Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01057A/09
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:EXECUÇÃO DE SENTENÇA
COMPENSAÇÃO
PENA ACESSÓRIA
Sumário:I – A compensação é um meio do devedor “se livrar de uma obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor” que só pode ser usado quando se verifiquem os requisitos legais que o legitimam.
II – Um dos obstáculos à compensação é impenhorabilidade dos créditos, salvo ambos forem da mesma natureza.
III – A impenhorabilidade (parcial) dos vencimentos e de certas prestações sociais visa garantir a subsistência do beneficiário e da sua família e, por ser assim, os devedores protegidos por tal estatuição têm de ser as pessoas singulares a quem esses vencimentos ou essas prestações são pagas.
IV – Se os créditos objecto da compensação decorrerem, de um lado, do direito a uma prestação social e, do outro, do direito de reaver uma quantia indevidamente paga é evidente que ambos se fundam em direitos distintos e se destinam a acudir a diferentes situações.
V – Por essa razão haverá que concluir que os mesmos não têm a mesma natureza e que, por isso, não é possível a sua extinção por compensação.
Nº Convencional:JSTA00068988
Nº do Documento:SAP2014111301057A
Data de Entrada:01/08/2014
Recorrente:VICE PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - EXECUÇÃO DE JULGADO
Legislação Nacional:CPA91 ART287 A.
CPC96 ART771 ART824 N1 A B.
CCIV66 ART853 N1 B.
CP95 ART80 ART100 N3.
CPP87 ART215 N1 ART218 N1 ART499 N1 N6.
DL 133/80 DE 1980/04/20 ART2 ART3.
DL 155/92 DE 1992/07/28 ART36 N1.
DL 220/06 DE 2006/11/03 ART8 ART20.
Referência a Doutrina:ANTUNES VARELA - DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL VOLII 3ED PÁG161 PÁG174.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

O Sr. Procurador Geral da República inconformado com o Acórdão da Secção que indeferiu a reclamação que dirigiu contra o despacho do Sr. Relator – que declarou nulo o seu despacho que procedeu à compensação dos créditos de que era titular com os créditos que a Recorrida tinha sobre a PGR – dele veio interpor recurso que finalizou do seguinte modo:
1. A norma indicada no despacho que operou a compensação de créditos - a do artigo 36°, n.ºs 1 e 2, do D. L. n.º 155/92, de 28/07 - não foi invocada para justificar a compensação nem tem, por isso, potencialidade invalidante.
2. O despacho, pese embora ter omitido as normas nas quais se funda, é legal e consentido pelos artigos 100º do Código Penal e 499.°, n.ºs 1 e 6, do Código do Processo Penal.
3. As prestações compensadas têm a mesma natureza.
4. A competência da PGR para a execução da pena acessória - consubstanciada em operações materiais e matemáticas de grande simplicidade - foi reconhecida no processo criminal por despacho judicial não impugnado.
5. O regime legal aplicável à execução das penas acessórias aqui em causa é o do artigo 100.° do CP - e não o do artigo 80.° do CP - como se defende no Acórdão recorrido.
6. Tendo em conta o regime material aplicável, que expressamente prevê o “desconto” automático do período de interdição provisório no período de interdição definitivo, a liquidação da pena acessória não carece de despacho judicial de liquidação, como o próprio Acórdão recorrido expressamente admite.
7. Os elementos necessários à prática dos actos (materiais e matemáticos) da respectiva execução estão na posse da PGR, entidade à qual foi reconhecida, sem reservas, a competência para o efeito, por despacho judicial não impugnado.
8. Afastada pelo artigo 100.° do Código Penal a questão do direito material que o Acórdão recorrido invoca a propósito do artigo 80º do CP - que não é aplicável - nada parece obstar a que “... as operações de liquidação da pena corressem por conta da entidade patronal do funcionário punido” – sic fls. 15.
9. Ainda que se considerasse que só podem “descontar-se” 3 anos - e não a totalidade do tempo de suspensão - o crédito da PGR é sempre superior ao da Lic. A…………….., resultante da atribuição de subsídio de desemprego.
10. Deve pois revogar-se o Acórdão recorrido, por erro de julgamento e violação de lei, e substitui-lo por outro que declare a conformidade legal do despacho que operou a compensação de créditos e que executou o Acórdão anulatório, declarando-se a extinção da presente execução.
SEM PRESCINDIR
11. O direito ao subsídio de desemprego afirmado pelo Acórdão condenatório assentou na presunção de desemprego involuntário, previsto no artigo 9º, n.º 2, 2ª parte, do DL n.º 220/2006, de 3/11.
12. Independentemente do trânsito - que não se afigura exigível à luz do diploma aplicável, designadamente do seu artigo 42.° e do D. L. nº 133/88, de 20/04 - a dupla confirmação judicial do acto punitivo REMOVE essa presunção e EXTINGUE o direito, que só é reconhecido a beneficiários em situação de desemprego involuntário.
13. Caso se venha a declarar a NULIDADE do despacho de compensação de créditos, não pode impor-se à PGR a obrigação de pagar as quantias correspondentes ao subsídio de desemprego, pois extinguiu-se, na pendência da execução, o direito no qual assenta tal obrigação, devendo pois declarar-se a extinção da instância, por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 287°, alínea e), do CPC.
14. O facto superveniente invocado que extingue o direito não é fundamento de recurso de revisão.
15. A manutenção do despacho na ordem jurídica e a invocada extinção do direito a receber constituem a Lic. A………………… na obrigação de restituir, nos termos do artigo 42.° do Decreto-Lei n.º 220/2006 e 2° e 3°, ambos do D. L. n° 133/88, de 20/04. Assim,
16. A PGR determinará, por novo acto, susceptível de impugnação contenciosa, a restituição das quantias recebidas a título de subsídio de desemprego, à luz do regime jurídico citado.

NESTES TERMOS, DEVE SER REVOGADO O ACÓRDÃO RECORRIDO, POR ERRO DE JULGAMENTO E VIOLAÇÃO DE LEI, E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE JULGUE EXTINTA A EXECUÇÃO, POR SER LEGAL O DESPACHO QUE LHE DEU EXECUÇÃO, ATRAVÉS DA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS.
SEM PRESCINDIR
CASO SE VENHA A CONFIRMAR A NULIDADE DO ACTO EXECUTIVO, DEVE SER DECLARADA A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, PORQUE SE EXTINGUIU, NA PENDÊNCIA DA EXECUÇÃO, O DIREITO AO SUBSÍDIO DE DESEMPREGO E A CORRESPONDENTE OBRIGAÇÃO DE O PAGAR.

