Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0390/06.1BESNT
Data do Acordão:03/22/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANIBAL FERRAZ
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRAZO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, por natureza e imposição legislativa expressa, pressupõe/exige o trânsito em julgado da decisão recorrida (“acórdão impugnado”) – cf. artigo 284.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
II - Esse imprescindível trânsito em julgado, do aresto recorrido, ou seja, a impossibilidade de ser objeto de recurso ordinário ou reclamação, tem de verificar-se na data em que o recurso, para uniformização de jurisprudência, dá entrada, direta ou vindo dos Tribunais Centrais Administrativos (TCA’s), neste Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P30755
Nº do Documento:SAP202303220390/06
Data de Entrada:02/09/2022
Recorrente:A..., SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 5 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A..., SGPS, S.A., …, ao abrigo do disposto, entre outros, no artigo (art.) 643.º do Código de Processo Civil (CPC), reclama, para a conferência (do Pleno da Secção de Contencioso Tributário), da decisão sumária, emitida pelo Exmo. relator (pág. 1129 segs. (SITAF)), datada de 7 de abril de 2022, em que se decidiu “rejeitar o presente recurso jurisdicional, devido a falta de verificação de um pressuposto processual para a sua admissão”.

Suporta a reclamação, nas seguintes conclusões: «


A. A presente reclamação vem apresentada sobre o despacho de fls…, proferido em 7 de abril de 2022, que não admitiu o recurso interposto pela Reclamante para esse Supremo Tribunal Administrativo, em 20 de julho de 2020, por alegada extemporaneidade.
B. No entanto, e salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com a conclusão vertida no referido despacho.
C. A Recorrente presume-se notificada da decisão recorrida no dia 24 de fevereiro de 2020, tendo-se iniciando o prazo de 30 dias para o trânsito em julgado da mesma no dia 25 de fevereiro 2020; este prazo (suspenso entre 9 de março de 2020 e 2 de junho de 2020 por força do disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março), terminou no dia 19 de junho de 2020; iniciou-se, então, em 20 de junho de 2020, o prazo para interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, o qual, tendo estado suspenso entre 16 de julho e 1 de setembro de 2020 por força das férias judiciais, terminou no dia 4 de setembro de 2020.
D. O recurso poderia, assim, ter sido interposto até ao dia 9 de setembro de 2020 – 3.º dia útil posterior ao termo do prazo (cfr. artigo 139.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 20.º do CPPT).
E. Não há dúvidas, portanto, de que o recurso interposto em 20 de julho de 2020 deve considerar-se tempestivo.
F. Caso assim não se entenda – no que não se concede e se equaciona por mera cautela de patrocínio –, não se poderá deixar de considerar tempestivo e admissível o recurso apresentado em 4 de maio de 2020, dando por sem efeito – em prol dos princípios da justiça e da tutela jurisdicional efetiva – o pedido de substituição daquele recurso apresentado em 20 de julho de 2020.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE POR V. EXAS. SER A PRESENTE RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA SER JULGADA PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O DESPACHO RECLAMADO E SER O MESMO SUBSTITUÍDO POR DESPACHO QUE ADMITA O RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. »

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A parte contrária não respondeu à reclamação.

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A Exma. Procuradora-geral-adjunta pronunciou-se e no sentido de dever ser indeferida a reclamação.

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Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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# II.

