Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0433/16.0BALSB 0433/16
Data do Acordão:05/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
ISENÇÃO
CONCENTRAÇÃO DE EMPRESAS
Sumário:I - As normas fiscais hão-de ser interpretadas de acordo com as técnicas ou cânones interpretativos usados no direito civil, incluindo os elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática (art.11º nº1LGT; art. 9º C Civil)
II - A criação do benefício fiscal consagrado no art. 60º, nº1, alínea a), do EBF, teve em vista, em face do desaparecimento completo das fronteiras internas dos diferentes espaços nacionais e a simultânea criação de um mercado único, criar mecanismos que permitam a renovação e reestruturação das empresas com perspectivas de expansão nesse mercado alargado, com vista a fortalecer o tecido empresarial, aumentando a competitividade e a concorrência.
III - A ratio da isenção é facilitar as operações de reorganização entre empresas e as operações de fusão dos activos entre elas, sendo nesse sentido claro o preceito ao referir-se a imóveis necessários à concentração ou cooperação, pois só assim se garante a identidade de negócio e a continuidade do mesmo.
IV - Na interpretação do sentido e alcance do art. 60º, nº 1, alínea a), do EBF, quando estabelece isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis não destinados a habitação, necessários à concentração ou à cooperação de empresas, deve ter-se em conta que uma empresa pode ter nos seus activos imóveis destinados à habitação, que são indispensáveis ao seu desempenho porque constituem o instrumento ou o objecto do seu negócio, estando afectos à actividade nuclear da sua actividade empresarial, e outros que desempenham uma função meramente instrumental, relacionada com a política laboral, social ou mesmo cultural da empresa, sem qualquer relação com a sua actividade económica
V - Considerando a evolução histórica do preceito e a sua ratio legis, por imóveis destinados à habitação devem entender-se apenas aqueles que, fazendo parte dos activos das empresas objecto de reestruturação, estão por elas afectos à habitação no quadro de relações laborais ou no âmbito de uma política de apoio social, ou de lazer, pelo que desempenham uma função instrumental ou acessória da actividade da empresa, não sendo necessários à operação de concentração ou de cooperação.
VI - Partindo da letra do art. 60º, nº 1, aliena a), do EBF, e tendo em conta a evolução da sua redacção, deve operar-se uma interpretação extensiva do preceito, considerando a teleologia intrínseca do mesmo, mediada pelo princípio da igualdade, de modo a entender-se que por “prédios não destinados à habitação” incluem-se ainda aqueles que, embora tendo por destino potencial a habitação, constituem o instrumento ou núcleo essencial do objecto económico da empresa, pois só assim a letra do preceito se adequa ao objectivo visado pelo legislador, que é o de isentar os imóveis necessários à concentração e cooperação de empresas.
Nº Convencional:JSTA000P25905
Nº do Documento:SA20202005200433/16
Data de Entrada:04/13/2016
Recorrente:MINISTRO DAS FINANÇAS
Recorrido 1:COMPANHIA DE SEGUROS A…………, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. O Ministro das Finanças interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 3 dezembro 2015 que julgou procedente a acção administrativa especial instaurada por Companhia de Seguros A…………, S.A. contra o despacho proferido em 24 maio 2012 e, em consequência, condenou a entidade demandada no pedido de anulação do despacho impugnado, e na concessão da isenção de Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto do Selo (IS), relativamente a imóveis destinados a habitação que tiveram lugar na fusão por incorporação da B………… Companhia de Seguros, SA na Companhia de Seguros A…………, SA

