Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01200/12
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
Nº Convencional:JSTA000P18603
Nº do Documento:SA22015021201200
Data de Entrada:11/06/2012
Recorrente:A..........,C.R.L.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 –A………, CRL, melhor identificados nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, de fls. 326/ 331, que julgou por verificada a situação de inexecução ilegítima do julgado da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 28 de Janeiro de 2011, condenado a executada, Fazenda Pública, ao pagamento à exequente, no prazo de 30 (trinta) dias, do montante de EUR 3.753.759,29 (três milhões, setecentos e cinquenta e três mil, setecentos e cinquenta e nove euros e vinte e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 16 de Dezembro de 2002 até á data da emissão da respectiva nota de crédito.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A. Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 28 de Janeiro de 2011, a AT foi condenada a restituir à Recorrente o montante indevidamente pago de € 3.753.759,29 acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a data do pagamento indevido - 16 de dezembro de 2002 — até à data de emissão da respetiva nota de crédito à Recorrente.
B. Não concordando, em parte, com a referida decisão, a AT interpôs recurso parcial (incidindo o recurso apenas sobre um montante de € 97.927,90) dessa decisão, tendo o acórdão proferido em 4 de Outubro de 2011 pelo TCA no âmbito desse recurso mantido a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância.
C. O prazo de execução espontânea da sentença proferida em 28 de janeiro de 2011, respeitante a um valor de € 3.655.831,39 terminou em 14 de março de 2011, tendo o prazo de execução espontânea do acórdão proferido em 4 de outubro de 2011, respeitante ao valor de €97.927,90 terminado em 16 de novembro de 2011.
D. Não obstante os referidos prazos, a AT, e mesmo depois de interpelada extrajudicialmente pela Recorrente, não procedeu à execução de nenhuma das referidas decisões dentro do prazo legal para o efeito, obrigando à interposição do presente processo de execução de julgados, em que requereu:
a) O reembolso da quantia de € 3.753.759,29, correspondente ao imposto indevidamente pago em 16.12.2002;
b) O pagamento à Recorrente de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da nota de crédito a favor da Recorrente;
c) O pagamento de juros de mora (sobre a quantia devida acrescida de juros indemnizatórios) contados desde o termo do prazo de execução espontânea da decisão anulatória até à data do pagamento; e
d) O pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da respetiva decisão judicial.
E. Em 15 de junho de 2012 foi a Recorrente notificada da sentença de que ora se recorre.
F. Em 24 de julho de 2012 foi emitido à Recorrente um cheque no valor de € 3.753.759,29, para reembolso do montante indevidamente, pago pela mesma, sem contudo serem pagos quaisquer juros respeitantes a esse montante (juros esses que não foram pagos até à presente data.
G. Na sentença ora recorrida o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da sanção pecuniária compulsória suscitada pela Recorrente na p.i., pelo que, estando o mesmo obrigado ao dever de pronúncia sobre essa questão, padece a sentença ora recorrida de nulidade, por omissão de pronúncia, devendo tal nulidade ser reconhecida em sede do presente recurso.
H. Caso, contudo, assim não se entenda, no que não se concede, sempre se considerará que a sentença ora recorrida padece, no que respeita à questão dos juros requeridos pela Recorrente, de erro na aplicação do direito, motivo pelo qual se recorre parcialmente da mesma.
I. O erro na aplicação do direito decorre, desde logo, da forma de contagem do prazo de execução espontânea das decisões judiciais em causa, de 30 dias, considerando o Tribunal a quo que tal contagem deve ser feita nos termos do disposto no artigo 72.º do CPA, com suspensão aos sábados, domingos e feriados, em violação do disposto nos artigos 2.°, alíneas a) e b) e 11.°, n.º 4, da LGT, bem como do disposto no artigo 57º n.°3 da LGT e 20.° do CPPT, dos quais decorre que os prazos de procedimento tributário, nos quais se inclui o prazo de execução espontânea de julgados, se contam de forma contínua.
J. O erro na aplicação do direito na sentença ora recorrida resulta ainda do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios por todo o período decorrido entre a data do pagamento indevido do montante de € 3.753.759,29 até à data da emissão da nota de crédito nesse montante, que veio a acontecer em 24 de julho de 2012..
K. Considera a Recorrente que tal posição é ilegal por violação do disposto no artigo 102, n.º 1° da LGT, de acordo com o qual são devidos juros de mora a partir do termo do prazo de execução espontânea da respetiva decisão judicial, posição aliás suportada por parte da doutrina e pela jurisprudência superior antes citada.
L. Neste sentido, deve a sentença ora recorrida ser reformada na parte referente ao não reconhecimento à Recorrente do direito a juros de mora, condenando-se a AT no pagamento de tais juros desde a data do termo do prazo de execução espontânea das decisões em causa até à data da emissão da nota de crédito.
M. Tais juros devem ser calculados, até 31 de dezembro de 2011 às taxas em vigor nos termos do artigo 43.º n.º 3 da LGT e desde 1 de janeiro de 2012 à taxa correspondente ao dobro da taxa em vigor, nos termos da redação introduzida pela LOE para 2012 no n.º 5 do art.º 43° da LGT.
N. São por isso devidos à Recorrente juros indemnizatórios e juros de mora no valor de € 1.763.429,91.»