A Recorrida contra alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Por Douto Despacho de 24 de Abril 2013, o Colendo Conselheiro Relator admitiu o Recurso ora em apreço.
2. Cabe ao Colendo Tribunal de Recurso, apreciar e decidir das irregularidades verificadas na tramitação dos Autos.
3. Através do Oficio do Colendo STA, de 29-04-2013, foi a Autora notificada, na qualidade de Recorrida, e tendo recebido, como no mesmo expressamente se indicou, “Para alegações, junta-se duplicado das alegações apresentadas pela recorrente” (sic).
4. Da consulta dos Autos constatam-se violações de procedimentos legalmente impostos, devidamente identificados em XI al.ªs a) a i) da MOTIVAÇÃO.
5. Não se mostra incorporado nos Autos o exemplar original das Alegações de Recurso da Recorrente, enviadas ao Processo através da Telecópia cujo “duplicado” foi devidamente notificado à Autora;
6. Verificou-se a extemporaneidade de dois novos Documentos incorporados nos Autos e arbitrariedade na atribuição do número de registo e da data conferidos aos mesmos pela Secretaria do Tribunal.
7. Não se mostra suscitado qualquer incidente processual que tivesse admitido a incorporação nos Autos de quaisquer Documentos concernentes ao Recurso e enviados em momento posterior à respectiva interposição praticada pelo acto processual notificado à Autora na qualidade de Recorrida (doc. A).
8. O não desentranhamento dos novos Documentos deverá determinar a NULIDADE dos actos processuais que através dos mesmos tenha a Entidade Executada pretendido praticar em sede da Instância do Recurso que já havia interposto através da Telecópia, cujo “duplicado” foi devidamente notificado à Autora na qualidade de Recorrida (doc. A).
9. A Entidade Executada não juntou aos Autos nos termos do art.° 4.° do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27/02 - o exemplar correspondente ao original do Documento que enviou ao Processo por Telecópia, enquanto acto processual através do qual interpôs o Recurso e que fez acompanhar das respectivas Alegações ( doc. A).
10. Determina o Decreto-Lei nº 28/92, de 27/02, que o não cumprimento do obrigatório envio, pela Parte do original do Documento que integra a Telecópia através do qual praticou o acto processual, implica o não aproveitamento deste acto (art.° 4.°, nº 5, do citado Decreto-Lei).
11. Não aproveitamento do acto processual de interposição do Recurso em causa, efectivamente praticado pela Executada através da Telecópia cujo “duplicado”, integrando as respectivas Alegações, foi devidamente notificado à Autora na qualidade de Recorrida (doc. A), que implica julgar deserta, e necessariamente extinta, a Instância do Recurso em causa, nos termos das disposições conjugadas dos art.°s 291.°, nº 2; 287.°, al. c) do CPC, aplicável ex vi art.° 140.° do CPTA, com as normas do citado DL 28/92, de 27/02, porquanto a sua prática fez automaticamente caducar, no momento da respectiva expedição, o prazo peremptório de interposição que impede a sua renovação - porque contrária ao art.°145, n.°3, do CPC.
12. Sem conceder quanto ao que se arguiu em 1ª QUESTÃO PRÉVIA, a Autora requer que ao Recurso seja atribuído, nos termos previstos pela norma do art.° 143.°, n°3, do CPTA, efeito meramente devolutivo.
13. A presente ACÇÃO EXECUTIVA, na qual emerge agora Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo desse Colendo Supremo Tribunal, tem por objecto o pagamento de uma quantia correspondente ao subsídio de desemprego incontestavelmente declarado como devido à Autora, Exequente, por Douto Acórdão condenatório desse Colendo Supremo Tribunal, que constitui o respectivo Título Executivo.
14. E o não pagamento do subsídio de desemprego, assim devido à Autora, Exequente, constitui-se em violação de direito, liberdade e garantia, por força da norma do art.° 17.° da CRP, por beneficiar o direito àquele subsídio do regime dos direitos, liberdades e garantias, como tal já declarado pelo Douto Acórdão n°474/2002 do Colendo Tribunal Constitucional.
15. Ao Recurso, e ainda que sem invocação de norma legal feita em respectivo fundamento, o Douto Despacho de 24 de Abril de 2013, atribuiu efeito suspensivo.
16. O direito ao subsídio de desemprego goza do regime dos direitos, liberdades e garantias - cfr. art.° 17.° da CRP e Ac. TC nº 474/2002.
17. Da interpretação norma do art.° 143.°, n.º 2, do CPTA levada a efeito por método integrativo que da mesma extrinque e capte o respectivo sentido teleológico centrado na salvaguarda e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias, assegurados por normas constitucionais de “densidade vinculante” e de “força aplicativa directa”, resulta clara a sua necessária aplicação ao efeito do Recurso em causa.
18. A Autora requer que seja devidamente atribuído o efeito meramente devolutivo ao Recurso em causa, o que tem ainda e também suporte no nº 3 do art.° 143.° do CPTA, porquanto, como ali se prevê, “a suspensão dos efeitos da sentença [leia-se das sucessivas Decisões Judiciais já tomadas no presente Processo] é passível de produzir prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora [a Autora]” e, os quais deverão fazer esse Colendo Tribunal Superior afastar o “efeito - regra geral” do n.º 1 daquele mesmo preceito legal.
19. A atribuição de efeito suspensivo ao Recurso em apreço não só é causadora de graves danos para a Autora, como constitui concreto agravamento dos prejuízos que a falta do cumprimento da obrigação devida pela Entidade Executada lhe vem provocando, com consequências que se repercutiram, de forma irregressível na sua esfera pessoal.
20. Com a atribuição do efeito meramente devolutivo à Decisão recorrida no Recurso em causa, serão, pois, atenuados os graves inconvenientes provocados pela suspensão que o efeito suspensivo ao mesmo atribuído lhe conferiu, e que, de forma irreversível, resultarão necessariamente da impossibilidade da execução daquela Decisão.
21. O efeito meramente devolutivo não poderá, por nenhum critério, ser considerado causador de qualquer prejuízo mais gravoso para a Parte vencida ou para o interesse público, porquanto devem ser desde logo e especialmente tidos em conta, os valores consagrados pela salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias.
22. Sem em absoluto conceder quanto ao que se arguiu e requereu em QUESTÕES PRÉVIAS, em impugnação das violações invocadas, e para o caso de - contrariamente ao que crê virá e ser declarado por esse Colendo Supremo Tribunal - não vir a ser julgada extinta a presente Instância de Recurso, a Autora impugna especialmente, e na sua totalidade, as “alegações apresentadas pela recorrente”, das quais foi devidamente notificada (doc. A).
23. As quantias recebidas pela Autora resultam “da soma das sucessivas quantias mensais correspondentes a vencimentos”, relativamente às quais aquela Entidade Executada não detém qualquer direito de crédito.
24. Vencimentos que a Autora, Exequente, enquanto Funcionária, recebeu nos termos impostos pelo art.° 63.° do DL n.° 100/99, de 31/03, que determina que sejam consideradas justificadas as faltas ocasionadas por imposição de afastamento do Serviço, bem como os seus efeitos, nomeadamente por suspensão de funções decorrente de processo disciplinar e de medida de coacção aplicada em processo-crime, e situação aliás especialmente também prevista no art.° 6.° do citado DL n.° 24/84, de 16/01, relativamente à suspensão em processo disciplinar.
25. As quantias em causa foram pagas à Autora pela Entidade Executada nos termos em que esta estava obrigada, impostos pela referida legislação, não podendo constituir objecto de qualquer “crédito” daquela Entidade.
26. Nos termos impostos e determinados pelo art.° 245.°, n.° 1, da Lei n.° 59/2008, de 11/09, operou-se automaticamente em 24 de Janeiro de 2010, para a Entidade Executada, enquanto Entidade Pública Empregadora da Autora, a extinção de todos os créditos resultantes do contrato que, cessado em 23 de Janeiro de 2009, por efeito de aplicação de pena de demissão, estabelecia a relação jurídica de emprego da Autora com aquela Entidade.
27. Não existe qualquer direito ao crédito das quantias recebidas pela Exequente que foram pagas a título de vencimentos, pelo que a Entidade Executada não pode formular qualquer pedido ou qualquer pretensão com vista ao seu “ressarcimento” através das mesmas.
28. A “compensação” não pode ser concretizada especialmente e também em razão dos fundamentos constantes da Douta Decisão recorrida - em confirmação, aliás, da Douta Decisão anterior desse Colendo Supremo Tribunal - por serem efectivamente diferentes a natureza das prestações em causa na pretensa “compensação”.
