Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0578/18.2BEPRT
Data do Acordão:01/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
COIMA
Sumário:Ocorrendo impossibilidade objectiva de regularização da falta cometida com efeitos úteis, a mesma não deve ser impeditiva de a arguida de proceder ao pagamento voluntário da coima nos termos e condições previstas nos outros números do artº 75 do RGIT, uma vez que isso representaria uma penalização automática à margem da sua própria vontade subjectiva e para uma situação não prevista nos termos legais supra citados.
Nº Convencional:JSTA000P24111
Nº do Documento:SA2201901230578/18
Data de Entrada:10/30/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.../SA (SUCURSAL)
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
A Autoridade Tributária e Aduaneira, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente recurso judicial interposto A………………./SA (sucursal) melhor identificada nos autos, contra a decisão do Director da Alfandega do Aeroporto do Porto, que lhe aplicou coima no montante total de € 1.350,00, pela prática de cinco violações ao disposto no art.º 59.º § único, conjugado com o artigo 116.º do Regulamento das Alfândegas aprovado pelo Decreto n.º 31 730 de 15/12/1941 o que constitui contra-ordenação aduaneira prevista pelo art.º 111.º-A do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05/06 e punível pelo mesmo artigo conjugado com os n.ºs 1 e 4 do artigo 26.º do RGIT.
Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«1. O legislador do RGIT foi expresso na sua exigência quanto aos requisitos para aplicação dos regimes de exceção de redução, pagamento antecipado e voluntário da coima, designadamente na imposição da regularização da situação tributária em todos eles.
2. A AT deve estrita obediência à lei, não podendo fora dos casos expressa e legalmente excecionados, conceder um benefício, uma vantagem, fixando condições diversas ou desconsiderando as exigidas pela lei. Pelo que;
3. Não regulando expressamente o RGIT a situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, por via do seu desprezo enquanto requisito para efeito dos institutos de redução de coima, de pagamento antecipado e voluntário, consignados nos artigos 30.º, 75.º e 78.º, todos do dito diploma, não caberá à AT fazê-lo, pois não está legalmente habilitada para o efeito.
4. No RGIT, benefícios de pagamento da coima reduzida (artigo 29.º do RGIT) e do pagamento antecipado da coima (art. 75.º do RGIT), operam antes que tenha sido efetuada qualquer análise do mérito e da determinação da medida da coima em sede de Decisão Final, a qual só ocorre caso não estejam cumpridas as condições da operacionalidade daquelas normas.
5. Na situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, ocorrerá a preclusão do direito do arguido, no processo de contra-ordenação, a beneficiar do pagamento antecipado (art.º 75.º do RGIT) e do pagamento voluntário (art.º 78.º do RGIT), resultando tal preclusão do facto de essa regularização consubstanciar (também) pressuposto do exercício daqueles direitos.
6. Com efeito, à luz do disposto no artigo 75.º, n.º 3 e no artigo 78.º n.º 3, ambos do RGIT, a aludida regularização da situação tributária constitui condição legal ao pagamento antecipado e ao pagamento voluntário da coima fixada.
7. Não é pois admissível, a extinção da responsabilidade contra-ordenacional (art.º 61.º al. c) através do pagamento antecipado da coima, tal como vem previsto no artigo 75.º do RGIT, em caso de não regularização da situação tributária, porquanto o n.º 3 da norma prevê que se o arguido não proceder à regularização da situação tributária, o processo prosseguirá para fixação da coima e cobrança da diferença.
Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, mantendo-se a Decisão Final recorrida, com as devidas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.»

