Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0886/09
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
REVERSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE
GERENTE
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Sumário:I - O artigo 13.º, n.º 1 do CPT não é materialmente inconstitucional, designadamente por violação dos princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade, da proibição do excesso e da capacidade contributiva
II - O gerente, ainda que por limitado tempo do respectivo período do exercício, é responsável pela totalidade da dívida de IRC da sociedade executada originária, respeitante ao ano de 1996, por força do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPT, sem prejuízo, evidentemente, do direito de regresso em relação aos seus condevedores tributários solidários.
Nº Convencional:JSTA000P11201
Nº do Documento:SA2200912020886
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a oposição por si deduzida ao processo de execução fiscal n.º 3344200201512404, instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 11, por dívida de IRC do exercício de 1996 da sociedade B..., no montante de € 75.785,61, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que indeferiu a oposição judicial apresentada pelo ora Recorrente na sequência da decisão de reversão contra o Requerente de uma dívida de IRC do ano de 1996 da B….
2. O Meritíssimo Juiz a quo considerou não ter ficado demonstrada a não verificação dos pressupostos legais de reversão.
3. O Recorrente não se conforma com este entendimento que resulta de incorrecta interpretação e aplicação da lei ao caso em apreço e que se traduz na aplicação de uma norma inconstitucional.
4. Desde logo, o Recorrente considera que o art.º 13.º do CPT é inconstitucional, na parte que respeita à presunção legal de culpa e consequente inversão do ónus da prova.
5. A presunção legal de culpa, por demasiada onerosa e injustificada, viola, desde logo, o princípio constitucional da proporcionalidade ou proibição do excesso, consagrado no art.º 266.º, n.º 2 da CRP.
6. O carácter excessivo e, por isso mesmo, desproporcionado, retira-se logo do facto de não existirem quaisquer limites à responsabilidade tributária dos responsáveis subsidiários, nos termos defendidos por Paulo de Pitta e Cunha e Jorge Costa Santos, in “Responsabilidade Tributária dos Administradores ou Gerentes”, Lex, Lisboa 1999, págs. 124 e segs.
7. A desproporção de um regime deste tipo havia sido reconhecida pelo próprio legislador de 1987, que através do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, alterou o então vigente art.º 16.º do CPCI, introduzindo a verificação da culpa efectiva como requisito de responsabilidade dos administradores e transferindo para a Administração Fiscal o ónus de a provar.
8. Como consta do preâmbulo do referido diploma legal, que passamos a transcrever, “O princípio da culpa é, em matéria de responsabilidade civil, de decisivo relevo para a configuração da esfera jurídica das pessoas, na qual elas se poderão disponivelmente mover. Pressupõe uma regra de justiça, isenta de qualquer fatalismo tendencialmente inadequado. (...) No tocante à responsabilidade civil dos gerentes e administradores da sociedade, não deverá a solução divergir, no fundamental, da genericamente adoptada. (…) Daí que perca cada vez mais sentido dotar o Estado, enquanto credor social, de um estatuto desproporcionalmente privilegiado”.
9. O próprio legislador admitiu, claramente, que um regime de responsabilidade não assente na culpa efectiva, a provar pelo credor, nos termos gerais, era desproporcionado e constituiria um privilégio injustificado do Estado.
10. A desproporção constata-se, ainda, na própria posição processual ocupada pelas entidades envolvidas: a Administração Fiscal nada mais tem que fazer que requerer uma certidão de registo comercial da qual conste o nome dos administradores a exercer funções à data dos factos, recaindo sobre estes inteiramente o ónus da prova de diversos factos negativos, como o não exercício efectivo da gerência ou a inexistência de culpa.
11. A desproporção em termos processuais é, pois, notória, tanto mais quanto é ampla e unanimemente reconhecida a dificuldade de prova de factos negativos – cfr. sobre esta matéria Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 442 e seguintes.
12. O dispositivo legal em causa viola, também, o princípio da capacidade contributiva na medida em que ignora por completo a capacidade económica de pagar impostos por parte do responsável subsidiário.
13. A lei prevê uma transferência subjectiva da responsabilidade de pagamento sem qualquer regime de salvaguarda, protecção e sem atender às condições económicas do gerente.
14. Uma regra deste tipo, com a aplicação que se pretende, implica o consumo de patrimónios de terceiros alheios às manifestações de riqueza ou de capacidade contributiva que constituem a matéria colectável dos impostos em causa.
