Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0757/10
Data do Acordão:03/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
Sumário:I - Embora a aplicação da regra de punição do concurso de contra-ordenações constante do artigo 25.º do RGIT seja logicamente posterior à decisão sobre a verificação destas, entendendo-se que, sendo aplicada uma coima única, recomenda-se que seja organizado pela autoridade competente um único processo e seja proferida uma única decisão de aplicação de coima, e estando fixado no probatório que o comportamento de que a recorrente foi acusada nos presentes autos repetiu-se várias vezes ao longo do ano de 2004 e 2005, para além de que dos próprios elementos constantes da decisão administrativa de aplicação da coima decorria que a sua prática era "frequente" e a recorrente trouxera ao processo informação e documentação referente à existência de dez outros processos de contra-ordenação tributários, afigura-se admissível, por razões de economia processual, o prévio conhecimento da questão eleita como decidenda e bem assim que, assumida a consequência de anulação da decisão administrativa de aplicação da coima para que a situação fosse contemplada à luz da (nova redacção) do artigo 25.º do RGIT, se considerassem prejudicadas as questões suscitadas pela recorrente, tanto mais que também essa nova decisão de aplicação de coima única sempre seria susceptível de recurso, não havendo, nessa medida, prejuízo para a recorrente.
II - Não sendo possível ao tribunal "a quo" fixar a coima única aplicável às contra-ordenações fiscais em concurso nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, justifica-se a anulação da decisão administrativa de aplicação da coima e a remessa dos autos à Administração fiscal para que esta o faça.
Nº Convencional:JSTA00066900
Nº do Documento:SA2201103300757
Data de Entrada:10/01/2010
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC.
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2010/10/21 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CPP87 ART379 C.
RGIT01 ART25 NA REDACÇÃO DA L 64-A/2008 DE 2008/12/31.
CP95 ART78.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC928/08 DE 2009/01/21.; AC STA PROC174/09 DE 2009/07/01.; AC STA PROC983/09 DE 2010/02/18.
Referência a Doutrina:MANUEL SIMAS SANTOS E OUTRO CONTRA-ORDENAÇÕES: ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL 6ED PAG307.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 - O Ministério Público recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa de 21 de Outubro de 2010, que anulou a decisão administrativa que aplicou à recorrente a coima de € 3.720,83 para que seja contemplada a situação à luz da (nova) redacção do art. 25.º do RGIT, e nessa medida aplicada uma coima única à recorrente, apresentando as seguintes conclusões:
1 - Não concordamos com a decisão de fls. 52 e sgs dos autos porque entendemos que é nula.
2 - E é nula porque a mesma não conheceu de questões que devia conhecer e conheceu de questões de que não podia conhecer.
3 - A decisão sob recurso não se pronunciou sobre qualquer uma das questões suscitadas pela arguida a saber:
“ - nulidade por falta de elementos exigidos para a decisão de aplicação da coima, nos termos do disposto no art. 63.º n.º do RGIT;
- Ilegalidade por força da assinatura por chancela, por violação do disposto no art.º 95.º n.º 2 do CPP, aplicável ex vi art.º 41.º do dl n.º 433/82, de 27/10 e art.º 3.º alínea b) do RGIT;
- se a conduta da arguida apenas podia ser punida a título de infracção continuada, por se mostrarem reunidos os pressupostos de aplicação daquela figura (e aqui há que frisar que a arguida recorrente o que pede é a condenação não em cúmulo por concurso de infracções mas a sua condenação por uma infracção continuada o que são realidades jurídicas diferentes. Esta, de acordo com os princípios gerais, implica desde logo e além do mais que se dê como provado, com todos os factos concretos pertinentes, se houve uma considerável diminuição da culpa)”
e
- nem da prática pela arguida da infracção de que vem acusada.
4 - E conheceu de questões de que não podia, em rigor, tomar conhecimento, a saber:
- “a que respeita à existência de concurso de infracções que não era objecto do recurso e relativamente à qual faltam factos respeitantes a outras condenações por infracções que se diz, sem qualquer suporte fáctico, terem sido praticadas.
5 - A Mma Juíza, na decisão em apreço, não se pronunciando sobre se, efectivamente, a arguida praticou ou não a contra-ordenação de que vinha acusada, nem se pronunciando sobre as demais questões suscitadas pela arguida, e nem sobre a pratica da infracção imputada à arguida, tomou conhecimento sobre a existência de concurso de infracções, que não era objecto de recurso e relativamente à qual faltam elementos respeitantes às infracções as infracções que foram praticadas, designadamente, a data em que foram praticadas, as vezes que a(s) infracção (ões) ocorreram e tivessem sido alvo de decisão condenatória e data desta.
6 - Aqui se argui a nulidade da decisão, de fls. 52 e sgs dos autos, que se pretende ver declarada pelo que
7 - A decisão deve ser declarada nula e de nenhum efeito.
8 - Normas jurídicas violadas: art.ºs 379 n.º 1, al. c) do CPPenal, ex vi art. 3.º al. b) do RGIT, e art.º 41 do dl n.º 433/82, de 27.10, art. 379.º do CPP, ex vi art. 3 al. b) do RGIT, art.º 41 n. 1 do dl n.º 433/82, de 27.10.
B) Se assim se não entender diremos:
1 - Que se verifica erro de julgamento de direito.
2- É que a decisão da autoridade administrativa pode, eventualmente, estar ferida de vício que importe a sua anulação, mas não pelas razões apontadas pela Mma. Juíza na decisão sob recurso.
3 - É que a Mma. Juíza, na decisão sob recurso, conclui que:
“…é irrecusável que, na situação presente, tendo o contribuinte praticado várias contra-ordenações fiscais, deve ser punido com uma coima única, nos termos do artigo 25.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (segundo a redacção do artigo 113.º da Lei n.º 64-A/2008 de 31 de Dezembro - orçamento do estado para 2009)
E, nessa medida, a decisão da autoridade administrativa deve ser anulada para que seja organizado um único processo e seja proferida uma única decisão de aplicação de coima nos termos do artigo 25.º do RGIT.”
4 - Ora, nada, na decisão em apreço, é referido sobre a prática pela arguida de outras contra-ordenações, sobre condenações que a arguida tenha sofrido pela prática de contra-ordenações em concurso sendo certo que, dos autos nada consta e nada foi averiguado com vista a saber se foram ou não praticadas outras contra-ordenações que se encontrem numa relação de concurso.
5 - Sendo assim, não existindo elementos fácticos que permitam concluir pela prática, pela arguida, de outras infracções em concurso não se pode concluir, como na decisão em apreço, que a autoridade administrativa tem de proceder ao cúmulo jurídico das várias coimas aplicadas por infracções em concurso.
6 - É que da decisão em apreço, não consta sequer a existência de a arguida ter sido condenada pela prática de qualquer contra-ordenação (nem sequer pela que vem acusada nos presentes autos) com trânsito em julgado, ou não, pelo que, consequentemente, não pode, como na decisão em apreço, dizer-se que autoridade administrativa deveria ter organizado um único processo e proferida uma decisão única de aplicação de coima nos termos do disposto no art.º 25.º do RGIT.
7 - Mas, mesmo que se tivesse dado por provado e não deu, que a arguida praticou várias contra-ordenações em concurso pelas quais lhe foi aplicada coimas pelo que haveria de, em cúmulo jurídico, ser-lhe aplicada uma coima única, não estava a Mma. Juíza impedida de o efectuar.
8 - É que, mesmo que não se efectue logo o cúmulo jurídico, nos termos do disposto no art. 77.º do C. Penal, designadamente, porque todas as contra-ordenações foram objecto de processos separados e autónomos, a Mma. Juíza não está impedida de o concretizar, nos termos do disposto no art.º 78.º do C.Penal já que a posterioridade do conhecimento do concurso não tem a virtualidade de modificar os pressupostos da pena única que são de ordem substancial.
9 - Sendo assim, não enferma a decisão da autoridade administrativa do vício que lhe é apontado na decisão sob recurso que importe a sua anulação.
10 - A decisão em apreço ao decidir como decidiu fez errado julgamento de direito pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decida não estar a decisão da autoridade administrativa inquinada do vício que lhe é assacado na decisão em apreço e determine o prosseguimento da instância.
11 - Normas jurídicas violadas: art.º 25.º do RGIT, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 113.º da Lei n.º 64-A/2008, de 28 de Dezembro, art.ºs 77 e 78 do C. penal, ex vi art. 32.º do Dec. Lei 433/82, de 27.10
Nestes termos deve ser concedido provimento ao recurso
2 - Contra-alegou a recorrida A…, concluindo nos termos seguintes:
1.º - A punibilidade do concurso de infracções, sob previsão do artigo 25.º do RGIT, sofreu uma alteração substancial que, em abstracto, é mais favorável à Arguida, aqui Recorrida, dado que se prevê, para as situações de concurso, a aplicação de uma coima única que não se limita à soma matemática das coimas concretamente aplicáveis.
2.º - Em matéria de contra-ordenações também vigora o princípio da aplicação retroactiva da lei mais favorável (cfr. artigo 29.º, n.º 4, da CRP, e do artigo 2.º, n.º 4, do CP, aplicável “ex vi” artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b), do RGIT).
3.º - A douta sentença do Tribunal recorrido não enferma de nulidade por omissão de pronúncia, porquanto a questão de aplicação no tempo de lei mais favorável constitui uma questão prévia de conhecimento oficioso, que prejudica, imediatamente, a apreciação das restantes questões objecto do recurso, dado que a apreciação da situação da Recorrida, à luz da nova redacção do artigo 25.º do RGIT, envolve a repetição do que tiver sido anteriormente processado (cfr. artigo 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 4.º do CPP, aplicável “ex vi” artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/83, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b), do RGIT).
4.º - A ser proferida uma sentença condenatória violar-se-ia, flagrantemente, a CRP, porquanto a decisão não teria em consideração a aplicação de lei punitiva posterior abstractamente mais favorável (artigo 29.º n.º 4, e artigo 3.º, n.º 3, da CRP).
5.º - Por seu turno, uma sentença absolutória imporia que os mesmos factos jamais pudessem voltar a ser apreciados, de acordo com o princípio constitucionalmente consagrado do “ne bis in idem” (cfr. artigo 25.º n.º 5, da CRP).
6.º- Por esta razão, a decisão de anulação da coima é a solução que melhor se compatibiliza com o caso concreto, atendendo aos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa.
7.º- Mas também não corresponde à verdade que o Tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões que não podia conhecer, por não existirem nos autos, segundo a Recorrente, elementos suficientes no que respeita às outras infracções praticadas pela Recorrida, incorrendo, por essa via, em excesso de pronúncia.
8.º- Isto porque o Tribunal deu como provado que o comportamento por que a Recorrida vinha acusada se repetiu várias vezes, ao longo dos anos de 2004 e 2005.
9.º- Acresce que a Recorrente nunca colocou em causa a matéria de facto constante dos autos - e em especial a trazida pela Recorrida-, tendo, inclusivamente, concordado que a questão fosse decidida por simples despacho (cfr. artigo 64.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b), do RGIT) facto demonstrativo da convicção partilhada pela Recorrente quanto à suficiência da matéria factual e probatória.
10.º - Ainda assim, não podia a Digna Magistrada do Ministério Público, ao recorrer directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, impugnar a matéria de facto, dado que os poderes cognitivos deste Tribunal se restringem à matéria de direito (cfr. artigo 83.º, n.º 2, do RGIT).
11.º - Mas, ainda que se conceba o recurso de matéria de facto, o que não se concede, sempre se teriam que ter por cumpridos os pressupostos constantes do artigo 412.º, n.º 3 do CPP, aplicável “ex vi” artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b), do RGIT - o que não se verifica.
12.º - Ademais, nos processos de contra-ordenação - tal como nos processos penais - vigora o princípio da legalidade e não o princípio do dispositivo - princípio característico do processo civil -, pelo que a questão da aplicação de lei mais favorável não constitui questão que o Tribunal não pudesse conhecer, nos termos da alínea c) (parte final) do artigo 379.º do Código Penal.
13.º- Finalmente, também não corresponde à verdade que tenha havido erro de julgamento de direito por não apreciação superveniente do concurso de infracções, ao abrigo do artigo 78.º do CP.
14.º - Não se trata, aqui, de efectuar o mero cúmulo de coimas anteriormente aplicadas ou de conhecer supervenientemente a existência de concurso, mas sim, na verdade, de permitir que à Recorrida seja aplicada uma coima única, em consonância com os parâmetros estipulados no artigo 25.º do RGIT, a cargo da Administração Fiscal, que é a entidade que está na posse de todos os elementos necessários para o efeito.
15.º- Além disso, nunca o artigo 78.º do CP se teria por adequado, dado que falta um pressuposto essencial para a aplicação do disposto no artigo 78.º do CP, a saber, uma condenação transitada em julgado.
16.º - Deste modo, o Tribunal recorrido mais não fez que seguir a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, que aconselha que seja a autoridade administrativa a proceder à aplicação de uma coima única, razão pela qual bem andou o Tribunal recorrido ao anular a decisão administrativa para que mesma baixasse à autoridade administrativa competente, a fim de a questão ser apreciada à luz da nova redacção do artigo 25.º do RGIT, que é, como acima se referiu, abstractamente mais favorável à Recorrida.
Termos em que, deve o recurso ser julgado improcedente, cumprindo-se o disposto na sentença recorrida.
3 - O Ministério Público não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4 - Questões a decidir
Importa, em primeiro lugar, verificar se a decisão recorrida está ferida de nulidade por omissão e por excesso de pronúncia, vício que a recorrente lhe imputa (cfr. as conclusões 1 a 8 das suas alegações de recurso).
Improcedendo a arguida nulidade, haverá que decidir do alegado erro de julgamento de direito.
5 - Na decisão do Tribunal Tributário de Lisboa objecto do presente recurso encontram-se fixados os seguintes factos:
A) Em 16/4/2007 foi levantado o auto de notícia à recorrente pela prática da infracção prevista no art. 98.º do CIRS, entrega fora do prazo de imposto retido na fonte, sendo a data da infracção o dia 04/11/2005, referente ao período de tributação de 01/2005, punível nos termos do disposto no art.º 114.º, n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT.
B) Com base no auto de notícia mencionado na alínea anterior foi instaurado no serviço de finanças de Lisboa 5, o processo de contra-ordenação n.º 3298200706053785.
C) (sic)
D) Em 23/02/2008 foi proferida decisão pelo chefe do serviço de finanças de Lisboa 5, na qual consta a sua assinatura original, feita por mão própria, que aplicou à recorrente a coima de € 3.720,83, considerando os seguintes elementos:
- O auto de notícia levantado à recorrente pelos seguintes factos que se dão como provados:
- Valor da prestação retida - € 17.975,00;
- Valor da prestação entregue - € 17.975,00;
- Período a que respeita a infracção - 01/2005;
- Termo do prazo para cumprimento da obrigação - 21/02/2005.
- Normas infringidas: no art.º 98.º do CIRS, entrega fora de prazo de imposto retido na fonte;
- Normas punitivas: art.º 114.º, n.º 2 e 26.º n.º 4 do RGIT - atraso na entrega da prestação tributária;
- Período de tributação - 01/2005
- Data da infracção - 04/11/2005;
- Actos de ocultação - Não
- Benefício económico - 0,00
- Prática da infracção - Frequente
- Negligência - Simples
- Obrigação de não cometer a infracção - Não
- Situação económica e financeira - Baixa
- Tempo decorrido desde a prática da infracção - ≥ 6 meses
E) O comportamento de que a recorrente foi acusada nos presentes autos repetiu-se várias vezes ao longo do ano de 2004 e 2005.
6 - Apreciando.
6.1. Da alegada nulidade da decisão recorrida por omissão e por excesso de pronúncia
Imputa a recorrente à decisão recorrida o vício de nulidade, porque a mesma não conheceu de questões que devia conhecer e conheceu de questões de que não podia conhecer (cfr. conclusão 2 das suas alegações de recurso).
Omissão de pronúncia, porquanto a decisão sob recurso não se pronunciou sobre qualquer uma das questões suscitadas pela arguida a saber: nulidade por falta de elementos exigidos para a decisão de aplicação da coima, nos termos do disposto no art. 63.º n.º do RGIT; ilegalidade por força da assinatura por chancela, por violação do disposto no art.º 95.º n.º 2 do CPP, aplicável ex vi art.º 41.º do dl n.º 433/82, de 27/10 e art.º 3.º alínea b) do RGIT; se a conduta da arguida apenas podia ser punida a título de infracção continuada, por se mostrarem reunidos os pressupostos de aplicação daquela figura nem da prática pela arguida da infracção de que vem acusada.
Excesso de pronúncia, porque conheceu de questões de que não podia, em rigor, tomar conhecimento, a que respeita à existência de concurso de infracções que não era objecto do recurso e relativamente à qual faltam factos respeitantes a outras condenações por infracções que se diz, sem qualquer suporte fáctico, terem sido praticadas.
A fls. 164 dos autos a Meritíssima juíza “a quo” sustentou a inexistência da arguida nulidade «porquanto o tribunal pronunciou-se sobre questão que prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas».
Também a recorrida A…, LDA sustenta o decidido, alegando que a questão de aplicação no tempo de lei mais favorável constitui uma questão prévia de conhecimento oficioso, que prejudica, imediatamente, a apreciação das restantes questões objecto do recurso, dado que a apreciação da situação da Recorrida, à luz da nova redacção do artigo 25.º do RGIT, envolve a repetição do que tiver sido anteriormente processado (cfr. artigo 660.º, n.º 2, do CPC, aplicável “ex vi” artigo 4.º do CPP, aplicável “ex vi” artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/83, aplicável “ex vi” artigo 3.º, alínea b), do RGIT) e que não corresponde à verdade que o Tribunal recorrido se tenha pronunciado sobre questões que não podia conhecer, por não existirem nos autos, segundo a Recorrente, elementos suficientes no que respeita às outras infracções praticadas pela Recorrida, incorrendo, por essa via, em excesso de pronúncia, uma vez que o Tribunal deu como provado que o comportamento por que a Recorrida vinha acusada se repetiu várias vezes, ao longo dos anos de 2004 e 2005 (cfr. conclusões 3.º, 7.º e 8.º das contra-alegações da recorrida).
Vejamos.
Dispõe a alínea c) do artigo 379.º do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” dos artigos 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que é nula a sentença «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
No caso dos autos, a decisão recorrida, a fls. 52 a 57 dos autos, elegeu como única questão a decidir a de apreciar o casosub judiceface à nova redacção do art.º 25.º do RGIT (cfr. fls. 54 dos autos), passando, a partir daí a reproduzir a fundamentação do Acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Janeiro de 2009 (rec. n.º 928/08), que assumiu ir seguir “de perto”.
Claro está que, ao ter procedido deste modo, não se pronunciou sobre nenhuma das questões que haviam sido colocadas pela arguida no seu recurso da decisão administrativa de aplicação da coima, pois que, como sustenta a juíza “a quo” as considerou prejudicadas e pronunciou-se sobre questão que não lhe tinha sido colocada pela então recorrente (e nem o poderia ter sido, pois que o recurso é datado de 13 de Maio de 2008 e a alteração do artigo 25.º do RGIT determinante do decidido apenas foi operada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12 - Orçamento do Estado para 2009).
Ora, embora a aplicação da regra de punição do concurso de contra-ordenações constante do artigo 25.º do RGIT seja logicamente posterior à decisão sobre a verificação destas, a que o tribunal não procedeu, a verdade é que entendendo-se - como no Acórdão seguido de perto na decisão recorrida que, sendo aplicada uma coima única, recomenda-se que seja organizado pela autoridade competente um único processo e seja proferida uma única decisão de aplicação de coima -, e estando fixado no probatório que o comportamento de que a recorrente foi acusada nos presentes autos repetiu-se várias vezes ao longo do ano de 2004 e 2005 (cfr. a respectiva alínea E), para além de que dos próprios elementos constantes da decisão administrativa de aplicação da coima decorria que a sua prática era “frequente” e a recorrente trouxera ao processo informação e documentação referente à existência de dez outros processos de contra-ordenação tributários (cfr. os números 31.º e 32.º da sua petição de recurso e docs. 3 a 12 a ela juntos), afigura-se admissível, por razões de economia processual, o prévio conhecimento da questão decidenda e bem assim que, assumida a consequência de anulação da decisão administrativa de aplicação da coima para que a situação fosse contemplada à luz da (nova redacção) do artigo 25.º do RGIT, se considerassem prejudicadas as questões suscitadas pela recorrente, tanto mais que também essa nova decisão de aplicação de coima única sempre seria susceptível de recurso, não havendo, nessa medida, prejuízo para a recorrente (que, aliás, manifesta concordância com o decidido).
