Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0531/12
Data do Acordão:12/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
INCUMPRIMENTO
DÍVIDA FISCAL
IMPUGNAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO
PRESTAÇÃO DE GARANTIA
Sumário:I - Existindo uma dívida tributária proveniente de imposto sucessório do ano de 1993 em incumprimento, não se pode impedir a produção de efeitos aos benefícios fiscais considerados na liquidação de IRS do ano de 2000 se aquela dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível (art. 12º, nº 6 do EBF).
II - Tendo os contribuintes requerido ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo instaurado para cobrança dessa dívida de imposto sucessório, comprovando a pendência de impugnação judicial que deduziram contra essa liquidação e oferecido como garantia a nomeação à penhora um prédio que pertencia à herança indivisa aberta por óbito daquele que deu origem à transmissão mortis causa que está na génese desta liquidação, era ao órgão da execução fiscal que competia apreciar a oferta dessa garantia apresentada ao abrigo do disposto no n.º 4 do art. 199.º do CPPT.
III - Tendo o órgão da execução admitido a nomeação desse bem à penhora como garantia idónea para suspender a execução, sem questionar a penhorabilidade do bem apesar de saber que ele pertencia à herança face ao documento subscrito por todos os herdeiros - que desse modo autorizaram a oneração do prédio com a penhora para efeitos de garantir o pagamento de dívida de um deles – lavrando o auto de penhora e suspendendo a execução fiscal, assim aceitando, de forma implícita, a penhorabilidade do bem e a sua idoneidade como garantia, não pode o Tribunal vir ajuizar, em distinto processo tributário e para efeitos de apreciação da legalidade da correcção efectuada pela AT aos benefícios fiscais considerados em sede de IRS do ano de 2000, se o órgão da execução andou bem ou mal ao aceitar essa penhora como forma de garantir a dívida e suspender a execução, e se o imóvel que penhorou constitui ou não uma garantia idónea.
IV - Tal constituiria uma flagrante ofensa ao princípio da boa fé e da confiança que os executados depositaram na actuação do órgão da execução fiscal, até porque é a este órgão que cabe a competência exclusiva para apreciação do pedido de prestação de garantia e para ajuizar da sua idoneidade para a suspensão da execução, e os executados, perante a atitude e actuação desse órgão, nunca tiveram oportunidade de prestar outra garantia ou ocasião de discutir nesse processo judicial executivo, através do meio próprio previsto no art.º 276º do CPPT, a idoneidade da garantia oferecida.
V - De todo o modo, sendo legalmente possível a uma herança indivisa, desde que representada por todos os herdeiros, alienar ou onerar os seus concretos bens, ela também pode oferecer-se, através de acto subscrito por todos os herdeiros, como garante num processo de execução que corre contra um dos herdeiros, nomeando à penhora um bem seu.
Nº Convencional:JSTA00067987
Nº do Documento:SA2201212050531
Data de Entrada:05/14/2012
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRS
Legislação Nacional:EBFISC89 ART12 N5 A B N6.
CPPTRIB99 ART199 N4 ART231 ART276.
LGT98 ART15 ART16.
CCIV66 ART2091 ART687 ART2087 ART2088 ART2089 ART2090 ART2078 ART2091.
CPC96 ART826 N1 ART838 N4.
CPA91 ART6-A.
CONST76 ART266.
CRP84 ART6 N1 ART4 ART5 ART2 N1 ART11 N1 ART12.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0910/10 DE 2012/12/07
Referência a Doutrina:OLIVEIRA ASCENSÃO - DIREITO DAS SUCESSÕES 4ED PAG535.
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……. e B……., com os demais sinais dos autos, interpõem recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram com vista à anulação do acto de liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2002.
Terminaram as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. A administração fiscal corrigiu a declaração de IRS do ano de 2002 dos recorrentes suspendendo os benefícios fiscais face à existência de uma dívida de imposto sucessório em cobrança coerciva, que originou a liquidação adicional de IRS, na importância de € 1.816,78.
2. A nota de cobrança remetida pela administração fiscal tinha como data limite de pagamento o dia 6 de Dezembro de 2006, tendo os recorrentes em 18 de Janeiro de 2007 apresentado a competente impugnação judicial.
3. A dívida de imposto sucessório que levou à suspensão dos benefícios fiscais dos recorrentes corria pelo processo executivo n.º 3344199301014307, no âmbito do qual fora requerido, em 30 de Abril de 2002, pelos executados, a prestação de garantia, para suspender o processo executivo.
4. O processo executivo foi extinto por prescrição, a qual se completou em 7 de Maio de 2005, o que foi declarado por sentença judicial transitada em julgado em 14 de Dezembro de 2006.
5. O processo de imposto sucessório de que emerge o processo executivo n.º 3344199301014307 foi aberto em 18 de Janeiro de 1993, no antigo 20° Bairro Fiscal de Lisboa, tendo sido deduzida impugnação judicial relativamente à liquidação do imposto sucessório, a qual correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, com o n.º 130/94.
