Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0861/11.8BESNT
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:TAXA URBANÍSTICA
PRORROGAÇÃO DE PRAZO
Sumário:A extensão excepcional dos prazos para a execução de operações urbanísticas ao abrigo do disposto no artigo 3º do DL n.º 26/2010, de 30 de Março, não determina o pagamento de taxas urbanísticas.
Nº Convencional:JSTA000P27212
Nº do Documento:SA2202102170861/11
Data de Entrada:07/13/2020
Recorrente:MUNICÍPIO DE CASCAIS
Recorrido 1:A.............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a Impugnação judicial interposta por “A…………….., Lda.”, contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa que esta apresentou contra a liquidação de taxa urbanística, no valor de € 1.886,40, emitida pelo Município de Cascais na sequência do pedido que lhe formulou de prorrogação do prazo de licença de construção.

1.2. Inconformado, o Município de Cascais, doravante Recorrente, interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, tendo formulando nas suas alegações as conclusões que infra se transcrevem:

«A. A teleologia do regime transitório previsto no art.° 3° do DL 26/2010, de 30.03, é, tão somente, o de alargar o período de execução das operações urbanísticas, e dos seus prazos de caducidade, face à necessidade de ajustamento dos tempus da concretização daquelas operações tendo em conta o clima de estagnação económica então vivida, sobretudo no sector do imobiliário.

B. O objetivo legal deste regime transitório, foi o de aligeirar e facilitar, a concretização das operações urbanísticas, e fê-lo, alargando o período de execução das operações urbanísticas, e dos prazos de caducidade, permitindo facultar ao particular mais tempo para acabar a obra, evitando assim, a caducidade dos alvarás de licença de construção, a que se refere o artigo 71.” do RJUE, com todos os custos para os particulares que esta caducidade acarreta.

C. O objetivo legal não foi o de isentar os particulares de efetuarem o pagamento de taxas devidas pela concessão de licenças, prática de actos administrativos e satisfação administrativa de outras pretensões de carácter particular, a que se refere a alínea b) do n° 1 do artigo 6.° da Lei n.° 53-E./2006, de 29 de Dezembro.

D. A cobrança destas taxas, tem como fundamento legal, o estipulado no artigo 3.º daquela Lei, que estipula que as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei.

E. O Regulamento e Normas de Cobrança e Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Cascais, em vigor à data, que referia no artigo 19.° que os pedidos para prorrogação do prazo de validade das licenças, autorizações ou comunicações prévias para obras de edificação ou urbanização devem ser formulados 30 dias antes do seu termo, estando sujeitos às taxas fixadas nos artigos 9.° e 10.° da Tabela.

F. A taxação das prorrogações do prazo de execução das operações urbanísticas, é uma forma a evitar o seu arrastamento no tempo, com o inerente prejuízo do interesse público, do ambiente e da qualidade de vida dos cidadãos e da própria urbe causado pelas múltiplas disfunções e incomodidades que decorrem da execução de uma obra, tais como o ruído ou o congestionamento.

G. Para a execução de uma operação urbanística é concedido um determinado prazo estabelecido na licença, findo o qual, a possibilidade de realização das obras preconizadas caduca. O particular fica impedido de as executar, salvo se, requerer uma prorrogação desse prazo. A Administração, caso a lei permita, concederá o prazo de prorrogação, levantando o obstáculo, em troca da cobrança de uma taxa.

H. A remoção deste obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, não foi isento de pagamento de taxa, por via do regime excecional de extensão de prazos, plasmado no art.° 3.º do DL 26/2010, de 30.03.

I. Nem poderia ser,

J. Salvo o devido respeito, andou mal a douta Sentença, ao ter concluído existir na liquidação objeto da impugnação, o vício de violação de lei e, em consequência, ter decidido pela anulação da liquidação, em causa.

K. Salvo o devido respeito, andou mal a douta Sentença ao ter concluído que não ocorreu um facto tributário com a concessão da prorrogação de prazo a que se refere o n° 1 do artigo 3.° do DL 26/2010, de 30.03.