O Ministério Público na 1ª Instância, a fls. 119 e seguintes do processo físico, veio apresentar resposta ao recurso interposto pela FP para este Supremo Tribunal com seguinte quadro conclusivo:
«1ª – Nos autos foi proferida sentença, em que se julgou a impugnação da coima apresentada procedente, declarando extinto o procedimento contraordenacional, pelo facto de a arguida ter procedido ao pagamento antecipado da coima nos termos dos artigos 61 – al) c) e 75 – nº 1, ambos do RGIT.
2ª - A arguida foi condenada na coima única impugnada pelo facto de não ter apresentado manifesto de voo das mercadorias embarcadas em transporte aéreo, e apesar de ter procedido ao pagamento da coima reduzida nos termos do art.º 75 – nº 1 do RGIT, foi igualmente condenada em coima “atendendo a que a regularização da situação é impossível (manifestação de mercadoria já transportada no manifesto de voo já realizado), pelo que não é aplicável o regime do artigo 75.º do RGIT”.
3ª - Na sentença recorrida considerou-se não ser aplicável o disposto no art.º 75 – nº 3 do RGIT, porquanto não há lugar a qualquer regularização e essa nem será já possível, tal como reconhece a autoridade tributária na decisão de aplicação de coima impugnada, pelo que declarou extinto o procedimento contraordenacional, pelo facto de a arguida ter procedido ao pagamento antecipado da coima nos termos dos artigos 61 – al) c) e 75 – nº 1, ambos do RGIT.
4ª - Inconformada, recorre a FP alegando que a arguida não regularizou a situação tributária, por não ser sequer possível, pelo que não haveria lugar à aplicação do disposto no art.º 75 – nº 3 do RGIT e teria pois fundamento legal a condenação em coima tal como decidido pela ATA, pelo que foi violado o disposto no art.º 75 – nº 3 do RGIT.
5ª - Está absolutamente certa e em obediência à lei a sentença recorrida, tal como defendem os autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508).
6ª - Com efeito, a regularização tributária de que nos fala o nº 3, do art.º 75 do RGIT é a que vem definida no nº 3, do art.º 30 do RGIT (neste sentido, também os citados autores), ou seja, “o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração”, e essencialmente o pagamento dos tributos em dívida.
7ª - Ora não se podendo já proceder a regularização tributária, por não ser possível manifestar uma carga aérea já embarcada, em que a autoridade alfandegária já não teria possibilidade de fiscalizar essa mercadoria, tal como se reconhece na decisão de aplicação de coima impugnada, continua a arguida a poder beneficiar do disposto no art.º 75 – nº 1 do RGIT, pelo que não nos merece qualquer censura a sentença recorrida.»

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:
«1. A sentença recorrida faz uma apreciação ajustada dos preceitos e dos princípios aplicáveis ao pagamento antecipado de coima, quando refere que não é pelo facto de a Recorrida não ter regularizado a sua situação tributária que lhe deve ser negado o direito a pagar antecipadamente a coima fixada.
2. A doutrina dominante, tal como se viu, acolhe esta mesma posição, dizendo que em casos como este que aqui nos detém deverá ser concedida aos infratores a possibilidade de pagar antecipadamente a coima sem que tal esteja condicionado por uma sua anterior regularização da situação tributária.
3. Nesses termos padece, efetivamente, a decisão final que fixou uma segunda coima à Recorrente, no valor de € 1.350,00, do vício de violação de lei, visto que colide com a interpretação acertada que deve ser feita do art. 75.º do RGIT.
4. A isto acresce o facto de o art. 61.º al. c) do RGIT referir que o procedimento contraordenacional se extingue nos casos em que o infrator procede ao pagamento voluntário das coimas.
5. Tendo a Recorrida procedido ao pagamento antecipado e voluntário das coimas que lhe foram notificadas por via dos cinco despachos de acusação, devem considerar-se extintos e arquivados todos os processos de contra-ordenação respetivos.»