15. A admitir-se a responsabilidade tributária dos gerentes por dívidas de terceiros - o que se admite, dentro de certos condicionalismos decorrentes dos princípios constitucionais -, como forma de indemnizar o Estado na sua qualidade de credor social, sempre se teriam que verificar em concreto os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, nomeadamente a prática de um acto ilícito, culposo e causal.
16. E cumpriria à Administração Fiscal alegar, demonstrar e provar a verificação de todos estes elementos, nos termos gerais de Direito.
17. O art.º 13.º do CPT está, pois, clara e frontalmente, em contradição com o estabelecido no art.º 104.º da CRP, implicando a inconstitucionalidade material da referida norma.
18. Face ao exposto, considera o Recorrente que a presunção legal de culpa prevista no art.º 13.º do CPT é inconstitucional por violar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da capacidade contributiva.
19. Assim sendo, competiria à Administração Fiscal fazer prova da culpa efectiva do ora Recorrente, enquanto ex-gerente da B…, o que não sucedeu.
20. Mas, mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que não se verificam os pressupostos legais de aplicação do art.º 13.º do CPT, tendo em atenção o período de exercício do cargo por parte do Recorrente.
21. Com efeito, ficou provado que o Recorrente renunciou à gerência da B…, aquando da cessão da sua quota, mais concretamente em 15 de Novembro de 1996, tendo esta renúncia sido atempadamente registada junto da Conservatória do Registo Comercial.
22. O regime decorrente do art.º 13.º do CPT prevê que os gerentes possam ser responsabilizados por impostos relativos ao período de exercício do cargo.
23. Ora, resulta do probatório que o imposto em cobrança coerciva – IRC de 1996 – não é referente ao período de exercício do cargo por parte do Recorrente.
24. A constituição da obrigação tributária de pagamento só ocorreu, ope legis, após o termo de entrega da declaração periódica de rendimentos relativamente ao exercício em causa, ou seja, em Maio de 1997.
25. Dado que o recorrente deixou de exercer funções na B… em Novembro de 1995 não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade pelo não pagamento do imposto em causa.
26. Os impostos pelos quais o Recorrente poderia, em teoria, vir a ser responsabilizado seriam o IVA e eventuais retenções na fonte de IRS e IRC ocorridas e vencidas até Novembro de 1995.
27. O Recorrente não pode, legalmente, ser responsável pelo pagamento de dívidas e obrigações tributárias constituídas após o exercício do cargo.
28. Desconsiderando desta interpretação do art.º 13.º do CPT, acrescenta o Meritíssimo Juiz a quo que “quando a dívida de imposto respeita a período uno (como sucede no caso do IRC) e, consequentemente, incidível para efeitos fiscais, a responsabilidade do gerente quanto a tal dívida reporta-se sempre a todo o período, ainda que o mesmo gerente tenha apenas exercido a gerência em parte dele”.
29. Continua, ainda, o Meritíssimo Juiz a quo alegando que o art.º 13.º do CPT “delimita o âmbito temporal da responsabilidade tanto ao momento em que ocorram os factos geradores do imposto – que, no caso do IRC, é, precisamente, o ano do exercício económico – como ao momento da cobrança do imposto”.
30. Sobre esta matéria, cumpre desde logo corrigir a posição do Meritíssimo Juiz a quo porquanto decorre expressa e taxativamente da lei - cfr. actual n.º 9 do art.º 8.º do CIRC - que, em sede de IRC, o facto gerador do imposto se considera verificado no último dia do período de tributação, o que, regra geral, corresponderá ao dia 31 de Dezembro.
31. Portanto, contrariamente ao que defende o meritíssimo Juiz a quo, em sede de IRC, o facto gerador do imposto não corresponde ao ano do exercício económico, mas sim ao último dia do exercício económico.
32. Com efeito, é no dia 31 de Dezembro de cada ano civil que se cristaliza a relação jurídico-tributária, sendo nesse exacto momento que se fixam os elementos relevantes e essenciais para determinação da obrigação tributária: sujeitos e matéria colectável.
33. Esta solução legal – a de prever taxativamente o momento da verificação do facto tributário – é a única que se coaduna com os princípios da certeza e da segurança jurídica. Só assim se evitam discussões teóricas e dogmáticas sobre o momento da verificação do facto e das consequências e efeitos legais daí derivados.
34. Assim, aplicando ao caso em apreço o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, e considerando os factos provados, teríamos que concluir que o Recorrente não exercia quaisquer funções, nem tinha qualquer relação com a B…, à data da verificação do facto tributário, nem à data da cobrança do imposto.
