os prejuízo causados como os benefícios que os AA. deixaram de obter em consequência da lesão nos termos pormenorizados no artigo 110.º da p.i., no valor global de 2 141 804,01 Euros (Esc. 429 393 152400), acrescido de juros de mora vincendos sobre a quantia de 1 904 873,73 Euros (Esc. 381 892 896$00), desde 01.02.98 até efectivo e integral pagamento.
53. Os Recorrentes demonstraram todos os danos (resposta aos quesitos 14, 16 e 18), sendo que a indemnização peticionada pelos ora Recorrentes na sua p.i. (Esc. 429.393.152$00) corresponde à diferença entre os montantes pagos pelo INGA de Setembro de 1996 a Março de 1997 a título de pagamentos compensatórios e os montantes que seriam pagos aos ora Recorrentes caso não tivessem ocorrido as penalizações referidas, acrescido de juros de mora vincendos sobre a quantia de Esc. 381.892.896$00, desde 01.02.1998 até integral pagamento.
54. O Supremo Tribunal Administrativo tem pacificamente acolhido na sua jurisprudência a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus/Lehermann, tal como consagrada no artigo 563.º do Código Civil (cfr., a título exemplificativo, os acórdãos do S.T.A. de 27.01.87, proc. n.º 23963; de 13.10.98, proc. n.º 43138; de 04.07.2000, proc. n.º 44949; de 26.09.2002, proc. n.º 0487/02, etc.).
55. tal como se demonstrou ao longo das presentes alegações, as violentas penalizações infligidas aos AA., constituíram o efeito exclusivo e directo do infeliz e lamentável comportamento omissivo do Estado, maxime, da inexplicável recusa em promover a revisão do plano em tempo útil.
56. Mais ainda, a conduta ilicitamente omitida seria suficiente para afastar integralmente os danos sofridos por centenas de produtores de culturas arvenses, entre eles os AA. ora Recorrentes.
57. Na realidade, a experiência posterior veio até demonstrar, em concreto, que a revisão do plano era adequada para prevenir a aplicação de penalizações.
58. Com efeito, durante a campanha de 1997/1998, o R. Estado promoveu a revisão que poderia e deveria ter levado a cabo na campanha anterior de 1996/1997, a saber: a transferência de 53 200 ha da superfície de sequeiro para a de regadio! – vide Regulamento (CE) n.º 794/97 da Comissão, de 30 de Abril de 1997 que altera o Regulamento (CE) n.º 1098/94 que fixa as superfícies de base regionais aplicáveis no âmbito do sistema de apoio aos produtores de culturas arvenses, que esclarece, sem margem para dúvidas, no seu 4.º considerando, que «na sequência de um pedido de Espanha e Portugal devem ser fixadas novas superfícies de base em conformidade com o respectivo plano de regionalização» (n.º 38 da compilação legislativa junta aos autos).
59. Tal alteração, como outras da mesma natureza até então e posteriormente efectuadas, era perfeitamente possível com integral respeito pelo critério do rendimento médio histórico a que alude o artigo 3.º, n.º 6 do Regulamento (CEE) n.º 1765/92, tendo como tal sido foi aprovada pela Comissão Europeia e obviamente aplaudida por toda a comunidade de produtores de culturas arvenses.
60. As únicas objecções até aí suscitadas pela Comissão Europeia relativamente ao Plano de Regionalização elaborado pelo R. Estado se prendiam com os critérios empregues na fixação das classes de rendimento das parcelas relativas à parte sul do país e não com a determinação das superfícies de base regionais, relativamente às quais o R. Estado dispunha da já demonstrada margem de manobra no âmbito da superfície global de 1 054 000 hectares (vide preâmbulos das Decisões da Comissão 94/286/CE de 22 de Abril de 1994 e 95/27/CE de 9 de Fevereiro de 1995, respectivamente, n.ºs 34 e 36 da compilação legislativa junta aos autos).
61. Encontram-se cumulativamente reunidos, à exaustão, todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil do Recorrido Estado por factos ilícitos, bem como a correspondente tutela ressarcitória dos AA. ora Recorrentes.
62. Por outro lado, e como tivemos ocasião de verificar, lograram os AA. ora Recorrentes demonstrar a totalidade dos factos necessários para considerar a acção integralmente procedente, sendo certo que o Recorrido Estado não demonstrou os factos impeditivos que alegou nos seus articulados e que inequivocamente lhe incumbia demonstrar, segundo as regras do ónus da prova.
63. Mesmo que assim não se entendesse – o que obviamente não se concede e apenas se pondera por dever de patrocínio – sempre o R. Estado teria de ser chamado a ressarcir os AA., por força do artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48 051.
64. Ora, por um lado, não restam dúvidas que a omissão do Recorrido Estado, a entender-se que visava a prossecução de um qualquer interesse público que não o dos produtores de culturas arvenses, deixou deliberadamente desprotegidos um grupo restrito de cidadãos – os produtores de culturas arvenses de regadio – maxime que não o milho.
65. Tais produtores, nomeadamente os AA. ora Recorrentes, foram destinatários imediatos do acto (omissão) impositivo do sacrifício.
66. Ora, conforme se deixou acima referido, aos AA. foram infligidas penalizações de uma violência sem paralelo – estes viram-se subitamente confrontados, na sua maioria, com o constrangimento de ter de gerir as suas vidas com cerca de metade do rendimento anual com que legitimamente contavam e do qual dependiam !!
67. Face à especialidade e anormalidade dos prejuízos sofridos, os lesados deverão, por imperativo legal e constitucional, ser integralmente indemnizados.
68. A decisão recorrida violou os preceitos e princípios citados nas conclusões das presentes alegações.
Nestes termos e nos demais de Direito cujo Douto suprimento se espera e invoca, deve o presente recurso ser julgado integralmente procedente, revogando-se a decisão recorrida e condenando-se o R. Estado ao pagamento de uma indemnização adequada conforme peticionado na p.i., com custas, procuradoria e o mais que for de lei a seu cargo, pois só assim será Direito e JUSTIÇA”.
1.11. Contra-alegou o Estado, representado pelo Ministério Público, concluindo:
I - Com a presente acção, os AA., "A..." e Outros, pretendiam obter a condenação do R. Estado Português no pagamento de uma indemnização por alegados prejuízos que invocam ter sofrido em virtude das penalizações aplicadas nos termos do art. 2º n.º 6 do Regulamento (CEE) 1765/92, do Conselho, de 20/06/92, e do art. 1º do Regulamento (CEE) 2836/93, da Comissão, de 18/10/93, relativas à campanha de comercialização de 96/97.
II - Para o efeito, invocaram ter o R. Estado Português omitido um dever de agir que consistiria na falta de elaboração adequada do Plano de Regionalização da campanha de 96/97, na falta de revisão em tempo útil da superfície de base regional fixada no mesmo Plano e na falta de notificação individualizada de cada agricultor da superação daquela superfície de base regional no decurso da campanha de 96/97.
III - Na óptica dos AA., tal constituiria acto ilícito por alegadamente violar o disposto no art. 1º n.º 4 do Regulamento (CEE) 2836/93, da Comissão, de 18/10/93, no art. 3º, n.ºs 4 e 5, e no art. 10º do Regulamento (CEE) 1765/92, do Conselho, de 20/06/92, e bem assim os princípios gerais da boa fé e da confiança legítima dos administrados e as regras de prudência comum que o Estado Português deve respeitar segundo o princípio da boa administração.
