Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:092/14
Data do Acordão:01/15/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
NULIDADE
DECISÃO
Sumário:I – Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2 e 666.º do CPC/2013 “ex vi” art. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis, para além de retificação de erros materiais e de suprimento de nulidades, também de reforma nos termos e com os limites definidos no mesmo quadro normativo.
II – O regime vertido no n.º 2 do art. 616.º do CPC/2013 visa apenas os lapsos manifestos e não se destina a emendar erros de julgamento caso em que se contrariaria o regime decorrente do art. 613.º do mesmo Código.
III – A nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem, com o mínimo de suficiência e de explicitação, os fundamentos de facto e de direito que a justificam, não devendo confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, visto só a esta última se reporta a alínea em questão.
Nº Convencional:JSTA000P18457
Nº do Documento:SA120150115092
Data de Entrada:03/17/2014
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:INGA - INSTITUTO NACIONAL DE INTERVENÇÃO E GARANTIA AGRÍCOLA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO
1.1. “A…………, SA”, devidamente identificada nos autos e uma vez notificada do acórdão deste Supremo, datado de 30.10.2014, que negou provimento ao recurso jurisdicional mantendo a decisão de improcedência da pretensão impugnatória pela mesma deduzida contra o “IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP” [abreviada e doravante «IFAP»], igualmente identificado nos autos, veio, ao abrigo dos arts. 615.º, n.º 1, al. b) e 616.º, n.º 2, 666.º e 682.º do CPC/2013, apresentar o presente pedido de reforma e de arguição de nulidade daquele acórdão.

1.2. Devidamente notificado o R., aqui ora reclamado, o mesmo não veio produzir qualquer resposta [cfr. fls. 611 e segs.].

1.3. Sem vistos cumpre apreciar e decidir em Conferência.


2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA QUESTÃO
Constitui objeto de apreciação nesta sede, por um lado, o pedido de reforma do acórdão em referência no sentido de ser determinada a baixa dos autos para adequada e necessária instrução porquanto se imporia determinar e apurar nos autos a data em que foi praticada a irregularidade, o que teria sido “forçosamente, antes da consumação da exportação”, ou seja, “antes e aquando da constituição do lote de vinho a exportar” e que “não pode deduzir-se, sem mais, como fez o douto acórdão em apreço que a concessão da restituição da exportação ocorrer nada data do DU 1831, sob pena de ostensiva violação do princípio do contraditório” já que “esta questão de saber em que data é que foram cometidas as irregularidades e os respetivos factos subjacentes não foi nunca discutida antes nos presentes autos, nem sobre eles recaiu qualquer prova”, termos em que assim não tendo sido feito foi violado o disposto nos arts. 03.º, 04.º, 616.º, n.º 2, al. a) e 682.º, n.º 3 do CPC/2013 e 20.º, n.º 4 da CRP e, por outro lado, a arguição de nulidade da mesma decisão por falta de fundamentação quanto àquilo que constitui a data de início de contagem do prazo de prescrição previsto no art. 03.º do Reg. CE/EURATOM n.º 2988/95.
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I) DO PEDIDO DE REFORMA DECISÃO

I. Pretende a reclamante a reforma do julgamento de improcedência da pretensão impugnatória que a mesma havia deduzido na presente ação administrativa [declaração de nulidade ou anulação da decisão de 15.10.2004 proferida pelo Presidente e por um Vogal do Conselho de Administração do «INGA» no processo n.º 1159/2001 a determinar a reposição da quantia de 85.890,01 €, acrescida de juros de mora à taxa legal até ao respetivo reembolso], porquanto sustenta que deveria, ao invés, ter sido determinada a baixa dos autos para uma adequada e necessária instrução e discussão porquanto se imporia determinar e apurar nos autos a data em que foi praticada a irregularidade, o que teria sido “forçosamente, antes da consumação da exportação”, ou seja, “antes e aquando da constituição do lote de vinho a exportar” e que “não pode deduzir-se, sem mais, como fez o douto acórdão em apreço que a concessão da restituição da exportação ocorrer nada data do DU 1831, sob pena de ostensiva violação do princípio do contraditório” já que “esta questão de saber em que data é que foram cometidas as irregularidades e os respetivos factos subjacentes não foi nunca discutida antes nos presentes autos, nem sobre eles recaiu qualquer prova”, termos em que assim não tendo sido feito foi violado o disposto nos arts. 03.º, 04.º, 616.º, n.º 2, al. a) e 682.º, n.º 3 do CPC/2013 e 20.º, n.º 4 da CRP.

II. Por força do disposto nos arts. 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2 e 666.º do CPC/2013 “ex vi” art. 01.º e 140.º do CPTA os acórdãos são suscetíveis, para além de retificação de erros materiais e de suprimento de nulidades, também de reforma nos termos e com os limites definidos no mesmo quadro normativo.

III. Assim, nos termos do n.º 2 do art. 616.º do CPC/2013 a reforma dum acórdão será lícita quando, não cabendo recurso e por manifesto lapso, “a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.

