Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0986/17 |
Data do Acordão: | 10/11/2017 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANA PAULA LOBO |
Descritores: | INSOLVÊNCIA PENHORA DE BENS |
Sumário: | I - Quando está em causa a penhora de rendas de um imóvel que integra a massa insolvente, não pode falar-se de bens que o insolvente adquiriu após a declaração da insolvência, mas de frutos dos bens que integram a massa insolvente, de rendimentos gerados por bens que integram a massa insolvente e, como tal, afectos ao cumprimento do plano de insolvência e demais dívidas da massa insolvente. II - Na lógica do sistema jurídico, as dívidas anteriores à declaração da insolvência hão-de ser pagas pelas forças monetárias que integrarem a massa insolvente e, até onde esses fluxos monetários permitirem, prevendo o Código de Processo e Procedimento Tributário, no seu art.º 180.º, n.º 5 que o processo de execução fiscal possa prosseguir para cobrança de dívidas à Fazenda Pública no respeito das obrigações assumidas no plano de recuperação. |
Nº Convencional: | JSTA000P22379 |
Nº do Documento: | SA2201710110986 |
Data de Entrada: | 09/11/2017 |
Recorrente: | A... SA |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | RECURSO JURISDICIONAL DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto . de 13 de Julho de 2017 Julgou improcedente a presente reclamação, mantendo na ordem jurídica do ato de penhora reclamado. Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A……………., S.A., veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo n.º 1535/16.9BEBRG que confirmou o despacho de 23 de Junho do Sr. Chefe de Finanças de Fafe que indeferiu o seu pedido de levantamento da penhora de rendas efetuada no processo de execução fiscal n.° 0400200701005839, em 23/06/2016, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões: 1. A reclamação julgada improcedente pela Douta Decisão de que ora se recorre, funda-se no facto do Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Fafe não ter extinguido o processo executivo nº 0400200701005839 conforme se impunha. 2. A reclamante fundou tal pedido no facto de se ter apresentado à insolvência no ano de 2008, a qual foi declarada no dia 12 de Setembro, em processo que correu termos no extinto 1º juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia com o nº 557/08.8TYVNG. 3. No âmbito do mencionado processo, a Autoridade Tributária não reclamou qualquer crédito, pelo que o Sr. Administrador da Insolvência reconheceu o crédito que constava da contabilidade da Recorrente, no valor de € 189.793,79 (cento e oitenta e nove mil setecentos e noventa e três euros e setenta e nove cêntimos). 4. O Sr. Administrador da Insolvência notificou a Autoridade Tributária para os termos do artigo 129º nº 4 do CIRE, não tendo esta, apesar do exposto, impugnado o crédito reconhecido ou seja, conformou-se com tal valor. 5. A Autoridade Tributária apresentou ulteriormente acção ulterior de verificação de créditos, na qual não incluiu o crédito de IRC que consubstancia esta execução fiscal. 6. Porém, tal pretensão sempre lhe estaria vedada por força do disposto do artigo 146º nº 2 al. a) do CIRE. 7. Independentemente e para lá do exposto, este processo acabou por ser encerrado nos termos do artigo 233º nº b) do CIRE porque a Autora, a Autoridade Tributária, não requereu que a mesma prosseguisse, faculdade esta que resulta deste mesmo preceito legal, “in fine”. 8. O plano de Insolvência apresentado pela Reclamante foi aprovado, homologado e encerrado nos termos do artigo 230 nº 1 al. b) do CIRE, o qual se encontra actualmente a ser tempestivamente cumprido, mormente junto da Autoridade Tributária. 9. Deste mesmo plano resulta que os créditos do Estado e da Segurança Social foram considerados como créditos comuns e como créditos privilegiados e assim, “Os créditos privilegiados do ESTADO serão pagos em 120 prestações, mensais, iguais e sucessivas, sendo as primeiras 30 de metade do valor das restantes, com perdão de juros vencidos e vincendos.” E os créditos comuns “pagamento de 33,33% em 160 prestações trimestrais, sucessivas, com perdão de 66,67% e dos juros vencidos e vincendos.” (v.g. certidão judicial junta a estes autos 29.03.2017, documento nº 006543549 e o próprio Acórdão da Relação do Porto igualmente junto) 10. A recorrente requereu ainda a extinção de todos os ónus que incidiam sobre os prédios de sua propriedade, por força da extinção de todas as execuções fiscais em curso à data da sua declaração de insolvência ocorrida a 12 de Setembro de 2008, o que acabou por ser deferido por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de Fevereiro de 2011, o qual sustenta, de forma Douta, “quer os créditos da Segurança Social quer os créditos do Estado passaram a só poder basear-se noutro título para eventualmente virem a ser cobrados em sede executiva, as hipotecas legais e as penhoras supra referidas deixaram de ter na sua base os créditos e respectivos títulos que as suportavam (sublinhado nosso) devendo por isso, como defende a recorrente, extinguir-se forçosamente quaisquer procedimentos executivos cujos créditos estejam relacionados e reconhecidos no âmbito da insolvência incluindo como é óbvio as execuções fiscais. 