Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0326/11
Data do Acordão:09/07/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
CRÉDITOS VENCIDOS APÓS DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA
BENS PENHORADOS
Sumário:I - A declaração de insolvência da sociedade executada não obsta à instauração da execução por créditos vencidos antes da declaração de insolvência, havendo, contudo, que, logo após a instauração, proceder à respectiva sustação em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 180.º do CPPT.
II - A instauração da execução fiscal por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos, encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, preceito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo.
Nº Convencional:JSTA00067119
Nº do Documento:SA2201109070326
Data de Entrada:04/04/2011
Recorrente:MASSA INSOLVENTE A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2010/11/25 PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:DIR COM - SOC COM
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N2 ART668 N1 D
CPPTRIB99 ART125 N1 ART180
DL 200/2004 DE 2004/08/18 ART3
CCIV66 ART7 N3 ART9 N1
CIRE04 ART28 ART36
DL 53/2004 DE 2004/03/18 ART11 N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC27/10 DE 2011/10/20; AC STA PROC981/10 DE 2011/04/06; AC STA PROC51/10 DE 2010/04/14
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII 5ED PAG232-233
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – MASSA INSOLVENTE A…, LDA, com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 25 de Novembro de 2010, que julgou improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal instaurada pela Fazenda Pública para cobrança coerciva de dívidas por IRS, IVA e coimas fiscais, no montante total de € 47.768,06, para o que apresentou as conclusões seguintes:
1. A recorrente opõe-se à execução alegando que o processo executivo foi instaurado muito para além do prazo de um ano previsto no art. 146 do CIRE.
2. Sendo que os valores das reclamações diziam respeito a liquidações de IRS anteriores à declaração de insolvência mas não reclamados no processo de insolvência.
3. E também as liquidações de IVA e coimas aplicadas após a declaração de insolvência que todavia não foram reclamados nem no prazo de um ano após a data do trânsito em julgado da sentença nem no prazo de 3 meses após a constituição de tais créditos.
4. Acresce que a Fazenda pública nem sequer podia beneficiar dos prazos previstos no n.º 2 do Artigo 146.º do CIRE porque tinha sido avisada nos termos do Art. 129 do mesmo Código.
5. Assim os créditos da Fazenda nacional estariam extintos por ter caducado o direito daquela a exigi-los.
6. Para além disso, a verificação ulterior de créditos após a declaração de insolvência só pode verificar-se após instauração de um processo declarativo contra o devedor, a massa insolvente e os credores.
7. O que nunca se verificou no caso dos autos.
8. Embora estes factos tenham sido alegados na oposição, o certo é que o Tribunal Administrativo e fiscal de Leiria não se pronunciou sobre os mesmos o que constitui omissão de pronúncia -4 n.º 1 al. d) do CPC (Art. 125 do CPPT).
9. Por outro lado, o mto. Juiz entende que há que compatibilizar o disposto no Art. 180 do CPPT com as normas do CIRE.
10. Ora, tal não corresponde à intenção do legislador que é clara ao dispor de maneira completamente diferente no CIRE ao limitar temporalmente e de forma clara o direito à reclamação de créditos.
11. Assim, e pelo exposto carecia a Fazenda Nacional de legitimidade para instaurar qualquer processo executivo contra a recorrente.
Termos em que deve ao presente recurso ser concedido provimento, declarando-se nula a sentença por omissão de pronúncia e violação do art. 668 do C.P.C. (Art. 125 CPPT) ou caso assim se não entenda, ser revogada a sentença substituindo-a por outra que declare a oposição procedente por provada com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
São as seguintes as questões objecto do presente recurso:
a) Nulidade da decisão por omissão de pronúncia nos termos do art. 668º, n.º1, d), do CPC e art. 125º do CPOT;
b) Errada aplicação do direito, designadamente do art. 146º do CIRE.
1. Vamos em primeiro lugar pronunciar-nos sobre a arguida nulidade da sentença recorrida, questão que logicamente precede o conhecimento do mérito da decisão e que, a proceder, obsta ao conhecimento das demais questões suscitadas.
Quanto à nulidade da sentença por falta de pronúncia, alega a recorrente que a sentença recorrida não se pronuncia sobre factos por si alegados na oposição, nomeadamente que a verificação ulterior de créditos após a declaração de insolvência só pode verificar-se após a instauração de um processo declarativo contra o devedor, a massa insolvente e os credores, o que não se verificou nos presentes autos.