IV. Daí que na citada al. a) aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito e na al. b) as situações de erro manifesto na apreciação das provas, pressupondo-se, obviamente, para além do seu caráter evidente, patente, indiscutível e incontornável, que o julgador se haja expressamente pronunciado sobre as questões a dirimir, analisando e fundamentando a errónea solução jurídica e de facto que acabou por adotar.

V. Com efeito, o regime vertido no n.º 2 do art. 616.º do CPC/2013 visa apenas os lapsos manifestos e não se destina a emendar erros de julgamento caso em que se contrariaria o regime decorrente do art. 613.º do mesmo código.

VI. Revertendo ao caso em análise e passando ao julgamento do pedido de reforma que se mostra deduzido temos que, da análise ou leitura dos termos da decisão judicial reclamada e do seu segmento decisório, não se descortina como minimamente procedente tal pedido.

VII. Na verdade, não se descortina que no caso vertente estejamos perante situação de erro manifesto de julgamento de questões de direito/facto, não sendo evidente, patente, indiscutível e incontornável uma situação de lapso manifesto que legitime a aplicação do regime previsto no n.º 2 do art. 616.º do CPC/2013 já que, ao invés, a situação/pretensão invocada como fundamento de reforma se enquadrará num eventual erro de julgamento e de infração do invocado quadro normativo e, nesse âmbito, não pode ser suprida/corrigida por esta via.

VIII. Refira-se, ainda, não se vislumbrar ocorrer infração dos comandos legais invocados [arts. 03.º, 04.º, 616.º, n.º 2, al. a) e 682.º, n.º 3 do CPC/2013 e 20.º, n.º 4 da CRP] dado a pronúncia firmada, contendo-se naquilo que constituía questão o objeto de discussão nos autos e no recurso, as partes sobre as mesma esgrimiram aquilo que eram os seus argumentos nas peças processuais produzidas, inclusive neste Supremo e após parecer do MºPº, pelo que não resultou preterido o princípio do contraditório ou quaisquer outras garantias de defesa e de tutela jurisdicional, presente, repete-se, que não estamos em face de situação de erro manifesto de julgamento que legitime a aplicação do regime previsto no n.º 2 do art. 616.º do CPC/2013.

IX. Nessa medida, não enferma o acórdão em crise de vício que importe a sua reforma quanto ao seu segmento decisório e fundamentação no qual se estriba e que legitime o pedido “sub judice” que, assim, terá de ser desatendido.
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II) DA NULIDADE DECISÃO
Atentemos, agora, do acerto da arguição em epígrafe o que se passará a fazer à luz do regime processual civil vigente no quadro dos arts. 615.º e 617.º do CPC/2013.

X. Estipula-se no art. 615.º do CPC/2013, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é “nula a sentença quando: … b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão ...” [n.º 1], derivando ainda do mesmo preceito que as “… nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades ...” [n.º 4].

XI. As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem estar viciadas de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação; - por outro, como atos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 615.º do CPC/2013.

XII. Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infração ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC/2013 temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.

XIII. Nesta sede, não deve confundir-se uma eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão, termos em que a nulidade só se verificará quando a decisão omita por completo a operação de julgamento da matéria de facto/direito essencial para a apreciação da questão/pretensão analisada e decidida.

XIV. Munidos dos antecedentes considerandos de enquadramento quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial e, em particular, da arguida nulidade temos que também no caso, efetivamente, o alegado vício/defeito apontado à decisão judicial não configura o preenchimento da previsão em crise, sendo que não nos deparamos, em concreto, com uma omissão/ausência total da motivação do julgamento de facto/direito firmado quanto à pretensão deduzida.

XV. A decisão judicial sindicada não enferma de falta absoluta de fundamentação porquanto da mesma consta a motivação fáctico-jurídica em que se estribou o juízo de improcedência da pretensão recursiva e pretensiva nela firmado [cfr. ponto 3.2.2) relativo ao mérito do recurso, mormente, n.ºs XXV) em diante, em especial, n.ºs XXXIV) a XLIV)], na certeza que o preenchimento deste fundamento de nulidade não se basta com uma insuficiente, obscura ou mesmo errada fundamentação, visto que, nestes casos, esse erro, insuficiência ou obscuridade se traduzem num erro de julgamento que determina a sua revogação ou alteração e não num vício que importe a nulidade da decisão.

XVI. De harmonia com o exposto, e não obstante a argumentação desenvolvida pela recorrente/reclamante temos que no caso em apreço não ocorrerá a nulidade assacada à decisão judicial em crise, decisão esta que, assim, importa sustentar na íntegra.


3. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir o pedido de reforma e de arguição de nulidade.
Custas do incidente a cargo da recorrente, aqui ora reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 01 (UMA) UC [arts. 527.º do CPC/2013), 189.º do CPTA, 07.º do RCP e Tabela II ao mesmo anexa].
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 15 de janeiro de 2015. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano Jorge Artur Madeira dos Santos.