Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0818/12 |
Data do Acordão: | 10/31/2012 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL PROCEDIMENTO CAUTELAR RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL |
Sumário: | 1. Estando prevista, em sede de execução fiscal, a possibilidade de reclamação judicial de todas as decisões do órgão da execução que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro (art.º 276.º do CPPT), com subida imediata a tribunal e efeito suspensivo da execução quando a subida diferida seja susceptível de provocar prejuízos irreparáveis ao reclamante ou quando a reclamação fique sem finalidade por força da sua subida diferida (art.º 278.º n.º 3 do CPPT), não pode obter-se a suspensão da execução fiscal do acto que determinou a venda do bem penhorado através da dedução da medida cautelar prevista no n.º 6 do art.º 147.º do CPPT. |
Nº Convencional: | JSTA00067892 |
Nº do Documento: | SA2201210310818 |
Data de Entrada: | 07/13/2012 |
Recorrente: | A.... |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TT1INST LISBOA |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - INTIMAÇÃO. |
Legislação Nacional: | CPPTRIB99 ART147 N6 ART172 ART276 ART278 N3 ART169 N1 ART85. LGT98 ART103 N1 ART23 N3 ART92 N8 ART52. CONST76 ART20 ART268 N4. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC0669/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0547/10 DE 2010/07/14; AC STA PROC024956 DE 2000/04/26 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A……, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a fls. 106 a 112, que indeferiu (por impropriedade do meio utilizado) a providência de intimação para um comportamento que, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 147.º do CPPT, aquela deduziu contra a Direcção Geral de Impostos (actual Autoridade Tributária e Aduaneira) e onde pedira que fosse «ordenada a suspensão imediata da presente venda, por inconstitucionalidade dos Arts. 248º, 249º nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como pela inconstitucionalidade do Art. 930º-B, nº 4, in fine, do Código de Processo Civil, inconstitucionalidades violadoras grosseiras dos Arts. 65º, nº 1 e 67º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa». Concluiu as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. Deve ser declarada a inconstitucionalidade dos Arts. 248º, 249º, nº 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como pela inconstitucionalidade do Art. 930º-B, nº 4 in fine do Código de Processo Civil, por violação dos Arts. 65º, nº 1 e 67º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. 2. Mais, deve ser declarada inconstitucional por omissão, a possibilidade de o Estado português vender e alienar a casa de morada de família, coercivamente, sem assegurar os direitos consagrados nos Arts. 65º, nº 1 e 67º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. 3. Estes princípios estão enformados e decretados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que preceitua que no seu Art. 25º diz: “nº 1: Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento (…) e tem direito a segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez e velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade”. 4. Salvo o devido respeito, a douta sentença é contraditória ao indeferir a providência e dizer que: “o meio é impróprio como tutela da pretensão jurídica formulada, atento o seu carácter residual”. 5. O que a requerente pretende é uma tutela concreta efectiva, embora residual, como afirma a douta sentença, mas que veio a indeferir a providência requerida, com o devido respeito, numa clara contradição. 6. Ora, a lesão irreparável da requerente é o facto de a casa de morada de família ser alienada pelo Estado, investido no seu jus imperi e autoridade, causando danos que não seriam de outro modo reparáveis, se não fosse a pertinência da providência requerida. 7. Também a intimação apresentada não estava sujeita a qualquer prazo, como resulta da leitura do Art. 147º, nº 1 a 6 do CPPT. 8. Também deve ser declarada a inconstitucionalidade por omissão, na parte em que o Estado não assegura uma tutela efectiva e real da casa de morada de família em situações de venda coerciva. 9. A providência requerida, destinada a impedir a venda coerciva por parte da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira era a necessária, embora de carácter residual, destinada a evitar uma lesão irreparável da requerente, por uma actuação da requerida, já que não existia outro meio útil e suficiente em face do enquadramento jurídico em causa, destinado a impedir a venda da casa de morada de família da requerente. Termos em que deve ser revogada a Mui Douta Sentença e decretada a providência requerida com todos os efeitos legais. Farão assim V. Ex.ªs verdadeira Justiça, esta nunca olvidada!