6. A sentença que determinou a prescrição da obrigação tributária reconhece delongas na condução do processo fiscal por “...facto não imputável à contribuinte…”
7. O Estatuto dos Benefícios Fiscais, no n.º 5 do seu art. 12° permite a suspensão dos benefícios fiscais quando, cumulativamente, um contribuinte não efectue o pagamento de impostos ou contribuições, e se mantenha em situação de incumprimento e desde que a dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
8. À data em que ocorreu a revisão da matéria colectável os recorrentes não se mantinham em situação de incumprimento.
9. A obrigação jurídica de imposto, como qualquer outra obrigação jurídica, extingue-se por prescrição, determinando que a mesma não mais possa ser exigida.
10. A extinção da dívida de imposto sucessório, ocorrida que foi em 7 de Maio de 2005, determina que o imposto deixou de ser exigível, não se encontrando mais os recorrentes em situação de incumprimento perante a administração fiscal.
11. Os recorrentes ofereceram garantia idónea, a fim de suspender a execução.
12. O artigo 199° do CPPT, no seu número um, estabelece que a garantia idónea pode consistir em qualquer meio susceptível de assegurar a quantia exequenda.
13. A não emissão de despacho de aceitação da garantia oferecida entre 30 de Abril de 2002 e 7 de Maio de 2005 não pode ser penalizadora dos contribuintes.
14. Tendo sido a administração fiscal quem, pela sua inércia, deu azo à situação, não pode a mesma aproveitar-se dela, já que configura uma situação de abuso do direito.
15. A douta sentença recorrida violou, assim, o disposto no art. 12°, n.º 5 e 6 do Estatuto dos Benefícios Fiscais e no art. 199°, n.º 1, do CPPT.

1.2. Não foram deduzidas contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido do provimento do recurso pelo facto da dívida estar prescrita desde 7/5/2005.

2. A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
1. Por morte de C……. foi liquidado aos impugnantes imposto sucessório no valor de PTE 3.113.264 (EUR 15.528,09) (cf. “notificação da alteração dos elementos declarados”, a fls. 19 dos autos e acordo, art. 6º da P1 e art. 25. ° da informação que suporta a contestação a fls. 50 dos autos).
2. Em 18 de Janeiro de 1993, foi deduzida pelos ora impugnantes a impugnação judicial n.º 130/94, no 2° juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, tendo por objecto a liquidação de imposto municipal de sucessões e doações referido no ponto anterior (cf. cópia da sentença judicial proferida no processo n.º 130/94 a fls. 30 a 33 do PAT).
3. Em 10 de Março de 1993 foi instaurado o processo de execução n.º 3344199301014707 para cobrança coerciva da divida de ISD melhor identificada nos pontos anteriores (cf. print da base de dados do serviço de finanças a fls. 28, informação dos serviços a fls. 24, ambas do PAT, e art. 11.º da informação que suporta a contestação, a fls. 38 dos autos).
4. Em 30 de Abril de 2002, com vista à suspensão do processo de execução fiscal da dívida supra descrita, os ora impugnantes nomearam à penhora um prédio urbano sito na ……., inscrito na matriz predial da freguesia do Prior Velho sob o artigo n.º 920 (antigo artigo n.º 1113 de Camarate), descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures (cf. ofício n.º 1731 do serviço de finanças de Lisboa 11 a fls. 26 do PAT e cópia do requerimento a fls. 14 dos autos e 53, do PAT).
5. Em 18 de Setembro de 2002, foi efectuada a penhora do imóvel descrito no ponto anterior, não tendo sido possível o seu registo na conservatória do registo predial competente, “em virtude do imóvel não ser propriedade exclusiva do impugnante, mas sim um bem da herança indivisa de C……. e mulher D……., do qual o impugnante é co-herdeiro” (cf. oficio n.º 1731 do serviço de finanças de Lisboa 11 a fls. 26 e cópia do auto de penhora a fls. 29 do PAT).
6. Em 23 de Novembro de 2006, foi proferida decisão judicial no processo de impugnação descrita no ponto 2, onde foi declarada prescrita a divida descrita no ponto 1, que transitou em julgado (cf. oficio n.º 1731 do serviço de finanças de Lisboa 11 a fls. 26 do PAT e certidão com nota de trânsito a fls. 16-20 dos autos).
7. Em 1 de Fevereiro de 2007 foi extinto o processo de execução n.º 3344199301014707, por “anulação em impugnação” (cf. print da base de dados do serviço de finanças e print da “tramitação do processo” a fls. 28 e 24 do PAT).
8. Foram alterados os elementos declarados pelos ora impugnantes em sede de IRS do ano de 2002, e suspensos os benefícios fiscais que haviam sido considerados na liquidação de IRS anterior, designadamente os benefícios fiscais indicados no anexo H – Planos de Poupança e Reforma (711), PPAs (705) e Aquisição de computadores (708) – o que conduziu a uma redução do montante de deduções à colecta de EUR 3.939,55 para EUR 1.122,77 (cf. informação do serviço de finanças a fls. 34, print da base de dados a fls. 5 e 6, do PAT, “notificação da alteração dos elementos declarados”, a fls. 13 dos autos).