IV - Segundo os AA., a alegada omissão seria imputável aos serviços do R. Estado Português a título de culpa funcional, por não terem actuado com diligência e zelo na preparação e elaboração do Plano de Regionalização da campanha de 96/97 e não terem prevenido o resultado desfavorável aos AA.
V - Os AA. computaram o valor dos prejuízos que alegaram ter sofrido, pela diferença entre os montantes pagos pelo INGA a título de pagamentos compensatórios, de Setembro de 1996 a Março de 1997, e os montantes que alegadamente lhes teriam sido pagos na campanha de 96/97, caso não tivessem ocorrido as penalizações previstas no n.º 6 do art. 1º do Regulamento n.º 1765/92 e n.º 4 do art. 1º do Regulamento n.º 2836/93.
VI - Consideraram os AA. verificado o nexo de causalidade entre o facto e os danos invocando que, se não fosse a omissão do Estado, não se teriam verificado os danos pois não se teriam aplicado as referidas penalizações, nem era previsível que se aplicassem.
VII - A título subsidiário, os AA. invocaram ainda considerar estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade do R. Estado Português por acto lícito.
VIII - Por douta sentença proferida em 27/10/2003, de fls. 1921 a 1949 dos autos à margem referenciados, foi julgada improcedente por não provada a acção intentada pelos AA., e, em consequência, o R. Estado Português, foi absolvido do pedido.
IX - Considerou o Mm.º Juiz "a quo" - e bem - que os AA. não haviam logrado provar nem a alegada existência de omissão ilícita e culposa por parte do R. Estado Português, nem do alegado dano que reputam causado pela conduta administrativa sob censura, nem a alegada existência de nexo de causalidade entre a alegada omissão e os alegados danos, nem sequer a alegada responsabilidade por facto lícito.
X - É dessa douta sentença que vem interposto pelos AA. o presente recurso jurisdicional.
XI - Pretendem os AA., Recorrentes, a revogação da douta sentença proferida pois defendem que lograram provar o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil do Estado por facto ilícito e que, mesmo que assim se não entendesse, que provaram todos os requisitos da responsabilidade do Estado por facto lícito.
XII - Porém, os AA., Recorrentes, não lograram provar a alegada violação do dever de cuidado do R., Estado Português, quer na elaboração do plano de regionalização da campanha de 96/97, quer na ausência de revisão do mesmo (vide as respostas dadas pelo Tribunal aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 29, 12, 20, 21, 22 e 23); os AA., Recorrentes, não lograram provar a alegada violação pelo R., Estado Português, do dever de notificação da provável superação da superfície de base das culturas arvenses de regadio, ínsita no parágrafo 3º do n.º 4 do art. 1º do Regulamento (CEE) n.º 2836/93 da Comissão, de 18 de Outubro de 1993 (vide as respostas dadas pelo Tribunal aos quesitos 8, 9, 10, 11, 29, 12, 20, 32, 34, 35 e 36); os AA., Recorrentes, não lograram provar a alegada violação do princípio da boa fé e da confiança legítima consagrado no n.º 2 do art. 266º da Constituição da República Portuguesa e no art. 6º-A do CPA, através da prolação pelo R. Estado do Despacho Normativo publicado no DR em 28.02.96 (através do despacho publicado no D.R. em 28.02.96, o R. Estado promoveu a adequação do sistema de apoio aos produtores de culturas arvenses na campanha de 96/97 à situação de intempérie então verificada, não sendo lícito inferir desse despacho quaisquer conclusões quanto à eventual superação ou não da superfície de base de regadio no âmbito do regime comunitário de ajudas compensatórias aos produtores de culturas arvenses de regadio e como tal não tendo os AA. demonstrado a verificação dos requisitos de aplicação dos princípios que pretendem ter sido violados);
XIII - Não lograram, assim, os AA., provar a alegada existência de omissão ilícita e culposa por parte do R. Estado Português.
XIV - Os AA., Recorrentes, não lograram também provar a existência dos alegados danos.
XV - Os AA., Recorrentes, não lograram igualmente provar a existência de nexo de causalidade entre a alegada omissão e os alegados danos.
XVI - Dado que os AA., Recorrentes, não demonstraram a existência de nexo de causalidade entre a alegada omissão e os alegados danos, nem a existência destes, ficou prejudicada a alegação da responsabilidade do R., Estado Português, por facto lícito, sendo certo que igualmente não demonstraram ter sofrido prejuízos especiais e anormais.
XVII - Ao invés do pretendido pelos AA., Recorrentes, na preparação do Plano foram cumpridos os critérios comunitários, "pertinentes e objectivos" quer na determinação das superfícies de base, quer no estabelecimento das regiões de rendimento.
XVIII - A divisão da superfície de base do regadio em duas superfícies distintas, uma para o milho e outra para as oleaginosas e outros cereais de regadio, teve por objectivo fixar rendimentos mais consonantes com as produtividades reais das diversas culturas, pois nos anos anteriores houvera sobreavaliação de rendimentos de outras culturas regadas que não o milho.
XIX - A fixação de uma superfície de base (SB) mais elevada para o milho teve por referência a superfície registada no período de 1989 a 1991, e tendo ainda em consideração o disposto no Reg. 231/94, do Conselho, de 24/01, que refere que se a superfície de base do milho não fosse atingida numa campanha, o respectivo saldo de hectares fosse reatribuído para essa mesma campanha à superfície de base das outras culturas arvenses de regadio que não o milho.
XX - Ao invés do pretendido pelos AA., Recorrentes, o que ficou provado foi que, quando o Estado elaborou o Plano de Regionalização das culturas arvenses, enviado à Comissão da EU em Junho de 1995, os dados conhecidos eram referentes às campanhas de 93/94 e 94/95 (quesitos 1 a 5) e não indicavam qualquer superação da superfície de base de regadio, fixada em 235,400 ha.
XXI - Ficou igualmente provado que aquando da elaboração do Plano, o Estado divulgou o respectivo Projecto pelas organizações agrícolas representantes dos interesses dos produtores, tendo-o remetido à CAP, à CONFAGRI, à ANPROMIS e à ANPOC e tendo efectuado uma reunião em Maio de 95 com representantes dessas associações no IMAIAA; que essas organizações agrícolas, como representantes dos interesses dos produtores, participaram na discussão do mesmo, tendo de tal resultado alterações ao Plano quanto às classes de rendimentos, conforme solicitado por essas associações, que nada opuseram à repartição da S.B. de regadio entre o milho e outras culturas arvenses, ou sugeriram sobre aumento da superfície de base de regadio.
XXII - Que o Estado divulgou as regras do Plano, por forma a explicitá-las na sua essência, nas suas linhas fundamentais, em linguagem acessível, quer pelas Direcções Regionais de Agricultura, que as divulgaram e explicitaram, quer pelas associações de agricultores às quais remeteu designadamente o folheto explicativo indicado em K) da especificação, que é claro quanto às classes de rendimentos, à superfície de base nacional, à sua divisão em sequeiro e regadio, e dentro desta, entre o milho e outras culturas arvenses, às penalizações por eventual superação das superfícies de base (S.B.) e/ou do rendimento histórico (mecanismo corrector).
