Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0359/11
Data do Acordão:06/29/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
EXECUÇÃO FISCAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Sumário:I - A partir da entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu artigo22.º e do artigo 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores.
II - Daí que o crédito reclamado de IMI inscrito para cobrança posteriormente ao ano corrente na data da penhora, ainda que liquidados antes da venda ou da adjudicação do prédio a que dizem respeito, não possa ser admitido e graduado como crédito privilegiado.
Nº Convencional:JSTA00067059
Nº do Documento:SA2201106290359
Data de Entrada:04/08/2011
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:C.. ,CRL, FAZENDA PÚBLICA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM DE 2010/10/15.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CIMI03 ART122.
CCIV66 ART744 N1.
CCPIIA63 ART230 PAR2.
DL 287/2003 DE 2003/11/12 ART31 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC863/08 DE 2009/01/07.; AC STA PROC1008/08 DE 2009/04/29.; AC STA PROC1119/09 DE 2010/02/24.; AC STA PROC954/09 DE 2010/03/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – O Ministério Público recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 15 de Outubro de 2010, proferida nos autos de verificação e graduação de créditos n.º 1425/08.9BELRA, na parte em que nela se graduou crédito reclamado pela Fazenda Pública proveniente de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) relativo a 2007 e inscrito para cobrança posteriormente ao ano corrente na data da penhora, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª – O CCP aprovado pelo DL n.º 45104, de 1 de Junho de 1963, nomeadamente, o parágrafo 2.º do seu artigo 230.º, foi, na sequência do art. 35.º-2 da Lei de autorização legislativa n.º 106/88, de 17/6, revogado pelo artigo 3.º, n.º 1 dos DLs n.ºs 442-A/88 e 442-B/88 (que aprovaram os Códigos do IRS e IRC, respectivamente) e pelo DL n.º 442-C/88, que aprovou o CCA), todos de 30 de Novembro de 1988, tendo este último ressalvado nos seus artigos 3.º, 5.º e 8.º determinadas situações previstas no CCP, que não a dos autos.
2.ª – Por sua vez, o DL n.º 287/2003, de 12/11 (que aprovou o CIMI), que, por força do disposto no seu art. 32.º entrou em vigor em 1/12/2003 (com excepção de algumas das suas normas relativas à avaliação e peritagem), revogou no seu art. 31.º-1 o CCA e o CCP, na parte ainda vigente, “considerando-se a contribuição autárquica substituída pelo imposto municipal sobre imóveis (IMI) para todos os efeitos legais”.
3.ª – De acordo com o art. 122ºdo CIMI, que veio substituir e reproduzir o 24º, nº1 do CCA, o IMI “goza das garantias especiais previstas no Código Civil para a contribuição predial”, não remetendo nenhum desses normativos, implícita ou explicitamente, para o disposto no parágrafo 2º do artigo 230.º do revogado C.C.P..
4.ª – O art. 744.º do Cod. Civil é a única norma legal a conceber um tal benefício não consentindo a sua letra e espírito uma interpretação no sentido de se poder conferir privilégio a créditos de CA/IMI liquidada após a penhora e até à venda ou adjudicação.
5.ª – Com a vigência do art. 122.º do CIMI, renasce a dúvida outrora gerada com a entrada em vigor do CCA, concretamente do seu art. 24.º, n.º 1, se encontrava ou não revogado o artº 230º, parágrafo 2º do CCP, (na redacção do Decreto-Lei nº 764/75 de 31/12), sendo certo que e como é sabido, a CA extinguiu e substituiu a CP e o IMI extinguiu e substituiu a CA.
6.ª – Isso porque, temos que a argumentação a favor da vigência do art. 230.º parágrafo 2 do CCP deixou de subsistir com a entrada em vigor do CIMI, não só porque o art. 31º do DL 287/2003, de 12/11 é expresso e inequívoco a não querer deixar em vigor qualquer resquício do CCP, mas porque a revogação do art. 24º do CCA arrastou necessariamente a revogação da disciplina ou regime jurídico que lhe estava imanente ou associado, ou seja, se o art. 230º parágrafo do CCP sobrevivia à sombra do CCA, com a eliminação deste da ordem jurídica o mesmo sucedeu com aquele outro dispositivo legal.
7.ª – Sendo certo que, a entender-se como revogado o citado art. 230º parágrafo 2.º pelo CCA, a revogação deste pelo CIMI não implica uma repristinação daquele preceito, sob pena de violação do art. 7º-4º do Cod. Civil.
8.ª – Pelo que, a ser assim, uma vez que, nos autos, a penhora do imóvel foi efectuada em 5/11/2007 e o IMI reclamado pelo RPF foi inscrito para cobrança em 2008, ou seja, posteriormente ao ano da penhora, não deveria o respectivo crédito ser admitido e graduado.