11. Na sequência deste Douto Acórdão, a Meritíssima Juiz do 1º Juízo do Tribunal do comércio de Vila Nova de Gaia refere em Despacho de 30 de Março de 2011, “Atento o teor de fls. 95 do Acórdão proferido pelo TR do Porto, no apenso F, uma vez que deixaram de subsistir os créditos que as sustentavam, (sublinhado nosso) ordeno o cancelamento das hipotecas legais e das penhoras que impendem sobre os prédios da insolvente, referidos a fls. 648 e 649. 12. Acresce e importa esclarecer de que, à data dos factos, a aprovação do plano de insolvência ainda se impunha a “todos os credores, não se criando qualquer regime de excepção para os créditos privilegiados ou garantidos ou cujos titulares sejam pessoas colectivas de direito público, designadamente o próprio Estado” (v.g página 3 do mesmo Acórdão) ou seja, ainda não existia a indisponibilidade do crédito tributário tal qual veio a ser implantada na actual versão do artigo 30º da Lei Geral Tributária ínsita na Lei nº 55-A/2010. 13. O processo executivo em causa tem forçosamente de ser extinto por múltiplos motivos. 14. Em primeiro lugar pelo facto do processo em causa ter sido instaurado a 02.02.2007, conforme resulta da alínea A) dos factos provados ou seja, bastante antes da declaração de insolvência da Recorrente, ocorrida a 12.09.2008 (alínea B dos factos provados). 15. Desta forma, a Autoridade Tributária teria de o ter reclamado no processo de insolvência o que não fez e não o fez, conforme resulta supra, por manifesta incúria. 16. Com efeito, não só não reclamou créditos, como não impugnou a lista de credores depois de ter sido formalmente notificada para o efeito pelo Administrador Judicial nos termos do artigo 129º nº 4 do CIRE, intentando inclusivamente de forma ilícita uma acção ulterior de verificação de créditos que tão pouco contemplava o IRC de 2004!!! (alínea F dos factos provados). 17. A execução fiscal em causa teria sempre de ser suspensa nos termos dos artigos 88º do CIRE e 180º nº 1 do CPPT que ordenam a sustação de todos os processos que se encontrem pendentes com o seu despacho inicial, não distinguindo ou discriminando os que foram ou não reclamados e/ou reconhecidos no âmbito de tal processo. 18. Adicionalmente, não tendo o presente crédito sido reconhecido no processo de insolvência, crédito este com fundamento e judicialmente peticionado pelo Serviço de finanças previamente à declaração de insolvência, a Reclamante está impedida de proceder ao seu pagamento por não se encontrar no processo judicialmente reconhecido, conforme resulta do artigo 217º nº 1 do CIRE. 19. Funda-se o Meritíssimo Juiz “a quo” no princípio da indisponibilidade do crédito tributário para legitimar a “manutenção” da presente execução fiscal, porém, a verdade é que, conforme supra referido, à data dos factos, ainda não existia tal princípio no âmbito de um plano de insolvência ou seja, o Estado era um credor como os demais. 20. E porque assim o era, foi homologado um plano de insolvência que previu um “corte” acentuado no valor dos créditos comuns tributários. 21. Por outro lado, recorrendo até aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da protecção da confiança e da proporcionalidade, como elementos constitutivos do Estado de Direito e previstos nos artigos 2º e 18º nº 2 da CRP, não se pode admitir nem conceber que o facto da Autoridade Tributária ter sido “in casu” de uma incúria e desleixo totais, tal situação pudesse reverter a seu favor. 22. Com efeito, como se pode aceitar que o facto da Autoridade Tributária não ter reclamado nem impugnado este crédito, de forma atempada, como a própria lei o exige, possa originar que dez anos depois o possam estar a executar em total revelia daquilo que resultou de uma decisão judicialmente homologada?!? 23. No Douto Acórdão é referida a extinção dos processos executivos relacionados e reconhecidos na insolvência dado não ser admissível que toda a divida tributária existente à data da declaração respectiva, nela não estivesse relacionada. *** Como se recolhe da matéria de facto provada e abundantemente se mostra repetido ao longo da mais diversa documentação junto aos autos, a Administração Tributária não reclamou no processo de insolvência nem este crédito, nem qualquer crédito fiscal, pese embora haver solicitação do tribunal onde pendia o processo de insolvência para o fornecimento de listagens dos créditos tributários, com a necessária e legal individualização. O administrador de insolvência, com base nos dados disponíveis na contabilidade da insolvente, e sem ter recebido qualquer reclamação de créditos da Administração Tributária fez integrar da lista de créditos reconhecidos, vários créditos fiscais. Nenhum se reporta a IRC de 2004, daí ter a sentença concluído, na matéria provada que o montante exequendo não foi nem reclamado, nem reconhecido na falência. A Administração Tributária foi notificada da lista dos créditos reconhecidos e com ela se conformou. Em representação da Administração Tributária o Magistrado do Ministério Público apresentou um processo de reclamação e verificação ulterior de créditos, que do mesmo modo, não continha qualquer referência ao montante exequendo, que veio a ser julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, sem que a Administração Tributária reagisse contra tal decisão. Foi homologado um plano de insolvência da empresa, sem que haja notícia de que a Administração Tributária haja utilizado o mecanismo do art. 216.