XXIII - Os agricultores compreenderam-no, dados até os termos claros e bem acessíveis em que vem explicitado na "Revista do Agricultor" n.º 82/83, Nov/Dez 95, que é publicada pela CAP, pelo que, antes de tomarem as suas livres decisões de produção, sabiam que o sistema tem ínsito o risco de aplicação de penalizações, designadamente por superação da superfície de base nacional.
XXIV - Dependendo as áreas cultivadas anualmente da livre decisão individual dos produtores que participam neste regime de ajudas, é impossível ao Estado figurar que superfícies vão os produtores no seu conjunto realizar em cada campanha, pois as áreas semeadas com culturas arvenses, podem variar em cada campanha com grande facilidade, dado tratarem-se de culturas anuais, não sendo tão relevante a cultura do ano anterior para a decisão da cultura que vão realizar no ano seguinte mas sim o valor da ajuda concreta em cada ano.
XXV - Não sendo, por isso, legítimo que o Estado viesse a solicitar modificações ao Plano, que levariam a alterações a nível de rendimentos, com efeito na própria campanha, após a sua publicação e divulgação pelos produtores.
XXVI - Os AA., Recorrentes, não demonstraram que em Agosto de 95 o Estado tivesse conhecimento das áreas determinadas, apesar de ter efectuado nesse mês pagamentos antecipados de 50% do valor da ajuda, pois àquela data as declarações individuais dos produtores não estavam tratadas estatisticamente.
XXVI - Os dados que o Estado conhecia posteriormente em Setembro de 95 não indicavam superação da superfície de base, antes demonstravam existir uma margem de 4 mil hectares no regadio, caso se verificassem na campanha de 96/97 os mesmos valores da campanha anterior (cfr. o doc. junto pelo Estado sob o n.º 16).
XXVIII -O prazo da apresentação das declarações da campanha de 96/97 só terminou em 15/06/96, só então se iniciando o tratamento informático e os controlos de tais declarações individuais, pelo que seria de todo impossível saber em Novembro de 1995, que iriam ocorrer penalizações por superação da superfície de base na campanha de 96/97.
XXIX - O Estado não se atrasou a efectuar pagamentos compensatórios, porque os pagamentos que devem ser efectuados de 16/10 a 30/12 são os pagamentos aos produtores dos regimes de ajuda simplificado e geral das culturas arvenses, e já não o dos produtores de oleaginosas, que é o caso dos AA., cujo pagamento final apenas poderia ser efectuado após a publicação do valor de referência final que está dependente de publicação de regulamento que ocorre no primeiro trimestre do ano seguinte - cfr. o Reg. da Comissão n.º 272/97, de 14/02, que fixa o valor unitário final da ajuda aos produtores de oleaginosas para a campanha em causa, de 96/97.
XXX - Um aviso aos produtores da superação da superfície de base está indissociado da obrigação de retirada extraordinária de terras na campanha seguinte, a que os mesmas estavam obrigados, tanto assim que com a nova reforma - Regulamento CE n.º 1251/99, do Conselho, de 17/05, e Regulamento 2316/99, da Comissão, de 22/10 - deixou de ser obrigatório o set-aside extraordinário e bem assim a comunicação aos produtores por superação da superfície de base. Com a publicação do regulamento CE n.º 1598/96 que derrogou aquela obrigação para a campanha seguinte, 97/98, tornou-se ineficaz uma notificação formal a todos os produtores de que a S.B. seria superada. Por outro lado, notificar os produtores em Outubro de 1995, como os AA. pretendem, de uma provável superação da S.B. de regadio, quando tal não correspondia à realidade, era descabido, podendo até levar os produtores a efectuar retirada extraordinária de terras (set-aside extraordinário), quando a tal não eram obrigados.
XXXI - Logo que teve conhecimento da superação, o Estado, através do INGA, deu conhecimento de tal às Direcções Regionais de Agricultura e às associações dos agricultores, para fazer chegar tal informação aos agricultores, como se vê dos documentos juntos pelo Estado sob doc.s n.ºs 17 a 25.
XXXII - A alteração do Plano por transferência da área de base do sequeiro para o regadio, como os AA., Recorrentes, pretendem, por forma a evitar as penalizações ocorridas na campanha de 96/97, em aplicação do art. 2º do reg. 1765/92, por superação da S.B. de regadio, não tem qualquer sustentação:
a) qualquer iniciativa do R. Estado no sentido de introduzir alterações ao Plano, com incidência na própria campanha, apenas seria legítima se não conduzisse a alterações nas classes de rendimento, já que os produtores fizeram as suas opções culturais com base nos rendimentos definidos antes das sementeiras, amplamente divulgados e que eram do seu conhecimento. A apresentação de uma proposta de modificação do Plano, através de uma mera passagem da área de S.B. de sequeiro para regadio, sem qualquer ajustamento nas classes de rendimento, não seria aceite pela Comissão da U.E.;
b) admitindo, por absurdo, que a Comissão da U.E. aceitava a proposta referida, de transferência de área de S.B. de sequeiro para regadio sem qualquer ajustamento nos rendimentos, tal situação levaria à penalização por aplicação do disposto no n.º 6 do art. 3º do reg. 1765/92, pelo facto de o rendimento médio e a produção implícita nos pedidos de ajuda, que deixavam de estar sujeitos à aplicação de penalização prevista no art. 2º do Reg. 1765/92, ser superior ao rendimento histórico x a produção total obtida pelo produto da superfície de base nacional e o rendimento histórico.
XXXIII - A aplicação deste mecanismo corrector conduziria a uma penalização no ano seguinte de todos os agricultores, não só de regadio como de sequeiro, na ordem de 21% sobre o valor total das ajudas, de montante muito superior do que o que resultou das penalizações por superação da superfície de base.
XXXIV - Consequentemente, e ao invés do que os AA., Recorrentes, pretendem, não haveria qualquer vantagem para a maioria dos agricultores em o Estado propor a alteração do Plano com efeitos na própria campanha, pelo que não se justificava qualquer intervenção do Estado nesse sentido.
XXXV - Os AA., ora Recorrentes, não demonstraram a verificação dos pressupostos ilicitude, culpa, nexo de causalidade e danos.
XXXVI - Termos em que, por não se verificarem os pressupostos do dever de indemnizar por facto ilícito, a presente acção devia, como o foi, ser julgada totalmente improcedente e o R. Estado Português integralmente absolvido do pedido.
XXXVII - Quanto ao pedido subsidiário, de condenação do Estado a título de responsabilidade por facto lícito, os AA., Recorrentes, não demonstraram ter sofrido prejuízos, quanto mais prejuízos especiais e anormais com a actuação do Estado: com efeito, a diminuição do montante de ajudas que os AA., produtores de regadio, esperavam receber por aplicação do n.º 6, 1º travessão, do art. 2º do Regulamento n.º 1765/92, não se deveu à separação da superfície de base entre o milho e as outras culturas arvenses, constante do Plano, mas sim a ter-se verificado naquela campanha uma área de regadio superior à superfície de base, o que foi resultante das opções de cultura dos produtores nessa campanha, entre os quais os AA.
XXXVIII - Pelo que, também quanto à vertente da invocada responsabilidade do Estado por acto lícito, devia, como o foi, a presente acção ser julgada totalmente improcedente.
XXXIX - A douta sentença em apreciação fez correcta interpretação e aplicação do direito, não tendo sido violada qualquer norma legal ou princípio.
XL - Deve, pois, ser negado provimento ao recurso dos AA, confirmando-se a douta sentença recorrida”.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
2.