35. A consequência lógica e legal desta conclusão seria a improcedência da posição da Administração Fiscal e a impossibilidade legal de reversão da dívida de IRC de 1996 contra o Recorrente, nos termos descritos na oposição judicial.
36. Contra este entendimento, não procedem os argumentos invocados pelo Meritíssimo Juiz a quo, no que respeita à incindibilidade e impossibilidade de fraccionamento da obrigação tributária em sede de IRC.
37. Como defende Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Vol. II, 2007, Vislis Editores, pág. 346, nota 25, “não haverá qualquer obstáculo lógico nem legal a que se possa responsabilizar os administradores ou gerentes, quanto aos impostos duradouros, na proporção que o seu período de gerência tem no período global a que se refere o imposto, independentemente de ter sido ou não nesse período que ocorreu a actividade que gerou rendimentos que foram objecto de tributação. A ser assim, relativamente aos impostos anuais, nos casos em que o exercício de funções de gerência ocorreu apenas em parte do ano, a responsabilidade subsidiária existiria, em relação à dívida anual global, apenas na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano”.
38. Assim sendo, resta concluir que, de acordo com este A., o regime de responsabilidade subsidiária resultante do art.º 13.º do CPT impõe que, sempre que as funções de gerente não sejam exercidas durante todo o período de tributação, haverá que ser efectuado um cálculo proporcional para fixação da responsabilidade individual de cada gerente.
39. Face a tudo o que vem exposto, resulta evidente que a interpretação e aplicação do art.º 13.º do CPT efectuada pelo Meritíssimo Juiz a quo na sentença recorrida não merece qualquer provimento, pelo que esta deverá ser revogada.
40. E porque, como referido supra, o art.º 13.º do CPT é inconstitucional ao prever uma reversão do ónus da prova, não procede, também, o entendimento do Meritíssimo Juiz a quo no sentido de que cumpriria ao Recorrente efectuar a prova da ausência de culpa sua na insuficiência patrimonial da sociedade.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste STA emite parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Mostram-se provados os seguintes factos:
1) Em 12/08/02, foi instaurada, no Serviço de Finanças de Lisboa 11, a execução fiscal n.º 3344200201512404 contra a sociedade B…, com vista à cobrança coerciva da dívida de € 75.785,61 relativa ao IRC do exercício de 1996 (cfr. informação oficial de fls. 25 e 26 e cópia da certidão de dívida de fls. 27);
2) Não tendo sido encontrados bens penhoráveis à sociedade referida, foi, por despacho do Chefe de Finanças, ordenada a reversão da execução contra o oponente, atenta a sua qualidade de sócio-gerente da originária devedora no período a que a dívida respeita e, como tal, a título de responsável subsidiário (cfr. informação de fls. 25 e 26, 32, 39, 49 e 50 dos autos);
3) Conforme consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (a fls. 33 a 37 dos autos), o ora oponente foi sócio da sociedade B… desde a sua constituição, em 1993, tendo sido designado gerente desde essa altura, juntamente com os outros três sócios;
4) Conforme consta da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (a fls. 33 a 37 dos autos), a forma de obrigar a sociedade correspondia à intervenção de dois dos quatro gerentes designados;
5) Em 15/11/96, o oponente cedeu a sua quota na sociedade B… a C…, tendo renunciado à gerência da sociedade nessa mesma data (cfr. fls. 16 a 23 dos autos);
6) Conforme consta da ap. 12/961122 da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (a fls. 33 a 37 dos autos), naquela data foi inscrita a transmissão da quota do oponente a favor de C…;
7) Conforme consta da ap. 13/961122 da certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (a fls. 33 a 37 dos autos), naquela data foi inscrita cessação de funções de gerência, por parte do ora oponente, por ter renunciado em 15/11/1996;
8) Na declaração de rendimentos relativa ao exercício de 1995 a sociedade B… apresentou um lucro tributável de 936.777$00, aí inscrevendo, no quadro relativo ao Balanço, o montante de 44.802.418$00, a título de total do capital próprio e do passivo (cfr. fls. 84 a 87 dos autos);
9) Do valor de 44.802.418$00, o valor de 43.037.600$00 corresponde ao total do passivo e o montante de 1.764.818$00 corresponde ao capital próprio (cfr. fls. 84 a 87 dos autos).
III – Vem o presente recurso interposto da sentença da Mma. Juíza do TT de Lisboa que julgou improcedente a oposição deduzida pelo ora recorrente à execução fiscal instaurada contra a sociedade B…, por dívida de IRC do ano de 1996, e mandada contra si reverter, por dela ter sido gerente desde a sua constituição, em 1993, até 15/11/1996, data em que renunciou à gerência da mesma.
