Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0768/17.5BEALM
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO
COMPETÊNCIA
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27209
Nº do Documento:SA2202102170768/17
Data de Entrada:10/20/2020
Recorrente:A.......... SEIXAL – A................, S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO SEIXAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:I – A competência do tribunal afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, e fixa-se no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa - artigos 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - e 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).
II - Na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado.
III - Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. RELATÓRIO
1.1 A…………….., S.A., identificada nos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, julgando procedente a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva do MUNICÍPIO DO SEIXAL, o absolveu da instância.

1.2 O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou as alegações e respetivas conclusões, que aqui damos por reproduzidas.

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com conclusões que aqui também damos por reproduzidas.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a excelentíssima Procuradora Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido de não se tomar conhecimento do recurso «… por força da circunstância de, a partir de 11 de novembro de 2019, aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ter sido, pelo legislador, retirada a jurisdição relativa “à apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva” - cf. art. 4.º n.º 4 alínea e) do ETAF, na redação da Lei n.º 114/2019 de 12 de setembro.», tendo ainda acrescentado: «Porém a não ser assim entendido, sigo o entendimento vertido no recurso apresentado pelo Ministério Público junto do Tribunal Fiscal de Almada.».

1.5 Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a exceção arguida pelo Ministério Público, o Recorrido Município do Seixal pronunciou-se nos seguintes termos: «A ser perfilhada a tese sustentada no D. Parecer do Ministério Público do não conhecimento do recurso, o Município recorrido verá confirmada a sentença do Tribunal a quo que lhe foi totalmente favorável.», acrescentando que, se assim não se entender, «deve ser confirmada a aplicação do direito vertida no D. acórdão em formação ampliada da Secção de Contencioso Tributário desse Venerando Supremo Tribunal do Processo n.º 506/17.2BEALM e, em consequência, ser negado provimento ao presente recurso.».

A Recorrente pronunciou-se no sentido da competência do Supremo Tribunal Administrativo para decidir o recurso alegando, em síntese, que está em discussão uma relação jurídico-tributária e não um litígio emergente de uma relação de consumo relativa à prestação de serviços públicos essenciais e que, ainda que assim não se entenda, o presente litígio, a instauração da impugnação judicial, bem como a interposição do recurso, são anteriores à entrada em vigor da nova redação do artigo 4.º, n.º 4, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF).


2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nos termos do disposto nos artigos 663.º, n.º 6, e 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante da decisão recorrida.

3. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
3.1 A competência em razão da matéria
A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de não se tomar conhecimento do recurso «… por força da circunstância de, a partir de 11 de novembro de 2019, aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ter sido, pelo legislador, retirada a jurisdição relativa “à apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva” - cf. art. 4.º n.º 4 alínea e) do ETAF, na redação da Lei n.º 114/2019 de 12 de setembro.», tendo, ainda, acrescentado: «Porém a não ser assim entendido, sigo o entendimento vertido no recurso apresentado pelo Ministério Público junto do Tribunal Fiscal de Almada.».
O Recorrido Município do Seixal não emitiu pronúncia expressa sobre a questão, limitando-se a afirmar, quanto ela, que «A ser perfilhada a tese sustentada no D. Parecer do Ministério Público do não conhecimento do recurso, o Município recorrido verá confirmada a sentença do Tribunal a quo que lhe foi totalmente favorável.». Já a Recorrente manifestou opinião contrária, afirmando a competência do Supremo para conhecer do recurso, fundamentando com a natureza tributária da relação jurídica em discussão, apelando, ainda, para o facto de o presente litígio, a instauração da impugnação judicial, bem como a interposição do recurso, serem anteriores à entrada em vigor da nova redação do artigo 4.º, n.º 4, alínea e), do ETAF.

Vejamos.
Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal se afere de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, e que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa (cf. artigos 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - e 5.º, n.º 1, do ETAF), na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência, total ou parcial, quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência ou não de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.
Como afirmou o Tribunal de Conflitos, no acórdão de 01/10/2015, no processo 08/14, «A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo».

Nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do ETAF «[c]ompete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: a) Tutela de direitos fundamentais e outros direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais».

A Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro, veio excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal «A apreciação de litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva» - (artigo 4.º, n.º 4, alínea e), do ETAF. A nova redação entrou em vigor 60 dias após a publicação da Lei (artigo 6.º da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro).

Ora, tendo em conta os termos em que a impugnação judicial foi proposta, a relação jurídica controvertida tem natureza tributária. Na verdade, discute-se nos autos a repercussão da Taxa Municipal de Ocupação de Subsolo (TOS), e, tal como a Impugnante a entende, e independentemente do acerto desse entendimento, a repercussão surge como um elemento da taxa, lançada pela Câmara Municipal do Seixal, sujeito ativo, e o seu pagamento constitui uma obrigação tributária da Impugnante, a quem a taxa é repercutida pela concessionária, a B………….. — Sociedade de Produção e Distribuição de Gás, S.A., enquanto sujeito passivo. Na tese que defende, estamos perante uma relação jurídico-tributária em sentido amplo, em que se incluem todas as obrigações decorrentes da relação jurídico-tributária em sentido estrito e na qual se inclui o fenómeno da repercussão legal.
Pelo que a competência para o seu conhecimento é da jurisdição administrativa e fiscal – artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do ETAF.

Ainda que assim não se entendesse, e se enquadrasse a situação tal como a Impugnante a apresentou ao Tribunal, numa relação de consumo, a alteração da Lei apontada pelo Ministério Público não teria influência na competência deste Tribunal para o conhecimento do recurso, porquanto, a instauração da impugnação judicial (petição inicial deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada em 07 de novembro de 2017) é anterior à entrada em vigor da nova redação do artigo 4.º, n.º 4, alínea e) do ETAF.

Por último, sempre se dará nota que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu em formação alargada questão idêntica, com a intervenção no julgamento de todos os Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário, em conformidade com o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), na redação dada pela Lei n.º 118/2019, no acórdão de 14 de outubro de 2020, no processo com o n.º 506/17.2BEALM, e dos votos de vencido expressados, apenas um deles defendeu a tese que veio a ser adotada no douto parecer do Ministério Público.

Em conclusão, improcede a exceção da incompetência em razão da matéria arguida pelo Ministério Público junto deste Tribunal.

3.2 Remissão
Decidida a questão da competência deste Tribunal para conhecer do recurso, importa apreciar o seu mérito.
No recurso discorda-se da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, julgando procedente a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva do acima identificado Recorrido, o absolveu da instância. A questão que se coloca é a do acerto desta decisão.
Ora, como acima se referiu, esta questão já foi apreciada por este Tribunal, em recurso em tudo idêntico (partes iguais, sentença recorrida e alegações e contra-alegações idênticas), e foi decidida com a intervenção no julgamento de todos os Conselheiros da Secção, em conformidade com o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do CPPT, na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, por acórdão de 14 de outubro de 2020, no processo com o n.º 506/17.2BEALM, disponível em www.dgsi.pt.
Quer em obediência ao disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, quer porque a convocação do julgamento ampliado do recurso, por iniciativa da Senhora Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, visou precisamente assegurar a uniformidade da jurisprudência (n.º 1 do artigo 289.º do CPPT), remetemos para a fundamentação adotada no referido acórdão usando da faculdade concedida no n.º 5 do artigo 663.º do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

3.3 Conclusões
Consequentemente, o recurso não será provido, formulando-se as seguintes conclusões, em parte decalcadas do citado acórdão de 14 de outubro de 2020:
I - A competência do tribunal afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, e fixa-se no momento em que a ação é proposta - artigos 38.º da LOSJ e 5.º, n.º 1, do ETAF.
II - Na impugnação judicial do ato de repercussão de um tributo intentada contra entidade pública, a legitimidade processual passiva é atribuída a quem seja imputável o ato impugnado.
III - Não é imputável à entidade municipal nem aos seus órgãos ou serviços o ato impugnado de repercussão do valor de um tributo municipal que não foi por eles praticado nem de alguma forma determinado.

4. DECISÃO
Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência em:
- Julgar improcedente a exceção da incompetência em razão da matéria arguida pelo Ministério Público junto deste Tribunal.
- Negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente porque ficou vencida (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT).

Dispensa-se a junção do acórdão para que se remete, uma vez que se encontra disponível no sítio indicado e dele foram notificados a Recorrente e o Recorrido.

Lisboa, 17 de fevereiro de 2021. – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Joaquim Manuel Charneca Condesso.