2. - A fls. 429 e segts dos autos, vem a recorrente dar conhecimento ao Tribunal de um facto superveniente que ocorreu após a interposição do presente recurso, que se prende com a emissão de um cheque nº 7384069134 à ordem da recorrente, no montante de € 1.486.797,21, que corresponde aos juros indemnizatórios que se encontra obrigada a AT a pagar nos termos da sentença recorrida.
Face ao pagamento efectuado pela AT, considera a recorrente, que “… foi dada satisfação a uma parte do pedido.”
Contudo, como resulta do recurso entende que lhe são devidos juros indemnizatórios e juros de mora no montante de € 1.763.429,91 e não o montante de 1.486.797,21, entretanto recebido, isto porque ao montante de 1.284.117,04 considera por integralmente satisfeito o direito a juros indemnizatórios e ao montante de 204.680,17 considera parcialmente satisfeito o direito a juros de mora pelo que deverá manter-se o mesmo recurso quanto à parte que falta, no valor de € 276.632,70, que corresponde à diferença dos juros de mora pagos e os juros de mora em falta.

3 – A Fazenda Publica apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
«I. Do elenco factual acima descrito, e tendo em conta a matéria controvertida nos autos, subjaz que a Recorrente, não se conformando com a douta sentença que julgou verificada a situação de inexecução ilegítima do julgado, e concomitantemente condenou a Recorrida ao pagamento à Recorrente, no prazo de 30 dias do montante de € 3.753.759,29, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 16.12.2002 até à respectiva nota de crédito, veio apresentar recurso jurisdicional daquela decisão.
II. Em 03.09.2012 a Recorrente interpôs recurso jurisdicional entendendo serem-lhe devidos juros indemnizatórios e juros de mora no montante de € 1.763.429,91, sendo o valor de €1.282.117,04 respeitantes a juros indemnizatórios contados desde a data de 16.12.2002 até ao limite da execução espontânea, e juros de mora no valor de € 481.312,87 contados desde o termo do prazo de execução espontânea até 24.07.2012, cifrando o valor do recurso em € 279.100,93 correspondente à diferença entre o valor dos juros indemnizatórios contados por todo o período e o valor de € 1.763.429,91.
III. Por requerimento endereçado ao Tribunal a quo em 24.09.2012, a Recorrente em face de em 04.09.2012, ter sido emitido pela entidade Recorrida o cheque nº 7384069134, no valor de € 1.486.797,21 entendeu dar por integralmente satisfeito o direito a juros indemnizatórios no montante de € 1.284.117,04, e ainda dar por parcialmente satisfeito o direito a juros de mora no valor de € 204.680,17, arguindo a inutilidade superveniente da lide nessa parte, nos termos e para os efeitos no disposto na alínea e) do Artº 287.º do CPC.
IV. Neste conspecto, o recurso interposto pela Recorrente apenas tem por objecto a diferença dos juros de mora já pagos e os juros de mora que entende serem devidos no valor de € 276.632,70.
V. Em sentido contrário, entende a entidade aqui Recorrida que o douto Tribunal “a quo” fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, maxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual deverá ser mantida a douta sentença proferida, tendo concomitantemente a Recorrente sido ressarcida dos montantes a que a Recorrida foi condenada, tendo sido dado cumprimento integral ao julgado anulatório.
VI. Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente ao pedido de sanção pecuniária compulsória, os argumentos que a Recorrente tece são despiciendos.
VII. Com efeito, a sentença que imponha o cumprimento de deveres à Administração pode fixar oficiosamente um prazo para o respectivo cumprimento, bem como tem quando tal se justifique, o poder de impor sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir o incumprimento, segundo o disposto no Artº 169.º e Artº 44.º ambos do CPTA).