E que não obstante tal alegação, em sede de oposição, o tribunal recorrido nunca se pronunciou sobre tal questão.
Afigura-se-nos que não lhe assiste razão.
Resulta do artigo 125.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Dispõe, por sua vez, o art. 66.º n.º 2 do Código de Processo Civil que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Como refere o Consº Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, 4.ª edição, pag. 565, esta omissão de pronúncia ocorrerá «nos casos em que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento».
Ora como se constata de fls. 153 a sentença pronuncia-se no sentido de que será viável o prosseguimento dos processos de execução por créditos vencidos após a declaração da falência ou de insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou de recuperação de empresa, concluindo que tal entendimento resulta da norma especial do n.º 6 do art. 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e da melhor interpretação daquele preceito de acordo com a unidade do sistema jurídico e tendo em conta a consonância das normas do CPEREF com as normas do CIRE.
Este entendimento e a solução dada a esta questão prejudica, desde logo, a questão suscitada pela recorrente no sentido de que a verificação ulterior de créditos após a declaração de insolvência só pode verificar-se após a instauração de um processo declarativo contra o devedor, a massa insolvente e os credores.
Por isso se entende que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, como aliás bem se sustenta no despacho de fls. 180.
2. Quanto à errada aplicação do direito, designadamente do artigo 146.º do CIRE, alega a recorrente que após a declaração de insolvência, quaisquer créditos só podem ser reconhecidos por meio de acção proposta contra a massa insolvente os credores e o devedor, sendo que tal resulta do art.º 146.º n.º 1 do CIRE, não restando dúvidas que aquele código pretendeu afastar o estatuído no artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
A nosso ver não lhe assiste razão, sendo que a decisão recorrida está em consonância com a jurisprudência firmada deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que «a instauração da execução por créditos vencidos posteriormente à declaração de falência, como são os créditos exequendos, encontra expresso apoio legal no disposto no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, preceito que há-de ser, contudo, interpretado razoavelmente, atenta a unidade do sistema jurídico, no sentido de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução por créditos vencidos após a declaração de insolvência se forem penhorados bens não apreendidos naquele processo» - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 06.04.2011, rec. 981/10, de 24/10/2001, rec. n.º 26.344, de 15/11/2006, rec. n.º 625/06, de 12 de Novembro de 2009, rec. n.º 102/09, e de 14/4/2010, rec. n.º 51/10, todos em www.dgsi.pt.
No caso subjudice, entendemos ser correcta a instauração da execução e subsequente citação relativamente às dívidas objecto da execução fiscal que se venceram após a declaração de falência, pelo que apenas existirão restrições no que toca à penhora dos bens, só podendo ser apreendidos bens não apreendidos no processo de falência.
Daí que se entenda que não merece censura a decisão recorrida, a qual deve ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.
Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 188 a 190 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Importa em primeiro lugar averiguar da verificação da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia (cfr. conclusões 1 a 8 das alegações de recurso), pois que se trata de questão que logicamente precede o conhecimento do mérito da decisão e que, se procedente, obsta ao conhecimento das demais.
Improcedendo a arguida nulidade, haverá que conhecer do mérito do recurso, decidindo sobre se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a oposição deduzida.
5 – Matéria de facto
Na sentença objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
a) A sociedade “A…, Lda.” Foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 26/12/2007, proferida no processo n.º 5968/07.3TBLRA, do 3.º Juízo Cível do tribunal Judicial de Leiria (fls. 14 a 22);
b) Em 10/04/2008 foi instaurado contra A…, Lda. em liquidação, o processo de execução fiscal n.º 1384200801018426, a correr termos no serviço de Finanças de Leiria-1, a que lhe foram apensadas as execuções fiscais nºs 1384200801019104, 1384200801019368, 1384200801020641, 1384200801029150, 1384200801030728, 1384200801046497, 1384200801049429, 1384200801049542, 1384200801049950, 1384200801061941, 1384200801066730 e 1384200801089218, para cobrança coerciva de IRS dos anos de 2005, 2006 e 2008, IVA do ano de 2008 e coimas do ano de 2008 no montante total de € 47.768,06 (fls. 33 a 80);
c) O PEF nº 1384200801089218, referido na alínea anterior, foi instaurado em 20/12/2008 para cobrança de IRS dos anos de 2005 e 2006, no valor total de € 2.766,88, tributos cujo termo do prazo de pagamento voluntário ocorreu em, respectivamente, 20/12/2005 e 20/12/2006 (cfr. fls. 41 a 44)
d) A A…, Lda., em liquidação, foi citada na pessoa do seu liquidatário judicial, B…, para execução fiscal, identificada na alínea anterior, por carta registada com aviso de recepção em 06/01/2009 (fls. 35 a 37);
e) No âmbito do processo de execução fiscal id. na alínea b) e apensos não foi efectuada a penhora de qualquer bem (cfr. fls. 145);
f) A presente oposição foi deduzida em 05/02/2006 (cfr. fls. 5 do articulado inicial).