29. São, em absoluto, inatendíveis os argumentos expendidos pela Entidade Recorrente para justificar a sua pretensão quanto à execução da pena acessória e das respectivas consequências, nomeadamente, para ainda fundamentar - contra todas as evidências e decisões judiciais já tomadas - a “compensação” em causa, porquanto, e desde logo, a Autora não está sequer ainda definitivamente condenada à pena principal da qual tal pena acessória inexoravelmente depende.
30. Ainda que a condenação definitiva tivesse ocorrido - o que não se verifica - certo é que esse facto em nada alteraria o direito que foi conferido à Autora, de acordo e no estrito cumprimento da Lei, ao recebimento das remunerações/vencimentos que a Entidade Executada processou e pagou devidamente à Autora, e que pretende agora “convolar” em “crédito” a seu favor.
31. É absolutamente ilegal, não apenas por falta de trânsito em julgado da condenação, a “liquidação” que a Entidade Executada pretende fazer da pena acessória, porquanto esta pena só é passível de execução após o cumprimento da pena principal, da qual depende e é corolário, nos termos previstos e impostos no n.° 3 do art.° 66° do Código Penal (CP)
32. O cumprimento da pena acessória e com efeitos retroactivos constitui actuação ilegal por parte da Entidade Executada, absolutamente contrária ao disposto na norma do art.° 66° do CP.
33. Decorre desde logo dos art.°s. 65° e 66° do CP, e do conceito normativo que lhes subjaz e ínsito à norma do art.° 30, n.º 4 da CRP, que a pena acessória não pode ser aplicada e consequentemente não tem execução autónoma em relação à pena principal, e constando, aliás, ambas, da mesma decisão condenatória.
34. Não tem relevância legal, processual, o conhecimento da situação processual da Autora no Processo-crime, que não perdeu quaisquer direitos ou regalias por força da suspensão de funções, nos termos das normas do art.° 63°, n.º 1 do DL n.° 100/99, de 31/03, e do art.° 6.° do Decreto-Lei n.°24/84, de 16/01, irrelevância que, consequentemente deve ser declarada.
35. A actuação processual objectivamente concretizada através da respectiva intervenção processual demonstra, de forma inequívoca, a intenção da entidade Recorrente de não proceder ao pagamento devido e renovadamente imposto pelas Decisões Jurisdicionais tomadas no Douto Acórdão Condenatório e no presente Processo Executivo, o que impõe à Autora que aqui e de novo requeira que o pagamento da quantia exequenda seja feito por dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos já anteriormente requeridos e expressamente referidos na Douta Decisão Judicial de 6/11/2012 (fls. 1), e legalmente previstos pela norma do art.° 170.°, n°3 do CPTA.
36. Actuação processual igualmente demonstrada de forma objectiva pelas concretas intervenções da Entidade Recorrente, cuja Instância pretende mesmo ver suspensa, suspensão relativamente à qual por nenhuma forma lhe assiste razão para requerer.
37. O aproveitamento do Processo Disciplinar, agora usado como “expediente”, faz reiterar as razões da Autora para requerer o indeferimento e consequente não provimento das Alegações apresentadas pela Entidade Executada, Recorrente, pelas quais cumula pretensões incompatíveis com a fase processual em actuação abusiva, nomeadamente quanto à requerida suspensão da Instância.
38. Configurando abuso de direito as intervenções processuais da Entidade Recorrente através das quais ao longo do presente Processo Executivo e em especial em inconformação com a Decisão recorrida no Recurso em apreço, invoca “pretextos” para fazer assentar razões e poder proceder à “compensação” que pretende executar.
39. A actuação da Entidade Executada, que conhece a factualidade descrita e a inexistência de caso julgado no Processo-crime que abusivamente invoca para não cumprir a obrigação que judicialmente lhe foi imposta de pagar as quantias devidas à Autora, a título de subsídio de desemprego, não consubstancia apenas violação do dever de lealdade, de cooperação e de boa-fé processual, como constitui ainda violação do conteúdo essencial dos DIREITOS FUNDAMENTAIS da Autora enquanto arguida em sede criminal.
40. Violação de Direitos Fundamentais em que se consubstancia a construção em que a Entidade Executada faz assentar o não cumprimento da obrigação, que lhe foi judicialmente imposta, de pagar à Autora o subsídio de desemprego a que esta tem, efectivamente, direito.
41. A Autora, Recorrida, impugna na íntegra e na sua totalidade as Alegações apresentadas pela Entidade Recorrente opondo-se a todo o respectivo articulado em absoluto em oposição com o que deduziu em sua defesa, impugna ainda de forma veemente e especial o que nas mesmas se refere quanto à “extinção, na pendência da execução do direito na qual assenta a obrigação” de pagar o subsídio de Desemprego à Exequente.
42. A Entidade Recorrente declara, expressamente, nas respectivas Alegações, Conclusão 2ª, que o acto administrativo através do qual pretende concretizar a “compensação” foi praticado por forma que ali confirma “ter omitido as normas nas quais se funda, ...”.
43. A omissão [d] “as normas nas quais se funda” constitui vício que se conta entre as ilegalidades de que o acto administrativo padece, como a Autora oportuna e devidamente arguiu em impugnação do mesmo ao longo do presente Processo Executivo.
44. O acto administrativo em causa anulado pela Douta Decisão recorrida, estava ferido, entre outros, por vício de violação de lei e por vício de desvio de poder desde logo operados por força da sua prática com efeitos retroactivos, quer pela imposição retroactiva de deveres, quer pela pretendida aplicação retroactiva de sanções, quer pela manifesta restrição de direitos, tudo com vista a, ilegitimamente, constituir obstáculo à concretização do resultado visado com a presente ACÇÃO EXECUTIVA, vícios que o tomam, consequentemente, inválido.
45. Verifica-se total discrepância entre o que prescrevem as normas do ordenamento jurídico português, especialmente em matéria penal e processual penal, e o conteúdo do acto administrativo praticado e que aqui se impugna, nenhuma norma jurídica prevendo, ou sequer permitindo, o que no mesmo se afirma para fundamentar a existência da “dívida” invocada e, consequentemente, do “Crédito” de que, alegadamente, Executada ali se arroga titular.
46. A Autora continua sem ter recebido, até ao presente, as prestações há muito vencidas e relativas ao subsídio de desemprego a que tem direito, desde 23/04/2009, agora também por força e em execução, que é devida, do referido Douto Acórdão condenatório exequendo.
47. A construção que subjaz às Alegações da Entidade Recorrente que desde logo ali repudiou, não tem qualquer suporte, é contrária à lei, contraria os princípios e constitui aberração e absurda concepção do Direito e do Processo Penal.
48. A Autora, ora Recorrida repudia, a tentativa manifestada pela Entidade Executada, de fazer produzir retroactivamente os efeitos da pena acessória pretendendo assim fazer retroagir, contra legem, os seus efeitos, com total alheamento, da própria razão de ser, da função e do sentido das penas, incompatíveis com a referida retroacção.
49. A “compensação” que a Executada pretende levar a efeito não tem qualquer possibilidade legal de execução pelas razões, pelos argumentos, pelos fundamentos doutamente esclarecedores invocados pela Decisão aqui recorrida, bem assim como pela objectivamente demonstrada inexistência de qualquer “dívida” da Autora, ora Recorrida, ao Estado/Entidade Empregadora e também e especialmente por a Recorrente pretender concretizar tal “compensação” por recurso a quantias correspondentes a vencimentos cujo direito, a existir — no que em absoluto se não concede - há muito se extinguiu para aquela Entidade.
50. A Douta Decisão Recorrida não padece de quaisquer ilegalidades, vícios ou erros de julgamento e constitui Decisão Judicial que realiza a tutela jurisdicional efectiva, com a determinação da execução que assegura o efeito útil de Decisão Condenatória desse Colendo Supremo Tribunal Administrativo, impondo o cumprimento da obrigação que impende sobre a Entidade Executada, em aplicação das normas legais e dos princípios jurídicos vinculantes, sem espaço ou lugar para as “conveniências” ou para a “oportunidade da actuação” (art.° 3.° do CPTA) daquela Entidade que, contrariamente à lei, pretende fazer valer através de acto administrativo devidamente anulado e ainda, invocando “compensação” tendo por objecto direito, que a ter existido se encontra, em absoluto, extinto.