VIII. O que significa que o recurso à aplicação desta medida só pode ser feito quando a mesma se revele necessária ao cumprimento do dever imposto (a este propósito veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, comentário ao CPTA, 2a Edição revista 207, página 627 e no âmbito da jurisprudência o Acórdão do TCA Norte de 28.06.2007, no âmbito do Proc. 00528/043BE VIS-A e na mesma linha o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul no âmbito do Proc. nº 03362/07de31.01.2008).
IX. Com efeito, de acordo com o disposto no Artº 3, nº 2 do CPTA e Artº 4º do CPTA, tais sanções pecuniárias compulsórias, atenta a sua natureza preventiva, só são aplicáveis quando tal se justifique, pressupondo este critério de justificação um juízo de valor sobre o eventual incumprimento da decisão, juízo esse de ponderação assente em factos concretos que permitam concluir se o eventual incumprimento é ou não desculpável.
X. Como resultam dos autos, o Recorrente peticionou em sede de execução de julgados, o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, destarte, a entidade Recorrida, procedeu à execução espontânea do julgado dentro do prazo de 30 dias a que alude o disposto no Artº l70º. n.º 1 do CPTA.
XI. Tendo a entidade Recorrida sido notificada da sentença por carta postal registada em 14.06.2012, a contagem para efeitos de trânsito em julgado da decisão iniciou-se em 18.06.2012, pelo que, atendendo-se ao período de férias judiciais, o prazo de 30 adias para interposição de recurso somente precludiria em 02.09.2012, e o final do prazo para a execução espontânea do julgado, 30 dias após essa data.
XII. Logo, no caso dos autos não se verificam os pressupostos para a apreciação da alegada sanção pecuniária compulsória.
XIII. Quanto à violação pela sentença das alíneas a) e b) do Artº 2., do n.º 4 do Artº 11.º do n.º 3 do Artº 57. e do Artº 10 todos da LGT bem como do Artº 20.° do CPPT, ao considerar que o prazo de execução espontânea de 30 dias deve ser contado nos termos do disposto no Artº 72.º do CPA, ou seja, com suspensão dos sábados domingos e feriados, invocada pelo Recorrente, cumpre assentir que em face da doutrina e da jurisprudência perfilhada por esse Colendo Tribunal, não lhe assiste razão.
XIV. Tem sido jurisprudência firmada por esse Supremo Tribunal Administrativo que o prazo consignado no n.º 1 do Art. 175 º do CPTA, atinente ao dever de executar, tem natureza administrativa( procedimental) contando-se, por isso, nos termos do Art. 72 º do CPA.
XV. Por maioria de razão, o prazo consignado no nº 1 do Artº l70.º do CPTA - o qual configura o prazo de 30 dias para execução espontânea das sentenças - é de igual modo um prazo de natureza administrativa, sendo por isso, aplicável o disposto no Art. 72 º do CPA.
XVI. Conforme entendimento já amplamente assente por esse Colendo Tribunal, no âmbito do Acórdão do Pleno de 25.01.06 proferido no Proc. nº 24.690-A, do Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 0941A/05 de 14.10.2010 e ainda o Acórdão de 02.02.2006, proferido no Proc. n.º 48017-A, é plenamente sustentado que o prazo previsto no nº 1, do artigo 175.º do CPTA tem natureza administrativa (procedimental) contando-se, por isso, nos termos do artigo 72.° do CPA.
XVII. No âmbito da doutrina veja-se o entendimento propugnado por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, no CPTA comentado, 3.ª ed.”, pag. 1101, no qual referem “Com efeito o nº1 tem por função estabelecer o prazo — supletivo, na medida em que outro diferente pode resultar do próprio título — dentro do qual as entidades públicas devem dar cumprimento aos seus deveres de pagamento de quantia certa. Por isso, a exemplo do que já foi dito a propósito deste último preceito na nota 2 ao artigo 162 e o STA já entendeu quanto ao prazo do artigo 175.º, nº 1. afigura-se que o prazo de trinta dias do nº 1 deste nº 1 do artigo 1 70.º é igualmente um prazo procedimental. Deve por isso ser contado nos termos do artigo 72.º n.º 1, do CPA suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados” (sublinhado nosso) [A este propósito e em relação ao disposto no art.º 1759 nº 1 do CPTA veja-se o Acórdão do STA de 02 de Fevereiro de 2006, proferido no âmbito do Proc. nº 48017-A]