1.2. O recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A). O presente recurso jurisdicional vem interposto do douto Acórdão, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, com data de 03/12/2015, que julgou procedente a acção administrativa especial intentada contra o despacho do Senhor Ministro das Finanças, datado de 24/05/2012, na parte em que indeferiu o pedido da isenção de IMT prevista aI. a), do nº1, do art. 60° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) para a transmissão dos imóveis destinados à habitação que eram propriedade da seguradora B…………-Companhia de Seguros, S.A. e foram integrados na esfera patrimonial da ora Recorrida, no âmbito da fusão por incorporação de sociedades.
B). Ao assim decidir, o douto Acórdão procedeu a uma interpretação restritiva do art. 60°, nº1, aI. a) do EBF, no sentido de os "prédios não destinados à habitação" serem aqueles que, embora tendo por destino potencial a habitação, constituem o instrumento ou núcleo essencial do objecto económico da empresa, incorporando a fundamentação do Acórdão do STA, de 14/06/2012, no processo nº 0475/12.
C). Com todo o respeito e salvo melhor, tal interpretação e aplicação da a), do nº1, do art. 60° do EBF padece de erro de julgamento e não tem qualquer apoio na lei.
D). O art. 60°, nº1, al. a) do EBF prevê um benefício fiscal à "Reorganização de empresa em resultado de actos de concentração ou de acordos de cooperação", que consiste na isenção do IMT relativamente aos imóveis, não destinados à habitação, necessários à concentração ou à cooperação.
E). A interpretação do art. 60°, nº 1, alínea a) do EBF constante do despacho impugnado, sendo uma interpretação literal, não é, contrariamente ao considerado no Acórdão recorrido, uma interpretação restritiva do espírito do legislador, na medida em que a letra da lei traduz, de forma fiel, o espírito do legislador que se expressou em termos adequados e não "quis dizer mais do que aquilo que escreveu."
F). Ora, a interpretação restritiva pressupõe que o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer, o que, manifestamente, não é o caso. (Cfr. Batista Machado, in "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", Almedina, Coimbra, 1987, pág. 186).
G). De acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis constantes no art. 9° do Código Civil, aplicáveis nos termos do art. 11° da LGT, a letra é o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, (ta de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei", cfr. o mesmo Autor, ob. cit., p. 187 e seg.
H). Com a redacção da aI. a) do nº1 do art. 60° do EBF o legislador exceptuou, do universo dos imóveis de que é proprietária a empresa incorporada e que sejam necessários à operação de concentração e de cooperação, os imóveis destinados a habitação. É o único conteúdo ou sentido que a própria estrutura gramatical da norma permite.
I). Para além da interpretação efectuada no Acórdão recorrido não ter na letra da lei qualquer correspondência, esvazia o conteúdo e utilidade da norma, porquanto afasta a distinção dos imóveis transmitidos consoante o fim a que se destinam, distinção expressamente consagrada pelo legislador.
J). Por outro lado, tal interpretação não só ignora, como contraria o elemento histórico da interpretação da norma controvertida e a mens legislatoris.
K). Em referência ao elemento histórico na interpretação da aI. a), do nº1, do art. 60º do EBF, o douto Acórdão recorrido, fazendo embora alusão ao diploma legal que antes regulara os actos concentração de empresas, não retiraria as ilações que, salvo melhor, se evidenciavam.
L). Dispunha o art. 1º do DL 404/90, de 21/12, que "Às empresas que, até 31 de Dezembro de 1993, procedam a actos de cooperação ou de concentração pode ser concedida isenção da sisa relativa à transmissão de imóveis necessários à concentração ou à cooperação, bem como dos emolumentos e de outros encargos legais que se mostrem devidos pela prática daqueles actos".
M). Subsequentemente, na redacção conferida ao art. 1º do DL 404/90, de 21/12, pelo art. 39º, n.º11 da lei nº 55-B/2004, que aprovou o OE de 2005, refere-se na aI. a), que "As empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços e que, até 31 de Dezembro de 2006, se reorganizarem, em resultado de actos de concentração ou de acordos de cooperação, podem ser concedidos os seguintes benefícios: a) isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente aos imóveis, não destinados a habitação. Necessários à concentração ou à cooperação".
N). A redacção conferida pela Lei n° 55-B/2004, viria a coincidir com a actual redacção do art. 60º, nº1, aI. a) do EBF, distinguindo-se, pois, da redacção do art. 1º do primitivo DL 404/90 de 21/12, que era completamente omissa quanto à natureza, espécie e destino dos imóveis.
O). A evolução do texto dos normativos em cotejo traduz, assim, a intenção inequívoca do legislador de excepcionar da isenção de IMT os prédios destinados à habitação, no âmbito da reorganização e reestruturação de empresas, expressa, primeiramente, na redacção do art. 1° do DL 404/90, de 21/12, dada pelo art. 39°, nº11 da Lei nº 55- B/2004, e posteriormente mantida, na redacção actual art. 60°, nº1, aI. a) do EBF.
P) Nessa medida, a interpretação do acórdão recorrido não levou em consideração essa evolução nem o texto da norma em vigor, tendo, aliás, procedido a uma interpretação que se reconduz à aplicação de uma lei que não estava em vigor à data da fusão em causa nos presentes autos, dado o art. 1 ° da primeira redacção do DL 404/90, não fazer qualquer distinção dos imóveis necessários à concentração consoante a espécie e o fim a que se destinavam.
Q). Por outro lado, a isenção de IMT relativamente a todos os imóveis da sociedade transmitida nas operações de concentração por fusão, independentemente de se destinarem ou não a habitação, não se coaduna com a teleologia e a ratio da aI. a), do nº1 do art. 60° do EBF como defende a A.