O Ministério Público junto do STA emitiu parecer com o seguinte teor:
«1.OBJETO.
Decisão do TAF do Porto, que julgou procedente recurso judicial interposto da decisão do Diretor da Alfândega do Aeroporto do Porto, que lhe aplicou uma coima de € 270,00 por cada uma das infrações, num total de € 1350,00, contraordenações essas pp pelas disposições conjugadas dos artigos 59.º, § único e 116.º do Regulamento das Alfândegas, aprovado pelo Decreto 31.730, de 15/12/1941 e 26.º e 111.º-A do RGIT, no entendimento de que a recorrida procedeu ao pagamento antecipado das coimas, nos termos do disposto no artigo 75.º do RGIT e a impossibilidade objetiva da regularização da situação tributária não impede o direito à redução da coima e custas estatuídas nesse normativo.
2.FUNDAMENTAÇÃO.
Como bem refere o representante do MP na sua resposta ao recurso interposto pela FP, cujo discurso fundamentador se subscreve, o recurso não merece provimento.
Efetivamente, a recorrida, procedeu ao pagamento antecipado da coima, no prazo para defesa, nos termos do disposto no artigo 75.º do RGIT.
Assim, beneficiou da redução das coimas ao mínimo legal e das custas processuais para metade.
Nos termos do n.º 3 do artigo 75.º do RGIT o direito à redução fica condicionado à regularização da situação tributária.
A regularização da situação tributária consubstancia-se no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração, atento o estatuído no artigo 30.º/3 do RGIT.
Contudo há situações como a dos autos em que não é, objetivamente, possível procedera a tal regularização.
De facto, não é possível manifestar mercadoria já transportada no manifesto de voo já realizado.
“Nestes casos será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no n.º 3 deste artigo 75.º e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado” (RGIT, anotado, 4.ª edição 2010, Áreas Editora, página 508, Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos).
Destarte, tendo a recorrida procedido ao válido pagamento voluntário antecipado da coima, nos termos do estatuído no artigo 75.º do RGIT, a sindicada decisão da autoridade tributária, que a condenou nas coimas referidas é ilegal.
A decisão recorrida que determinou a extinção do procedimento contra-ordenacional tem pleno apoio legal (artigos 61.º/ c) e 75.º do RGIT).
4.CONCLUSÃO.
Deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a decisão recorrida na ordem jurídica.»

2 – Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) No âmbito dos processos de contra-ordenação n.ºs 020-0112-17, 020-0113-17, 020-0114-17, 020-0115-17 e 020-0116-17 instaurados pela Alfândega do Aeroporto do Porto contra a “A……….…../SA sucursal em Portugal” foi proferida decisão final condenando a arguida no pagamento de uma coima no valor de € 1.350,00 nos seguintes termos:






— Cfr. fls. 33 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) O Arguido foi notificado da decisão a que se alude no ponto antecedente em 02/01/2018 - cfr. fls. 18 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) O recurso deu entrada em 25/01/2018 – cfr. fls. 19 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3-Fundamentação de direito:
Para se decidir pela procedência da impugnação considerou a decisão recorrida a seguinte fundamentação jurídica que se apresenta por extracto:
(…) a Entidade Administrativa entendeu que a Arguida apesar de ter efectuado o pagamento antecipado da coima nos termos do art.º 75.º do RGIT não poderia beneficiar do regime vertido neste artigo, porquanto a regularização da situação tributária (manifestação de mercadoria já transportada no manifesto de voo já realizado) a que alude o n.º 3 já não era possível, ou seja, a Entidade Administrativa entende que o pagamento antecipado da coima só é admissível nas situações em que a regularização da situação tributária é ainda possível.
Contudo, não se acompanha tal entendimento, pois do n.º 1 do art.º 75.º do RGIT não decorre tal interpretação, já que este normativo prescreve que tratando-se de contra-ordenação simples, o arguido que pagar a coima no prazo para a defesa beneficia, por efeito da antecipação do pagamento, da redução da coima para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contra-ordenação e da redução a metade das custas processuais, ou seja, o arguido que efectue o pagamento da coima no prazo para a defesa beneficia de tal redução.
E do n.º 3 o que se extrai é que o direito à redução fica sujeito à condição da regularização da situação tributária, mas sempre que tal seja possível. Não sendo possível, como é o caso dos autos, a única conclusão que se poderá extrair é que no caso dos autos o pagamento antecipado não ficou dependente de qualquer condição (atendendo à impossibilidade de regularização) sendo perfeitamente válido e tendo a Arguida direito à extinção dos PCO’s.
Como afirma Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508 “há situações em que não há lugar ou não é já possível efectuar tal regularização […] nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no n.º 3 deste art.º 75.º e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado”.
Face ao exposto, a decisão recorrida é ilegal por violação do art.º 75.º, do RGIT determinando-se a extinção dos processos de contra-ordenação por pagamento.
V – Decisão
Em consequência do exposto, anula-se a decisão recorrida e determina-se a extinção dos processos de contra-ordenação.