2.1.1. A sentença considerou provado:”A. Quanto aos factos.
l - Na presente acção considero provados por terem sido dados como assentes por despacho de condensação de fls. 1425 os segs. dos autos e com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. Os AA. são agricultores, dedicando-se, entre outras actividades agrícolas, à produção de culturas arvenses (cfr. al. a) da matéria de facto assente).
2. Em 08.04.93 foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, Regulamento (CE) n.° 845/93, de 7 de Abril de 1993, fixando as superfícies de base regionais aplicáveis no âmbito do sistema de apoio aos produtores de determinadas culturas arvenses, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. al. b) da matéria de facto assente).
3. Em 12.05.94 foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, o Regulamento (CE) n.° 1098/94, de 11 de Maio de 1994, fixando as superfícies de base regionais aplicáveis no âmbito do sistema de apoio aos produtores de certas culturas arvenses, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. al. c) da matéria de facto assente).
4. Em 17.02.95 foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, a Decisão da Comissão de 09.02.95, relativa ao plano de regionalização apresentado por Portugal no âmbito do Regulamento (CEE) n.° 1765/92, do Conselho, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. al. d) da matéria de facto assente).
5. Em 28.02.96 foi publicado no D.R. II Série, o Despacho do Ministro da Agricultura de 13.02.96, relativo à alteração do sistema de apoio aos produtores de culturas arvenses para a campanha de 1996/97 "em consequência da situação de intempérie verificada nos últimos meses", cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, (cfr. al. e) da matéria de facto assente)
6. Em 06.07.96 foi publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias o Regulamento (CE) n.° 1300/96, de 5 de Julho, que alterou o Regulamento referido supra em 3., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. al. f) da matéria de facto assente).
7. Pelo Instituto dos Marcados Agrícola e Indústria Agro-Alimentar foi elaborado, em Junho de 1995, o Plano de Regionalização para as Culturas Arvenses para a campanha de 1996/1997, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. al. g) da matéria de facto assente).
8. No referido projecto, a superfície de base (no continente) das culturas de milho foi separada da superfície de base das outras culturas arvenses de regadio, com atribuição de 194.994 ha para as culturas de milho e 40.414 ha. para as outras culturas arvenses de regadio (cfr. al. h) da matéria de facto assente).
9. Pelo menos em Junho o projecto foi remetido à Comissão (cfr. al. i) da matéria de facto assente).
10. O Estado português não efectuou nem diligenciou por qualquer alteração ao projecto (cfr. al. j) da matéria de facto assente).
11. Em Dezembro de 1995, o INGA publicou, em folheto, instruções relativas à campanha de 1996/1997, dele constando informação quando à ultrapassagem da superfície mínima garantida de oleaginosas e sobre a superfície e sua ultrapassagem de base nacional (cfr. al. k) da matéria de facto assente).
12. No que respeita à campanha de 93/94, a área de base regional aplicável foi fixada pelo Regulamento (CEE) n.° 845/93, da Comissão, de 07.04.93, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cfr. al. l) da matéria de facto assente).
13. Pelo Regulamento n.° 1098/94, da Comissão, de 11 de Maio de 1994, foram alteradas as superfícies de base regional (cfr. al. m) da matéria de facto assente).
14. A redução da área de regadio, com transferência para a área de sequeiro, nos termos que constam do Regulamento referido em 12. foi feita a pedido de R. Estado (cfr. al. n) da matéria de facto assente).
15. O Estado efectuou pagamentos compensatórios aos AA. da campanha de 1996/1997, entre Março e Setembro de 1997 (cfr. al. o) da matéria de facto assente).
Considero provados por documentos juntos aos autos e por depoimentos de testemunhas os seguintes factos:
II - Quanto à elaboração do plano de regionalização para a campanha de 1966/1997, foi provado que:
16. Em 1993, foram declarados, para o milho 64.081 ha., para as oleaginosas e outras culturas arvenses 58.650 ha. e para pousio obrigatório 13.530 ha. (cfr. resposta ao quesito 1.°). •
17. Em 1994, o milho ocupou 155.553 ha., as oleaginosas e outras culturas arvenses 71.447 ha. e o pousio obrigatório 16.292 ha. (cfr. resposta ao quesito 2.°).
18. Em 1995, o milho ocupou 146.610 ha., as oleaginosas e outras culturas arvenses 72.387 ha. e o pousio obrigatório 18.427 ha. (cfr. resposta ao quesito 3.°).
19. Em Junho de 1995, foi elaborado pelo Instituto dos Mercados Agrícolas e Indústria Agro-Alimentar (IMAIAA), do Ministério da Agricultura, um "projecto de plano de regionalização para a campanha de 1996/1997" (cfr. doc. de fls. 305 e segs.).
20. Do projecto constava, nomeadamente, a divisão da superfície de base do regadio (235.400 ha) em duas superfícies distintas, a saber: para o milho 194.994 ha; para as restantes produções do regadio, 40.400 ha.
21. Tal projecto foi remetido às seguintes organizações agrícolas, nas datas indicadas: Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) - 05.05.95; Confederação Nacional de Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (CONFAGRI) - 23.05.95; Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS) - 18.05.95 - e Associação Nacional dos Produtores de Cereais (ANPOC),(cfr. respectivamente, docs. de fls. 368 a 376) (cfr. resposta ao quesito 20.°).
22. Em 25.05.95 teve lugar no IMAIAA uma reunião, na qual estiveram presentes representantes da CAP, ANPOC e ANPROMIS (cfr. docs. de fls. 377 a 383) (cfr. resposta ao quesito 21.°). l
23. Essas organizações apresentaram sugestões de alterações ao referido projecto, apenas em matéria de classes de rendimento (cfr. doc. de fls. 381) (cfr. resposta ao quesito 22.°).
24. Tais organizações não apresentaram qualquer proposta de alteração em matéria de área e divisão da superfície de base regional do regadio, tal como constava do projecto em apreço (cfr. doe. de fls. 381) (cfr. resposta ao quesito 22.°).
25. Segundo o doc. de fls. 741, elaborado pelo IMAIAA, "As opiniões manifestadas pelas associações, na reunião, vêm de encontro às nossas intenções, que consistem em privilegiar a cultura do milho em detrimento da cultura do girassol, no sentido de aproveitarmos o nosso potencial produtivo da melhor forma sem gerar penalizações nos rendimentos atribuídos (diminuições das ajudas)".
26. O IMAIAA introduziu alterações no projecto do plano de regionalização para a campanha de 1996/1997 em matéria de classes de rendimento (cfr. doc. de fls. 383) (cfr. resposta ao quesito 23.°).
27. Tais alterações visaram salvaguardar a cultura do milho e reduzir o risco de ultrapassagem do potencial produtivo (cfr. resposta ao quesito 24.°) (cfr. doc. de fls. 382).
28. Em Junho de 1995, o projecto, na sua forma final, foi remetido à Comissão (cfr. resposta ao quesito 5.°).
29. E foi por esta aprovado por meio do Regulamento (CE) n.° 1300/96 da Comissão, de 05.07.96, publicado no JOCE n.° L 167/3, de 06.07.93.
30. Nele se solicitou a divisão da superfície de base do regadio de 235.400 ha, em duas parcelas, (cfr. resposta ao quesito 5.°)
31. uma para o milho de 194.994 ha. (cfr. resposta ao quesito 6.°) e
32. outra para as restantes culturas arvenses de 40.400 ha. (cfr. resposta ao quesito 7.°).