Termos em que pelo que aqui supra se invocou demonstrou e arguiu devidamente, pelos fundamentos legais todos aqui igualmente constantes e nos que esse Colendo Supremo Tribunal mui Doutamente melhor suprirá se requer especialmente que:
a) Seja decretado o devido desentranhamento dos novos Documentos que se mostram incorporados nos Autos aos mesmos enviados em momento posterior à interposição do Recurso operada com a expedição da Telecópia cujo duplicado foi devidamente notificado à Autora na qualidade de Recorrida e da qual constam as Alegações da Recorrente (doc. A);
b) Em caso de não decretamento do respectivo desentranhamento dos Autos sejam declarados NULOS e de nenhum efeito os Documentos incorporados nos Autos do Recurso após a respectiva interposição levada a efeito pela prática do acto processual integrado pela Telecópia cujo duplicado foi devidamente notificada à Autora na qualidade de Recorrida (doc. A);
c) Seja julgada declarada extinta a presente Instância de Recurso;
d) Seja atribuído o efeito meramente devolutivo ao Recurso em causa, e consequentemente sejam ordenadas as diligências necessárias à execução da Decisão no mesmo recorrida com vista ao efectivo pagamento à Autora das quantias correspondentes ao subsidio de desemprego a que tem direito por força da lei e especialmente das Decisões Jurisdicionais proferidas no presente Processo n° 1057/09 e seus Apensos, nomeadamente através da dotação orçamental inscrita à ordem do CSTAF nos termos já oportunamente requeridos ao abrigo do disposto na norma do art.° 172.°, n.°3 do CPTA;
e) Seja negado provimento ao presente Recurso - sem conceder quanto à respectiva extinção, nem quanto às Nulidades arguidas - cujas Alegações apresentadas pela Entidade Recorrente se impugnam na totalidade e na íntegra em todo o seu articulado em absoluto em oposição com o que a Autora enquanto Recorrida deduziu em sua defesa nas presentes contra-alegações.”