L. Salvo o devido respeito, a douta Sentença efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas do regime de exceção do n° 1 do artigo 3.° do DL 26/2010, de 30.03., do artigo 58.º (Prazos de execução) e do artigo 116.º (Taxas inerentes às operações urbanística) do RJUE e, efetuou incorreta interpretação do artigo 3.º e artigo 6.° da Lei n.° 53-E/2006, de 29 de Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais).

M. O Decreto-Lei n.° 26/2010, de 30 de Março, procede à décima alteração ao Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação, e procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.° 107/2009, de 15 de Maio, isenta a sujeição das operações urbanísticas a uma série de procedimentos de controlo preventivo no sentido de ser alcançada a celeridade e a eficiência mas não as isenta, nem as poderia isentar do pagamento de taxas urbanísticas».

1.3. “A……………, Lda.”, Recorrente, notificada da interposição e da admissão do recurso contra-alegou, suscitando a inadmissibilidade do recurso, atento o preceituado no n.º 2 do artigo 280.º do CPPT, uma vez que o valor da causa é inferior ao da alçada fixada para os tribunais de 1ª instância e a improcedência do recurso jurisdicional

1.4. A Recorrente foi notificada das contra-alegações e do despacho que recaiu sobre o requerimento de interposição do recurso, que se debruçou expressamente sobre a questão suscitada antes de o admitir suscitadas

1.5. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer, no qual, em resumo nosso, se pronuncia no sentido de ser admitido o recurso, por o valor da presente Impugnação ser superior ao valor da alçada que estava fixado para dos tribunais tributários à data da instauração da acção, e negado provimento ao mesmo por, em conformidade com o regime excepcional do artigo 3.º do DL n.º 26/2010, de 30-2 e a teleologia subjacente à consagração deste preceito ser de concluir que não são devidas taxas pelo pedido de prorrogação de prazo formulado à luz desta disposição legal.

1.5. Colhidos os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir o recurso jurisdicional.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Na sua vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. Atento que deixámos exposto, conclui-se que são duas as questões que se impõem que apreciemos, que desde já enunciamos pela ordem porque devem ser decididas:

- a inadmissibilidade do recurso, suscitada pela Recorrida nas suas contra-alegações, por o valor da causa ser inferior ao valor da alçada dos tribunais tributários de 1ª instância.

- o erro de julgamento de direito, por, contrariamente ao que ficou decidido, o regime excepcional de prorrogação de prazos previsto no artigo 3.º do DL n.º 26/2010 não ter afastado a tributação consagrada nos artigos 58.º e 116.º do RJUE e 3.º e 6.º da lei n.º 53-E72006, de 29-12, sendo ainda este julgamento incompatível com os artigos 3.º desta última Lei conjugado com o artigo 19.º Regulamento e Normas de Cobrança e Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Cascais, que elegem como condição de exigibilidade da taxa urbanística a remoção por parte do Município a mera remoção de um qualquer obstáculo jurídico à pretensão dos administrados.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Na sentença recorrida foram declarados como provados os seguintes factos:

A) A ora impugnante era, à data da apresentação da presente impugnação judicial, a proprietária do prédio sito na Rua de …………, Urbanização ……… Lotes ….., Estoril, freguesia do Estoril, Município de Cascais – facto não controvertido (cf. art.º 1.º da p.i.).

B) Em 2007, a ora impugnante requereu na Câmara Municipal de Cascais (CMC) a aprovação do pedido de licenciamento das obras de construção que pretendia levar a efeito no prédio identificado na alínea A), o que foi deferido – facto não controvertido (cf. art.º 2.º da p.i.).

C) Em 23.02.2010 foi emitido o alvará de obras de construção n.º …….., que titula o licenciamento da construção aprovada para o lote … – facto não controvertido (cf. art.º 3.º da p.i.).