33. A divisão da superfície de base do regadio em duas superfícies distintas, uma para o milho e outra para as restantes produções do regadio, nas quais se incluem as culturas arvenses foi realizada sem alteração da superfície de base nacional estabelecida no Regulamento (CEE) n.° 845/93, de 1.054.000 ha. (prova por admissão por acordo).
34. Tal divisão foi proposta para traduzir as diferenças de produtividade entre o milho e as outras culturas arvenses (cfr. doe. de fls. 730), a fim de se
35. obter rendimentos mais aproximados de todas as culturas regadas (cfr. doc. de fls. 314).
36. No que respeita à consideração das situações específicas, foi usada a carta de capacidade de uso dos solos (cfr. doc. de fls. 314 e 319).
Ill - Quanto à reavaliação da situação subjacente ao plano, foi provado que:
37. No final do mês de Agosto de 1995, o R. Estado português apenas tinha conhecimento da área declarada por cada um dos agricultores (cfr. resposta ao quesito 8.°).
38. Os pagamentos antecipados dos montantes compensatórios devidos aos produtores agrícolas, nos termos do Regulamento (CEE) n.° 1904/95, da Comissão de 01.08.95, a título da campanha de comercialização de 1995/1996, foram realizados até finais do mês de Agosto de 1995, precedendo autorização da Comissão (cfr. resposta ao quesito 28.°).
39. Os pedidos de ajuda "superfícies" para a campanha de 1994/1995 foram apresentados até 28.02.95 e as alterações até 15.05.95 {cfr. resposta ao quesito 26.°).
40. Só após a entrega das candidaturas é que o INGÁ procedeu ao tratamento informático das mesmas, sendo que as candidaturas "carregadas" atingiram a cifra de 118.510 (cfr. doc. de fls. 888).
41. O tratamento informático e os controlos físicos das declarações apresentadas apenas ficaram concluídos em Setembro de 1995 (cfr. resposta ao quesito 27.°).
42. No final de Agosto de 1995, o R. Estado teve conhecimento de que se esgotara a área de regadio (cfr. resposta ao quesito 9.°).
43. No final de Agosto de 1995, o R. Estado teve conhecimento de que fora ultrapassada a área de base para outras culturas arvenses que não o milho (cfr. resposta ao quesito 10.°).
44. No final de Agosto de 1995, o R. Estado teve conhecimento de que o plano de regionalização para a campanha de 1996/1997 poderia vir a causar penalizações aos produtores de culturas arvenses se fossem declaradas as mesmas áreas dos anos anteriores (cfr. resposta ao quesito 11.°).
45. Entre finais de Outubro, princípios de Novembro de 1995, o R. Estado não tinha elementos estatísticos de que iria ser superada a superfície de base de regadio da campanha de 1996/97 (cfr. resposta ao quesito 29.°).
IV - Quanto à publicitação da superação da superfície de base do regadio, foi provado que:
46. O plano de regionalização para a campanha de 1996/1997 nunca foi dado a conhecer em pormenor aos agricultores (cfr. resposta ao quesito 12.°).
47. Os agricultores efectuaram as suas culturas no pressuposto de que se mantinham as áreas de base dos anos anteriores (cfr. resposta ao quesito 13.º)
48. Os AA. apresentaram as suas candidaturas à campanha de comercialização de 1996/97 do Sistema de Pagamentos Compensatórios para os Produtores de Culturas Arvenses (cfr. resposta ao quesito 14.°).
49. Em 06.06.1995, os produtores, entre os quais os AA., tinham cultivado 77.333 ha de oleaginosas e outros cereais de regadio que não o milho (cfr. resposta ao quesito 15.°).
50. Na campanha de 1996/1997, o R. Estado aplicou aos AA., através do INGA, penalizações de 4,07% no milho, 45,35% em outras culturas arvenses de regadio em regime geral e 8% a pequenos produtores de regadio (cfr. resposta ao quesito 16.°).
51. Tais penalizações não foram precedidas de qualquer aviso (cfr. resposta ao quesito 17.°).
52. Só em Março de 1997 é que foram comunicadas aos AA. as penalizações que lhes tinham sido aplicadas por excederem a respectiva área de cultivo (cfr. resposta ao quesito 19.°).
53. O R. Estado pagou aos AA. as quantias referidas no art.° 69.° da p.i., nos termos explicitados em 15., isto é, efectuou pagamentos compensatórios aos AA. relativos à campanha de 1996/1997, entre Setembro de 1996 e Março de 1997 (cfr. resposta ao quesito 18.°).
54. Antes de tomarem decisões de produção, os AA. sabiam que o regime comunitário de apoio aos produtores de culturas arvenses comporta a aplicação de penalizações por superação da superfície de base regional e do rendimento médio histórico (cfr. resposta ao quesito 32.°).
55. Em Portugal, o efectivo de beneficiários desse regime é de 100.000 (cfr. resposta ao quesito 33.°). 56. Em Dezembro de 1995, o INGA publicou um folheto denominado "Pedido de ajuda "superfície/normas e instruções de pagamento/campanha de comercialização de 1996/97 (cfr. fls. 390 e segs.).
57. Em 05.12.95, tal folheto foi remetido às direcções regionais de agricultura de Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Ribatejo Oeste, Beira Interior, Beira Litoral, Alentejo e Algarve (cfr. doe. de fls. 507 a 534) (cfr. resposta ao quesito 35.°).
58. O mesmo folheto foi remetido, no mês de Dezembro de 1995, à CAP, CONFAGRI e Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), a fim de ser divulgado junto dos agricultores do sistema de apoio às culturas arvenses (cfr. resposta ao quesito 35.°).
59. No dito folheto, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na página 28, o n.° 3 continha o seguinte trecho: "Por ultrapassagem da superfície mínima garantida (SMG) de oleaginosas"; n.° 4 "Por ultrapassagem da superfície de base nacional" e quadro 3. "Superfície de base nacional" (cfr. doc. de fls. 418).
60. Nele são discriminadas as penalizações a aplicar para cada tipo de cultura em função da "ultrapassagem da área de base nacional" e é explicitado o "mecanismo corrector" (cfr. doc. de fls. 417 e 418).
61. Na Revista do Agricultor n.° 82/83, de Novembro/Dezembro de 1995, constava a discriminação do novo plano de regionalização e a indicação da divisão entre sequeiro e regadio (cfr. resposta ao quesito 36.°)
62. Nela era explicitada a divisão da área de base nacional de 1054 ha entre uma "área de base para o sequeiro" e "uma área de base para o regadio", "separando dentro desta a área de milho" e discriminava-se as classes de rendimento por culturas e por "zonas abrangidas" (cfr. doc. de fls. 535 e 536).
63. Nela se esclarece que se as superfícies de base máximas forem excedidas aplicam-se as seguintes penalizações:
a) "- durante a mesma campanha de comercialização, a área elegível por produtor será proporcionalmente reduzida relativamente a todas as ajudas concedidas ao abrigo deste regime;"
b) "- na campanha de comercialização seguinte aplicar-se-á um pousio obrigatório extraordinário a todos os produtores do regime especial, cuja taxa será idêntica à taxa de ultrapassagem da área, sem compensação."
64. Mais se esclarece na referida publicação (carregado a negrito) que a introdução do "mecanismo corrector" implicou que "a margem de manobra que nos parecia garantida pela área de base nacional de 1054 mil hectares atribuída a Portugal, se vê fortemente reduzida devido à introdução deste mecanismo."
IV - Quanto ao prejuízos alegadamente sofridos pelos AA. e ao nexo de causalidade
65. Os AA sabiam que o regime comunitário de apoio aos produtores de culturas arvenses comporta a aplicação de penalizações por superação da superfície de base regional e do rendimento médio histórico (cfr. resposta ao quesito 32.º)”.
2.1.2. Na matéria acabada de indicar deverá notar-se:
a) Um lapso manifesto no ponto 17. Na verdade, o quesito foi do seguinte teor: “2) Em 1994 o milho ocupou 110.254 ha, as oleaginosas e outras culturas arvenses 74.086 há e pousio obrigatório 16.296 ha?” (fls. 1427).
A resposta do tribunal colectivo foi: “Quesito 2.º: Provado” (fls. 1752).
Assim, o que se deve considerar provado, face à resposta ao quesito 2.º é: “Em 1994 o milho ocupou 110.254 ha, as oleaginosas e outras culturas arvenses 74.086 ha e pousio obrigatório 16.296 ha”.
Esta factualidade é, aliás, aceite e referida quer nas alegações de recurso (respectiva folha 3, a fls. 1752 dos autos) quer nas contra-alegações (respectiva folha 11, a fls. 2047 dos autos);
b) Um lapso manifesto no ponto 42, como refere o R. nas suas contra-alegações. Na verdade, o que dele consta corresponde a uma inicial resposta ao quesito 9.º (fls. 1752). Todavia, perante reclamação, o tribunal colectivo acordou em responder ao quesito do seguinte modo: “Provado, apenas o que consta da resposta dada ao quesito 29º” (cfr. fls. 1758)
2.2.1. Começaremos a discussão jurídica apreciando o recurso do despacho saneador de fls. 1412 e segts., pelo qual foi julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva do R. Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, sendo ele absolvido da instância.
Nos termos do intróito da petição inicial, a acção foi proposta contra o Estado Português e o INGA.
Ocorre que em nenhum dos 110 artigos que constituem aquela petição foi alegada qualquer acção ou omissão por parte do INGA fonte do direito de indemnização pretendido efectivar.
Toda a responsabilidade veio fundada, nos próprios termos literais da petição inicial, exclusivamente, em alegada actuação do Estado Português.
E, na sequência lógica desse articulado, o pedido de condenação foi formulado, exclusivamente, contra o Estado Português: “Deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência, o R Estado ser condenado a pagar (...)”.
Do teor do petição inicial verifica-se, sem margem para dúvidas, que, ao reportar-se, exclusivamente, a actuação do Estado, não existe qualquer lapso ou imprecisão, tratando-se, antes, de ser apenas àquele que os actos e omissões são, deliberadamente, imputados
Suscitada a excepção de ilegitimidade pelo réu INGA, os autores replicaram sustentando a sua improcedência, nomeadamente porque o INGA “tem o dever de colaborar com o R. Estado na elaboração e revisão do plano de regionalização”.
Nessas condições, o despacho recorrido veio a julgar procedente a excepção considerando:“(...). Ora, ao ser questionada a legitimidade processual passiva do INGA, baseada na inexistência de causa de pedir que justificasse o pedido formulado, vieram os autores dizer que tal legitimidade resultava da circunstância deste R. ter o dever de colaborar com o R. Estado na elaboração e revisão do Plano acima referido.
Sucede que nenhum facto concreto referiram quanto a essa alegada participação ou colaboração. Como, em face de tudo o que acima se expôs, não basta alegar a existência da relação jurídica, é necessário concretizá-la através da alegação dos pertinentes factos, a inexistência destes no que tange à responsabilidade do 1NGA determina, não a ineptidão da p.i. mas a ilegitimidade passiva deste réu”.
De mais relevante, nas conclusões 1 a 5 das alegações de recurso, está a tese da violação do disposto no artigo 26.º, n.º 3, do CPC.
Relembrando-o, “(...) são considerandos titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Ora, atendendo, exactamente, aos termos da relação controvertida, tal como configurada pelos autores, é que o tribunal a quo verificou que não figurava nessa relação o réu INGA. Nada havia de controvertido quanto ao Réu INGA. O Réu INGA era exterior a tal relação, e, como se disse, nem sequer figurava no pedido.
Não tinha, pois, o réu INGA qualquer interesse directo em contradizer, à luz do n.º 1 do artigo 26.º do mesmo CPC. E, como linearmente explicou o despacho recorrido, “o mero interesse do R. INGA em arguir a ilegitimidade não se confunde com o interesse em contradizer”. De outro modo, aliás, nunca os réus poderiam tomar a iniciativa de suscitar aquela excepção.
Nas restantes conclusões, sustentam os recorrentes que, a não vingar a tese precedente, deveria, então, o juiz ter exercido o poder-dever de providenciar pelo suprimento, seja por aplicação do artigo 508.º, em particular do seu n.º 3, seja do artigo 265.º, n.º 2, ambos do CPC.
O artigo 508.º n.º 3, reporta-se à supressão das “insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada”.
Ora, como se disse, a petição não revelava qualquer insuficiência ou imprecisão; e tanto assim que nem na réplica os autores a consideraram.
O articulado apresentava-se sem falhas, com plena idoneidade para produzir o efeito de condenação do Estado, tal como pedido.
Depois, a supressão pretendida só poderia representar alteração da causa de pedir, pois nenhuma causa de pedir se revelava quanto ao Réu INGA; e qualquer modificação acabaria por significar modificação simultânea do pedido e da causa de pedir implicando convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Todas essas possibilidades se encontram fora do âmbito da norma, como explicita o n.º 5 do mesmo artigo 508.º, com referência ao artigo 273.º.
Quanto ao poder-dever de supressão da ilegitimidade, enquanto tal, por força do artigo 265.º, n.º 2.
Já se disse que a ilegitimidade decorre, no caso, do completo alheamento do INGA na relação controvertida tal como configurada pelos autores.
Diferente seria, como anota a recorrida, e sublinhara o despacho, se se estivesse em sede de litisconsórcio necessário, e, definida adequadamente a causa de pedir, apenas tivesse faltado a demanda de um dos liticonsortes.
Não se verifica, por isso, a previsão legal.
Em consequência, não merece censura o despacho de absolvição da instância do réu.
Passamos à discussão jurídica do recurso da sentença.
2.2.2.1. Como se disse, introdutoriamente, os ora recorrentes pretendem a efectivação de responsabilidade civil extracontratual, por entenderem que as penalizações que lhes foram aplicadas, em virtude de terem excedido os limites da superfície de base regional de regadio fixados para a campanha de 96/97, nos termos do n.° 6 do art.° 2.° do Regulamento (CEE) n.° 1765/92 resultam da actuação do Estado.
No essencial, e como sintetizou a sentença (fls. 1934, 1935):
1.1. Consideram os AA. que é imputável ao Estado a omissão de um dever de agir, o qual consistiria na falta de elaboração adequada do Plano de Regionalização da campanha de 96/97, na falta de revisão em tempo útil da superfície de base regional fixada no mesmo e na falta de notificação individualizada de cada agricultor da superação daquela superfície de base regional no decurso da campanha de 96/97.