Desde logo, invoca o recorrente a inconstitucionalidade do artigo 13.º do CPT por violar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da capacidade contributiva.
Quanto a esta questão, tem este STA vindo a pronunciar-se de forma pacífica pela não inconstitucionalidade do regime de responsabilidade solidária dos gerentes previsto no artigo 13.º do CPT – v. neste sentido os acórdãos de 23/09/1998, de 26/05/1999, de 27/10/1999, de 15/06/2000 e de 21/11/2001, proferidos, respectivamente, nos recursos n.ºs 22291, 20653, 23872, 25110 e 26119, nos quais se conclui que o artigo 13.º, n.º 1 do CPT não é materialmente inconstitucional, designadamente por violação dos princípios constitucionais da necessidade, da proporcionalidade, da proibição do excesso e da capacidade contributiva.
Também o Tribunal Constitucional, ainda que no âmbito do artigo 16.º do CPCI, se pronunciou já sobre a questão da constitucionalidade do regime da responsabilidade solidária dos gerentes, considerando que o mesmo não ofende nenhuma norma ou princípio constitucional – v. os acórdãos n.ºs 576/99, publicado no DR, II Série, de 21/02/2000, e 577/99, de 13/04/1999, no qual se sublinha que «de um ponto de vista lógico, é perfeitamente razoável e justificado que aos gerentes ou administradores que de direito e de facto exerceram funções de gerência ou administração, ou seja, tiveram uma actuação que, ao fim e ao resto, foi aquela que ditou a condução da vida negocial da sociedade, sejam assacados os aspectos positivos e negativos decorrentes dessa condução de vida negocial».
Seguindo esta linha jurisprudencial, que não vemos razão para quebrar, não ocorre, pois, a inconstitucionalidade invocada.
Alega, ainda, o recorrente que também se não verificam os pressupostos legais de aplicação do citado artigo 13.º do CPT, tendo em atenção o período de exercício do seu cargo de gerência na sociedade originariamente executada.
Com efeito, estando provado que o ora recorrente renunciou à gerência da referida sociedade em 15/11/1996, não lhe pode, em seu entender, ser assacada qualquer responsabilidade pelo não pagamento do imposto em causa – IRC do ano de 1996 – ou, quanto muito, a sua responsabilidade existiria em relação à dívida anual global apenas na parte proporcional que o período de tempo de exercício de gerência tem no período do ano em causa.
Relativamente a esta questão, ainda recentemente esta Secção considerou, em acórdão de 28/10/2009, proferido no recurso n.º 742/09, que, do ponto de vista de uma lógica estritamente formal, não haverá obstáculo a que possam ser responsabilizados os administradores ou gerentes, quanto aos impostos duradouros, na proporção que o seu tempo de gerência haja tido no período global do exercício a que se refere o imposto.
Todavia, como se acentua em tal aresto, julgamos que essa não é a solução legislativamente consagrada – o que, a nosso ver, bem se compreende e justifica.
Na verdade, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPT, os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
Ora, como se vê, o que aí se preceitua é que, na sociedade de responsabilidade limitada, os seus administradores ou gerentes sejam responsáveis «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo».
E daí que, como expressamente se consigna no aresto citado, «De conformidade, aliás, com a unidade sistémica e valorativa do ordenamento jurídico, deve entender-se pelo «exercício» dito neste artigo 13.º, n.º 1, “o exercício económico que coincide com o ano civil”, em cujo último dia, de resto, se considera verificado o facto gerador do imposto, nos termos do artigo 8.º do Código do IRC.
E do n.º 1 do artigo 13.º do Código de Processo Tributário vê-se também que, «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo», os gerentes ou administradores são responsabilizados «solidariamente entre si».
Quer dizer: sendo certo que a lei [neste caso a lei tributária] constitui uma das “fontes da solidariedade” das obrigações (cf. o artigo 513.º do Código Civil), o artigo 13.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário estabelece de modo muito claro uma solidariedade passiva entre os gerentes ou administradores da sociedade executada «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo».
E, sob a epígrafe “Exclusão do benefício da divisão”, o artigo 518.º do Código Civil determina que «Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro».
Na verdade, o “benefício da divisão” é característico ou próprio das obrigações designadas correntemente por conjuntas ou parciárias. Nas obrigações conjuntas, cada devedor é responsável, perante o credor, só pela quota-parte da obrigação que lhe corresponde.