6 – Apreciando.
6.1 Da alegada omissão de pronúncia da sentença recorrida
Alega a recorrente ser a sentença recorrida nula por omissão de pronúncia, pois que não se pronunciou sobre factos alegados na oposição, a saber a alegação de que o processo executivo foi instaurado muito para além do prazo de um ano previsto no art. 146 do CIRE, razão pela qual alegadamente os créditos da Fazenda Nacional estariam extintos por ter caducado o direito daquela a exigi-los, para além de que a verificação ulterior de créditos após a declaração de insolvência só pode verificar-se após instauração de um processo declarativo contra o devedor, a massa insolvente e os credores, o que não se teria verificado no caso dos autos (cfr. conclusões 1 a 8 das suas alegações de recurso).
A Meritíssima Juíza “a quo”, no seu despacho de sustentação de fls. 180 dos autos, sustentou que na sentença não foi cometida qualquer nulidade, nomeadamente, a de omissão de pronúncia, a que se refere o artigo 668º, nº1, alínea d) do Código de Processo Civil, uma vez que se conheceu da legalidade da instauração de todas as execuções fiscais, com reporte à dívida exequenda e termo do prazo de pagamento voluntário do tributo, concluindo que assim sendo, nada mais competia decidir, posição com a qual o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal manifesta a sua concordância, pois que, de acordo com o seu parecer (supra transcrito), a sentença pronuncia-se no sentido de que será viável o prosseguimento dos processos de execução por créditos vencidos após a declaração da falência ou de insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou de recuperação de empresa, concluindo que tal entendimento resulta da norma especial do n.º 6 do art. 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário e da melhor interpretação daquele preceito de acordo com a unidade do sistema jurídico e tendo em conta a consonância das normas do CPEREF com as normas do CIRE, sendo que este entendimento e a solução dada a esta questão prejudica, desde logo, a questão suscitada pela recorrente no sentido de que a verificação ulterior de créditos após a declaração de insolvência só pode verificar-se após a instauração de um processo declarativo contra o devedor, a massa insolvente e os credores (fim de citação).
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC) a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 660.º do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Assim, como se consignou no Acórdão deste Tribunal de 20 de Outubro de 2011 (rec. n.º 27/10) só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão, isto é, um problema concreto que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras, nos termos do disposto no citado nº 2 do art. 660° do CPC, ex vi do art. 2° al. f) do CPPT.
No caso dos autos, as questões suscitadas pela oponente na sua petição inicial de oposição relativas à alegada ilegalidade da instauração da execução fiscal por falta de reclamação dos créditos no prazo de 3 meses e pelo decurso do prazo de um ano, previsto no artigo 146.º do CIRE em virtude da declaração de insolvência da executada foram expressamente enunciadas na sentença recorrida (cfr. sentença recorrida a fls. 151 e ss. dos autos) e a elas se deu implicitamente resposta, no sentido da inaplicabilidade das normas do CIRE em razão da prevalência da norma especial contida no artigo 180.º do CPPT, à luz da qual se decidiu a oposição deduzida concluindo pela respectiva improcedência.
Não existe, pois, omissão de pronúncia da sentença recorrida, improcedendo, deste modo, a alegação de nulidade.
6.2 Do alegado erro de julgamento
A sentença recorrida, a fls. 149 a 155 dos autos, julgou improcedente, por não provada a oposição deduzida, por considerar aplicável ao caso dos autos, quanto às dívidas de IRS dos anos de 2005 e 2006 a que se refere se refere a alínea c) do probatório, o disposto no n.º 1 do artigo 180.º do CPPT, nos termos do qual uma vez instaurado o processo de execução deve este ser sustado, e às demais dívidas exequendas, vencidas após a declaração de insolvência, o disposto no n.º 6 do mesmo artigo, que afastando o regime da suspensão e da avocação do processo executivo aos processos de insolvência quanto aos créditos vencidos após a declaração de insolvência, permite que estes sejam instaurados e sigam os seus termos normais até à extinção da execução, podendo, contudo, neles ser penhorados tão só bens não apreendidos no processo de insolvência, como defende JORGE LOPES DE SOUSA e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal.