DECIDINDO NESTE STA:
A questão a decidir consiste em saber se quando ocorre uma situação em que já não é possível a regularização da situação tributária, como sucede no caso dos autos, é ou não possível ao arguido (a), tratando-se de contra-ordenação simples, pagar a coima no prazo para a sua defesa, com o benefício, por efeito da antecipação do pagamento, da redução da mesma coima para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contra-ordenação e da redução a metade das custas processuais.
Vejamos os termos da lei:
Dispõe o artº 75.º, do R.G.I.T, (sendo o nº 1 com a redacção introduzida pela Lei 75-A/2014 de 30/09):
Antecipação do pagamento da coima
1 - Tratando-se de contra-ordenação simples, o arguido que pagar a coima no prazo para a defesa beneficia, por efeito da antecipação do pagamento, da redução da coima para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contra-ordenação e da redução a metade das custas processuais.
2 - O pagamento antecipado da coima não é aplicável às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a (euro) 15 000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a (euro) 50 000 e, em qualquer caso, não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei.
3 - Caso o arguido não proceda, no prazo legal ou no prazo que seja fixado, à regularização da situação tributária, perde o direito à redução previsto no n.º 1 e o processo de contra-ordenação prossegue para fixação da coima e cobrança da diferença.

Está pois, apenas em causa, a não regularização da situação tributária prevista no nº 3 do preceito acabado de citar, não se questionando a tempestividade do pagamento efectuado, nem a não verificação do segundo requisito previsto no número 2 do artº 75º do RGIT atinente ao valor da mercadoria, que não está apurado nos autos.
Unicamente defende a recorrente Fazenda Pública que, perante a impossibilidade objectiva de regularizar a situação tributária, o que efectivamente sucede no caso dos autos, atenta a matéria fixada na alínea A) do probatório, designadamente na expressão do conteúdo da decisão administrativa explicativo das razões de ser considerado, não ocorrer a possibilidade de aplicar ao caso o disposto no artº 75º nº 3 do RGIT, sucederá a preclusão do direito do arguido, no processo de contra-ordenação, de beneficiar do pagamento antecipado (art.º 75.º do RGIT) e do pagamento voluntário (art.º 78.º do RGIT), resultando tal preclusão do facto de essa regularização consubstanciar (também) pressuposto do exercício daqueles direitos.
No reverso é apontada pelo Ministério Público abalizada doutrina, a qual sustenta que na situação dos autos pode ser efectuado o pagamento voluntário e antecipado até ao termo do prazo para defesa (art.º 70.º, n.º 1 do RGIT), com os benefícios daí decorrentes para o arguido legalmente previstos.
Quid Juris?
A lei define o conceito de regularização da situação tributária no nº 3 do artº 30º do RGIT estabelecendo que: “Entende-se por regularização da situação tributária, para efeitos deste artigo, o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção”. E, como reconhece a recorrente, o artº 75º do RGIT é omisso quanto à previsão da situação em que a regularização da situação tributária já não é possível objectivamente, como sucede no caso dos autos, (por já não ser possível manifestar uma carga aérea já embarcada e entregue, uma vez que a autoridade alfandegária já não tem possibilidade de fiscalizar essa mercadoria).
Então cumprirá apreciar e restringir a satisfação deste requisito somente àquelas situações em que o arguido ainda pode satisfazer a regularização da situação tributária. A sua relevância e exigência, efectivamente, só se compreende nesta última situação, causticando-se a não regularização com a impossibilidade de efectuar o pagamento com a dita redução. Há aqui, implicitamente uma valorização da intenção ou vontade subjectiva de regularizar obrigações tributárias designadamente quando dependentes de pagamento ou declarações necessárias ao apuramento de situações tributárias. Os elementos essenciais que cremos foram tidos em conta na elaboração da lei foram em primeiro lugar o subjectivo (vontade do arguido) e num segundo momento o objectivo (regularização/pagamento da obrigação). E compreende-se que a lei restrinja o benefício do pagamento das coimas por valores reduzidos apenas aos casos em que o arguido pode e quis regularizar a situação tributária.
De modo diverso, no caso dos autos ainda que a arguida quisesse regularizar a situação tributária ao nível da falta que cometeu, já o não podia fazer pois que o voo/transporte das mercadorias já tinha sucedido e a elaboração do manifesto de voo é contemporânea da realização do transporte. Ora factualmente deu-se conta na participação que deu origem aos autos:
“No caso ocorreu omissão/insuficiência do preenchimento do manifesto de voo com deficiência na indicação de toda a mercadoria transportada, ainda que a arguida tenha posteriormente indicado o voo em que a mercadoria não descrita foi transportada, justificando o não manifesto devido a problemas existentes no seu sistema informático do qual retirou documento comprovativo da entrega da mercadoria ao seu cliente bem como a factura por si emitida referente ao transporte desta mesma mercadoria, provas que foram aceites e levaram à consideração de validade e certificação da exportação em causa” (como resulta da participação de fls.5, com base na qual foi iniciado o processo de contra-ordenação).