D) Em 22.06.2010 a impugnante requereu na CMC, ao abrigo e sob expressa invocação do Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de março, a prorrogação para o dobro do prazo do referido alvará de construção relativo ao lote …, com a seguinte fundamentação:

“[…]

2. Acontece que, em virtude da actual e grave situação de crise que o sector imobiliário atravessa, que se tem vindo a agravar de forma muito sensível nos últimos tempos, não foi possível assegurar ainda a comercialização do referido imóvel, nem obter os financiamentos necessários.

Nesta conformidade, vem requerer-se que os prazos, para início e conclusão das obras, actualmente em curso, sejam prorrogados para o dobro, nos termos do art. 3º do DL 26/2010, de 30 de Março.” – cf. doc. 1 junto à p.i.

E) Por despacho de 29.03.2011, foi deferido o pedido de prorrogação de prazo apresentado pela impugnante – cf. doc. 2 junto à p.i.

F) Ato impugnado: Por ofício n.º 18714 de 06.04.2011, a Impugnante foi notificada do deferimento que antecede e para, no prazo de 30 dias, “liquidar a taxa no montante de 1.886,40€”, correspondente a 36 meses de prorrogação do prazo de execução da obra – cf. doc. 3 junto à p.i.

G) Em 18.04.2011 da liquidação da taxa referida em F), nos termos constantes de doc. 4 junto à petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzidos, e onde se lê, além do mais, o seguinte:

“[…] cremos ser manifesto que o pagamento do referido tributo não é exigível, nem pode ser agora imposto à ora reclamante.

3. O art. 3º/1 do DL 26/2010, de 30 de Março, ao abrigo do qual a ora requerente peticionou a prorrogação do prazo da licença em análise, estatui o seguinte:

“Os prazos previstos para a execução de obras nos n.º s 1, 2 e 9 do artigo 58º e no artigo 59º

do Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e os resultantes da aplicação do disposto nos

n.º 5 a 7 do artigo 58º são aumentados para o dobro mediante requerimento do interessado, sem necessidade de emissão de novo acto ou título sobre as operações urbanísticas em causa”.

[…]

É manifesto que, pretendendo o legislador “evitar o acréscimo de custos”, nunca seria lícita qualquer interpretação contra legem, exigindo-se agora a cobrança de um novo tributo, pela prorrogação de um prazo que nem sequer carece “de emissão de novo acto ou título” (v. art. 3º/1 do DL 26/2010, de 30 de Março; cfr. art. 266º da CRP, e art. 3º do CPA e art. 9º do C. Civil).

4. Registe-se ainda que, como resulta claramente do disposto no art. 116º do DL 555/99, de 16 de Dezembro, relativamente a “taxas inerentes às operações urbanísticas”:

[…]

Como resulta do normativo transcrito, apenas existirá facto tributário quando se verifique a emissão de novo alvará ou título sobre as operações urbanísticas em causa.

[…]” – cf. doc. 4 junto à p.i.

H) Por despacho de 14.06.2011, do Presidente da CMC, foi indeferida a reclamação deduzida pela impugnante, referindo-se ainda que esta deve “promover o pagamento comunicado pelo ofício 18714 de 6/4/2011, no prazo de 10 dias nos termos e com os fundamentos previstos no art. 71º do Código do Procedimento Administrativo” – cf. doc. 5 junto à p.i.

I) A decisão que antecede foi objecto de notificação à ora Impugnante por ofício datado de 29.06.2011 – cf. doc. 5 junto à p.i.

J) A petição inicial foi remetida a este TAF por correio registado em 12.07.2011 – cf. fls. 3 do suporte físico dos autos.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Resulta do que ficou já exposto, particularmente no ponto 1. deste acórdão, que o presente litígio teve origem na decisão de indeferimento de reclamação graciosa que a Recorrida deduziu à liquidação da taxa urbanística, no montante de € 1.886,40, emitida pela Recorrente na sequência do pedido de prorrogação de prazo da licença de construção que aquela primeira lhe apresentou ao abrigo do artigo 3.º do DL n.º 26/2’10, de 30 de Março.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, julgando procedente o vício de inexistência do facto tributário, anulou a liquidação com esse fundamento, mais declarando expressamente que ficava prejudicada a apreciação dos demais vícios invocados.