9.ª – Como tem vindo a ser defendido por Esse mais Alto Tribunal: “O imposto municipal sobre imóveis, IMI, inscrito para cobrança em momento posterior ao «ano corrente na data da penhora ou acto equivalente», não goza do privilégio creditório imobiliário, previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.º do Código do IMI e 744.º, n.º 1, do Código Civil – por força do que se determina o n.º 1 do artigo 31º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro (também aplicável à contribuição autárquica e à contribuição predial)”.
10.ª – A douta sentença ao admitir e graduar o crédito reclamado atrás referido, de IMI (de 2007 e inscrito para cobrança em 2008) para além da data da penhora, violou os artigos 122.º-1 do CIMI e 744.º n.º 1 do Código Civil, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que não admita tal crédito».
VOSSAS EXCELÊNCIAS, porém, melhor decidirão.
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, tendo vista dos autos, não emitiu parecer.
- Fundamentação –
4 – Questão a decidir
É a de saber se, como decidido, deve ser admitido e graduado crédito de IMI reclamado pela Fazenda Pública inscrito para cobrança no ano posterior ao da penhora.
5 – Na sentença objecto do presente recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
A. A Fazenda Pública instaurou contra A… e B…, o processo de execução fiscal n.º 1929200601034928, para cobrança coerciva da quantia de € 57.125,53 proveniente de dívida de IRS dos anos de 2003 e 2004 e respectivos juros compensatórios – cfr. consta das certidões emitidas pelo Serviço de Finanças de Abrantes, junto aos autos.
B. Os executados celebraram com a C…, CRL em 22/08/2005, por escritura pública um contrato de mútuo com hipoteca – transferência ao abrigo do regime geral do crédito à habitação no montante de € 34.093,47 – conf. fls. 6 e seguintes dos autos.
C. O executado e D… celebraram com a C…, CRL em 22/08/2005, por escritura pública um contrato de hipoteca e mandato em que esta se responsabiliza pelo pagamento de todas e qualquer obrigações e responsabilidades até ao montante de € 30.000,00, perante elas contraídas ou a contrair por aqueles – conf. fls. 22 e seguintes dos autos.
D. Como garantia de pagamento de pagamento dos contratos supra identificados foi constituída hipoteca sobre o imóvel sito na Rua … freguesia de S. Facundo descrito na Conservatória do registo Predial sobre o numero 26 da dita freguesia, com aquisição registada a seu favor pela inscrição G-Um, inscrito na matriz sob o art. 1603 – conf. fls. 6 e seguintes dos autos
E. No âmbito do processo executivo identificado em A:, foi anunciada a venda da casa para habitação sita no lugar de …,, freguesia de S. Fecundo concelho de Abrantes, distrito de Santarém, inscrito predial urbana sob o n.º 1603 – conforme consta da cópia do respectivo PEF junto aos presentes autos.
F. Da certidão extraída da Conservatória do registo Predial de Abrantes da inscrição n.º 26/19850724, freguesia de S. Facundo, consta que relativamente ao prédio urbano supra identificado:
i. Em Ap. 16 de 2005/04/29, hipoteca voluntária a favor da C… C.R.L., constituída para garantia de empréstimo, com o montante máximo assegurando de € 47.986,56;
ii. Em Ap. 17 de 2005/04/29, hipoteca voluntária a favor da Caixa de C… C.R.L., constituída para garantia de responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir perante a credora de qualquer natureza e origem, com o montante máximo assegurando de € 46.455,00;
iii. Em Ap 7 de 2007/11/05 penhora a favor da Fazenda Nacional, constituída para garantia da dívida exequenda no montante de € 62.658,17.
Tudo conforme consta da cópia do PEF junto aos presentes autos.
6. Apreciando.
6.1 Da graduação do crédito de IMI efectuado pela sentença recorrida e da sua conformidade à lei
A sentença recorrida, a fls. 67 a 72 dos autos, procedeu à graduação dos créditos exequendos e reclamados pela seguinte ordem (fls. 72 dos autos):
«1.º O crédito reclamado pela Fazenda Pública respeitante ao IMI e respectivos juros de mora.
2.º Os créditos reclamados pela C… CRL., garantido por hipoteca até ao limite desta e juros com o limite de 3 anos, com o respeito pelas regras do registo.
3.º O crédito exequendo referente a IRS do ano de 2004, nos termos do art. 111.º do CIRS.
4.º O restante crédito exequendo (IRS 2003) garantido por penhora».