FUNDAMENTAÇÃO

I. MATÉRIA DE FACTO
O Acórdão recorrido julgou provados os seguintes factos:
a) No acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 7-4-2010, foi decidido, além do mais, «condenar o Senhor Procurador-Geral da República a ordenar o processamento e pagamento do subsídio de desemprego à Autora através dos Serviços da Procuradoria-Geral da República».
b) O acórdão referido foi confirmado pelo acórdão do Pleno de 20-1-2011, que transitou em julgado.
c) O Senhor Procurador Geral da República não pagou qualquer quantia à Requerente;
d) Por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, proferida em 13-7-2004, foi determinado que a Requerente aguardasse os ulteriores termos do processo sujeita, além do mais, a «suspensão de funções na PGR, e à proibição de contactar quaisquer outros funcionários da PGR, tudo ao abrigo dos arts. 191.º a 193.º, 196.º, 199.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, 200.º, n.º 1, al. d) e 204.º al.ª c). todos do CPP» (fls. 176-188);
e) No processo criminal n.º 14217/02. TDLSB, a Requerente foi condenada na pena de 6 anos de prisão e na pena acessória de proibição do exercício de actividades compreendidas na função pública que desempenhava, pelo período de 5 anos.
f) Pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 331/2011, de 7-7-2011, foi decidido não tomar conhecimento dos três recursos que para esse Tribunal foram interpostos pela Requerente no referido processo n.º 14217/02.0TDLSB (fls. 192-226);
g) No período entre 13-7-2004 a 23-1-2009, a Procuradoria-Geral da República pagou à Requerente a quantia total de 160.186,15 €, nos termos discriminados no documento que consta de fls. 227, cujo teor se dá como reproduzido; (também documento de fls. 383).
h) A Procuradoria-Geral da República calculou em € 1.350,00 mensais a quantia de subsídio de desemprego a que a Requerente tem direito, durante um período de 1140 dias, o que perfaz a quantia global de € 50.625,00, sendo € 41.850,00 relativos ao período entre 22-4-2009 e 22-11-2011, a que acresciam, nesta última data juros de mora no montante de € 1.674,00, sendo devidos € 8.775,00 entre 23-11-2011 e 2-6-2012 (documentos de fls. 234-237 e 383);
i) Pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 480/2011, de 11-10-2011, foi indeferido pedido de esclarecimento do acórdão referido em f); (fls. 355-360)
j) Pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 483/2011, de 17-10-2011, foi deferido pedido de rectificação do acórdão referido em f); (fls. 361)
k) Pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 500/2011, de 26-10-2011, foi deferido pedido de rectificação do acórdão referido em f); (fls. 362)
l) Em 22-11-2011, foi elaborada na Procuradoria-Geral da República a «Informação Compensação de Créditos Lic. A…………….. (Subsídio de Desemprego)» que consta de fls. 385-389, cujo teor se dá como reproduzido, em que se propôs, além do mais, que fosse proferido despacho determinando «a reposição da quantia recebida ao longo do período de afastamento do serviço, por força de condenação judicial, por compensação relativamente ao crédito da Lic. A……………….. sobre o subsídio de desemprego, decorrente da condenação da Procuradoria-Geral da República no seu pagamento» (fls. 385-388);
m) Na mesma informação, refere-se que «a compensação deverá ser operada relativamente às prestações vencidos e respectivos juros de mora, calculados à taxa legal» e que «o crédito remanescente da Procuradoria-Geral da República deve ser amortizado por compensação, em prestações mensais e sucessivas, a deduzir nas prestações vincendas de igual ao montante mensal destas, até ao termo final da obrigação de pagamento do subsídio de desemprego, se entretanto nada vier a obstar, designadamente o cumprimento da pena principal, que constitui causa de suspensão de tal obrigação – cfr. artigo 50.º, alínea c), do DL n.º 220/2006, de 3 de Novembro» (fls. 387)
n) Na primeira página desta informação o Senhor Procurador-Geral da República proferiu o seguinte despacho:
1. «Concordo.
2. Determino a restituição da quantia recebida pela Lic. A…………….., por compensação de créditos, nos termos propostos.
3. Proceda-se em conformidade com o sugerido nos artigos 8.º e 9.º da informação.
4. 22-12-2011
(Assinatura)
o) O despacho de 22/11/2011 foi rectificado, nos termos da elaborada informação junta a folhas 582 e seguintes, onde se concluía:
“… deve ser proferido despacho que determine que a decisão que ordenou a compensação, através do despacho acima referido, se reporta ao crédito das quantias efectivamente recebidas pela Lic. A………………, devidamente certificadas e documentadas na certidão junta – no valor total de 111.561.07 (cento e onze mil, quinhentos e sessenta e um euros e sete cêntimos) – sobre o crédito correspondente às prestações vencidas àquela mesma no valor total de 43.524.00 (quarenta e três mil quinhentos e vinte e quatro) euros.
4. Deve ser enviada ao processo executivo n.º 1057/09-A, a correr termos no STA, cópia desta informação e do despacho a proferir, nem como à Acção n.º 205/12, que toma como objecto o despacho que ora se rectifica, nos termos e para os efeitos dos artigos 8º, n.º 3, 2ª parte e 63º, n.º 1 e 165º, n.º 1, in fine, todos do CPTA e, oportunamente, aos dois processos documentos comprovativos da sua notificação à Lic. A……………. e ao seu mandatário.
(…)”.
p) Sobre tal informação foi proferido o seguinte despacho, proferido em 22-3-2012: “Rectifico o meu despacho de 22 de Novembro de 2011 nos termos da presente informação. Proceda-se em conformidade com o proposto em 4.”

II. O DIREITO.
Este Supremo Tribunal, por Acórdão da Secção de 7/04/2010, condenou o Sr. Procurador-Geral (doravante PGR) «a ordenar o processamento e pagamento do subsídio de desemprego à Autora através dos Serviços da Procuradoria-Geral da República», decisão que veio a ser confirmada pelo Acórdão do Pleno de 20/01/2011, o qual já se encontra transitado.
Na sequência desse trânsito a Autora intentou a presente acção executiva destinada a coagir o Sr. PGR a cumprir aquela decisão, cumprimento a que ele afirma não se querer eximir.
Só que no decurso deste processo o Sr. PGR considerou que podia pagar a sua dívida através da compensação com um crédito que tinha sobre a Exequente e, nesse convencimento, proferiu o despacho determinando «a reposição da quantia recebida ao longo do período de afastamento do serviço, por força de condenação judicial, por compensação relativamente ao crédito da Lic. A…………….. sobre o subsídio de desemprego, decorrente da condenação da Procuradoria-Geral da República no seu pagamento.” Compensação que incidiria sobre as prestações vencidas e respectivos juros de mora, calculados à taxa legal devendo o crédito remanescente “ser amortizado por compensação, em prestações mensais e sucessivas, a deduzir nas prestações vincendas de igual ao montante mensal destas, até ao termo final da obrigação de pagamento do subsídio de desemprego, se entretanto nada vier a obstar, designadamente o cumprimento da pena principal, que constitui causa de suspensão de tal obrigação - cfr. art.º 50.°, al.ª c), do DL n.° 220/2006, de 3/11”.
Despacho que foi rectificado, em 22/03/2012, e remetido a estes autos. - (vd. al.ªs l), m), n) e o) do probatório)