9. Em 25 de Outubro de 2006 foi emitida liquidação adicional de IRS com o n.º 200650044532715 referente a rendimentos dos impugnantes de 2002, resultando da mesma imposto a pagar no montante de EUR 3.689,18 (cf. demonstração de liquidação a fia. 11 e 13 dos autos e print a fls. 20 do PAT).
10. Em 27 de Outubro de 2006 foi efectuada a compensação n.º 2006 9777528, da qual resultou o montante de imposto a pagar de EUR 1.872,40, com data limite de pagamento em 6 de Dezembro de 2006 (cf. demonstração de acerto de contas a fls. 12 dos autos e print a fls. 20-21 do PAT).
11. Em 30 de Dezembro de 2006 foi instaurado o processo de execução n.º 3271200601055330, aos ora impugnantes, para execução coerciva da dívida melhor identificada no ponto 10 (cf. certidão do processo anexa ao PAT).
12. Em 18 de Janeiro de 2007 deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa a PI da presente impugnação (cf. data do carimbo aposto a fls. 3 dos autos).

3. A liquidação adicional de IRS em causa nos presentes autos, efectuada em 25/10/2006, refere-se aos rendimentos declarados pelos impugnantes relativamente ao ano de 2002, e teve por base a correcção que a Administração Tributária levou a cabo aos elementos declarados no que toca às deduções efectuadas à colecta nesse ano de 2002, suspendendo os benefícios fiscais indicados no anexo H (planos de Poupança e Reforma, plano de Poupança de Acções, e aquisição de computadores, previstos nos arts. 21º 24º e 64º do Estatuto dos Benefícios Fiscais) ( Tendo em conta que, por força do disposto no art.º 2.º, n.º 2, do EBF «São benefícios fiscais as isenções, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável e à colecta, as amortizações e reintegrações aceleradas e outras medidas fiscais que obedeçam às características enunciadas no número anterior.».), o que conduziu a uma redução do montante de deduções à colecta de € 3.939,55 para € 1.122,77. Tal correcção alicerçou-se no facto de os impugnantes manterem em 31 de Dezembro de 2002 uma dívida tributária em incumprimento, proveniente de imposto sucessório do ano de 1993, constando da fundamentação da liquidação adicional, a fls. 13 dos autos, somente que «foram suspensos por força do n.º 6 do artigo 12º do Estatuto dos Benefícios Fiscais os benefícios fiscais considerados na liquidação da declaração de IRS respeitantes aos rendimentos do ano de 2002 por ter dívidas tributárias constituídas até 31 de Dezembro de 2002 que não foram objecto de reclamação, impugnação ou de oposição com prestação de garantia».
Os impugnantes sindicaram judicialmente tal liquidação adicional de IRS, alegando que haviam impugnado contenciosamente a liquidação de imposto sucessório e oferecido garantia idónea no respectivo processo de execução fiscal, pelo oferecimento à penhora de um imóvel da herança a que respeita o imposto sucessório, autorizado e subscrito por todos os herdeiros e que não foi rejeitado pelo órgão da execução fiscal. Para além disso, invocaram que essa dívida de imposto sucessório já se encontrava extinta, por prescrição, na data em que foi efectuada a liquidação adicional de IRS, face à decisão judicial, transitada em 14/12/2006, que reconheceu a extinção da obrigação tributária em 7/5/2005.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação por ter considerado que no ano de 2002 não se encontravam preenchidos os pressupostos para a concessão dos benefícios fiscais declarados, porquanto, apesar de ter sido impugnada judicialmente a dívida tributária proveniente de imposto sucessório e ter sido oferecida garantia pela nomeação de um bem à penhora, esta não fora concretizada em virtude de o bem não pertencer aos executados e, por outro lado, a posterior prescrição dessa dívida não inquina a legalidade da actuação da Administração no que toca à redução do montante de deduções à colecta do ano de 2002 em face do disposto no art.º 12º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Os recorrentes não se conformam com essa decisão, advogando que na execução fiscal oferecerem garantia que consideraram idónea, pela nomeação à penhora de um bem que, embora pertencendo à herança, foi oferecido e consentido por todos os herdeiros, e que o facto de o órgão de execução fiscal não ter emitido despacho expresso de aceitação ou rejeição dessa garantia não pode ser penalizadora para os contribuintes, ora recorrentes; e que tendo sido a administração fiscal quem, pela sua inércia, deu azo à situação, não pode a mesma aproveitar-se dela, por tal configurar uma situação de abuso do direito. Por outro lado, insistem que a dívida de imposto sucessório já se encontrava extinta, por prescrição, à data em que foi efectuada a liquidação adicional, pelo que esta não devia ter tido lugar.
Vejamos.