XVIII. Recorda-se assim que, o motivo essencial que determina a aplicação do art. 72° do CPA ao prazo consignado no disposto no Artº 170.º nº 1 reside na circunstância de se tratar de um prazo imposto à Administração para praticar um acto administrativo, em tudo semelhante a outros que a têm como destinatário, sujeita às vicissitudes desses mesmos actos e, portanto, também à disciplina jurídica do CPA que a todos rege.
XIX. Logo, afere-se que a douta sentença ao considerar que o prazo de execução espontânea de 30 dias deve ser contado nos termos do disposto no Art. 72.ºdo CPA, fez uma correcta aplicação do direito em face da vasta doutrina e jurisprudência, sendo espúrios os argumentos aventados pela Recorrente.
XX. Invoca ainda a Recorrente que em face da doutrina e da jurisprudência que cita, no caso sub judice são devidos juros de mora pelo período decorrido entre o fim do prazo de execução espontânea das decisões em causa e da data do efectivo reembolso, destarte tais argumentos falecem in totum.
XXI. Efectivamente, a Recorrente peticionou na execução de julgados o direito a juros indemnizatórios e moratórios, contudo como bem sustenta a sentença recorrida “Atendendo a que os juros indemnizatórios e os juros moratórios a favor do contribuinte têm a mesma finalidade; a saber, de o compensar pelo pagamento indevido da prestação tributária, assim como a mesma função indemnizatória, destinando-se a reparar a espoliação e consequente indisponibilidade do montante pecuniário a que corresponde aquela prestação tributária, tais juros não devem ser cumuláveis, pois não há qualquer justificação para uma dupla compensação pela mesma privação da disponibilidade da quantia indevidamente paga (cf neste sentido acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferidos em 24.10-2007, no proc. n.º 01095/05 e em 17-06-2009, no proc. n 0447/07, e acórdão do STA proferidos em 19-12-2001, no proc. 026608, em 20-10-2004, no proc. 0338/04, em 02-05-2007, no proc 09/07, em 11-02-2009, no proc. 010003/08 todos disponíveis para consulta in www.dsi.pt.jsta e SOUSA Jorge Lopes de — Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado, Vol. I 6ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, pag. 546-547 e 550). Donde em hipótese alguma poderia a Fazenda Pública ser condenada no pagamento simultâneo de juros indemnizatórios e moratórios”
XXII. Assim à luz da vasta jurisprudência proferida por esse Colendo Tribunal nos Acórdãos proferidos em 17/02/2002, no Proc. n.º 10/02; em 20/11/2002, no Proc. nº 1079/02; em 7/03/2007, no Proc. nº 1220/06; em 2/07/2008, no Proc. nº 303/08; em 14/07/2008, no Proc. nº 304/08; em 31/01/2008, no Proc. nº 839/07. e nos Acórdãos do Pleno da Secção proferidos em 24/10/2007 e em 17/06/2009, nos Processos nºs 1095/05 e 447/07, afere-se não serem cumuláveis juros indemnizatórios e moratórios
XXIII. Logo, em face da vasta jurisprudência e doutrina afere-se que a douta sentença procedeu à correcta subsunção dos factos ao direito, razão pela qual decaem liminarmente os argumentos invocados pela Recorrente.
XXIV. Por maioria de razão, decaem igualmente os argumentos invocados pela Recorrente relativamente à violação do disposto no nº 5 do Art.º 43. da LGT.
XXV. Assim, tendo a Recorrente sido ressarcida em 04.09.2012 da quantia de € 1.486.797,21 respeitantes aos juros indemnizatórios devidos desde 16.12.2002 até à emissão da nota de crédito do imposto indevidamente pago que ocorreu em 30.07.2012, com o pagamento da quantia de € 3.753.759,29.
XXVI. Logo, afere-se de forma inequívoca que foi dado pleno cumprimento ao julgado anulatório tendo a Recorrente sido devidamente ressarcida de todas as quantias a que tinha direito.
XXVII. Em face ao exposto falecem in totum os argumentos aventados pelos Recorrentes.»

4 – O Exmº Procurador Geral Adjunto não emitiu pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional, «considerando que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores referidos no art.9° n°2 CPTA (art.146° n°1 in fine CPTA)»

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
1. Em 17 de Março de 2003 a ora Exequente foi notificada da liquidação oficiosa de IVA n.º 03020776 referente ao período de 1999 no montante de EUR 3.753.759,29 e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 03020764, 03020765, 03020766. 03020767, 03020768, 03020769, 03020770, 03020771, 03020772, 03020773, 03020774, 03020775, no montante total de EUR 4.614.566,50 (cf. cópias dos documentos de cobrança a fls. 18-30 e 138-150 dos autos, print a fls. 58 do PAT apenso e avisos de recepção a fls. 359-363 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 2S apenso).
2. Em 30 de Julho de 2003 a ora Exequente apresentou no serviço de finanças de Oeiras 3 (Algés) impugnação judicial das liquidações de IVA e juros identificadas no ponto anterior, que correu termos no TAF de Sintra com o n.º 68/03 - 4J2S (cf.PI e carimbo aposto na respectiva folha de rosto a fls. 2-50 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 2S apenso e respectiva autuação).
3. Em 16 de Dezembro de 2002 a ora Exequente pagou o montante de EUR 3.753.759,29 correspondente à liquidação oficiosa de IVA n.º 03020776 “ao abrigo do DL 248-A/2002” (cf. cópia da guia de pagamento modelo 26, a fls. 57 do PAT apenso).
4. Em 28 de Janeiro de 2011 foi proferida sentença no TAF de Sintra julgando procedente a impugnação judicial n.º 68/03 - 4J2S, determinando-se no respectivo segmento decisório a anulação das liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios e condenando-se a Fazenda Nacional a pagar à ora Exequente juros indemnizatórios contados desde 16 de Dezembro de 2002, data em que o pagamento foi efectuado, até à data da emissão da respectiva nota de crédito (cf. sentença a fls. 374-388 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 2S apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. Em 31 de Janeiro de 2011 foi expedida pelo TAF de Sintra a notificação à representação da Fazenda Pública do teor da sentença identificada no ponto anterior (cf. duplicado na notificação e registo a fls. 391 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 28 apenso).
6. Em 11 de Fevereiro de 2011 deu entrada no TAF de Sintra requerimento de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul apresentado pela Fazenda Pública da sentença proferida pelo TAF de Sintra identificada no ponto 4 (cf. requerimento de recurso e carimbo aposto no mesmo a fls. 393 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 2S apenso).
7. O objecto do recurso identificado no ponto anterior consistiu na parte da sentença recorrida “relativamente ao corte do direito à dedução do IVA na dedução de Rapell pela impugnante aos seus associados na importância de EUR 97.927,90” (cf. alegações de recurso da Fazenda Pública a fls. 399-410 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 2S apenso).
8. Por despacho proferido em 15 de Fevereiro de 2011 foi atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso identificado no ponto anterior (cf. despacho de admissão de recurso, a fls. 395 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 28).
9. Em 4 de Outubro de 2011 foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul acórdão, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, negando provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e confirmado a sentença identificada no ponto 4 (cf. acórdão a fls. 442-446 do proc. de impugnação n.º 68/03 - 4J 2S apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
10. O requerimento inicial do presente processo de execução deu entrada no TAF de Sintra em 21 de Abril de 2011 (cf. carimbo aposto a fls. 1, dos autos).