R). Na tese defendida pelo Acórdão recorrido, a isenção de IMT e IS para todos os imóveis de que é propriedade a empresa seguradora incorporada justificar-se-ia pelo fim subjacente à concentração das empresas, que visa uma maior capacidade competitiva, em virtude de todos os imóveis, independentemente de terem fins habitacionais, integrarem as provisões técnicas exigidas por lei, constituindo um património especial para garantir financeiramente os créditos dos contratos de seguros, e nessa medida, constituem um instrumento essencial à actividade da empresa.
S). Para o arresto sob recurso, a isenção em reporte visaria facilitar as operações de reorganização sendo certo que" a ratio da isenção é facilitar as operações de reorganização entre empresas e as operações de fusão dos activos entre elas, sendo nesse sentido claro o preceito ao referir-se a imóveis necessários à concentração ou cooperação, pois só assim se garante a identidade de negócio e a continuidade do mesmo".
T). Ora o que está previsto na aI. a) do nº1 do art. 60° do EBF é a isenção de IMT relativamente a todos os imóveis, não destinados a habitação, necessários à concentração ou à cooperação. Com esta redacção, o legislador exceptuou, do universo dos imóveis de que é proprietária a empresa que são necessários à concentração e à cooperação os imóveis destinados a habitação. É o único conteúdo ou sentido que a própria estrutura gramatical da norma permite.
U). Para além de a interpretação em divergência não ter na letra da lei qualquer correspondência, a mesma esvazia o conteúdo e utilidade da norma, porquanto afasta a distinção dos imóveis transmitidos consoante o fim a que se destinam, distinção expressamente consagrada pelo legislador.
V). Com efeito, nem de forma muito indirecta e muito remota resulta da letra e da teologia da norma de isenção em apreço, que um prédio destinado a habitação integre o escopo e o objecto económico da actividade seguradora da Recorrida, na medida em que contribui para a solvabilidade da empresa seguradora, como refere o Acórdão recorrido.
W). São múltiplas e diversificadas as garantias financeiras das empresas seguradoras que asseguram a respectiva solvabilidade, entre as quais poderão encontrar-se, mas não necessariamente, imóveis destinados a habitação que integram, entre outros rendimentos e investimentos, as provisões técnicas das empresas de seguros. Não se confundem com o objecto negocial da actividade da seguradora.
X). Os imóveis habitacionais não são essenciais à actividade seguradora, nem a sua transmissão, no caso de fusão, é necessária a operações de concentração. O legislador optou por tais imóveis não beneficiarem de isenção de IMT.
Y). Os imóveis habitacionais não são essenciais à actividade seguradora nem a sua transmissão, no caso de fusão, é essencial a esta. Entendeu o legislador não beneficiarem de isenção de IMT.
Z). A ser como propugna o Acórdão Recorrido, bastaria provar a titularidade do imóvel para beneficiar da isenção do IMT no âmbito da operação de fusão! Que finalidade gizaria o legislador fiscal ao estatuir expressamente que estão isentos de IMT os imóveis não destinados à habitação?
AA). A interpretação da norma de isenção vertida no despacho impugnado, para além de respeitar o texto da lei, é a única que se sustenta do ponto de vista da sua coerência interna,
BB). Porquanto a alternativa inutilizaria totalmente a ressalva de [prédios] não destinados a habitação, na medida em que todas as actividades, todo o património imobiliário das empresas em processo de concentração ou de acordos de cooperação prosseguiriam a actividade seguradora, e nessa decorrência, caberiam na isenção, ficando por saber por que o legislador restringiu o âmbito da norma que a consagra.
CC). A isenção do IMT prevista no art. 60°, nº1, aI. a) do EBF tem como pressuposto não estarem destinados à habitação os prédios transmitidos no âmbito de operações de fusão,
DD). O que se compagina com a ratio do benefício de isenção do imposto, concedido para incremento e reforço da reorganização do tecido empresarial e da concorrência, fins extra fiscais relevantes considerados superiores ao da própria tributação que impedem, como resulta da definição de benefício fiscal.
EE). Se a isenção em causa abrangesse todos os prédios transmitidos na operação de incorporação em que foi interveniente a Recorrida, independentemente da respectiva afectação, uma vez que, segundo o Acórdão Recorrido, concorrem sempre, directa ou indirectamente, para a prossecução dos fins da actividade seguradora, a restrição feita pela aI. a), do nº 1 do art. 60º do EBF, de acordo com a qual só estão isentos os prédios que não se destinem a habitação, não teria qualquer alcance.
FF). A estabelecer-se e a restringir-se a ratio da isenção prevista na aI. a), do nº 1, do art. 60º do EBF de molde a facilitar as operações de reorganização e concentração entre as empresas, adoptando um critério meramente instrumental de todos os imóveis que constituem o acervo patrimonial transmitido, estar-se-ia a criar uma interpretação jurídica praeter legem, que não tem sustentação no teor literal da norma nem na mens legislatoris.
GG). Salvo o devido respeito, não se afigura transponível para o caso dos presentes autos, a interpretação tirada do Acórdão do STA, de 14/06/2012, proferido no processo 0475/12, por não estar em causa uma "empresa que se dedica à locação financeira de imóveis para habitação em que o objecto do seu negócio é disponibilizar meios financeiros a favor dos locatários, ainda que através da aquisição de imóveis para destinar ao gozo e fruição de terceiros".
HH). Em síntese, não há na letra da norma do nº 1, alínea a) do art. 60º do EBF qualquer expressão que permita estabelecer uma relação com o sentido "interpretativo" defendido no Acórdão, nem existe o menor indício susceptível de pôr em crise a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
II). Por tudo quanto antecede, o despacho impugnado fez uma correcta interpretação do art. 60º, nº 1, alínea a) do EBF em vigor, ao decidir que a isenção prevista naquela norma não se aplicar aos imóveis destinados a habitação.


Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

1.3. A recorrida apresentou contra-alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
1ª) No âmbito de uma fusão por incorporação entre duas empresas seguradoras, foi requerido ao Senhor Ministro das Finanças, nos termos do art° 60° do EBF, a isenção de IMT, Imposto do Selo, emolumentos e outros encargos legais que fossem devidos em relação à transmissão de imóveis a ter lugar em razão dessa fusão;
2ª) Atendendo às razões de interesse público — reorganização empresarial — de tal fusão, foi o pedido deferido, com exclusão da isenção dos referidos impostos para a transmissão de imóveis destinados à habitação;
3ª) Esta exclusão da isenção para a transmissão de imóveis destinados à habitação fundamentou-se na alínea a) do n° 1 do art° 60° do EBF;
4ª) É entendimento do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 14/6/20 12, Processo n° 0475/12), que a alínea a) do n° 1 do art° 60° do EBF, que exclui do âmbito da isenção a transmissão de imóveis destinados à habitação, não pode ser interpretada de forma restritiva ou literal, sob pena de tal provocar obstáculos à desejada concentração de empresas;
5ª) É entendimento do referido aresto, que a exclusão da isenção só se pode aplicar à transmissão de imóveis que não façam parte do negócio das empresas e, por isso, não sejam necessários à concentração empresarial;
6ª) Se os imóveis, ainda que afectos à habitação, estão dados em locação, recebendo-se rendimentos e se, portanto, tais imóveis não desempenham uma função instrumental ou acessória da actividade da empresa, então, na sua transmissão, numa operação de concentração, beneficiam das isenções estabelecidas no art° 60° do EBF;
7ª) Como é dito pela citada jurisprudência, negar a isenção é incorrer em discriminação sem justificação material bastante e criar obstáculos impeditivos da reorganização empresarial, violando-se a ratio da norma em questão;
8ª) Como decorre do Decreto-Lei n° 94-B/98, de 17/4, que regula a actividade seguradora, as empresas de seguros devem dispor de garantias financeiras, tais como, provisões técnicas, margens de solvência e fundo de garantia;
9ª) Para tanto, decorre do referido diploma, que as empresas seguradoras têm que deter activos, sejam eles móveis, sejam eles imóveis;
10ª) Esses activos, como decorre do referido diploma legal, constituem um património especial que garante os créditos emergentes dos contratos de seguro, de tal modo que tal património especial não pode ser penhorado ou arrestado, salvo para pagamentos dos créditos resultantes dos contratos de seguro;
11ª) Resulta, também, das normativas regulamentares emitidas pela entidade de supervisão (o Instituto de Seguros de Portugal) que as empresas seguradoras têm que diversificar os seus investimentos;
12ª) É, pois, nesse âmbito e plenamente inserida na sua actividade principal, que a seguradora incorporada era proprietária de imóveis destinados à habitação;
13ª) Tais imóveis eram representativos de provisões técnicas que estava obrigada a constituir, e os referidos imóveis constituíam um património especial que garantia os créditos emergentes de contratos de seguros;
14ª) Tais imóveis estavam arrendados, obtendo a seguradora rendimentos;
15ª) Tais imóveis faziam, pois, parte do objecto do negócio da seguradora, sendo, pois, necessários à concentração empresarial;
16ª) Os imóveis habitacionais são tão essenciais como os não habitacionais, desde que inseridos na actividade da empresa, já que uns e outros integram as provisões técnicas exigidas por lei e constituem património especial para garantir os créditos dos contratos de seguros;
17ª) O despacho impugnado, ao negar a isenção na transmissão de tais imóveis, violou, pois, o sentido, isto é, a razão de ser da referida isenção.
18ª) Razão pela qual o acórdão ora recorrido não merece qualquer censura.