O artigo 12º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção que lhe foi dada pelo Dec.Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro, não autoriza a manutenção de benefícios fiscais a quem não cumpra as suas obrigações tributárias, estabelecendo, para esse efeito, nos seus n.ºs 5 e 6 ( Actualmente os mesmos números do artigo 14º do EBF.), o seguinte:
«5. No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária o acto administrativo que os concedeu suspende os seus efeitos se se verificarem cumulativamente as seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema da segurança social e se mantiver a situação de incumprimento;
b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível, for igual ou superior a € 500 e represente, no mínimo, 10% ou 30% da totalidade dos benefícios fiscais no caso de pessoas colectivas ou de pessoas singulares, respectivamente.
6. Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou a sua suspensão».

Embora no presente caso esteja em causa um benefício automático – porque resulta directa e imediatamente da lei – há que aplicar-lhe, por expressa remissão do n.º 6, as condições cumulativas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 para os benefícios dependentes de reconhecimento, pelo que, ainda que haja uma dívida tributária em incumprimento, não se pode impedir a produção de efeitos a tais benefícios se essa dívida tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea quando exigível.
No caso vertente, está assente que em 18/01/1993 os ora recorrentes deduziram impugnação judicial contra a liquidação do referido imposto sucessório, e que em 30/04/2002 requereram ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo executivo que entretanto fora instaurada para cobrança coerciva desse imposto, oferecendo como garantia a penhora de um prédio que pertence à herança aberta por morte de c… (a qual está na génese da transmissão causa mortis e da dívida de imposto em cobrança nesse processo executivo). E como se vê do documento de fls. 14, referido no nº 4 do probatório, essa nomeação à penhora do bem da herança indivisa foi efectuada pelos executados juntamente com os todos os demais herdeiros (os quais também haviam impugnado a liquidação do imposto sucessório e contra os quais também haviam sido instauradas execuções fiscais para pagamento do aludido imposto).
O órgão da execução admitiu e aceitou essa oferta de garantia pela nomeação à penhora do referido imóvel, apresentada ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 199.º do CPPT – onde se diz que vale como garantia a penhora a efectuar em bens nomeados para o efeito pelo executado – já que não questionou nem rejeitou a nomeação desse bem à penhora, não questionou a sua penhorabilidade nem a idoneidade dessa garantia, apesar de bem saber que o bem pertencia à herança indivisa face ao documento subscrito por todos os herdeiros, já que este documento é bem claro ao afirmar que o bem pertence à herança e à identificação de todos os herdeiros que aí se apresentam como requerentes.
Isto é, embora sem o reconhecer expressamente por despacho, o órgão da execução não só aceitou a nomeação à penhora desse bem da herança, autorizada por todos os co-herdeiros, como procedeu à sua efectiva penhora, através de auto de penhora que lavrou em 18/09/2002.
Pode questionar-se se o podia ter feito, se podia ter aceite, como garantia idónea, essa nomeação à penhora de um bem que pertence a um terceiro ( herança indivisa, que, enquanto património autónomo, é um sujeito de direito com personalidade e capacidade tributária – artsº 15º e 16º da LGT- mas sem personalidade e capacidade judiciária, razão por que é legalmente representada por todos herdeiros face ao disposto no art.º 2091º do C.Civil, como co-titulares desse património( Segundo o qual, fora dos casos especialmente previstos na lei (como o da reivindicação dos bens em poder de terceiro) os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, o que significa, processualmente, um litisconsórcio necessário. Pelo que nenhum dos herdeiros, ainda que seja cabeça de casal, pode vender ou onerar os bens da herança, a não ser que haja acordo de todos os outros herdeiros ou estes o autorizam a tal mediante procuração.) ). Mas o certo é que o fez, concretizando a penhora através do auto de penhora que lavrou em 18/09/2002, desse modo aceitando, implicitamente, a penhorabilidade do bem e a sua idoneidade como garantia.
E nem os obstáculos que posteriormente encontrou no registo dessa penhora levaram o órgão da execução a levantá-la ou a comunicar aos executados a necessidade de apresentarem outra garantia, tendo, antes, optado por manter suspensa a execução com uma penhora que não registou face aos obstáculos levantados na Conservatória do Registo Predial pelo facto de o imóvel não se encontrar registado em nome do executado mas em nome da herança de que ele é co-herdeiro. E embora o registo da penhora pudesse ter sido feito com natureza provisória, em conformidade com o disposto na alínea a) do nº 2 do art. 92º do CRPredial, com posterior observância do disposto no art.º 119º do mesmo Código, o certo é que o órgão da execução fiscal nada terá feito nesse sentido, o que, naturalmente, terá levado os executados a confiar que fora aceite a garantia que ofereceram para suspender a execução, até porque, ao que tudo indica, mais nada lhes foi dito em sentido contrário e estes viram efectivamente suspenso o processo de execução fiscal.