Diferentemente acontece nas obrigações solidárias. Havendo solidariedade passiva, qualquer devedor responde por inteiro pelo cumprimento da obrigação. Mas «O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete», nos termos do artigo 524.º do Código Civil, que consagra o “Direito de regresso”, a realizar no campo das relações internas entre os condevedores solidários.
No entanto, perante a exigência da totalidade da dívida, não é lícito ao devedor solidário «opor o benefício da divisão» ao seu credor. Por lei, o obrigado solidário não tem mais do que pagar a totalidade da dívida a que a lei o obriga.
É que, pela “vontade da lei”, a solidariedade passiva constitui-se em verdadeiro reforço da consistência do crédito, e representa garantia acrescida da cobrança para o credor, que fica assegurado no seu direito pelas forças redobradas dos diferentes patrimónios dos diversos condevedores.
E a solidariedade passiva tem sobremaneira fundamento substancial quanto a obrigações pecuniárias de natureza pública, como são as obrigações tributárias – solidariedade passiva que, por sinal, a lei consagra no supracitado artigo 13.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, «por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício» do cargo do administrador ou gerente da sociedade executada de responsabilidade limitada.».
No caso em apreço, entende o recorrente ser, em último caso, em relação à dívida de IRC de 1996 aqui em causa, responsável apenas na proporção do tempo do exercício do seu cargo, uma vez que renunciou ao exercício da gerência em 15 de Novembro de 1996.
Tal consideração parece apresentar-se ancorada no princípio, não condizente com a lei, de que a responsabilidade do gerente da sociedade executada por dívidas de impostos será meramente subsidiária, e apenas conjunta, mas não solidária.
Porém, o que é facto é que a execução fiscal, a que o ora recorrente se opõe, foi instaurada para cobrança de dívida respeitante a IRC do ano de 1996, e ele foi efectivamente gerente da sociedade executada originária nesse ano de 1996, ainda que só até 15 de Novembro, data em que renunciou à sua gerência.
E, como se afirma no acórdão de 28/10/2009 desta Secção, que vimos acompanhando, «a nosso ver, o rateio da responsabilização simplesmente em função do tempo de gerência relativamente ao tempo total do «período do exercício» poderá afrontar, e só por mero acaso cumprirá, o princípio da proporcionalidade ou da adequação – se considerarmos, v. g., que uma responsabilização igual por períodos iguais de tempo de gerência será um prémio imerecido e inadequado para o gerente menos diligente e relapso, do mesmo passo que constituirá um injustificado e injusto castigo precisamente para aquele gerente que tiver sido mais cuidadoso, mais activo e mais empenhado, e provavelmente o que melhores resultados económicos (e fiscais) terá obtido.
A ideia de responsabilização do gerente pelo critério pro rata temporis é seguramente tributária de uma concepção de responsabilidade de cariz objectivo, e não é esse tipo de responsabilidade que tem previsão no n.º 1 do artigo 13.º do Código de Processo Tributário – a estabelecer uma responsabilidade de tipo subjectivo baseada essencialmente numa ideia de culpa.».
Daí que, sendo a responsabilidade solidária imposta pelo n.º 1 do artigo 13.º do CPT, a título de culpa, a consideração de que o oponente será responsável subsidiário pelo pagamento parcial da dívida, por apenas ter exercido a gerência apenas até 15/11/1996, poderá ter pertinência nas relações internas, para efeitos de efectivação da responsabilidade relativa entre os gerentes da sociedade executada originária, em especial os gerentes que o tenham sido pelo período do exercício do ano de 1996 em causa.
Porém, nas relações externas do gerente responsável perante terceiros, julgamos que tal consideração já se afigura deslocada e impertinente, visto que, em face dos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPT, o que releva é o «período do exercício» em causa (o do ano de 1996) – e a circunstância, meramente interna da sociedade, do tempo por que cada um dos gerentes esteve à frente dos negócios da executada originária, nesse exercício de 1996, constitui, do ponto de vista legal, res inter alios acta a que a Administração Fiscal credora é inteiramente alheia.
E, assim sendo, o oponente, ora recorrente, é responsável, solidariamente, pelo imposto em dívida (IRC do exercício de 1996), nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do CPT.
A sentença recorrida que assim entendeu deve, por isso, ser mantida, uma vez que improcedem na íntegra as alegações do recorrente.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 50%.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. - António Calhau (relator) - Casimiro Gonçalves - Lúcio Barbosa (Vencido, pois entendo que o gerente apenas é responsável pelo período temporal da sua gerência)