Conclui, pois, a sentença recorrida pela improcedência da oposição, por se mostrar legal a instauração da execução fiscal e apensos, embora esta apenas possa prosseguir os seus termos em bens que não estejam integrados na massa falida relativamente ao processo de execução fiscal nºs 1384200801019104, 1384200801019368, 1384200801020641, 13842008011029150, 1384200801030728, 1384200801046497, 1384200801049429, 1384200801049542, 1384200801049950, 1384200801061941 e 1384200801066730 e quanto à execução fiscal nº 1384200801089218 deverá a mesma ser sustada (cfr. sentença recorrida, a fls. 153 a 155 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, nos termos supra reproduzidos, reiterando a tese da alegada ilegalidade das instaurações das execuções fiscais em virtude da prevalência das normas do CIRE em face do disposto no CPPT.
Vejamos.
A alegada inaplicabilidade do disposto no artigo 180.º do CPPT ao processo de insolvência apenas poderia resultar do facto de este preceito legal se haver de ter como tacitamente revogado (pois que o não foi expressamente) aquando da entrada em vigor do CIRE (em 15 de Setembro de 2004, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto), por incompatibilidade do disposto neste Código com o prescrito no artigo 180.º do CPPT.
Não o entendemos assim, contudo, antes se entende, com JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, II volume, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, pp. 232/233, nota 7 ao art. 180.º do CPPT), estar-se perante um regime especial para os processos de execução fiscal, pois que só pode entender-se que uma lei geral revoga uma lei especial quando for detectável uma intenção inequívoca do legislador nesse sentido, como impõe o n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, o que não sucede neste caso.
Ora, estando o artigo 180.º do CPPT em vigor e tendo ele por objecto específico os processos de execução fiscal pendentes ou que venham a ser instaurados contra a mesma empresa (n.º 1) e bem assim (n.º 6) os créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da acção de recuperação (ou, no âmbito do CIRE, da declaração de insolvência a que se referem os artigos 28.º e 36.º do CIRE, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março), é este preceito legal aplicável, e, ao abrigo do que nele se dispõe, há-de reconhecer-se que a instauração da execução fiscal é legalmente possível, embora as respeitantes a créditos vencidos antes da declaração de insolvência tenham de ser sustadas logo após a instauração (cfr. o n.º 1 do artigo 180.º), prescrevendo-se que as relativas a créditos vencidos posteriormente à declaração de insolvência seguirão os termos normais até à extinção da execução (cfr. o n.º 6 do artigo 180.º do CPPT).
Observe-se contudo que, embora a lei diga expressamente, relativamente às situações contempladas no n.º 6 do artigo 180.º do CPPT, que (os processos) seguirão os termos normais até à extinção da execução, propõe JORGE LOPES DE SOUSA (op. cit. p. 233), no que tem sido acompanhado pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., entre outros, os Acórdãos de 24/10/2001, rec. n.º 26.344, de 15/11/2006, rec. n.º 625/06 e de 12 de Novembro de 2009, rec. n.º 102/09, Ac. de 14/4/2010, rec. n.º 51/10 e de 6 de Abril de 2011, rec. n.º 981/10) que «(…) deverá entender-se este seguimento em consonância com as normas do CPEREF e do CIRE, sob pena de se abrir a porta à possibilidade de se inutilizar todo o esforço de recuperação da empresa e de satisfação equilibrada dos direitos dos credores que se visa com estes processos especiais, o que seria uma solução manifestamente desacertada, atentos os fins de interesse público e social estão subjacentes àqueles», pelo que «(…) a interpretação razoável daquele n.º 6, que se compagina com a unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil), é a de que só será viável o prosseguimento dos processos de execução fiscal por créditos vencidos após a declaração de falência ou insolvência ou do despacho de prosseguimento da acção de recuperação da empresa se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação ou insolvência».
Foi este o entendimento adoptado na sentença recorrida e é este o entendimento que também aqui adoptamos, em conformidade com a jurisprudência citada, pelo que há-de concluir-se que nenhuma censura merece a sentença recorrida, que bem julgou, estando o recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 7 de Setembro de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Dulce Neto.