Neste enquadramento, e tendo em conta que a mera nomeação de bens à penhora vale como garantia, e que esta foi implicitamente aceite pelo órgão da execução fiscal como meio idóneo à conservação da garantia patrimonial, já que a concretizou através do auto de penhora que lavrou (art. 231º do CPPT) e nunca procedeu ao seu levantamento nem informou os executados sobre a eventual impenhorabilidade do bem ou sobre a falta de idoneidade dessa garantia, limitando-se a manter suspensa a execução com essa penhora até que a dívida foi declarada extinta pelo decurso do prazo de prescrição, não cremos que este Tribunal possa vir agora ajuizar, em distinto processo tributário e para efeitos de mera apreciação dos requisitos contidos no art.º 12º do EBF, se o órgão da execução andou bem ou mal ao aceitar essa penhora como forma de garantir a dívida para suspender a execução fiscal e se o imóvel que penhorou constitui ou não uma garantia idónea. Tal constituiria uma flagrante ofensa ao princípio da boa fé e da confiança que os executados depositaram na actuação do órgão da execução fiscal, até porque é a este órgão que cabe a competência exclusiva para apreciação do pedido de prestação de garantia e para ajuizar da sua idoneidade para a suspensão da execução (Cfr., entre outros, o acórdão do STA de 7/12/2012, no recurso n.º 910/10), e os executados, perante a atitude e actuação desse órgão, nunca tiveram oportunidade de prestar outra garantia ou ocasião de discutir nesse processo judicial executivo, através do meio próprio previsto no art.º 276º do CPPT, a idoneidade da garantia oferecida.
E nem a fundamentação enunciada pela administração fiscal para corrigir as deduções à colecta alude à impenhorabilidade do bem ou à falta de idoneidade da garantia oferecida e aceite na execução, mas, tão só, que em 31 de Dezembro de 2002 existiam dívidas tributárias que «não foram objecto de reclamação, impugnação ou de oposição com prestação de garantia», o que, como se viu, representa um erro nos pressupostos de facto, porque, nessa data, a liquidação dessa dívida já era objecto de impugnação e os impugnante já haviam oferecido uma garantia, a qual, mal ou bem, fora aceite pelo órgão da execução mediante a concretização da respectiva penhora. Pelo que, se a administração viesse agora defender - fora do processo de execução fiscal que, entretanto, até já se extinguiu, e num distinto processo tributário em que está apenas em causa a verificação dos pressupostos contidos no art.º 12º do EBF para efeitos do IRS de 2002 – que os contribuintes não prestaram garantia idónea enquanto impugnavam a liquidação de imposto sucessório, tal afirmação apresentar-se-ia como violadora do princípio legal e constitucional da boa-fé que deve nortear a actuação da Administração e que consiste fundamentalmente na «confiança suscitada na contraparte», nos termos do art.º 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo e também do art.º 266.º da Constituição Portuguesa.
Por outro lado, e como se sabe, a penhora desempenha uma função individualizadora dos bens que irão ser submetidos ao poder de execução do credor, do mesmo passo que constitui uma garantia real sobre o bem penhorado, podendo incidir sobre bens de terceiro desde que este o autorize. Basta recordar, a título de exemplo, a prestação de garantia por fiança, em que o fiador (terceiro) oferece todo o seu património, ainda que imobiliário, como garantia para obter a suspensão da execução que corre contra outrem, património que será penhorado se a execução tiver de prosseguir.
E nos termos do n.º 1 do art.º 6.º do CRPredial, a penhora existe independentemente de ter sido levada ao registo predial. Com efeito, a simples análise dos arts. 4.º e 5.º do CRPredial, articulada com o art.º 687.º do C.Civil ( Segundo o qual, «A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes».), permite afirmar uma característica fundamental do registo predial no sistema jurídico português e que é reconhecida de forma unânime pela doutrina e pela jurisprudência: ele não tem, em regra, efeito constitutivo (art.º 1.º), visando apenas dar publicidade, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário, e constitui condição de eficácia perante terceiros dos actos sujeitos a registo, como acontece com a penhora por força da alínea n) do n.º 1 do art.º 2.º do CRPredial ( Embora importe deixar claro que nos termos do n.º 4 do citado art.º 5.º desse Código, «Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si».).
Deste modo, as dificuldades e os obstáculos no registo da penhora não obstam à penhora em si nem significam a impenhorabilidade do bem. Dificuldades que são frequentes e geralmente acontecem por virtude de o imóvel se encontrar registado em nome de outrem, designadamente por inobservância do trato sucessivo no que respeita à continuidade das inscrições. Se assim fosse, isto é, se isso tornasse os bens impenhoráveis, aqueles que têm dívidas nunca davam cumprimento ao princípio do trato sucessivo, deixando que em termos registais o bem permanecesse em nome de um terceiro.
Aliás, o Código Registo Predial tem mecanismos para ultrapassar este tipo de situações, em que o bem penhorado se encontra registado em nome de uma pessoa ou ente jurídico que é terceiro relativamente à execução – como é o caso da herança indivisa – pelo se impunha ao órgão da execução que diligenciasse pelo registo provisório, sendo que a caducidade desse registo, pelo decurso do prazo legal, não determinava a extinção da penhora, a qual apenas opera com o seu levantamento ou com a extinção da execução (arts.11º nº 1 e 12º CRPredial). E também o n.º 4 do art.º 838ºdo CPC estipula que o registo meramente provisório da penhora não obsta a que a execução prossiga, não se fazendo, porém, a adjudicação dos bens penhorados, a consignação judicial dos seus rendimentos ou a respectiva venda, sem que o registo se haja convertido em definitivo.