1.4 O Ministério Público emitiu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso (processo electrónico p.302)


1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.


2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1) Em 13/11/2011 a Companhia de Seguros A…………, S.A. e a B………… — Companhia de Seguros, SA apresentaram um pedido ao Ministro das Finanças onde requeriam, no âmbito da incorporação da segunda sociedade de seguros na primeira, ao abrigo do art. 60.º do EBF a isenção de IMT e IS relativamente aos imóveis constantes do anexo VIII junto ao referido pedido de que a sociedade incorporada era proprietária à data da operação de fusão (cfr. requerimento constante do Processo Administrativo e respectivo anexo VIII contendo a listagem dos imóveis, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais);
2) Relativamente ao pedido referido em 1), a Direcção de Serviços de IMT, do IS, do Imposto Único de Circulação e das Contribuições Especiais emitiu a informação n.º 1012.12, de 22/03/2012, que obteve despacho de concordância do Director-Geral datado de 09/05/2012, no sentido de que poderão beneficiar da isenção do IMT e IS os prédios necessários à operação de fusão à excepção dos prédios destinados à habitação, constantes da Lista anexa ao pedido na coluna "Tipo de Utilização" e ainda outros ali discriminados (cfr. informação n.º 1012.12, de 22/03/2012 constante do Processo Administrativo, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido);
3) Em 18/05/2012 foi proferido despacho do Director-Geral de concordância com a informação n.º 2019.12, de 16/05/2012, da DSIMT, enquanto informação complementar à referida no ponto 2), na qual se conclui que "Face ao exposto poderão beneficiar da isenção de IMT e respectivo imposto do selo os prédios necessários à operação de fusão, à excepção dos prédios destinados a habitação, constantes da lista anexa ao pedido na coluna "Tipo de utilização" e ainda os seguintes já identificados na informação anterior e sobre os quais a Requerente não se pronuncia (...)" (cfr. informação n.º 2019.12, de 16/05/2012, constante do Processo Administrativo, e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido);
4) Em 24/05/2012 foi proferido despacho pelo Ministro das Finanças, acolhendo os fundamentos da informação 2019.12 de 16/05/2012, que deferiu parcialmente o pedido de isenção de IMT e IS referido no ponto 1) [cfr. despacho do Estado e das Finanças constante do Processo Administrativo).

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: interpretação das normas de isenção constantes do art.60º nº1 als.a) e b) EBF (isenção de IMT e de IS relativamente aos imóveis não destinados a habitação, necessários a actos de concentração ou a acordos de cooperação empresarial)