Inconformada, a Exequente requereu que os referidos actos fossem declarados nulos, que se declarasse que a PGR não era titular de nenhum crédito sobre ela e que se anulassem quaisquer efeitos dos ditos actos.
E o Acórdão sob censura - sufragando o despacho que o Sr. Relator havia proferido – considerou que a compensação operada pela PGR não tinha fundamento legal, pelo que declarou a sua nulidade e ordenou à PGR que cumprisse o Acórdão condenatório no prazo máximo de 20 dias. Decisão que foi fundada na seguinte ordem de razões:
- O art.º 36.º do DL 155/92, de 28/07, que fundamentara o despacho que ordenara a compensação, não a consentia visto o mesmo se limitar a indicar os modos legalmente admissíveis de repor dinheiros públicos e não a sinalizar os requisitos substanciais daquele meio de extinção de créditos. O citado preceito apenas nos dizia “como se faz a compensação e não quando se pode fazer”. E, mesmo que se admitisse que o disposto no seu n.º 2 podia justificar a compensação, certo era que limitava essa possibilidade aos casos em que os créditos tivessem “idêntica natureza” e, in casu, natureza dos créditos em causa era diversa.
- Por outro lado, o art.º 853.º do CC proíbe que os créditos impenhoráveis possam ser extintos por compensação - salvo se ambos forem da mesma natureza (n.º 1/b) – e, sendo assim, e sendo que o crédito da Exequente não era da mesma natureza do crédito da PGR, o despacho que a ordenou era ilegal. Sendo improcedente o argumento do Recorrente de que ambos esses créditos eram parcialmente impenhoráveis e de que, por isso, podiam ser considerados da mesma natureza uma vez que “o facto de ambas as prestações estarem incluídas em alíneas diferentes (do citado art.º 824.º) mostra que, até para o legislador do CPC, são realidades com diversa natureza.”
- Finalmente, a compensação só pode operar quando o crédito do devedor que a queira fazer é “exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito natural” (art.º 847/1/b) do CC) e o crédito da PGR não revestia essa qualidade na medida em que ele decorria do cumprimento de uma pena acessória e o Tribunal que a aplicou ainda não tinha decidido as questões relativas à sua execução. Por ser assim não podia o Sr. PGR decidir, através de um acto administrativo, a forma de execução daquela pena acessória visto se estar perante questão jurisdicional a decidir no respectivo processo.” “Na verdade, a aplicação do art. 80º (do C. Penal) ao desconto no cumprimento da pena acessória das quantias recebidas enquanto o funcionário esteve suspenso, por força da aplicação de uma medida de coacção, não decorre automaticamente da lei. Se assim fosse (se decorresse claramente da lei esse “desconto”) ainda era admissível pensar que as operações de liquidação dessa pena (meras operações materiais e matemáticas) corressem por conta da entidade patronal do funcionário punido. Mas não é assim.” Por isso tinha de ser o Tribunal que aplicou a pena acessória a decidir “em que termos é feito o desconto das medidas cautelares, no cumprimento de qualquer outra pena, designadamente da pena acessória de proibição do exercício de determinadas funções.” O que não tendo acontecido determinava a nulidade do despacho do Sr. PGR ora em causa.

O Sr. PGR rejeita esse julgamento pelas razões sumariadas nas conclusões do seu recurso.

1. O Sr. PGR começou por censurar o Acórdão por este ter justificado a anulação do acto impugnado com, entre outros, o argumento de que o mesmo contrariava o que se estatuía no art.º 36.º do DL 155/92 quando a verdade é que esta norma não foi fundamento do seu despacho. De resto, nunca ignorou que ela era uma norma adjectiva e que se limitava a estabelecer as formas de que se podia revestir a restituição dos dinheiros públicos indevidamente recebidos e não uma norma substantiva definidora dos requisitos da compensação.
Sendo, assim, pacífico que a citada norma se destinava apenas a indicar o modo como compensação se deveria processar e não a sinalizar quando é que ela podia operar e, portanto, sendo claro que a mesma não podia servir de fundamento substantivo ao acto do Sr. PGR, resta analisar se a mesma foi, como o Acórdão considerou, fundamento daquele acto.

O segmento da informação que mereceu à aprovação do Sr. PGR e, por isso, passou a integrar o despacho que ordenou a compensação é do seguinte teor:
“À luz da norma do art.º 36, n.º 1, do DL n.º 155/92, de 28/92, deve ser proferido despacho que determine a reposição da quantia recebida ao longo do período de afastamento do serviço e por força da condenação judicial, por compensação relativamente ao crédito da Lic. A…………….. sobre o subsídio de desemprego, decorrente da condenação da Procuradoria-Geral da República ao seu pagamento.

Sendo que o n.º 1 do citado preceito tem a seguinte redacção:
“1 – A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia.”

A leitura do transcrito trecho e o modo como nele se fez apelo ao disposto no art.º 36.º/1 do DL 155/92 parecem evidenciar que, de facto, a invocação desta norma não serviu para justificar, substantivamente, a decisão que ordenou a compensação mas, apenas e tão só, como uma sugestão de que a reposição do dinheiro de que a Exequente tinha indevidamente recebido da PGR deveria ser feita através daquele meio, compensando-se o crédito de que a PGR era titular com o débito que a mesma tinha para com a Exequente referente ao pagamento do subsídio de desemprego. Com efeito, tendo nele sido dito que, a coberto do que se dispunha no n.º 1 do citado art.º 36.º, se devia determinar a reposição do dinheiro indevidamente recebido pela Executada e que tal se fizesse através do mecanismo da compensação isso não pode ser interpretado como constituindo o fundamento substantivo daquela operação.
Daí que nos inclinemos a concluir que o Recorrente tem razão quando afirma que o transcrito segmento do seu acto não foi fundamento para a sua anulação. E, assim sendo, o mesmo não podia ser anulado com invocação na apontada norma.
Procede, pois, nesta parte o recurso.

2. O Recorrente sustenta, a seguir, que o Acórdão tinha feito errado julgamentoao considerar, sem mais, que as prestações geradoras dos créditos compensados são de natureza diferente” e que esta natureza diferente era bem visível no facto delas se encontrarem previstas em diferentes al.ªs do mesmo preceito (al.ªs a) e b) do nº 1 do art.º 824.º do CPC). Com efeito, argumenta, ambos os créditos resultavam de abonos periódicos mensais, eram parcialmente impenhoráveis e decorriam da mesma relação de emprego público o que valia por dizer que tinham a mesma natureza. E que, sendo assim, nada proibia que o pagamento da sua dívida fosse feito através da compensação de créditos de que a Exequente era titular e de que o Recorrente era devedor.

2.1. É sabido que a compensação é um meio do devedor “se livrar de uma obrigação por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor” (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. 2.º, 3.ª ed., pag. 161.) e que o mesmo pode ser usado sempre que se verifiquem os requisitos legais que o legitimam, mesmo que a outra parte esteja em desacordo ou se oponha a que o seu crédito possa ser extinto dessa forma. Importa, por isso, ser exigente na apreciação da verificação dos requisitos que a consentem visto que, se assim não for, poder-se-á permitir que um dos credores se sirva, de forma ilegítima e sem fundamento legal, de uma forma da extinção do seu crédito não prevista para a sua concreta situação, com prejuízo do outro credor.
Entre os impedimentos ao uso desse meio encontra-se a impenhorabilidade dos créditos obstáculo que, no entanto, desaparece se ambos forem da mesma natureza (art.º 853.º/1/b) do CC). Deste modo, o despacho aqui impugnado só terá cobertura legal se for de concluir que os créditos da Exequente e da PGR não só eram impenhoráveis como tinham a mesma natureza.

Entre os bens parcialmente impenhoráveis encontram-se os vencimentos ou salários auferidos e as prestações periódicas devidas a título de qualquer regalia social ou de qualquer pensão de natureza semelhante (art.º 824.º/1/a) e b) do CPC) o que leva o Recorrente a sustentar que reportando-se os créditos em causa a vencimentos e prestações sociais ter-se-ia de concluir ambos eram da mesma natureza e que, por isso, o Acórdão errara quando os declarou de natureza diferente.