Não se verifica, pois, a alegada nulidade da decisão recorrida, nem por omissão, nem por excesso de pronúncia, não se mostrando violado o disposto na alínea c) do artigo 379.º do Código de Processo Penal, aplicável “ex vi” dos artigos 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
6.2. Do alegado erro de julgamento de direito
Imputa ainda a recorrente à sentença recorrida erro de julgamento de direito, pois não existindo elementos fácticos que permitam concluir pela prática, pela arguida, de outras infracções em concurso não se pode concluir, como na decisão em apreço, que a autoridade administrativa tem de proceder ao cúmulo jurídico das várias coimas aplicadas por infracções em concurso e mesmo que se tivesse dado por provado e não deu, que a arguida praticou várias contra-ordenações em concurso pelas quais lhe foi aplicada coimas pelo que haveria de, em cúmulo jurídico, ser-lhe aplicada uma coima única, não estava a Mma. Juíza impedida de o efectuar, nos termos no art.º 78.º do C.Penal já que a posterioridade do conhecimento do concurso não tem a virtualidade de modificar os pressupostos da pena única que são de ordem substancial.
A recorrida A…, LDA contra-alega defendendo a inexistência de erro de julgamento, pois que o Tribunal recorrido mais não fez que seguir a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, que aconselha que seja a autoridade administrativa a proceder à aplicação de uma coima única, razão pela qual bem andou o Tribunal recorrido ao anular a decisão administrativa para que mesma baixasse à autoridade administrativa competente, a fim de a questão ser apreciada à luz da nova redacção do artigo 25.º do RGIT, que é, como acima se referiu, abstractamente mais favorável à Recorrida.
Vejamos.
Nem do acórdão citado na decisão recorrida, nem de nenhum outro deste Supremo Tribunal, decorre que para aplicação do artigo 25.º do RGIT (na redacção que lhe foi dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2009 e novamente modificada pela Lei do Orçamento do Estado para 2011) deva ser anulada a decisão administrativa de aplicação da coima para que a administração fiscal proceda à fixação da coima única, segundo as regras do cúmulo jurídico. Aliás, nos Acórdãos deste Tribunal de 1 de Julho de 2009 (rec. n.º 174/09) e de 18 de Fevereiro de 2010 (rec. n.º 983/09) foi expressamente decidido ordenar a baixa do processo à 1.ª instância, a fim de, ali, ser observado o disposto no artigo 25.º do RGIT, na redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, solução esta que se revela em conformidade com o disposto no artigo 78.º do Código Penal.
Sucede, contudo, que tal não era possível no caso dos autos, pois que embora o tribunal “a quo” tivesse dado como provado que o comportamento de que a recorrente foi acusada nos presentes autos repetiu-se várias vezes ao longo do ano de 2004 e 2005 (cfr. a respectiva alínea E), que soubesse que a prática da infracção era “frequente” e que a recorrente informara da existência de dez outros processos de contra-ordenação tributários (cfr. os números 31.º e 32.º da sua petição de recurso e docs. 3 a 12 a ela juntos), os processos haviam sido tramitados separadamente, não havendo, ao que se saiba, ainda decisões transitadas em julgado, requisito essencial para a aplicação do disposto no artigo 78.º do Código Penal.
Daí que a decisão tomada, por certo inspirada em passagem do Acórdão seguido de perto na decisão recorrida - quando aí se refere que “recomenda-se que seja organizado pela autoridade competente um único processo e seja proferida uma única decisão de aplicação de coima”, frase esta que a decisão recorrida destaca através de sublinhado e que se encontra em SIMAS SANTOS/JORGE LOPES DE SOUSA, Contra-ordenações: Anotações ao Regime Geral, nota 2 ao artigo 36.º - a p. 307 da edição de 2011-, se afigure como adequada, não incorrendo, deste modo, a decisão recorrida em erro de julgamento.
Improcedem, deste modo, as alegações de recurso.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, pois que o Ministério Público delas está isento.
Lisboa, 30 de Março de 2011. - Isabel Marques da Silva (relatora) - António Calhau - Dulce Neto - Vencida. Daria provimento ao recurso, com fundamento em erro de julgamento, dado que da decisão em apreço não consta, sequer, a existência de qualquer outra condenação pela prática de qualquer outra contra-ordenação, pelo que não faz sentido anular a coima parcelar aplicada nestes autos a fim de ser aplicada uma coima única. A Mmª Juiz devia ter apreciado o mérito do recurso e no caso de lhe negar provimento é que devia dar indicação ao Serviço de Finanças para, na eventualidade de haver outras condenações, englobar esta pena parcelar no cúmulo que lhe competiria então fazer.