Nesta circunstância concordamos que ocorrendo impossibilidade objectiva de regularização da falta cometida com efeitos úteis, a mesma não deve ser impeditiva de a arguida de proceder ao pagamento voluntário da coima nos termos e condições previstas nos outros números do artº 75 do RGIT, uma vez que isso representaria uma penalização automática à margem da sua própria vontade subjectiva e para uma situação não prevista nos termos legais supra citados. Esta parece ser a melhor interpretação que respeita e resulta dos ditames do artº 9º do C. Civil designadamente o seu número 3 pois que não faria sentido que o legislador consagrasse um requisito que não podia ser cumprido, por impossibilidade objectiva, para daí obstar ao pagamento antecipado da coima com benefício. Aliás, nesta situação não pode ser fixado prazo para cumprimento pela Administração Aduaneira e a referência da lei desde a primeira versão do RGIT (Lei 15/2001 de 05/06) sempre nos mesmos termos “no prazo legal ou no prazo que for fixado, à regularização da situação tributária leva-nos também a entender, que só obstam ao pagamento antecipado da coima com benefício para o arguido, aquelas situações em que existe prazo legal ou este é fixado pela Administração Aduaneira através de notificação e mesmo assim a arguida não regulariza a sua situação tributária não fazendo sentido que o fixasse para um caso de impossibilidade objectiva de regularização da referida situação tributária. Ora, reitera-se, no caso dos autos não existe prazo legal ou notificação para regularização da situação tributária dada a situação objectiva e especial já supra descrita e, daí que entendamos que a limitação constante do nº 3 do artº 75 do RGIT não tenha aplicação.
Naturalmente que em apoio desta posição acolhemos também a doutrina citada pelo Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, no parecer supra destacado, consistente em: “Como afirma Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508 “há situações em que não há lugar ou não é já possível efectuar tal regularização […] nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no n.º 3 deste art.º 75.º e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado”.
Finalmente, acresce referir que encontramos no número 3 do artigo 75º do RGIT a estatuição naturalmente consequente da previsão contida no número 2 do mesmo preceito da ocorrência de prestação tributária em falta de valor inferior a (euro) 15 000 concedendo-se a possibilidade de pagamento voluntário até este montante e instituindo a efectivação do mesmo pagamento como condição do benefício legalmente previsto para tal pagamento voluntário, a qual a nosso ver explica também a razão da omissão da previsão da situação factual a que se reporta o caso dos autos. Ou seja: em primeiro lugar releva-se o pagamento da prestação tributária até 15.000 Euros e em segundo lugar e se não houver lugar ao pagamento de prestação tributária releva-se o valor da mercadoria objecto de infracção que não pode ser de valor aduaneiro superior a (euro) 50 000. Destes valores para cima não há possibilidade de o(a) arguida efectuar o pagamento antecipado a que nos vimos referindo com os benefícios previstos na lei. Mas, nunca se edifica como condição impeditiva de acesso ao pagamento antecipado a impossibilidade objectiva de cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção. Assim sendo, deve improceder o recurso à míngua de argumentação mais relevante que nos determine a julgar de modo diverso do decidido em 1ª instância, cuja sentença fez uma correcta subsunção dos factos ao direito o que nos determina a confirmá-la.
4- DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2019. - Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo, vencida segundo voto que segue em anexo – Dulce Neto.
Voto de vencida