Para sustentar o julgamento realizado quanto à inexistência do facto tributário, a Meritíssima Juíza, aduziu que o legislador, ao consagrar expressamente a possibilidade de prorrogação do prazo de conclusão de obras a simples requerimento do particular, não concedeu qualquer margem de apreciação ao Município para aferir de condicionalismos que sustentem ou não esse pedido, que do mesmo não resultava a emissão de qualquer nova licença e que a exigência de uma taxa, neste contexto, era ilegal e contrariava o próprio objectivo subjacente à consagração deste regime excepcional - ajustar o tempo de concretização das operações urbanísticas altamente condicionadas pelo clima de estagnação económica que então se fazia sentir no país.

É contra esta decisão que o Recorrente vem reagir, pelas razões condensadas nas suas conclusões, que determinaram a enunciação da questão de fundo vertida na delimitação do objecto do litígio.

Antes, porém, de as apreciarmos, importa apreciar a questão prévia colocada pelo Recorrente.

3.2.2. Da admissibilidade do recurso

Segundo a Recorrida, impondo o n.º 2 do artigo 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) como condição de admissibilidade de recurso que a decisão de que se recorre tenha sido proferida em processo com alçada superior à fixada para os tribunais tributários de 1ª instância, o presente recurso não deve ser admitido, uma vez que a esta acção foi atribuído o valor de € 1.860,40 (mil, oitocentos e sessenta euros e quarenta cêntimos), bem inferior ao valor da alçada fixada para os tribunais tributários, actualmente fixado em € 5.000,00 (cinco mil euros).

Sem razão.

É verdade que por força do que dispõe hoje o n.º 2 do artigo 280.º do CPPT, o “ recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”.

E é também correcta a afirmação da Recorrida quanto a ser o valor da presente causa inferior à alçada que se encontra fixada para os Tribunais Tributários desde a entrada em vigor da Lei n.º 82-B/2014, de 31-12 (€ 5.000,00), já que esse valor foi fixado na sentença, sem contestação, em € 1886,40.

Acontece porém, que a admissibilidade de recurso por efeito das alçadas é regulada pela Lei em vigor à data em que a acção é instaurada (cf. artigos 6.º, n.º 6 do ETAF e 24.º, n.º 3 da LOFTJ).

Ora, do n.º 4 do artigo 284.º do CPPT, em vigor à data de instauração da presente Impugnação Judicial, (13-7-2011), resultava claramente que o recurso jurisdicional só não era admitido, por efeito de alçada, nos processos cujo valor fosse inferior a ¼ do valor da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1ª instância, ou seja, se tivesse valor inferior a €1.250,00.

O que não é ocaso.

Em síntese, tendo a Impugnação Judicial de cuja sentença ora se recorre dado entrada em juízo a 13-7-2011 e sendo nesta data o valor da alçada dos tribunais judiciais de 1ª instância de € 5.000,00, é forçoso concluirmos que a sentença recorrida, proferida neste processo, sendo de valor superior a ¼ da alçada fixada para os tribunais de 1ª instância ao tempo da sua instauração, é recorrível.

Improcede, pois, a questão prévia suscitada pela Recorrida.

3.2.3. Da legalidade da taxa cobrada pelo Município de Cascais pelo pedido de deferimento do prazo de execução de obra formulado ao abrigo do regime excepcional consagrado no artigo 3.º n.º 1 do DL 26/2010, de 30 de Março.

Está em causa, como já definimos, a taxa liquidada e cobrada pelo Município de Cascais na sequência de requerimento de extensão do prazo de execução de obras que lhe foi apresentado pela Recorrida ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 26/2010, de 30-3.