Tal facto corporizaria acto ilícito por, segundo crêem, violar o disposto no art. 1.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2836/93 citado, no art.° 3.°, n.os 4 e 5, e no art.° 10.° do Regulamento n.° 1765/92 citado, os princípios gerais da boa fé e da confiança legítima dos administrados e as regras de prudência comum a que o Estado se deve ater segundo o princípio da boa administração.
1.2. Consideram que seria imputável aos serviços do Estado culpa funcional, por não terem actuado com diligência e zelo na preparação e na elaboração do plano de regionalização da campanha de 96/97 e assim terem prevenido o resultado que lhes foi desfavorável.
1.3. Estimam o valor dos prejuízos que alegam ter sofrido pela diferença entre os montantes pagos pelo INGA de Setembro de 96 a Março de 97, a título de pagamentos compensatórios, e os montantes que teriam sido pagos aos AA., na campanha de 96/97, caso não tivessem ocorrido as penalizações previstas nos n.° 6 do art.° 1.° do Regulamento n.° 1765/92 e n.° 4 do art.° 1.° do Regulamento n.° 2836/93.
1.4. Têm igualmente por verificado o nexo de causalidade entre o facto e os danos, pois consideram que se não fosse a omissão do Estado não se aplicariam, nem era previsível que se aplicassem, as penalizações em causa, pelo que não se verificariam danos.
2. Consideram, ainda, a título subsidiário, que estão preenchidos os requisitos da especialidade e da anormalidade do dano que justificam a responsabilidade do R. Estado por acto lícito”.
A sentença, detectando na acção diversos elementos fundadores do pedido, procedeu à apreciação do mérito em função dos mesmos. A identificação que realizou não vem posta em crise.
Os recorrentes, ao fazer a crítica da sentença, adoptaram, exactamente, a compartimentação seguida pela sentença, procedendo à crítica no interior de cada um desses segmentos.
Por isso, impõe-se seguir essa mesma metodologia na verificação da bondade do recurso.
2.2.2.2. O primeiro segmento vem, assim, identificado:
III - QUANTO À VIOLAÇÃO DO DEVER DE CUIDADO NA ELABORAÇÃO E NA OMISSÃO DA REVISÃO DO PLANO DE REGIONALIZAÇÃO DA CAMPANHA DE 96/97” (do corpo das alegações, fls. 1969, correspondente a A) de fls. 1942 da sentença).
Tem este segmento uma síntese nas conclusões 1 a 31 das alegações de recurso.
Como se vê, a avaliação da alegada actuação ilícita do Estado reporta-se a dois momentos: O da elaboração do plano e o da sua não revisão.
Ora, apesar de seguirem a metodologia adoptada pela sentença, os recorrentes não chegam a tecer qualquer crítica às considerações por esta produzidas quanto à própria elaboração do Plano.
E, na verdade, a sentença terminou esse ponto de apreciação ponderando: “Em face das respostas aos quesitos mencionados ocorre, pois, precisar que não ficou demonstrada pelos AA., a quem compete o ónus da prova na presente acção, que o R. Estado dispunha de tais elementos no momento da apresentação do plano à comissão, em Junho de 1995” (fls. 1944).
Assim quanto ao Plano, na data da sua apresentação - e nenhuma crítica vem colocada quanto à data em si mesmo -, nada há a reparar ao que concluiu a sentença.
A crítica dos recorrentes dirige-se à não consideração da ilicitude por não revisão desse Plano.
Para os recorrentes, entre a data da apresentação do Plano pelo Estado e a fixação das superfícies de base regional para a respectiva campanha, pelo Regulamento (CE) 1300/96, de 5 de Julho, decorreu tempo suficiente para o Estado se aperceber que tal Plano estava desajustado, devendo, por isso, tê-lo revisto.
Os recorrentes apresentam uma argumentação sustentada, primeiramente, numa interpretação da resposta ao quesito 29.º
O que foi dado como provado na sentença, considerando a resposta ao quesito 29.º, foi o seguinte:
45. Entre finais de Outubro, princípios de Novembro de 1995, o R. Estado não tinha elementos estatísticos de que iria ser superada a superfície de base de regadio da campanha de 1996/97 (cfr. resposta ao quesito 29.°)”.
Ora, esta factualidade significa, em primeiro lugar, que não ficou provado que o Estado detivesse elementos seguros da superação, antes daquela data, ao contrário de uma das alegações constantes da petição inicial (cfr. respectivos artigos 46.º a 58.º).
Em segundo lugar, essa factualidade não responde a uma hipotética interrogação sobre a data a partir da qual o Estado possuiu tais elementos.
Os recorrentes pretendem que se pode extrair uma tal resposta por aplicação de uma interpretação a contrario. Só que, a interpretação a contrario pode aplicar-se a normas, não a factos.
Por vezes, porém, da prova de certos factos pode retirar-se a possibilidade, ou probabilidade de outros se terem produzido. Todavia, no caso, a resposta ao quesito não dá como provada a detenção dos elementos estatísticos. O que ficou provada foi a não verificação de certos factos, isto é, ficou provada a não posse pelo Estado de certos elementos estatísticos. Se o Estado possuiu esses elementos depois das datas configuradas na resposta é matéria à qual o quesito não pretendia responder e de cuja resposta nada se pode extrair. E seria violentar o princípio do contraditório, considerar, agora, uma hipotizada resposta sem a correspondente pergunta, por isso, sem possibilidade de audição e defesa.
Acrescente-se, por ser suscitado no corpo das alegações (cfr. respectiva folha 11), que assim como o “tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las” (artigo 515.º do Código de Processo Civil), também o tribunal deve valorar a factualidade provada independentemente da origem da sua alegação. Por isso, a factualidade apurada através da resposta ao quesito 29.º não pode ser “alargada” ou “diminuída” em razão da autoria da peça que o suscitou.
Depois, os restantes elementos não são capazes de sustentar a evidência da necessidade de alteração.
Basta referir que os elementos seguros que estavam disponíveis respeitantes à campanha de 93/94 e de 94/95 (resposta quesito 1, resposta quesito 2) faziam com que a superfície de base apresentada no Plano para o regadio superasse a da campanha de 94/95 em 34764 hectares.
Os elementos a partir dos quais os recorrentes constroem a sua tese, afastado o do citado quesito 29, não permitem a inferição pretendida, designadamente não o permite a resposta ao quesito 11.º, que não é uma resposta de provado à pergunta feita, mas uma resposta que assenta na hipótese de declarações que dependeriam da vontade de cada produtor.
Neste quadro factual é irrelevante, já, a discussão do ónus de prova quanto à matéria indicada nas conclusões 12 a 14 das alegações.
O que ocorre é que não se revela qualquer violação das regras comunitárias invocadas, nem a desvalorização pelo Estado dos dados preexistentes que devia tomar em consideração, nem qualquer violação das regras de boa administração, da prossecução do interesse público e do respeito dos interesses e direitos legalmente protegidos dos cidadãos.
Assim, a sentença, enquanto, também, e, aliás, primariamente, radicou nessa perspectiva (nessa “óptica”), não merece censura.
2.2.2.3. O segundo segmento vem, assim, identificado:
IV – DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE NOTIFICAÇÃO DA PROVÁVEL SUPERAÇÃO DA SUPERFÍCIE DE BASE DAS CULTURAS ARVENSES DE REGADIO” (do corpo das alegações, fls. 1990, correspondente a B) de fls. 1945 da sentença).
Tem este segmento uma síntese nas conclusões 32 a 46 das alegações.