Neste contexto, não podemos deixar de concluir que assiste razão aos impugnantes quando advogam que haviam impugnado contenciosamente a liquidação de imposto sucessório e oferecido garantia no respectivo processo executivo, pelo oferecimento à penhora de um imóvel da herança a que respeita o imposto sucessório, autorizado e subscrito por todos os herdeiros, e que não foi rejeitado pelo órgão da execução, pelo que não podia a Administração Tributária ter-lhes retirado os benefícios fiscais em causa nos presentes autos.
Razão por que deve proceder a impugnação judicial.
De todo o modo, sempre diremos que sendo legalmente possível a uma herança indivisa, desde que representada por todos os herdeiros, alienar ou onerar os seus concretos bens, ela também pode oferecer-se, através de acto subscrito por todos os herdeiros, como garante num processo de execução que corre contra um dos herdeiros, nomeando à penhora um bem seu.
É indiscutível que enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados dessa herança, nem sequer a uma quota-parte de cada um deles, pelo que na execução movida contra um dos contitulares da herança não podem ser penhorados os próprios bens da herança nem uma fracção ou uma parte especificada de qualquer deles (cfr. nº 1 do art. 826º do CPC). Apenas podem ser objecto de penhora o direito à herança indivisa ou o quinhão hereditário do herdeiro-executado, penhora que se transferirá para os bens que vierem a caber ao executado na partilha. E nenhum dos herdeiros, ainda que seja cabeça de casal, pode vender ou onerar os bens da herança, a não ser que haja acordo de todos os herdeiros ou estes o autorizam a tal mediante procuração, pois sem esse acordo ou autorização o negócio jurídico constituiria uma venda de coisa alheia por herdeiro antes da partilha, como refere José de Oliveira Ascensão, Direito das Sucessões, 4ª edição, Coimbra Editora, Portugal, 1989, pág. 535.
Mas não é isso que está aqui em causa. O que está em causa é saber se é possível a um património autónomo, que detém personalidade e capacidade tributária, embora sem personalidade jurídica e sem capacidade judiciária - razão por que tem de agir representada por todos os herdeiros - oferecer um bem seu como garantia num processo de execução fiscal instaurado contra um dos co-herdeiros.
Como se sabe, fora dos casos especialmente previstos na lei – ou seja fora dos casos previstos no artigo 2087º (administração dos bens pelo cabeça de casal), 2088º (exigência de entrega dos bens pelo cabeça de casal e uso de acções possessórias pelo mesmo e pelos herdeiros), 2089º (cobrança de dívidas pelo cabeça de casal), 2090º (venda de bens e satisfação de encargos pelo cabeça de casal) e do artigo 2078º do Código Civil (reivindicação dos bens em poder de terceiro) – os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (art.º 2091º do CC). É um caso de litisconsórcio necessário.
Assim, desde que todos os herdeiros o consintam e actuem em conjunto, como legais representantes da herança, podem dispor dos bens concretos da herança, aliená-los ou onerá-los, fazer o pagamento do passivo hereditário, a defesa judicial dos direitos contestados, nomeadamente a cobrança das dívidas activas. E perante este quadro legal de poderes e faculdades de que os herdeiros ut singuli dispõem em relação aos bens da herança, cremos que eles também poderão, desde que em conjunto, oferecer um bem da herança como garantia num processo de execução, seja através de hipoteca de um imóvel da herança, seja através de penhor de bens móveis da herança, seja pela apresentação à penhora de um desses bens.
Por todo o exposto, conclui-se que no ano de 2002, data em que ocorreram os pressupostos dos benefícios fiscais declarados em sede de IRS, os recorrentes estavam numa situação que lhes permitia deduzir à colecta tais benefícios, pois tinham impugnado a dívida do imposto sucessório e levado a herança, enquanto património autónomo representada por todos os herdeiros, a apresentar-se como garante dessa dívida no respectivo processo executivo com vista a obter a sua suspensão, o que foi aceite pelo órgão da execução fiscal.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, com a consequente anulação da liquidação adicional impugnada com todas as devidas e legais consequências.
Sem custas.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2012. - Dulce Neto (relatora por vencimento e lembrança) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro (vencido conforme declaração anexa)

Processo nº: 531/12

Voto de vencido

Não voto a decisão e a fundamentação, por razões que me parecem óbvias.

1. A administração tributária, constatando que os benefícios fiscais automáticos utilizados na declaração de IRS não produziram efeitos em virtude da existência de dívidas fiscais, procedeu à liquidação adicional impugnada.
A legalidade de tal acto assenta no pressuposto de que «a dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com a prestação de garantia idónea, quando exigível» (cfr. nº. s 5 e 6 do artigo 12º do EBF).
Os impugnantes contestam a legalidade do acto invocando, além da prescrição, que a dívida (i) foi impugnada; (ii) prestaram garantia; (iii) e a garantia é idónea.