2.2. É inquestionável que os créditos da Exequente decorrem de subsídios de desemprego que o Recorrente foi condenado a pagar-lhe e que os créditos deste resultaram de abonos e vencimentos que a PGR lhe pagou num determinado período sem que ela tivesse direito aos mesmos. Como também se não discute que os créditos decorrentes de vencimentos e de prestações sociais são impenhoráveis (art.º 824.º/1/a) e b) do CPC.).
Daí que, não se podendo extinguir por compensação os créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza, importa saber se, para os presentes efeitos, o crédito do Recorrente era impenhorável e se, para além disso, tinha a mesma natureza do crédito da Exequente.

É sabido que a impenhorabilidade (parcial) dos vencimentos e de certas prestações sociais visa garantir a subsistência do beneficiário e da sua família e que, por ser assim, os devedores protegidos por tal estatuição têm de ser as pessoas singulares a quem esses vencimentos ou essas prestações são pagas. Só essa finalidade humanitária é que justifica não só a impenhorabilidade de tais rendimentos como também que “a lei não permita a sua extinção por encontro de outros créditos não revestidos de igual força, porque não afectados a idêntica ou análoga finalidade.” (A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. 2.º, 3.ª ed., pg. 174.)
Compreende-se, assim, não só a finalidade e o alcance da norma proibitiva da extinção por compensação dos créditos impenhoráveis como se compreende que essa proibição não funcione se ambos os créditos forem impenhoráveis e tiverem a mesma natureza já que, nesta situação, a protecção decorrente da impenhorabilidade do crédito deixa de fazer sentido.
Se assim é, isto é, se a impenhorabilidade de parte dos vencimentos e prestações sociais encontra justificação na necessidade que o seu beneficiário deles tem para fazer face à sua subsistência e da sua família ter-se-á de concluir que essa impenhorabilidade já não fará sentido se o crédito do interessado na compensação já não for uma pessoa singular mas uma empresa ou instituição e a origem do seu crédito ter resultado do pagamento de remunerações indevidas e do direito à sua posterior restituição.
Estamos já, pois, em condições de responder à interrogação anteriormente colocada.

Com efeito, ninguém duvida de que os créditos aqui em causa se fundam em distintos direitos – num caso no direito a uma prestação social no outro no direito de reaver uma quantia indevidamente paga – e que ambos se destinam a acudir a diferentes situações.
Por outro lado, atenta a sua natureza o crédito da PGR não pode, para os efeitos previstos no art.º 824.º do CPC, ser qualificado como um crédito decorrente de vencimentos o que nos leva a concluir que o mesmo não só não é um crédito impenhorável como também não tem a mesma natureza do crédito exequendo.
Tanto basta para se concluir que a PGR não podia fazer extinguir o seu crédito por compensação com o crédito da Exequente.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso.

3. O Recorrente censura, ainda, o Acórdão por este ter dito que o seu crédito não era judicialmente exigível e que isso impedia a compensação. Exigibilidade que, no entender do Aresto, dependia de decisão do Tribunal que condenou a Exequente na pena acessória de proibição de exercício de funções públicas por 5 anos a identificar os termos em que esta deveria ser executada visto essa identificação ser uma questão jurisdicional a decidir no processo penal. Sendo assim, e sendo que nem o Acórdão condenatório nem qualquer despacho posterior “decidiu qual o tempo que a ora exequente esteve suspensa do exercício de funções em cumprimento de medida de coacção é descontado no posterior cumprimento da pena acessória” e que nem sequer “existe decisão a dizer sequer que esse desconto pode ser feito”, o crédito da PGR não era judicialmente exigível e, porque não o era, não podia ser objecto de compensação.

O Recorrente rejeita este entendimento por entender que o n.º 3 do art.º 100.º do CP não só permitia como obrigava a que se procedesse ao «desconto» nas penas acessórias e que, muito embora fosse certo que o Tribunal Criminal nada tivesse decidido quanto ao cumprimento da pena acessória, também o era que esse Tribunal tinha emitido certidão admitindo a competência da PGR para a prática dos actos (materiais e matemáticos) necessários à sua execução.

A questão que se coloca é, pois, como se vê, apenas e tão só a de saber se o Acórdão fez correcto julgamento quando afirmou que cabia ao Tribunal Criminal definir os termos em que a pena acessória deveria ser executada e que, não tendo tal acontecido, o crédito do Recorrente era inexequível o que impedia a compensação.

3.1. O art.º 80.º do CP - como se afirma, e bem, no Acórdão - não é conclusivo na resolução da identificada questão pelo que teremos de nos socorrer de outras disposições para resolvermos essa dificuldade.
E nesta matéria convém atentar que o art.º 100.º do CP estatui que “quem for condenado por crime cometido com grave abuso de autoridade … é interdito do exercício da respectiva actividade quando …. houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie”, por um período que pode variar entre 1 e 5 anos, período esse que se conta “a partir do trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo de nele ser imputada a duração de qualquer interdição decretada, pelo mesmo facto, a título provisório.” (vd. seus n.ºs 1, 2 e 3). Sendo certo, por um lado, que quando essa condenação se consubstanciar na proibição ou suspensão de exercício da função pública a mesma será “comunicada ao dirigente do serviço ou organismo de que depende o condenado” cabendo ao Tribunal ordenar “as providências necessárias para a execução da pena acessória.” (art.º 499.º 1 e 6 do CPP).

Destas normas resultam, assim, duas coisas essenciais; a primeira, a de que o cumprimento da medida acessória se conta a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, sem prejuízo de lhe poder ser imputada qualquer interdição que tenha sido decretada a título provisório e, a outra, a de que caberá ao Tribunal da condenação ordenar as providências necessárias à sua execução o que significa que o cumprimento da medida acessória se conta a partir do trânsito em julgado da sentença e que caberá ao Tribunal que a aplicou ditar as providências de que depende a sua execução.
Deste modo, e ainda que cumpra ao Tribunal comunicar a pena acessória ao dirigente do serviço ou organismo onde o condenado presta serviço certo é que se não pode retirar daquelas normas, nem directa nem indirectamente, que feita essa comunicação caberá ao dirigente do serviço ou organismo determinar o modo como se fará a execução dessa pena.
Se assim é, como é, o Acórdão recorrido está certo quando afirmou que não podia ser a PGR a resolver a questão da aplicação da medida provisória “através de um acto administrativo pois está em causa uma decisão jurisdicional a decidir no respectivo processo.”