O diploma legal que foi invocado como fundamento do referido pedido introduziu, como é sabido, um conjunto relevante de alterações ao RJUE, tendo nele ficado incluído, no já referido artigo 3.º, um regime excepcional (e temporário) de extensão de prazos, que ora se transcreve atenta a sua pertinência para a resolução da questão:

«1 - Os prazos previstos para a execução de obras nos n.ºs 1, 2 e 9 do artigo 58.º e no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e os resultantes da aplicação do disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 58.º são aumentados para o dobro mediante requerimento do interessado, sem necessidade de emissão de novo acto ou título sobre as operações urbanísticas em causa.

2 - A elevação para o dobro dos prazos previstos nos n.ºs 1, 2 e 9 do artigo 58.º e no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, não prejudica o recurso ao disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 58.º uma vez finda a extensão excepcional do prazo.

3 - Os prazos de caducidade e os prazos para a apresentação do requerimento de emissão dos títulos de operações urbanísticas previstos nos artigos 71.º e 76.º do mesmo diploma são elevados ao dobro.

4 - O regime excepcional de extensão dos prazos previsto nos números anteriores aplica-se aos prazos em curso no momento da publicação do presente decreto-lei ou cuja contagem se inicie até 90 dias após a sua publicação.» (negrito de nossa autoria).

As razões subjacentes à consagração deste especial regime, que o legislador, como resulta do confronto dos artigos 5.º e 8.º, quis que fosse de aplicação imediata, encontram-se explanadas de forma clara no preâmbulo do diploma que o instituiu:

«A Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, introduziu no regime jurídico da urbanização e da edificação uma vasta simplificação administrativa com uma nova delimitação do âmbito de aplicação dos diversos procedimentos de controlo prévio, promoveu e valorizou a responsabilidade de cada interveniente, estabeleceu uma nova forma de relacionamento entre os órgãos da Administração e consagrou a utilização de sistemas electrónicos para a desmaterialização dos processos e do relacionamento da administração com os particulares

(…)

não obstante as medidas de aprofundamento da simplificação dos procedimentos de controlo prévio agora introduzidas diminuírem os custos administrativos e de contexto para os cidadãos e empresas, mostra-se necessário adoptar medidas que permitam flexibilizar o ritmo de realização das operações urbanísticas já objecto de controlo prévio por forma a evitar o acréscimo de custos e efeitos pela impossibilidade de ajuste do tempo das intervenções aos limites temporais fixados no regime e nos títulos das operações urbanísticas. Assim, introduz-se um regime excepcional, que estende os prazos para a apresentação de requerimento de emissão de título de operação urbanística, de execução de obras e de caducidade» (negrito de nossa autoria)

Como a doutrina (Fernanda Paula e Dulce Lopes, “A extensão excepcional de prazos prevista no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 26/2010: subsídios para a sua aplicação prática”, Revista Direito Regional e Local n.º 11, Julho/Setembro de 2010, páginas 27 a 35.) cedo realçou «O regime especial de extensão de prazos previsto no art. 3.° do Decreto-Lei n.° 26/2010 pode ser dividido de forma a abarcar dois grupos de situações distintas, às quais este normativo fornece um tratamento diferenciado: de um lado, aquelas em que estão em causa prazos de execução (conclusão) de obras - é a este tipo de prazos que se referem os arts. 58.° e 59.° do RJUE mencionados no n.° 1 do referido art. 3.° -, de outro lado, as situações referentes a prazos de caducidade das licenças ou admissões de comunicações prévias e prazos para o requerimento do alvará que titula a licença ou autorização - é a estes prazos que se referem, respectivamente, os arts. 71.° e 76.° mencionados no citado art. 3.°».

Concretamente no que se reporta às situações previstas no n.º 1 do artigo 3.º, em que o Recorrido fundou o seu pedido de prorrogação de prazo, não existem dúvidas de que ele tanto se aplica às obras de edificação previstas nos artigos 58.° e 59.° do RJUE como aos prazos para conclusão das obras de urbanização como à sua execução faseada (arts. 53.° e 56.° do RJUE.

No caso, não está em discussão que a taxa liquidada se reporta a um pedido de extensão do prazo de execução de obras já licenciada e, consequentemente, que lhe é directamente aplicável o regime consagrado no n.º 1 do referido artigo 3.º do DL n.º 26/2010.

A questão, atentos os termos em que a Recorrente definiu este recurso, é tão só a de saber se a interpretação que o Tribunal a quo perfilhou daquele normativo - no sentido de que o exercício da faculdade aí prevista não implica a obrigação de pagamento de qualquer taxa – é incompatível com o preceituado nos artigos 58.º e 116.º do RJUE e 3.º e 6.º da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, doravante designado apenas por RGTAL) e, mesmo que assim se não entenda, é incompatível com o regime que resulta da conjugação dos artigos 3.º do RGTAL e 19.º do Regulamento e Normas de Cobrança e Tabela de Taxas e Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Cascais.

Vejamos, então, o que consta de tais preceitos, na parte que releva para o caso concreto.

3.2.3.1.Nos termos do artigo 58.º do RJUE, compete à Câmara Municipal, com o deferimento do pedido de licenciamento das obras referidas nas alíneas c) a g) do n.º 2 do artigo 4.º, fixar o prazo de execução da obra, em conformidade com a programação proposta pelo requerente (n.º 1), o qual começa a contar da data de emissão do respectivo alvará, da data do pagamento ou do depósito das taxas ou da caução nas situações previstas no artigo 113.º ou do fim do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 36.º, na hipótese de comunicação prévia (n.º 2), prazo esse que pode, quando não seja possível concluir as obras no prazo previsto, ser prorrogado, a requerimento fundamentado do interessado, por uma única vez e por período não superior a metade do prazo inicial, salvo o disposto nos números seguintes.” (n.º 5).

Por sua vez, resulta do artigo 116.º do mesmo diploma, que tem por epígrafe “Taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas”, que estão sujeitas ao pagamento das taxas previstas nas als. a) e b) do artigo 6.º do RGTAL, “A emissão dos alvarás de licença e de autorização de utilização e a admissão de comunicação prévia previstas no presente diploma “(n.º 1), “A emissão do alvará de licença e a admissão de comunicação prévia de loteamento” (n.º 2), “A emissão do alvará de licença e a admissão de comunicação prévia de obras de construção ou ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou alvará de obras de urbanização” (n.º 3), bem como “A emissão do alvará de licença parcial a que se refere o n.º 6 do artigo 23.º” (n.º 4).

Por fim, nos termos das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 6.º do RGTAL, que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias e pela concessão de licenças, prática de actos administrativos e satisfação administrativa de outras pretensões de carácter particular.

Ora, se centrarmos a nossa atenção no que ficou estabelecido na parte final do artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 26/10, facilmente concluímos que as taxas previstas no artigo 6.º do RGTAL, que são as aplicáveis nas situações consagradas no artigo 116.º, não se aplicam na situação em análise, já que o próprio legislador deixou devidamente expresso que o pedido de prorrogação do prazo não determina a “emissão de novo acto ou título sobre as operações urbanísticas em causa”.

Dito de outra forma: não dando o pedido de deferimento lugar a novo acto ou título sobre as operações urbanísticas, mas tão só a um averbamento ao título inicial (cf. artigo 58.º, n.º 8), imposto para melhor controlo, por parte dos Municípios, das operações urbanísticas que beneficiaram já extensão do prazo e para controlo dos prazos de execução, há que concluir que, em bom rigor, a actividade administrativa traduz uma prática ou actividade necessária ao bom desempenho das competências e poderes atribuídos aos Municípios e, não um benefício para o particular, por esse resultar directamente do direito que legalmente lhe foi reconhecido, sem que à Administração tenha ficado inclusive reconhecida qualquer margem de apreciação (contrariamente do que sucede nas situações previstas, designadamente no n.º 5 do artigo 58.º do RJUE).

3.2.3.2. Mas a Recorrente, como se constata das conclusões de recurso, avança ainda com um último argumento: prevendo o artigo 19.º do Regulamento e Normas de Cobrança e Tabela de Taxas, Licenças e outras Receitas Municipais do Município de Cascais, à data em vigor, que o pedido para prorrogação do prazo de validade das licenças para obras de edificação ou urbanização está sujeito às taxas fixadas nos artigos 9.° e 10.° da respectiva Tabela, devia o Tribunal a quo ter concluído que o deferimento dessa prorrogação ainda traduz a remoção de um obstáculo jurídico que, à luz do artigo 3.º da RGTAL, constitui fundamento legitimador da taxa urbanística exigida.

Mais uma vez sem razão.

Com efeito, como de resto resulta do que ficou já exposto, não existe qualquer obstáculo jurídico que cumpra ao Município de Cascais “remover” e, consequentemente, que legitime a contrapartida (taxa) exigida, uma vez que os obstáculos jurídicos, que nos termos gerais, se podiam colocar, foram, neste regime transitório, removidos pelo próprio legislador ao estabelecer excepcionalmente que a prorrogação do prazo não ficava dependente da vontade dos Municípios mas apenas de uma manifestação da vontade do particular, constituindo “fundamentação “ suficiente a invocação do regime excepcional, sem que ao Município esteja reconhecida qualquer margem para colocar obstáculos, de qualquer ordem, à extensão dos prazos, designadamente fazendo juízos de valor sobre as razões que determinaram o pedido de aplicação daquele regime excepcional

Manifestação que, no caso, ocorreu, já que ficou provado que a Recorrida, titular de um alvará emitido pelo Município de Cascais, invocando expressamente o regime excepcional consagrado no artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 26/2010, requereu a prorrogação do prazo de execução da obra e que esta lhe foi automaticamente deferida [cfr. factualidade vertida nas als. B), C) e D) do probatório].

Aliás, recuperando agora o que começamos por salientar no que respeita aos objectivos subjacentes à instituição deste particular regime, se da letra da lei ou da conjugação de todo o quadro normativo resultasse alguma dúvida interpretativa, sempre a mesma seria dissipada pela incongruência que existiria entre o que ficou legislado e aquele objectivo.

Efectivamente, dificilmente se compreenderia que visando o legislador com esta regulamentação conceder algum desafogo aos promotores imobiliários, permitir-lhes maior flexibilidade na gestão dos seus projectos e compromissos, num momento económico difícil que enfrentavam e evitar custos acrescidos decorrentes da realidade que então se vivia, simultaneamente lhes impusesse um custo económico pelo desafogo que lhes queria conceder.

É este elemento teleológico da norma, que se colhe directamente do preâmbulo do diploma, a par da manutenção do regime geral de prorrogação dos prazos previstos, designadamente no artigo 58.º do RJUE, finda a extensão excepcional (com o consequente pagamento das taxas que sejam devidas por essas “normais” prorrogações) que, repita-se, se dúvidas existissem, sempre nos determinariam a concluir que o pedido de prorrogação de prazo de execução da obra, previsto no artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 26/2010, não dá origem a nenhum facto tributário.

Em suma, não estando em discussão que a Recorrida (i) à data da entrada em vigor do DL n.º 26/2010, era titular de um alvará para construção de um empreendimento cujas obras e prazo para a sua conclusão se encontravam em curso; (ii) requereu, ao abrigo do regime excepcional de extensão dos prazos consagrado no artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 26/2010, a prorrogação do prazo para conclusão da obra licenciada e que (iii) o regime excepcional invocado não fazia depender o deferimento desse pedido do pagamento de qualquer taxa nem dava origem à emissão de qualquer novo alvará, há que concluir que não existe fundamento legal para que o pagamento de taxa seja pago como pretende o Recorrente.

São, pois, de julgar totalmente improcedentes as conclusões de recurso formuladas pelo Recorrente e de manter integralmente na ordem jurídica a douta sentença recorrida.

4. Decisão

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Município de Cascais, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Anabela Ferreira Alves e Russo (Relatora) - José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.