1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado, que terminou com as seguintes conclusões: 1. O meio processual de que o A. lançou mão nos presentes autos não é o idóneo, atento o seu carácter residual. 2. Mas sim a reclamação judicial prevista nos arts. 276° e sgs. do CPPT, atento o pedido e a causa de pedir. 3. Mesmo que se entendesse aplicável no caso dos autos o meio processual cautelar inominado previsto no n.º 6 do art. 147º do CPPT, o certo é que continuava a não se verificar o requisito da existência de fundado receio de uma lesão irreparável, tendo em conta que os prejuízos deste tipo que se podem considerar irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa, o que não é o caso dos autos. 4. Não resultando provado sequer o receio de que a A. recorrente veja ameaçado de forma irreparável o seu direito a uma habitação condigna e do seu agregado familiar, com a venda executiva em apreço, ou que seja essa a sua única habitação. 5. Da mesma forma não se verifica a necessária relação de instrumentalidade entre o processo cautelar em relação a uma causa principal, requisito enunciado no art. 113º do CPTA, ex vi art. 2.º do CPPT, atenta a própria inexistência de processo principal - eventualmente uma reclamação do art. 276° do CPPT. 6. Pelo que ainda aí, o procedimento cautelar se tornaria supervenientemente inútil, por caducidade do direito de acção por decurso do prazo de interposição de processo principal, e uma eventual providência cautelar teria de ser declarada como caducada, atento o disposto no art. 121°, n°1, alínea a) do CPTA, por já estar excedido o prazo para o efeito, atenta a entrada da petição inicial em 21.11.2011. 7. Os arts. 248º, 249º, n.º 3 do CPPT e art. 930º-B do CPC estão em plena conformidade com as normas constitucionais vigentes, não resultando do disposto nos mesmos qualquer violação dos arts. 65º, n.º 1 e 67º, n.º 1, da CRP ou do art. 25º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 8. Assim como não existe qualquer inconstitucionalidade por omissão, quanto à possibilidade de o Estado Português vender e alienar a casa de morada de família coercivamente, face à redacção em vigor do arts. 930º e sgs do CPC, mormente do disposto no n.º 6 do art. 930º do referido Código. 9. Sendo que as soluções encontradas pelo legislador, mormente no CPPT, além de não padecerem das invocadas violações dos princípios invocados, tiveram ainda em conta a necessária aplicação dos princípios constitucionais da igualdade dos contribuintes perante a lei e da proporcionalidade, decorrente dos parâmetros constantes dos artigos 13º e 18º, nºs 2 e 3, da CRP e da legalidade e indisponibilidade da dívida tributária, constante do art. 103º da CRP. Nestes termos e nos demais de direito deverá manter-se a douta sentença recorrida uma vez que a mesma fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, não padecendo de qualquer vício ou irregularidade e, em consequência, ser julgado improcedente o recurso interposto.
1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão recorrida pelos fundamentos que dela constam. 1) No processo executivo n.º 1464200901063022 e apensos em que é executada a Requerente por dívida de € 17.202,10 foi efectuada, em 12/07/2011, penhora da fracção autónoma designada pela letra "……", destinada a habitação, do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ……. da freguesia de …….., descrito na Conservatória do Registo Predial de Alenquer com o n.º ……. (auto de penhora, fls. 16 a 19); 2) A Requerente foi notificada da penhora por ofício do serviço de finanças n.º 5654 de 09/09/2011 (fls.15); 3) Foi notificada, por ofício de 25/10/2011, de que fora designado para venda do imóvel o dia 15/12/2012 (ofício a fls.13); 4) O referido imóvel é propriedade da executada, aqui Requerente; 5) A providência deu entrada no tribunal tributário em 14/11/2011 (carimbo aposto a fls. 2); 6) Por despacho de 13/12/2011, foi suspensa, por 30 dias, a venda marcada «para análise da situação» em vista do pedido de intimação (fls.63/63).
− em conformidade com o disposto no art. 23º, n.º 3, da LGT, a execução ficará suspensa desde o termo do prazo da oposição até à completa excussão do património do executado, sempre que no momento da reversão da execução não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados, por não se encontrar apurado o montante a pagar pelo responsável subsidiário/revertido; − em conformidade com o disposto no art. 92º, n.º 8, da LGT, a execução ficará suspensa sempre que, tendo ocorrido pedido de revisão da matéria colectável em sede de procedimento de revisão, o parecer do perito independente esteja em conformidade com o parecer do perito do contribuinte e a administração tributária decida em sentido diferente. Nesse caso a reclamação graciosa ou a impugnação judicial tem efeito suspensivo independentemente de prestação de garantia quanto à parte da liquidação em que os peritos estiverem de acordo; − em conformidade com o disposto nos artigos 276º e segs. do CPPT, mormente do artigo 278.º, há possibilidade de suspensão da execução fiscal no caso de ser apresentada reclamação para o Tribunal dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal; (A jurisprudência é unânime em reconhecer a subida imediata da reclamação não só nos casos previstos no n.º 3 do art. 278.º do CPPT como em todos aqueles em que o direito à tutela judicial efectiva requeira tal subida imediata como modo de evitar prejuízos para os interessados, o que lhe assegura o efeito suspensivo, uma vez que a reclamação é tramitada na própria execução fiscal.) − em conformidade com o disposto no artigo 169º, n.º 1, do CPPT, a execução ficará suspensa sempre que se verifiquem os seguintes pressupostos: (i) que tenha sido deduzida reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial do acto tributário, (ii) os quais tenham por objecto a legalidade da dívida, e (iii) tenha sido constituída ou prestada garantia, dispensada a sua prestação ou efectuada penhora que garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido.
Deste modo, e visto que, como é jurisprudência constante e pacífica do STA, na execução fiscal está prevista a possibilidade de reclamação judicial de todas as decisões do órgão da execução que afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro (art.º 276.º do CPPT), com subida imediata a tribunal e efeito suspensivo da execução sempre que a subida diferida seja susceptível de provocar prejuízos irreparáveis ao reclamante ou quando a reclamação fique sem finalidade por força da subida diferida (art.º 278.º n.º 3 do CPPT) (Veja-se, a título meramente representativo dessa jurisprudência, o acórdão desta Secção do Contencioso Tributário do STA de 14 de Julho de 2010, proferido no processo com o n.º 547/10.), não podemos deixar de concluir que a obtenção de suspensão da execução fiscal através da dedução da medida cautelar prevista no n.º 6 do art.º 147.º do CPPT iria subverter os normativos legais relativos às apertadas exigências que a lei impõe para suspender o processo executivo, pelo que seria claramente ilegal. |