Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0459/10
Data do Acordão:10/27/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
DESPACHO DE REVERSÃO
IMPUGNAÇÃO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
Sumário:É a oposição à execução fiscal e não o processo de impugnação judicial ou a reclamação prevista no artº 276º do CPPT o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento no não exercício da gerência da executada durante o período a que se reporta o imposto em causa, fundamento este que se enquadra na al. b) do nº 1 do artº 204º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P12281
Nº do Documento:SA2201010270459
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, melhor identificado nos autos, não se conformando com o despacho do Tribunal Tributário de Lisboa que indeferiu liminarmente a impugnação judicial que deduzira contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 5 que, contra si, mandou reverter a execução originariamente instaurada contra a sociedade “B…, S.A.”, para cobrança de dívida de IVA, relativo ao ano de 2000, no valor de € 1.496,60, dele veio interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
ao
1. Iniciaram-se os presentes autos com a dedução de impugnação judicial por parte do ora Recorrente no âmbito de um processo de execução fiscal nº 3271200201507249, no qual é devedor originário a «B…, SA».
2. No âmbito da impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente, o mesmo veio impugnar a sua responsabilidade relativamente ao processo de execução fiscal supra mencionado, na medida em que o mesmo diz respeito a dívidas contraídas pela sociedade «B…, SA», pelo não pagamento de IVA referente ao ano de 2000, data em que o ora Recorrente não ocupava o cargo de administrador da supra mencionada sociedade.
3. A impugnação judicial deduzida pelo Recorrente foi indeferida liminarmente, decidindo a Meritíssima Juiz «a quo» que o meio processual é impróprio, assim como a convolação dos autos em oposição à execução fiscal é impossível.
4. Perante tal decisão e por com a mesma não se conformar, entendeu o ora Recorrente interpor o presente recurso de Agravo.
5. O processo de reversão fiscal efectiva-se contra o responsável subsidiário, dependendo de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
6. Nos termos do art. 24° da Lei Geral Tributária, os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas são subsidiariamente responsáveis em relação a estes e solidariamente entre si, pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação.
7. São ainda responsáveis pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
8. Em qualquer das circunstâncias legalmente previstas conclui-se que há responsabilidade dos devedores subsidiários em duas circunstâncias distintas: quando de se prove que a dívida fiscal se constituiu no decurso do seu mandato ou durante o exercício de funções, ou, diversamente, quando haja ausência de bens da devedora principal e se determine que a falta de património foi uma consequência da má conduta ou má gerência dos administradores.
9. O Recorrente foi nomeado administrador da sociedade em causa pelo período de dois anos consecutivos, compreendidos entre os anos de 1993 e 1994.
10. No entanto, todas as dívidas respeitantes à presente execução fiscal dizem respeito aos anos de 2000, 2001 e 2002, pelo que resta concluir que o Recorrente foi ilegalmente objecto de um processo de reversão, tendo em consideração que nos anos melhor descritos o mesmo já não exercia funções na sociedade em causa.
11. O administrador, ora Recorrente, foi apenas nomeado pelo período de dois anos, não correspondentes ao período em que as dívidas fiscais foram efectivamente contraídas, assim como a devedora principal foi declarada falida para todos os legais efeitos, restará concluir que o processo de execução fiscal, no qual foi aplicada a reversão deverá ser revisto e anulado para os legais efeitos.
12. Dispõe o artigo 99° do CPPT, que a impugnação judicial se destina à apreciação da legalidade de actos tributários, designadamente, actos de liquidação de tributos.
13. O Recorrente no âmbito da impugnação judicial requereu, apenas, de forma indirecta e lógica que fosse decretada a sua ilegitimidade, em virtude de não se encontrarem preenchidos os requisitos legais da reversão da execução fiscal contra si.
14. No entanto, a pretensão principal do Recorrente, bem como, o objecto da impugnação judicial consiste na apreciação da legalidade do acto de liquidação de tributos, na medida em que foi exigido, indevidamente, ao Recorrente o pagamento do IVA referente aos anos de 2000, 2001 e 2002.
15. Ora, tendo sido ao Recorrente exigido a liquidação de um tributo, designadamente do IVA, sobre o qual o Recorrente não tem qualquer responsabilidade, o mesmo, apenas, alegou e pretendeu demonstrar um facto – a sua ilegitimidade – no processo de execução fiscal que atestava tal desresponsabilização.
16. Resta concluir que o objecto da impugnação judicial não consiste na legitimidade ou ilegitimidade do ora Recorrente, mas sim, no pagamento do IVA, referente ao ano de 2000, 2001 e 2002, sendo tal circunstância indissociável do mesmo, ou seja, a impugnação judicial é o meio processual próprio, pois encontra-se em causa a apreciação da legalidade de um acto tributário, nos termos do art. 99º CPPT.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao presente recurso, sufragando-se para o efeito na jurisprudência desta Secção do STA, que cita.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão que constitui objecto do presente recurso consiste em saber qual o meio processual adequado para reagir contra o despacho do Chefe dos Serviços de Finanças de Lisboa 5 que ordenou a reversão da execução fiscal contra o agora impugnante, gerente da sociedade executada, na sua qualidade de responsável subsidiário.