O essencial da tese dos recorrentes radica em que o Estado dispunha “em finais de Outubro, princípios de Novembro de 1995, de elementos estatísticos – confirmados, apurados e definitivos – que lhe permitiam verificar que iria ser superada a superfície de base regional de regadio na campanha subsequente de 1996/1997, por comparação com as áreas que havia estabelecido no seu Plano de Regionalização (conclusão 36), “O momento em que deveria ter sido promovida a notificação dos produtores de culturas arvenses de regadio, sobretudo dos produtores de culturas arvenses regadas que não o milho, por força do artigo 1.º, n.º 4, 3.º parágrafo, do Regulamento (CEE) n.º 2836/93, como indica a própria letra e o impõe a interpretação sistemática do preceito, seria “logo” que fosse “provável” a superação – ou seja, no máximo, em fins de Outubro/princípios de Novembro de 1995, a tempo de acautelar as sementeiras de Outono/Inverno de 1995/1996, bem como as sementeiras da Primavera de 1996!! (conclusão 43).
Esta tese parte da mesma perspectiva factual que foi discutida no segmento precedente. Com efeito, ainda ancorados, principalmente, na interpretação da resposta do quesito 29.º, os recorrentes afirmam o conhecimento pelo Estado dos dados determinantes do preenchimento da previsão da norma comunitária.
E tanto se trata do mesmo ponto de partida que, nas próprias alegações, os recorrentes dele retiram consequências alternativas, uma, a da revisão do Plano (já discutida) outra, a da notificação: “37. Perante, semelhante constatação o R. Estado poderia e deveria ter adoptado um de dois cursos de acção: ou promovia a revisão do plano de forma a obstar à aplicação de penalizações, ou, em derradeira instância, notificava os produtores que a superfície de base regional de regadio, bem como, por maioria de razão, a parcela relativa às culturas arvenses regadas que não o milho, com uma probabilidade próxima da certeza, iria ser superada!”
Ora, para além do mais, foi exactamente esse ponto factual de partida que a sentença considerou não se verificar. Disse “(...) tal como se referiu no ponto anterior, da resposta aos quesitos 8.º, 9.º., 10.º, 11.º e 29.º, até Novembro de 1995 não havia dados que permitissem aferir da eventual superação da superfície de base do regadio” (fls. 1946).
Assentando em factualidade não assente, nos termos explicitados neste aresto no segmento precedente, a tese dos recorrentes não pode proceder, tornando-se, assim, irrelevante a demais discussão jurídica que vem trazida aos autos.
2.2.2.4. O terceiro segmento vem, assim, identificado:
V – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ” (do corpo das alegações, fls. 2000, correspondente a C) de fls. 1946 da sentença).
Tem este segmento uma síntese nas conclusões 47 a 50 das alegações)
A sentença, depois tecer algumas considerações de ordem geral sobre os princípios que vinham convocados, da boa-fé e da protecção da confiança, considerações não contestadas, concluiu:
No caso dos autos, não estão verificados os requisitos de aplicação de nenhum dos princípios referidos.
Com efeito, por meio da aprovação do despacho publicado no DR em 28.02.96 (...), o R. Estado promoveu a adequação do sistema de apoio aos produtores de culturas arvenses na campanha de 96/97 à situação de intempérie então verificada. isso mesmo resulta da respectiva nota preambular pelo que não era lícito inferir quaisquer conclusões quanto à eventual superação ou não da superfície de base de regadio no âmbito do regime comunitário de ajudas compensatórias aos produtores de culturas arvenses de regadio
Os autores haviam apontado a violação dos princípios referidos através de um despacho cujo cumprimento pelo Estado não é questionado.
Tratar-se-ia, portanto, de um violação mediata, pois, conforme texto do corpo das alegações, “o Recorrido Estado mais não fez do que precipitar os produtores de culturas arvenses de regadio – maxime que não o milho – na direcção do acidente” (respectiva folha 43). O “acidente” é a posterior diminuição dos benefícios comunitários recebidos.
Mas não é assim. O despacho circunscreveu-se a acorrer a uma situação fora de comum, não podendo a actuação nele permitida ser deslocada do quadro em que foi realizada.
Afigura-se, pois, de sufragar a sentença.
2.2.2.5. Resulta da exposição precedente que se tem vindo a apreciar a crítica à sentença enquanto não detectou na acção do Estado um dos pressupostos da sua alegada responsabilidade por conduta ilícita.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio de actos de gestão pública rege-se pelo DL 48051, de 21 de Novembro de 1967, em tudo que não esteja previsto em leis especiais.
Os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no artigo 2.º do DL 48051 são decalcados dos previstos no artigo 483.º, n.º 1, do C. Civil.
Na decorrência do princípio geral consagrado no artigo 483.º do Civil, apontam-se como elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9.ª edição, Almedina 2001, pág. 510).
Faltando um dos elementos constitutivos da responsabilidade a acção tem necessariamente de claudicar (o que também é desde logo aceite no artigo 83.º da petição inicial: “Nos termos do art. 2.º supra citado decorre que a indemnização está dependente da existência cumulativa das seguintes condições (…)”).
Em consequência, não se torna necessário, nesta sede - de responsabilidade civil por facto ilícito - proceder à apreciação da crítica que vem dirigida à sentença “QUANTO À EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE”.
A apreciação sobre o nexo de causalidade apenas será feita se vier a julgar-se necessária na discussão, que se encetará, sobre a responsabilidade por facto lícito.
2.2.2.6. A título subsidiário do pedido de indemnização por conduta ilícita, os autores deduziram pedido de indemnização ao abrigo do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do DL 48051.
É o não acolhimento desse pedido que vem atacado, ainda a título subsidiário.
Logo se vê que os recorrentes acabam por partir para a construção dessa responsabilidade de uma omissão – a omissão de não revisão do plano – como se se tratasse aí de uma conduta que pudesse ser imputada ao Estado.
Ora, a conduta omissiva do Estado, tal como alegada pelos Autores, supunha a verificação do inverso, isto é, o dever de conduta activa de revisão.
Na circunstância, a conduta omissiva lícita, enquanto algo juridicamente imputável ao Estado, só existiria se devesse ter existido a conduta, activa, de revisão. A licitude residiria no facto de esse dever de acção ter que se submeter a outros deveres que com ele conflituassem, e que impusessem a omissão. Mas a verificação daquele primeiro dever de revisão não ficou demonstrada, como se viu.
Por isso, não se encontra provada qualquer omissão juridicamente relevante, pelo que também não pode resultar dela qualquer dano juridicamente reconhecível.
O dano, a ter existido, radicaria, afinal, não na omissão de revisão do Plano apresentado, mas, sim, no próprio Plano.
Mas não foi nessa sede que o pedido foi colocado, como se observa nos artigos 96.º a 106.º da petição inicial e vem confirmado na doutrina de ataque à sentença, expressa nas conclusões 64 e 65 das alegações.
Por isso, sem necessidade de outros desenvolvimentos, também não se poderia julgar verificada a previsão do artigo 9.º, n.º 1, do DL n.º 48051.
3. Pelo exposto:
- Nega-se provimento ao recurso do despacho fls. 1412 e segts., mantendo-se a absolvição da instância do INGA;
- Nega-se provimento ao recurso da sentença, mantendo-se a absolvição do pedido do Estado.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 17 de Janeiro de 2006. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Políbio Henriques – Rosendo José.