Deste modo, estando em causa a execução de uma proibição do exercício de actividades na função pública por 5 anos e a forma como ela deve ser concretizada, estamos perante matéria clara e indiscutivelmente jurisdicional e não matéria de natureza administrativa confinada à prática de actos materiais e matemáticos. Aliás, é por ser assim que o Recorrente questiona se aquele período, por força do disposto nos art.ºs 215.º/1 e 218.º/1 do CPP, podia ser reduzido a 3 anos sustentando que, mesmo que o pudesse, sempre haveria de concluir que o montante que a Exequente deve à PGR é muito superior ao que ela lhe tinha de lhe pagar de subsídio de desemprego. O que significa que a alegação do Recorrente é, por si mesmo, o reconhecimento de que não lhe cabia determinar a forma como a execução daquela pena deveria ser feita.

Finalmente, e no tocante à certidão onde o Recorrente se apoia para defender que o Tribunal da condenação lhe atribuiu aquela missão, acompanha-se inteiramente o que se escreveu no Acórdão, isto é, de que a mesma foi emitida nos termos em que o foi porque no requerimento onde ela foi solicitada tinha sido pedido que da mesma constasse que ela se destinava “«ao cumprimento da pena acessória respectiva, visto ser aquela a entidade competente para a sua execução». Tal certidão mereceu o seguinte despacho: “Emita certidão conforme se requer”. O referido despacho judicial apenas ordena a emissão da certidão. Não decide se o desconto é possível e em que medida. E a certidão emitida não substitui, como parece óbvio, uma decisão do respectivo processo sobre a possibilidade ou não do desconto.
Deste modo, tal certidão, com todo o respeito pela Sra. Escrivã - Adjunta que a emitiu, não equivale nem substitui a decisão judicial deferindo ou indeferindo a pretensão do Procuradora Geral da República a poder descontar no cumprimento da pena acessória os vencimentos pagos à exequente enquanto esteve suspensa do exercício de funções, por aplicação de uma medida de coacção.”

Improcede, assim, nesta parte, o recurso.

4. Finalmente, o Recorrente pretende que se revogue o Acórdão recorrido na parte em que este indeferiu o pedido de suspensão da presente execução até que transitasse em julgado o Acórdão do Pleno de 15/11/2012 - que confirmou o Acórdão da Secção de 26/01/2012 que havia negado provimento à impugnação judicial da decisão que lhe aplicou a pena disciplinar expulsiva.
O raciocínio do Recorrente é este:
- Por Acórdão deste STA de 7/04/2010, confirmado pelo Acórdão do Pleno de 20/01/2011, o Recorrente foi condenado a pagar à Exequente o subsídio de desemprego.
- Todavia, nos termos dos art.º 8.º e 20.º do DL 220/2006, só tem direito ao subsídio de desemprego quem viu cessar o seu contrato de trabalho pelas razões tipificadas no n.º 1 do art.º 9.º daquele diploma.
- Ora, a Exequente viu cessar o seu contrato de trabalho por força da instauração de processo disciplinar e da aplicação de uma pena expulsiva, fundamento este que não consta do citado art.º 9.º.
- Sanção que foi considerada legal pelo Acórdão do Pleno de 15/11/2012 - confirmativo do Acórdão da Secção de 26/01/2012 que havia julgado improcedente a impugnação judicial dessa punição – o qual já não é susceptível de recurso ordinário.
- Deste modo, as prestações de subsídio de desemprego que o Recorrente foi condenado a pagar à Exequente constituirão um pagamento indevido (art.º 2.º e 3.º do DL 133/80, de 20/04).
- Sendo assim, e sendo que o Acórdão que julgou legal a sanção expulsiva aplicada à Exequente é posterior ao Acórdão que condenou o Recorrente a pagar-lhe o subsídio de desemprego, é forçoso concluir que a sua obrigação de pagamento cessou. Daí que se deva ter por “extinto, por facto superveniente, o direito ao subsídio e nascida a obrigação de o restituir – por indevidamente recebido – o Tribunal não poderá condenar o Recorrente a pagar à Exequente as quantias correspondentes à totalidade do subsídio de desemprego.”
- Deve, pois, caso se confirme a nulidade do despacho que ordenou a compensação, julgar-se extinta a instância, nos termos do art.º 287.º/a) do CPA “pois extinguiu-se na sua pendência o direito do recebimento ao subsídio de desemprego e a correspondente obrigação da PGR de o processar.”

4. 1. O Recorrente, com o mesmo fundamento, já havia solicitado a suspensão desta instância até que transitasse o mencionado Acórdão do Pleno de 15/11/2012, pedido que foi indeferido pela seguinte ordem de razões:
“Neste momento - nesta fase do processo - já não está em discussão a questão de saber se a exequente tem ou não direito ao subsídio de desemprego, ou dito de outro modo, se a sua situação de facto integrava ou não os pressupostos da atribuição do subsídio de desemprego, pois tal questão foi apreciada foi-lhe reconhecido por Acórdão transitado em julgado.
Se ocorreu algum facto que, eventualmente, possa pôr em causa uma decisão transitada, tal só pode produzir efeitos jurídicos através de recurso de revisão (art. 771º e seguintes do CPC).
Enquanto o acórdão exequendo não for “revisto” o mesmo deve obrigatoriamente ser cumprido, como é elementar, pois transitou em julgado.
Assim, o pedido de suspensão da presente execução até trânsito em julgado do acórdão de 15 de Novembro que confirmou a pena de demissão deve ser indeferido.”

Ora, esta fundamentação é perfeitamente aplicável ao pedido de extinção da instância agora formulado.
Com efeito, a presente execução destina-se, unicamente, a dar cumprimento a uma decisão judicial já transitada pelo que a mesma não pode ser sustada ou extinta enquanto não se obtenha uma nova decisão que substitua a decisão condenatória, isto é, enquanto o Acórdão exequendo não for objecto de revisão.
Nesta conformidade, não se pode deferir a pretensão do Recorrente visto inexistir fundamento legal para suspender ou extinguir esta instância.

Daí que, também nesta parte, faleça razão ao Recorrente.
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Uma palavra final para as solicitações formuladas pela Exequente nas suas contra alegações.
1 – Este Tribunal não conhece de matéria de facto e, por outro lado, esta foi já fixada pelo Acórdão recorrido. Daí que a junção ou o desentranhamento dos documentos a que a contra alegante faz referência são inócuos para a decisão da causa, razão para que nada se decida no tocante aos mesmos.
2 – O efeito fixado a este recurso decorreu do que se estabelece na lei (art.º 143.º do CPTA) pelo que improcede a pretensão da Exequente.
3 – O original das alegações do Recorrente, ao contrário do que sustenta a Exequente, encontra-se nos autos.
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Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento do recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 13 de Novembro de 2014. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Jorge Artur Madeira dos Santos – Maria Fernanda dos Santos Maçãs – António Bento São Pedro – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – Carlos Luís Medeiros de Carvalho – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz.