Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02048/20.0BELSB |
Data do Acordão: | 01/13/2022 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL INTERESSE EM AGIR ABUSO DE DIREITO |
Sumário: | É de admitir a revista relativa às questões do interesse em agir no âmbito das acções de contencioso pré-contratual, bem como sobre o conhecimento do abuso do direito, se, na situação litigada, aquela se apresenta com contornos complexos e esta não foi conhecida por arguida «ex novo». |
Nº Convencional: | JSTA000P28822 |
Nº do Documento: | SA12022011302048/20 |
Data de Entrada: | 12/14/2021 |
Recorrente: | A............, SA |
Recorrido 1: | B............, SA E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. «A………… S.A.» [A…………] - contra-interessada no âmbito deste processo do contencioso pré-contratual - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, peticionar a admissão de recurso de revista do acórdão do TCAS, datado de 20.10.2021, que negou provimento à sua apelação e confirmou a sentença - de 21.05.2021 - proferida pelo TAC de Lisboa, e que anulou a adjudicação - deliberação de 23.10.2020 do CA da EMEL - que foi feita à sua proposta dos lotes A [Bairro Alto, Bica e Santa Catarina], B [Alfama e Castelo] e C [Madragoa], tudo no âmbito do concurso público para «aquisição de serviços de fornecimento, instalação e manutenção dos sistemas de controlo de acessos das Zonas de Acesso Automóvel Condicionado [ZAAC]. Defende que a revista interposta - e que pretende ver admitida - é necessária face à relevância jurídica do caso, e à clara necessidade de uma melhor aplicação do direito. A autora da acção - «B…………, S.A.» [B…………] - por sua vez, e na qualidade de recorrida, defende, nas suas contra-alegações, a «não admissão da revista», entendendo não estarem preenchidos, no caso, os pressupostos legalmente exigidos para tal. 2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 3. A autora da acção – B………… - pediu a tribunal, no fundo, «quer na petição inicial quer em articulado superveniente», a anulação do acto de adjudicação [ponto 1] quanto aos lotes A, B e C, e a condenação da «EMEL» a excluir a proposta da concorrente nº4 [C…………] ao Lote C e do concorrente nº5 [A…………] aos Lotes A, B e C. Para tanto, apontou ao acto impugnado - adjudicação - violação do artigo 7º do Programa do Concurso [A…………], incumprimento dos requisitos constantes da parte II do Caderno de Encargos e preços anormalmente baixos [A………… e C…………] e - em «articulado superveniente» - falta de fundamentação da decisão de contratar, bem como da fixação do preço contratual.
O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou a acção procedente, e anulou o acto de adjudicação por invalidade consequente, derivada da invalidade da decisão de abertura do próprio concurso porque - assim entendeu - a EMEL preteriu o dever de fundamentação quanto à decisão de contratar - artigos 17º, nº7, e 36º, nº1, do CCP - e à fixação do preço base - artigo 47º, nº3, do CCP. O tribunal de 2ª instância - TCAS - conhecendo da apelação da contra-interessada A………… - a qual envolvia não só a «sentença» mas também o «despacho de 16.03.2021» que julgara improcedente a excepção de falta de interesse em agir da autora relativamente à invocada [em articulado superveniente] falta de fundamentação da decisão de contratar [artigo 644º, nº3, do CPC, ex vi 142º, nº5, do CPTA] - julgou improcedente o «erro de julgamento sobre o interesse em agir da autora quanto à falta de fundamentação» - invocada no articulado superveniente - bem como o «erro de julgamento sobre a ocorrência de efectiva falta de fundamentação da decisão de contratar e da fixação do preço base», da qual derivava a anulação - artigo 163º do CPA - do acto impugnado. Relativamente ao abuso de direito invocado ex novo em sede de apelação, o TCAS decidiu «não conhecer desta questão» precisamente por não ter sido suscitada nem abordada na 1ª instância. A contra-interessada A………… discorda no tocante ao julgamento destas duas questões: - a do «interesse em agir da autora», e a do «abuso do direito». Quanto à primeira, defende que no acórdão recorrido se faz uma errada interpretação e aplicação do pressuposto processual do interesse em agir porque este só assistiria à autora - para pedir «a anulação do acto de adjudicação com fundamento em preterição do dever de fundamentação da decisão de contratar e da fixação do preço base» - se ela alegasse e provasse que estes vícios lhe causaram lesão na sua esfera jurídica, não bastando o mero interesse em atacar o acto de adjudicação na mira de obter a possibilidade de vir a apresentar uma nova proposta após a correcção das ilegalidades invocadas. E quanto à segunda, defende que o tribunal de apelação deveria conhecer do abuso do direito ainda que invocado apenas em sede de apelação, porque se trata de matéria de conhecimento oficioso. A questão da verificação ou não de interesse em agir quando, no âmbito do contencioso pré-contratual, é invocada pela autora uma situação de ilegalidade derivada, porquanto o seu ataque ao acto impugnado, de «adjudicação», emerge de ilegalidades pretéritas, e respeitantes, nomeadamente, a peças do procedimento, visando apenas obter uma nova oportunidade para apresentar proposta diferente, mostra-se complexa, e carente de alinhamento com a jurisprudência do TJUE - ver «Acórdão Lombardi» relativamente ao artigo 1º, nº1, 3º parágrafo, e nº3, da Directiva Recursos -, sendo que a respeito da mesma foi - recentemente - admitida revista por esta Formação Preliminar [AC STA de 21.10.2021, processo nº193/21.3BELRA]. Também a respeito da - alegadamente - errada falta de conhecimento da questão sobre o invocado abuso do direito - invocada apenas em sede de recurso de apelação, defendendo a apelante que a ser entendido que a autora tem o direito formal à arguição dos vícios invocados no articulado superveniente, o certo é que o exerce em manifesto abuso do mesmo - é necessário visitar e dilucidar a jurisprudência deste Supremo Tribunal [AC STA de 04.12.2001, processo nº047550] em face do entendimento adoptado pelo tribunal de apelação.
Assim, e apesar da decisão unânime das instâncias, sobretudo em nome da relevância jurídica das questões colocadas, mas também da necessidade de esclarecer - cimentando ou revertendo - a jurisprudência deste Supremo Tribunal, importa no caso quebrar a regra da excepcionalidade do recurso de revista, e admiti-lo. Nestes termos e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista interposta pela «A…………». Sem custas. Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Carlos Carvalho. |