2.2.2. Apreciação jurídica
A questão foi analisada e decidida com fundamentação sólida e convincente no acórdão STA-SCT 14 junho 2012, processo 475/12, cuja fundamentação é acolhida e transcrita no acórdão impugnado do TCA Sul.
Nesta conformidade, justifica-se a remissão para a fundamentação do citado acórdão STA cujo sumário se transcreve (art.663º nº5 CPC/ art. 281ºCPPT):
I - De acordo com o disposto no art. 11º da LGT, as normas fiscais hão-de ser interpretadas de acordo com as técnicas ou cânones interpretativos usados no direito civil, sendo o art. 9º do CCiv o preceito fundamental, incluindo os elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.
II - A criação do benefício fiscal consagrado no art. 60º, nº1, alínea a), do EBF, teve em vista, em face do desaparecimento completo das fronteiras internas dos diferentes espaços nacionais e a simultânea criação de um mercado único, criar mecanismos que permitam a renovação e reestruturação das empresas com perspectivas de expansão nesse mercado alargado, com vista a fortalecer o tecido empresarial, aumentando a competitividade e a concorrência.
III - A ratio da isenção é facilitar as operações de reorganização entre empresas e as operações de fusão dos activos entre elas, sendo nesse sentido claro o preceito ao referir-se a imóveis necessários à concentração ou cooperação, pois só assim se garante a identidade de negócio e a continuidade do mesmo
IV - Na interpretação do sentido e alcance do art. 60º, nº 1, alínea a), do EBF, quando estabelece isenção de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis relativamente aos imóveis, não destinados a habitação, necessários à concentração ou à cooperação de empresas, deve ter-se em conta que uma empresa pode ter nos seus activos imóveis destinados à habitação, que são indispensáveis ao seu desempenho porque constituem o instrumento ou o objecto do seu negócio, estando afectos à actividade nuclear da sua actividade empresarial (como acontece com uma empresa de locação financeira de imóveis para habitação), e outros que desempenham uma função meramente instrumental, relacionada com a política laboral, social ou mesmo cultural da empresa, sem qualquer relação com a sua actividade económica.
V- Considerando a evolução histórica do preceito e a sua ratio legis, por imóveis destinados à habitação devem entender-se apenas aqueles que, fazendo parte dos activos das empresas objecto de reestruturação, estão por elas afectos à habitação no quadro de relações laborais ou no âmbito de uma política de apoio social, ou de lazer, pelo que desempenhando tais imóveis uma função instrumental ou acessória da actividade da empresa, nada têm que ver com o seu core business, não sendo necessários à operação de concentração ou de cooperação
VI - Partindo da letra do art. 60º, nº 1, alínea a), do EBF, e tendo em conta a evolução da sua redacção, deve operar-se uma interpretação restritiva do preceito, considerando a teleologia intrínseca do mesmo, mediada pelo princípio da igualdade, de modo a entender-se que por “prédios não destinados à habitação” incluem-se ainda aqueles que embora tendo por destino potencial a habitação constituem o instrumento ou núcleo essencial do objecto económico da empresa, pois só assim a letra do preceito se adequa ao objectivo visado pelo legislador, que é o de isentar os imóveis necessários à concentração e cooperação de empresas, e se garante o princípio da igualdade, não apenas entre as empresas em geral e as que se dediquem à locação financeira como entre estas últimas.

São relevantes as seguintes considerações complementares:
Sem reflexo no sentido da decisão da causa, a interpretação do inciso imóveis não destinados a habitação efectuada no acórdão sumariado é extensiva (e não restritiva, como afirmado no sumário) conforme denunciado pelo uso do advérbio ainda (e não apenas),na medida em que se estende o alcance da isenção igualmente às transmissões de imóveis abstracta e potencialmente destinados a habitação mas necessárias ou essenciais às operações de concentração e cooperação entre empresas;
A circunstância de o acórdão remetido ter apreciado caso em que uma das entidades participantes na operação de incorporação era uma sociedade de locação financeira de imóveis é irrelevante, permanecendo firmes os argumentos determinantes da interpretação efectuada no acórdão sumariado
Igualmente apontam no sentido da adesão a esta interpretação da norma disposições do regime jurídico do exercício de actividade das empresas de seguros, segundo as quais estas devem dispor de garantias financeiras, designadamente provisões técnicas representadas por bens móveis ou imóveis que, formando um património especial, garantam o cumprimento dos contratos de seguro, nesta medida não podendo ser penhorados ou arrestados (arts.68º nº1, 69º nºs1/2, 88º nºs 1 e 3 DL nº 94-B/98,17 abril aplicável à data dos factos); claramente inculcando que as transmissões de imóveis no âmbito do processo de incorporação, ainda que potencialmente destinados a habitação, eram necessárias ou, no mínimo, aconselhadas como exercício de gestão prudente visando a solvabilidade financeira da sociedade incorporante.
Dispensa-se a junção de cópia do acórdão remetido, em virtude de o texto se encontra disponível em www.dgsi.pt

3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica o acórdão impugnado.

Custas pelo recorrente (art.527º nºs1/2 CPC/ art.2º al.e) CPPT)

Lisboa, 20 de maio de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.