6. Delimitação do objecto do recurso.

Por sentença de fls. 326/ 331 o Tribunal a quo julgou por verificada a inexecução ilegítima do julgado e condenou a recorrida Fazenda Pública ao pagamento no prazo de 30 dias da quantia € 3.753.759,29 acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal desde 16.12.2002 até à respectiva nota de crédito (fls. 331 dos autos, in fine).
Em 24/07/2012 foi emitido à recorrente um cheque no valor de 3.753.759,29 a título de reembolso da quantia indevidamente paga, sem os respectivos juros.
E como se constata das conclusões das alegações de recurso, que, como é sabido, devem ser uma exposição sintetizada dos fundamentos por que se pede a alteração do julgado, o recorrente cinge o objecto do recurso ao conhecimento das seguintes questões:
I) Saber se a decisão recorrida padece de omissão de pronuncia por não se ter pronunciado sobre a questão da sanção pecuniária compulsória;
II) saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento na forma de contagem do prazo de execução espontânea das decisões judiciais em causa, de 30 dias, por ter considerado que tal contagem deve ser feita nos termos do disposto no artigo 72.º do CPA, com suspensão aos sábados, domingos e feriados,
III) saber se sentença recorrida enferma de erro julgamento ao decidir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios por todo o período decorrido entre a data do pagamento indevido do montante de € 3.753.759,29 até à data da emissão da nota de crédito nesse montante, que veio a acontecer em 24 de Julho de 2012, quando, na tese da recorrente, e de acordo com os arts. 43 e 102, n.º 1 da LGT, os juros indemnizatórios são devidos até ao termo do prazo da execução espontânea do julgado e os juros de mora a partir daí e até efectivo e integral pagamento – artigo 102.º, n.º 2, do mesmo diploma.

6.1 Da inutilidade superveniente da lide quanto a parte do pedido.

Resulta também dos autos que em 04-09-2012 a recorrente recebeu um cheque emitido pela Administração Tributária no valor de € 1.486.797,21, a título de pagamento de juros indemnizatórios (fls. 436 dos autos).
Ora no presente recurso a recorrente alegou não poder manter-se em parte a sentença recorrida por nulidade e por erro na aplicação do direito, devendo antes ser reposta a legalidade, pedindo o reconhecimento do direito da recorrente a juros de mora, resultando no pagamento pela Administração Tributária, em execução do julgado anulatório, da quantia de € 1.763.429,91, correspondente aos juros indemnizatórios e aos juros de mora devidos em consequência do pagamento indevido do montante de € 3.753759,20, dos quais:
a) € 1.282.117,04 correspondem aos juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido pela Recorrente (16/12/2002) até à data limite de execução espontânea dos julgados anulatórios (14/03/2011 no que respeita ao montante de € 3,655.831,39 e 16/11/2011 no que respeita ao montante de €97.927,90); e
b) € 481.312,87 correspondem a juros de mora, contados desde o termo do referido prazo de execução espontânea (15/03/2011 no que respeita ao montante de € 3.655.831,39 e 17/11/2011 no que respeita ao montante de €97.927,90) até à data da restituição do montante do imposto indevidamente pago (24/07/2012).
Face tal pagamento efectuado considera a recorrente por inteiramente satisfeito o direito a juros indemnizatórios no montante de € 1.284.117.04 e parte dos juros de mora no valor € 204.680,17, verificando-se nesta parte do pedido inutilidade superveniente da lide nos termos do disposto na alínea e) do artigo 287º do CPC, ex vi e) do artº 2º do CPPT (cf. fls. 431), e mantendo o pedido no demais (cf. fls. 434)
Notificada de tal requerimento a Fazenda Pública nada disse, e veio, posteriormente, a apresentar as contra-alegações supra referenciadas.