º do Cire. O Tribunal da Relação do Porto, face à homologação desse plano de insolvência, por decisão já transitada em julgado, determinou, o cancelamento de todos os ónus e encargos (hipoteca legais e penhoras) que impendiam sobre prédios da insolvente para garantia de créditos da Fazenda Pública e da Segurança Social abrangidos pelo plano de insolvência. A Administração Tributária não reagiu contra esta decisão. Após longamente documentadas confusões e hesitações por parte da Administração Tributária quanto à atribuição dos montantes a receber em prestações às respectivas dívidas fiscais, lá acabou por ser delineado um plano de afectação das verbas que vêm sendo recebidas pela Administração Tributária em cumprimento desse plano de insolvência. Insurge-se a recorrente que a incúria da Administração Tributária no que à reclamação dos créditos diz respeito redunde na possibilidade de vir a penhorar bens que integraram a massa insolvente e estão afectos ao cumprimento do plano de insolvência. Quer a instauração da execução quer, obviamente, a dívida em cobrança coerciva nessa execução fiscal, são anteriores à declaração de insolvência da executada. Por isso, o processo de execução fiscal devia ter sido suspenso e remetido ao tribunal da insolvência, nos termos do artigo 180° do CPPT, a fim de ali serem reclamados os créditos da Fazenda Nacional. Mas isso não aconteceu. Em causa está a penhora de rendas de um imóvel. O Magistrado do Ministério Público considera que, por se tratar de rendas, são eles bens adquiridos após a declaração da insolvência. Porém, se o bem integra a massa insolvente, não pode falar-se de bens que o insolvente adquiriu após a declaração da insolvência, mas de frutos dos bens que integram a massa insolvente, melhor de rendimentos gerados por bens que integram a massa insolvente e, como tal, afectos ao cumprimento do plano de insolvência e demais dívidas da massa insolvente. Para além disso, na lógica do sistema jurídico, as dívidas anteriores à declaração da insolvência hão-de ser pagas pelas forças monetárias que integrarem a massa insolvente e, até onde esses fluxos monetários permitirem, prevendo o Código de Processo e Procedimento Tributário, no seu art.º 180.º, n.º 5 que o processo de execução fiscal possa prosseguir para cobrança de dívidas à Fazenda Pública no respeito das obrigações assumidas no plano de recuperação. Não há na matéria provada elementos que permitam concluir se estamos face a um mero plano de insolvência ou a um plano de recuperação, todavia o que se menciona do art.º 180.º, n.º 5 do Código de Processo e Procedimento Tributário para o processo de recuperação não pode deixar de ter aplicação a uma situação em que estejamos face a um simples plano de insolvência onde se insere o pagamento dos créditos, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos ou pelo devedor. Assim, só cumprido o plano de insolvência, ou verificado o seu incumprimento definitivo se poderá averiguar se o devedor adquiriu novos bens e se eles serão passíveis de ser apreendidos em sede de cobrança coerciva para satisfazer os créditos tributários que se mostrarem ainda em dívida, sob pena de a Administração Tributária estar a adoptar uma posição ambivalente ao por um lado pretender beneficiar da execução do plano de insolvência para arrecadar receitas, e, simultaneamente pretender inviabilizar esse cumprimento afectando unilateralmente receitas que integram a massa insolvente para satisfação dos seus créditos, que não reclamou no processo de insolvência, em desrespeito pela lei, o que se apresenta incoerente e atentatório do interesse público que a levou a aceitar o plano de insolvência e o respectivo cumprimento. O plano de insolvência foi homologado e a Administração Tributária não recorreu dessa homologação judicialmente. O plano de insolvência mantém-se em curso, importando que se não criem situações que o dificultem ou inviabilizem. Assim a penhora das rendas em questão que absorvem recursos da massa insolvente, não pode, por ora manter-se. A sentença recorrida fez uma inadequada interpretação da lei aplicável à situação sub judice que deu causa a erro de julgamento por vício de violação de lei, a determinar a sua revogação. Deliberação Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular o despacho reclamado, determinar o levantamento da penhora de rendas até que seja cumprido ou verificado o incumprimento definitivo do plano de insolvência, e, revogar a decisão recorrida. Custas em ambas as instâncias pela Fazenda Pública, por ser a parte vencida, que não suportará a taxa de justiça neste Supremo Tribunal Administrativo, dado não ter contra-alegado.Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes. |