Fundamentou-se o decidido, quanto à graduação do crédito reclamado de IMI, no facto de o Imposto Municipal sobre Imóveis gozar, de acordo com o art. 122.º do CIMI, das garantias especiais previstas no Código Civil para a Contribuição Predial, que de acordo com o art.744.º do CC os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais inscrito para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente e nos dois anos anteriores têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição. Considerando, porém, que a jurisprudência dos tribunais superiores tem-se manifestado no sentido de que “Na sentença que verifica e gradua os créditos deve o juiz atender à contribuição autárquica respeitante ao imóvel penhorado relativa ao período de tempo decorrido até à sua venda ou adjudicação, e não apenas à inscrita para cobrança no ano da penhora e dos dois anteriores – Ac. do STA proferido no Proc. N.º 0117/04 de 10/03/2004 – sufragando tal posição e entendendo que a mesma se aplica também ao IMI, conclui que o crédito reclamado encontra-se todo ele, em situação de gozar do privilégio imobiliário, logo, especial relativamente ao bem penhorado (cfr. sentença recorrida a fls. 71).
Discorda do decidido quanto ao IMI o Ministério Público, alegando, em síntese, que a douta sentença ao admitir e graduar o crédito reclamado atrás referido, de IMI (de 2007 e inscrito para cobrança em 2008) para além da data da penhora, violou os artigos 122.º-1 do CIMI e 744.º n.º 1 do Código Civil, pelo que deve ser anulada e substituída por outra que não admita tal crédito, pois que a argumentação a favor da vigência do art. 230.º parágrafo 2 do CCP deixou de subsistir com a entrada em vigor do CIMI, sendo, aliás, tem vindo a ser defendido por Esse mais Alto Tribunal (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
Como bem salienta o recorrente nas suas alegações de recurso e respectiva conclusão 9.ª (supra transcrita) constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal – a que sem reservas se adere e que também aqui se reiterará – que, a partir da entrada em vigor do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, em 1 de Dezembro de 2003, e por força das disposições combinadas do seu artigo 122.º e do artigo 744.º do Código Civil, os créditos provenientes de IMI só gozam de privilégio creditório imobiliário desde que inscritos para cobrança no ano corrente na penhora ou acto equivalente e nos dois anos anteriores, não devendo ser reconhecidos e graduados créditos de IMI inscritos para cobrança em momento posterior, pois que não gozam de tal privilégio (cfr. Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7 de Janeiro de 2009, rec. n.º 863/08, de 29 de Abril de 2009, rec. n.º 1008/08, de 24 de Fevereiro de 2010, rec. n.º 1119/09 e de 10 de Março de 2010, rec. n.º 954/09, este último cuja fundamentação se acolhe e para a qual se remete).
No caso dos autos, atendendo a que a penhora a favor da Fazenda Pública teve lugar em 5 de Novembro de 2007 (cfr. a alínea F. 3) do probatório fixado) e o IMI reclamado e graduado em primeiro lugar pela sentença recorrida respeita ao ano de 2007 e foi inscrito para cobrança no ano de 2008 – ano posterior ao da penhora – manifesto é, em face do disposto nos artigos 122.º do Código do IMI e 744.º n.º 1 do Código Civil que não deveria ter sido reconhecido e graduado, pois que não beneficia de privilégio imobiliário.
A jurisprudência invocada pela sentença recorrida em apoio da decisão de reconhecimento e graduação do crédito de IMI atende a um quadro normativo anterior ao da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, não sendo de sufragar a partir daí - nem para o IMI, nem para a Contribuição Autárquica - em virtude da definitiva revogação, operada pelo n.º 1 do seu artigo 31.º, de todas as disposições legais ainda vigentes (porque ressalvadas de revogação aquando da aprovação do Código da Contribuição Autárquica) do antigo Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola, entre as quais, assim o entendia a jurisprudência, se contava (implicitamente) o seu artigo artigo 230.º parágrafo 2.º.
Esta orientação jurisprudencial encontra-se, porém, hoje abandonada, não havendo fundamento algum para buscar em preceito inequivocamente revogado apoio para a decisão adoptada na sentença recorrida.
No caso sub judice, como se disse já, atento a que a penhora do imóvel teve lugar em 2007, não devia o crédito de IMI reclamado pela Fazenda Pública do ano de 2007, porque inscrito para cobrança no ano 2008, ter sido admitido e graduado, por não gozar do privilégio creditório imobiliário previsto nas disposições combinadas dos artigos 122.º do Código do IMI e 744.º n.º 1 do Código Civil, que apenas reconhece tal privilégio aos créditos desta natureza inscritos para cobrança no ano da penhora e nos dois anos anteriores.
Procedem, deste modo, as alegações do recorrente.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, excluindo da graduação o crédito de IMI referente ao ano de 2007 e respectivos juros, porque inscrito para cobrança em 2008, nesta parte se revogando a sentença recorrida que no demais se mantém.
Custas pela Fazenda Pública, na 1.ª instância, e na proporção do seu decaimento.
Lisboa, 29 de Junho de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Brandão de Pinho - Dulce Neto.