A única questão em que manifesto discordância é quanto à idoneidade da garantia: a penhora de um bem especificado da herança constitui uma garantia idónea?
Por nós, custa-nos admitir que o exequente possa ficar assegurado com tal garantia.
A regra geral da exequibilidade de todo o património do devedor, prescrita nos artigos 601º do CCv e 821º do CPC, sofre duas limitações: a de os bens serem insusceptíveis de penhora e a da autonomia patrimonial resultante da separação de património.
Ora, para efeitos do regime especial de responsabilidade por dívidas, a herança caracteriza-se como um património autónomo ou separado. Para assegurar a separação, o artigo 826º, nº1 do CPC estabelece que, na execução movida contra um dos contitulares do património autónomo, «não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma facção de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso».
No caso dos autos, em que a execução foi movida apenas contra os recorrentes, o prédio penhorado era um bem da herança indivisa e não de um bem próprio dos executados, pelo que não podia ser nomeado à penhora enquanto não se procedesse à partilha da herança. Sendo um património autónomo, a herança «» responde, e responde só ela, pelas dívidas da herança (cfr. arts. 2070º e 2071º do CCv). Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles.
Em relação ao prédio nomeado à penhora, os executados, como co-herdeiros, são titulares apenas de um direito à herança, uma universalidade de direito que não se confunde sequer com a compropriedade. Os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre tal prédio, pois, apenas com a partilha, o direito de cada co-herdeiro converte-se em propriedade exclusiva de bens determinados (cfr. ac. Do STJ, de 21/04/2009, rec. Nº 09ª0635). Por isso, o que poderia ser objecto de penhora era apenas o direito à herança indivisa, penhora que se transferiria, sem mais, para os bens que viessem a caber aos executados na partilha (al. d) do art. 232º do CPPT).
Ora, como os executados ofereceram como garantia um bem especificado da herança, que era impenhorável, não estavam reunidas as condições para que tal garantia fosse considerada idónea, independentemente do órgão de execução ter ou não emitido despacho a julgá-la inidónea. Para efeitos da alínea b) do nº5 e do nº6 do art. 12º do EBF, o essencial é que no ano em que se verificam os pressupostos dos benefícios fiscais não tenha havido impugnação da dívida com «prestação de garantia idónea». Se a garantia oferecida não era, em abstracto, idónea para assegurar a cobrança da dívida exequenda, então estão reunidos os pressupostos para a suspensão automática dos benefícios.
2. Quando nomearam o prédio indiviso à penhora, o requerimento foi assinado pelos demais co-herdeiros (seriam todos?), facto que se invoca como principal argumento para se dizer que a garantia é idónea.
Mas, sendo a execução movida apenas contra um dos herdeiros, com possibilidade de venda judicial do bem penhorado, caso fosse possível o registo, que significado tem esse consentimento?
Nenhum.
Na hipótese de venda judicial do bem penhorado, o produto da venda iria directamente para os credores e não para os herdeiros. E assim sendo, a autorização dos demais co-herdeiros para penhora de um bem da herança só poderia significar repúdio ou renúncia a esse bem, doação ou qualquer outro contrato translativo da propriedade, mas em qualquer dos casos nulo por falta de forma.
Em minha opinião, quando se diz que os herdeiros conjuntamente podem alienar ou onerar um bem especificado na herança, com invocação do artigo 2091º do Código Civil, está-se a confundir património autónomo com património colectivo. Para efeitos de administração de herança não partilhada, ela é considerada um património colectivo, ainda que não na sua forma pura, uma vez que qualquer dos herdeiros pode a todo o momento requerer a partilha. E daí que, em conjunto, os herdeiros possam exercer certos direitos, entre eles o de alienação, caso em que o produto da alienação regressa à herança. Mas, para efeito de responsabilidade por dívidas, como é o caso dos autos, é um património autónomo, insusceptível de responder pelas dívidas próprios dos co-herdeiros, como resulta da parte final do artigo 601º do CCv, e por conseguinte, não é possível a penhora um bem que nele compreendido.
Invoca-se que a penhora pode incidir sobre bens de terceiro desde que este o autorize e que o bem penhorado foi oferecido pela herança. Nem uma coisa nem outra: a execução foi instaurada apenas contra um dos co-herdeiros e não contra a herança; e o bem da herança não está vinculado à garantia do crédito exequendo (art. 818º do CCv). Por isso, na execução movida contra um co-herdeiro não se podem penhorar quaisquer bens determinados da herança, mesmo com a autorização dos demais co-herdeiros. Se a penhora incidisse sobre uma parte determinada da herança, poderia acontecer que essa parte, feita a partilha, não viesse a caber ao executado.
Ora, uma penhora efectuada nessas condições, tornar-se-ia completamente inútil e inidónea.
3. É certo que, nos termos do nº 4 do artigo 199º do CPPT, a mera nomeação de bens à penhora também vale como garantia. Ao remeter para o número 1º, onde se especificam as espécies de garantia que em abstracto são idóneas para assegurar os créditos exequendos, a norma considera que o oferecimento de bens para penhora também pode constituir um dos meios adequados ao cumprimento daquela função conservatória.