Não acompanho a decisão que logrou vencimento pelas razões que passo a indicar:

A actuação voluntária dos infractores no sentido de beneficiar da redução da coima (artigo 29.º do RGIT) tem lugar antes de instaurado o processo contra-ordenacional e opera mediante pedido formulado por aquele nesse sentido. A redução da coima, art. 29.º do Regime Geral das Infracções Tributárias será

• para 12,5 % do montante mínimo legal, se:

1. o pedido de pagamento for apresentado nos 30 dias posteriores ao da prática da infracção
para 25 % do montante mínimo legal, se:

1. não tiver sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária
• para 75 % do montante mínimo legal, se:

1. Se o pedido de pagamento for apresentado até ao termo do procedimento de inspecção tributária e a infracção for meramente negligente
Além disso, não será aplicada qualquer coima se o pedido de pagamento das coimas for apresentado por um agente que seja uma pessoa singular e desde que, nos cinco anos anteriores, não tenha:

a. Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contraordenação ou de crime por infrações tributárias;
b. Beneficiado de pagamento de coima com redução nos termos deste artigo;
c. Beneficiado da dispensa prevista no artigo 32.º

Mas o pedido de redução da coima, antes de instaurado o processo contra-ordenacional - art.º 30.º do Regime Geral das Infracções Tributárias - depende:

a. Nos casos das alíneas a) e b), do pagamento nos 15 dias posteriores ao da entrada nos serviços da administração tributária do pedido de redução;
b. No caso da alínea c), bem como no do artigo 31.º, do pagamento nos 15 dias posteriores à notificação da coima pela entidade competente;
c. Da regularização da situação tributária do infractor dentro do prazo previsto nas alíneas anteriores;

Tudo se passa antes de instaurado o processo contra-ordenacional, pois, como resulta do n.º 2 do referido art.º 30.º, «Em caso de incumprimento do disposto no número anterior, é de imediato instaurado processo contra-ordenacional

Define no n.º 3 do artigo em causa o que deve entender-se por regularização da situação tributária, para efeitos desse artigo: o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infracção.
No número 4 do referido preceito o legislador teve em linha de conta que a regularização da situação tributária poderia revestir diversas formas e regulou as seguintes:
1. tributo a liquidar pelos serviços
2. entrega da prestação tributária
3. entrega do documento ou declaração em falta

Considerou que estas eram formas equiparadas de cumprimento da prestação tributária, indicando, mais uma vez que tudo se passa antes de instaurado o processo de contra-ordenação dado que, se o pagamento das coimas com redução não for efectuado ao mesmo tempo que a entrega da prestação tributária ou do documento ou declaração em falta, o contribuinte é notificado para o efectuar no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantado auto de notícia e instaurado processo contra-ordenacional.