Nestes termos verifica-se a inutilidade superveniente da lide na parte relativa a aos juros indemnizatórios no montante de € 1.284.117.04 e aos juros de mora no valor € 204.680,17 que a recorrente considera recebidos, pelo que se declara a consequente extinção parcial da instância, nos termos do disposto nos arts. 287, al. e) do Código de Processo Civil (revogado) e 2º.al. e) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

6.2 Como se viu a recorrente sustenta que lhe são devidos juros indemnizatórios e juros de mora no valor de €1.763.429, 91 e não o valor de 1.486.797,21 entretanto recebido, pelo que deverá manter-se o recurso quanto à quantia de € 276.632,70, mantendo o pedido no demais.
Nesta conformidade as questões objecto do presente recurso são as já acima enunciadas em I a III, mas tendo por referência a quantia de € 276.632,70

6.3 Da invocada nulidade por omissão de pronúncia.

De harmonia com o disposto nos arts. 660º n.º 2 e 668º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil (Revogado) ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questão submetida pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06, i www.dgsi.pt.
No caso em apreço a recorrente incluía no requerimento inicial de execução de julgados o pedido de condenação da Administração Tributária numa sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na execução da decisão judicial exequenda (cf. pedido da p.i. na qual se refere que “Pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso, no cumprimento da referida decisão judicial, em valor diário não inferior a 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor à data da decisão condenatória que vier a ser proferida, nos termos do n.°4 do artigo 176º e do artigo 169º ambos do CPTA).”.
Tal pedido foi arguido e fundamentado pela recorrente nos parágrafos 59 a 63 da p.i.
Por sua vez a sentença recorrida conheceu apenas dos outros pedidos constantes da petição inicial - restituição, à exequente, da quantia de EUR 3.753.759,29, pagamento de juros indemnizatórios contabilizados desde o dia 16 de Dezembro de 2002 até à emissão de nota de crédito a favor da exequente e pagamento de juros de mora, contabilizados desde 24 de Março de 2011, até ao momento em que se verifique o integral pagamento - julgando verificada a situação de inexecução ilegítima de julgado, e condenando a executada ao pagamento à exequente, no prazo de 30 (trinta) dias, do montante de EUR 3.753.759,29 (três milhões, setecentos e cinquenta e três mil, setecentos e cinquenta e nove euros e vinte e nove cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde 16 de Dezembro de 2002 até á data da emissão da respectiva nota de crédito.

Mas nada disse quanto ao alegado pedido de condenação da Administração Tributária numa sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na execução da decisão judicial exequenda.

Ora, pese embora a sanção pecuniária compulsória seja uma faculdade que cabe ao julgador exercer, oficiosamente ou a requerimento das partes, no caso foi requerida, pelo que o Tribunal a quo estava legalmente obrigado a emitir pronúncia sobre tal questão.
E a sentença não o fez nem apresentou qualquer razão ou fundamento para se abster do conhecimento da mesma.
Por outro lado, não se pode dizer que se trata de uma questão cuja decisão estivesse prejudicada pela solução dada às demais. Tenha-se presente que, como salienta Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 8ª ed., pag. 433, uma das especificidades, que apresenta, no mundo administrativo, a sanção pecuniária compulsória, se manifesta na circunstância de não recair sobre o Estado ou os entes públicos, mas sobre os «titulares dos órgãos incumbidos da execução» (art. 169/1 do CPTA), ou seja, de não recair sobre o património do “devedor”, mas sobre o património do indivíduo que “representa” o devedor ou lhe administra os bens e interesses.

Parece, pois, claro que, não obstante a recorrente ter incluído no requerimento inicial de execução de julgados o pedido de condenação da Administração Tributária numa sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na execução da decisão judicial exequenda, o tribunal a quo, pura e simplesmente, não tomou posição sobre tal questão, que manifestamente não estava prejudicada pelo conhecimento das demais suscitadas, e, nomeadamente, não decidiu explicitamente que dela não podia tomar conhecimento.


A sentença recorrida enferma, pois, de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do estatuído no artigo 668.º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil (revogado), pelo que o recurso merece provimento, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, ordenando a baixa os autos à l.ª instância para que proceda à sua reforma.
Custas pela Fazenda Pública na parte relativa à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e também neste Supremo Tribunal Administrativo por ter contra-alegado.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro GonçalvesAscensão Lopes.