Sobre esta questão, esta Secção do STA já se debruçou em diversos arestos, nomeadamente no Acórdão de 25/6/08, in rec. nº 123/08, na decorrência do que se escreveu no Acórdão de 13/7/05, in rec. nº 504/05, decidindo-se que “o art. 22.º, n.º 4, da L.G.T. estabelece que «as pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis poderão reclamar ou impugnar a dívida cuja responsabilidade lhes for atribuída nos mesmos termos do devedor principal, devendo, para o efeito, a notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais».
Para além disso, os responsáveis subsidiários podem deduzir oposição à execução fiscal, nos termos dos arts. 203.º e 204.º do C.P.P.T..
O processo de impugnação judicial e a oposição à execução fiscal têm campos de aplicação distintos.
O art. 97.º do C.P.P.T. indica os meios processuais judiciais tributários. Nele se indicam vários tipos de processo de impugnação, designadamente:
a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os actos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos actos tributários;
d) A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;
e) A impugnação do agravamento à colecta aplicado, nos casos previstos na lei, em virtude da apresentação de reclamação ou recurso sem qualquer fundamento razoável;
f) A impugnação dos actos de fixação de valores patrimoniais;
g) A impugnação das providências cautelares adoptadas pela administração.
Desta indicação pormenorizada dos tipos de processos de impugnação, conclui-se que a impugnação judicial é o meio processual adequado para impugnar actos do tipo dos aqui indicados.
O despacho que decide a reversão em processo de execução fiscal não se engloba em nenhuma destas alíneas, pelo que é de concluir que o processo de impugnação judicial não é o meio processual adequado para ser discutida contenciosamente a sua legalidade.
Por outro lado, sendo o despacho que decide a reversão proferido no âmbito de um processo de execução fiscal, o meio processual a utilizar para o impugnar será um dos que a lei prevê para os interessados defenderem os seus interesses neste meio processual.
Entre os meios processuais previstos no C.P.P.T. para os revertidos defenderem o seus interesses no processo de execução fiscal, há dois que seriam potencialmente aplicáveis: a reclamação prevista no art. 276.º do C.P.P.T., uma vez que se trata de uma decisão proferida pelo órgão da execução fiscal que afecta os direitos do revertido, e a oposição à execução fiscal, na medida em que, nos termos da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º, pode basear-se em «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título», o que é manifestamente o caso quando está em causa apreciar se o acto que decide a reversão (não o de liquidação) é legal.
Destes dois meios processuais, a oposição à execução fiscal é o único que assegura, em todos os casos, a defesa dos direitos do revertido, designadamente por não ter o regime-regra de subida diferida que está previsto para a reclamação, no art. 278.º do C.P.P.T., e possibilitar a suspensão do processo de execução fiscal após a penhora ou prestação de garantia (arts. 212.º e 169.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do mesmo Código).
Por isso, é a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para os revertidos impugnarem a legalidade do despacho que ordena a reversão.
(Neste sentido podem ver-se os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo: - de 24-1-2001, proferido no recurso n.º 25701; - de 8-2-2001, proferido no recurso n.º 25758, e - de 24-3-2004, proferido no recurso n.º 1844/03.)
Se, eventualmente, os revertidos pretenderem também discutir a legalidade de um acto de liquidação ou outro acto de um dos tipos indicados no art. 97.º como podendo ser objecto de processo de impugnação, poderão também deduzir impugnação.
Mas, cada um destes meios processuais terá de ser utilizado no âmbito do campo de aplicabilidade previsto na lei.
…Examinando as questões colocadas pelo Impugnante constata-se que nenhuma delas pode ser objecto de processo de impugnação judicial, por os actos a que elas se reportam não estarem incluídos na lista de processos de impugnação que consta do art. 97.º, n.º 1, do C.P.P.T.”.
No mesmo sentido e entre outros, pode ver-se os Acórdãos desta Secção do STA de 29/6/05, in rec. nº 501/05; de 15/2/06, in rec. nº 1.255/05; de 8/3/06, in rec. nº 1.294/05; de 5/7/06, in rec. nº 440/06; de 12/12/06, in rec. nº 483/06; de 7/2/07, in rec. nº 436/06; de 19/11/08, in rec. nº 711/08 e de 26/5/10, in rec. nº 332/10 e Jorge Sousa, in CPPT anotado, 5ª ed., vol. II, pág. 650).
Assim, olhando para a petição inicial, logo vemos que a recorrente centra a sua pretensão na sua não responsabilização subsidiária por não ter exercido a gerência da executada durante o período a que se reporta o imposto em causa, em suma, na sua ilegitimidade.
O que, reconheça-se sem dificuldade, é fundamento de oposição à execução, como decorre inequivocamente do artº 204º, nº 1, al. b) do CPPT, com referência ao artº 24º, nº 1 da LGT.
Conclui-se, assim, tal como no despacho recorrido, que houve erro na forma de processo, uma vez que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para apreciar a questão suscitada pela impugnante na petição inicial.
3 – Por último, importa, ainda, referir que não há que apreciar a questão da convolação do processo de impugnação judicial em processo de oposição à execução fiscal, uma vez que, tendo sido já decidida pelo tribunal recorrido e não tendo essa decisão sido posta em causa com o presente recurso, a mesma transitou, assim, em julgado, fixando-se na ordem jurídica.
4 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 27 de Outubro de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – Jorge Lino – Casimiro Gonçalves.