De forma clara o legislador no art.º 31 do Regime Geral das Infracções Tributárias previu a possibilidade de ser formulado o pedido de redução da coima, mas vir a verificar-se, mais tarde, a falta das condições estabelecidas para a redução das coimas, estabelecendo que a liquidação destas é corrigida, levando-se em conta o montante já pago.
Diversamente, a faculdade de antecipação do pagamento da coima regulada no art.º 75.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, sempre na pendência do processo contra-ordenacional, no prazo da defesa, conduz à sua redução para o mínimo legal (não já para 12,5 %, 25 % ou 75 % do art.º 29.º) a par da redução a metade das custas processuais.
A faculdade de antecipação do pagamento da coima regulada no art.º 75.º do Regime Geral das Infracções Tributárias não é aplicável às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a (euro) 15 000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a (euro) 50 000 e, em qualquer caso, não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei. Estabelece-se neste número 2 um regime próprio para as contra-ordenações aduaneiras, como aquelas em causa nestes autos dividindo-as em dois grandes grupos:

1. contra-ordenações aduaneiras em que haja lugar a prestação tributária - tributo a liquidar pelos serviços /autoliquidação - possível a antecipação do pagamento da coima para prestações tributárias de valor igual ou inferior (euro) 15000.

2. contra-ordenações aduaneiras em que não haja lugar a prestação tributária - como as contra-ordenações em causa nestes autos em que há impossibilidade de regularizar a situação aduaneira - possível a antecipação do pagamento da coima quando a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro igual ou inferior (euro) 50000.


Em qualquer dos casos, à semelhança do que ocorre no art.º 29.º, também aqui a operacionalidade do referido benefício depende de estar regularizada a situação tributária, aqui aduaneira. Mas a situação tributária, como vimos só pode ser regularizada quando esteja em causa uma de três situações:
1. tributo a liquidar pelos serviços
2. entrega da prestação tributária
3. entrega do documento ou declaração em falta.

Nas contra-ordenações aduaneiras é frequente que a infracção não possa, como aqui não pode, ser regularizada por nenhuma das três formas antes indicadas porque o manifesto de carga tinha que ser apresentado antes da expedição da mercadoria por avião com vista a que as estâncias aduaneiras pudessem verificar se as indicações exaradas nas cópias dos manifestos conferiam com as que figuravam nas guias dos despachos, e proceder nos termos legais perante as divergências verificadas. O transporte de mercadorias por via aérea exige que as instâncias aduaneiras possam controlar as cargas, o que foi inviabilizado por a mercadoria não ter sido manifestada, independentemente dos direitos aduaneiros que possam ser pagos tendo em conta o regime aduaneiro a que estavam submetidas.

Não creio que estamos face a uma situação que possa ser resolvida por interpretação extensiva de qualquer outra norma, face à expressa e legítima opção legislativa de dar um tratamento diversificado às contra-ordenações aduaneiras atenta a sua específica natureza jurídica.

Por outro lado, o pagamento antecipado de coima e a sua consequente redução não deve ser olhado como um direito do contribuinte no sentido de, por aplicação do princípio constitucional da igualdade, lhe ser extensível. Trata-se de um benefício, de um privilégio e não de um direito que deve ser concedido quando objectivamente se mostrem reunidos os pressupostos que o legislador estabeleceu para a sua concessão. As relações jurídicas tributárias são, na essência, muito diversas das relações jurídico aduaneiras, tanto mais que fazemos parte da EU e temos obrigações aduaneiras a cumprir em nome dos demais estados-membros da EU por fazermos parte de um espaço sem barreiras aduaneiras internas, mas com barreiras comuns face aos estados terceiros.

Na presente situação em que se desconhece se a mercadoria objecto de infracção era ou não de valor aduaneiro igual ou inferior (euro) 50 000 não dispõe, em meu entender, o processo de elementos suficientes para se poder decidir se era ou não possível o pagamento antecipado de coima com a consequente redução da coima, o que deveria ser averiguado.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2019

Ana Paula Lobo