Todavia, sem a efectiva concretização da penhora, não se pode dizer que a garantia oferecida, por si só, garante a satisfação do crédito exequendo. Para ser idónea a garantia não pode estar sujeita a quaisquer condições ou limitações que afectem a possibilidade do credor tributário assegurar o seu crédito. Por isso, sem a efectivação da penhora, através do respectivo auto lavrado pelo órgão de execução fiscal e posterior registo, não se pode ajuizar em concreto se esse acto é ou não um meio idóneo à conservação da garantia patrimonial, assegurando a viabilidade da futura venda executiva do bem penhorado.
Em princípio, só a penhora efectiva e eficaz poderá dar garantias de uma situação tributária regularizada. Uma penhora irregularmente constituída ou que não produz efeitos contra terceiros, não assegura de modo particular o cumprimento da dívida exequenda. Por força do art. 819º e n° 1 do art. 822° do CCv, a penhora atribui ao exequente preferência no pagamento sobre titulares de penhoras posteriores, preferência que, relativamente aos bens registráveis, reporta-se à anterioridade do registo, pois os factos sujeitos a registo, entre os quais se encontra a penhora, só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
Ora, se a penhora recaiu sobre um bem que não responde pela dívida exequenda ou não pode ser definitivamente registada, não se pode dizer que há garantia de que o bem possa vir a satisfazer o direito do exequente, mesmo que eventualmente se tenha procedido à sua apreensão. Em tais condições, o credor tributário não tem assegurado o seu crédito através da possibilidade de executar a garantia.
Por isso, a «garantia idónea» referida na alínea b) do n° 5 do art. 12° do EBF, para efeitos da concessão de benefícios fiscais em caso de impugnação da dívida, só pode ser uma garantia que, abrangendo todo o período da pendência desse processo, não esteja sujeita a quaisquer defeitos, limitações ou condições susceptíveis de perturbar a possibilidade do credor assegurar o crédito exequendo.
4. Se a penhora de um bem indiviso não constitui, em abstracto, uma garantia idónea, também não se pode presumir que constitui uma garantia idónea enquanto o órgão de execução não decidir que não o é.
Discordo que tenha havido qualquer violação do princípio da confiança ou da boa fé pelo facto do órgão de execução não ter tomada qualquer atitude perante a constatação de que não foi possível proceder ao registo da penhora.
Nem é verdade que a penhora tenha sido realizada com o conhecimento que o bem era da herança, nem se pode dar como certo que o processo de execução esteve “suspenso” ou “parado” após a impossibilidade do registo. Não resulta do auto de penhora que o órgão de execução sabia que o prédio não pertencia ao executado, nem o requerimento em que o prédio é dado em garantia é elucidativo sobre isso, pois limita-se a conter várias assinaturas, que posteriormente se vem a saber que são imputadas a outros co-herdeiros. Constitui matéria de facto, que este Tribunal não pode averiguar, saber qual foi o desenvolvimento que a execução teve. Sem uma base de presunção sólida, não se pode “presumir” que a execução esteve parada, nem se pode presumir que ocorram incidentes processuais que atrasaram a constituição da garantia nesse ano em que se verificaram os pressupostos dos benefícios fiscais. Nem uma coisa, nem outra, sendo certo que apenas o comportamento negligente do órgão fiscal poderia defraudar as expectativas dos executados em constituir uma garantia idónea.
É verdade que não resulta dos autos se, após se ter nomeado à penhora o prédio urbano, o órgão de execução fiscal tomou qualquer decisão sobre a idoneidade dessa garantia. Apenas se sabe que se procedeu à penhora do imóvel, mas que não se conseguiu registá-la. Todavia, mesmo que se admitisse que nenhuma decisão foi tomada, tal omissão não significa que, por força dos n°s 1 e 4 do artigo 199º do CPPT, se considere que a garantia oferecida era idónea.
É que, não interessava saber se, em concreto, ocorriam razões que conduzissem ao indeferimento da garantia oferecida, como a manifesta insuficiência para garantir a dívida e acrescido, porque, em abstracto, a penhora do direito a um bem específico da herança não é uma garantia idónea à suspensão da execução.
Situação diferente seria se a garantia oferecida se mostrasse idónea, mas o órgão de execução não se tivesse pronunciou em concreto sobre ela, caso em que constituiria venire contra factum proprium invocar a sua inexistência.
E daqui se conclui que no ano de 2002, data em que ocorreram os pressupostos dos benefícios fiscais declarados no IRS, o único que para o caso é relevante, os recorrentes não estavam numa situação que lhes permitia deduzir à colecta tais benefícios. Tinham impugnado judicialmente a dívida do imposto sucessório, mas no processo de execução haviam oferecido um prédio para penhora que era impenhorável. E assim sendo, em virtude do disposto no n° 4 do artigo 199° do CPPT, tem que se considerar que a impugnação judicial não estava acompanhada de “garantia idónea” impeditiva da suspensão dos benefícios fiscais.
Lino José Batista Rodrigues Ribeiro