A decisão reclamada, é do seguinte teor, integral: «


1. - Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Central Administrativo Sul proferida em 20-02-2020 que julgou parcialmente procedente o recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, revogando a sentença recorrida, na parte correspondente à correcção relativa a custos classificados como de despesas de representação e julgando a impugnação procedente, neste segmento, por alegada oposição com o douto Acórdão do TCA Sul proferido em 10 de Março de 2009, no âmbito do recurso n.º 02608/08.
2. Cabe conhecer da questão Prévia Da Admissibilidade /Prosseguimento do Recurso, suscitada pelo Ministério Público e sobre a qual foi exercido o contraditório sem que a recorrente se haja manifestado
Nesse sentido, compulsados os autos, assenta-se em que:
(i) - a Recorrente, em 4-05-2020 interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 284º CPPT, do douto Acórdão do TCA Sul proferido 20-02-2020;
(ii) - em 20-07-2020 é apresentado pela Recorrente novo recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 284º CPPT, do douto Acórdão do TCA Sul proferido 20-02-2020, mencionando no requerimento inicial de interposição do recurso “… Mais solicita a V. Exas. se dignem dar sem efeito o recurso por si apresentado no âmbito dos presentes autos no passado 4 de maio de 2020”.
(iii) – em causa está, pois, está apenas o recurso interposto em 20-07-2020.
Tem cabimento, desde logo, apreciar se ocorrem os requisitos legais de que depende a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 284º do CPPT, pois, tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que aqui nos dispensamos de enumerar por tão numerosa, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de apreciar a questão (cfr. artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Significa mais concretamente que apesar de ter sido reconhecida pela respectiva relatora do processo no TCA Sul a eventual admissibilidade do dito recurso, importa referir que tal decisão não vincula este Supremo Tribunal, pelo que há que apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.
Na verdade, nos termos do disposto no artº 284.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso para uniformização de jurisprudência” estatui-se que:
1 - As partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição:
a) Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.
2 - A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido.
3 - O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
4 - O recurso é julgado pelo pleno da secção e o acórdão é publicado na 1.ª série do Diário da República.” (…).
Ora, como bem refere a EPGA, apesar da acção ter sido instaurada antes de 2012 como o Acórdão recorrido, que julgou o recurso interposto da sentença do TAF de Sintra, foi proferido em 04-05-2020, aplicam-se as alterações introduzidas no regime dos recursos jurisdicionais em processo tributário pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, de acordo com o disposto no nº 1, al c) do artigo 13º do referido do diploma.
Contando-se o prazo para a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência a partir do trânsito em julgado do acórdão impugnado e tendo in casu as partes sido notificados através de notificação electrónica efectuada em 21-02-2020, o prazo de 30 dias iniciou-se em 25-02-2020 e terminou em 25 de Março pelo que à meia-noite do dia 25 ocorreu o trânsito do douto Acórdão Recorrido (pois a reforma do Acórdão que teve lugar foi circunscrito a matéria de custas – dispensa do remanescente da taxa de justiça).
Por assim ser, a contagem do prazo de 30 dias para interposição do recurso para uniformização de jurisprudência iniciou-se em 26 de Março de 2020 terminou a 27-04-2020 (25 foi sábado), podendo o recurso ser apresentado ainda até dia 30 de Abril de 2020 ao abrigo do disposto no artigo 149º do CPC.
Pelo exposto, é forçoso concluir que, quando o recurso para uniformização foi apresentado em 20-07-2020, já não se encontrava dentro do prazo consignado no nº 1 do artigo 284º do CPPT e não poderá ser admitido o presente recurso por se verificar a intempestividade do mesmo.
Significa que não se pode admitir o recurso para uniformização de jurisprudência ora apresentado e nos termos que foram definidos pela Exmª Relatora.
Na verdade, o recurso deve ser indeferido in limine quando tiver sido interposto fora do prazo, por ter sido excedido o prazo de 30 dias depois desse trânsito (extemporaneidade).
Por assim ser, como é, a decisão da Exmª Relatora errou ao perfilhar o entendimento de que o recurso interposto devia prosseguir, nos próprios autos, como de uniformização de jurisprudência, com subida a este STA para apreciação da sua admissibilidade.
Tal como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de apreciar a questão (cfr. artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil), o que vale por dizer que, apesar de ter sido reconhecida pela respectiva relatora do processo no TCA Sul a eventual admissibilidade do dito recurso, essa decisão não vincula este Supremo Tribunal ao qual incumbe apreciar se ocorrem ou não os requisitos de que a lei faz depender o recurso para o Pleno.
3. - Termos em que se decide rejeitar o presente recurso jurisdicional, devido a falta de verificação de um pressuposto processual para a sua admissão.
Custas a cargo da recorrente.

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Lisboa, 07 de Abril de 2022 »
***

Sendo indiscutível para todos os intervenientes, até ao momento, estarmos, ainda e só, a cuidar da (in)tempestividade na interposição de um, assumidamente, recurso para uniformização de jurisprudência, importa ter presente e assumir que tal tipo de apelo (extraordinário), por natureza e imposição legislativa expressa, pressupõe/exige o trânsito em julgado da decisão recorrida (“acórdão impugnado”) – cf. artigo (art.) 284.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT); na redação, aqui aplicável (sem contestação), da Lei n.º 118/2019 de 17 de setembro.

No contencioso tributário, diferentemente do que sucede no processo civil (onde só decisões do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) são suscetíveis ( Art. 688.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).), além dos acórdãos do STA, podem ser objeto deste recurso arestos dos Tribunais Centrais Administrativos (TCA’s), em alegada oposição quanto à mesma questão fundamental de direito.

A par desta dissemelhança, no processo tributário, os acórdãos, dos TCA’s, potencialmente recorríveis para uniformização de jurisprudência, podem, igualmente, antes disso, ser objeto de recurso de revista (excecional) ( Art. 285.º do CPPT.), particularidade com implicação direta na determinação e fixação da data de ocorrência do trânsito em julgado ( Como assumido no despacho reclamado.), pressuposto do recurso uniformizador.

Sem prejuízo de, nos termos do art. 284.º n.º 1 do CPPT, o recuso, para uniformização de jurisprudência tributária, dever/poder ser dirigido ao STA, é defensável que o mesmo possa ser apresentado no TCA que proferiu a decisão recorrida, a coberto do disposto no art. 282.º n.º 2 do mesmo compêndio, o qual pode, inclusive, promover a respetiva tramitação até ao ponto de incluir a sua admissão – cf. nºs 3 e 5 do mesmo normativo.

Na medida em que daquelas diferenças e destas especificidades, podem surgir dificuldades quanto ao estabelecimento de um momento em que, sob pena de rejeição, se tem de mostrar preenchido o pressuposto/condição de admissibilidade do trânsito em julgado da decisão recorrida ( Entendido este como a insuscetibilidade de recurso ordinário ou de reclamação – cf. art. 628.º do CPC.), sendo certo que o legislador processual-tributário não tomou posição sobre a matéria e está em causa um recurso privativo do STA, julgamos adequado e apropriado entender que o imprescindível trânsito em julgado, do aresto recorrido, ou seja, a impossibilidade de ser objeto de recurso ordinário ou reclamação, se tem de verificar na data em que o recurso, para uniformização de jurisprudência, dá entrada, direta ou vindo dos TCA’s, neste Supremo Tribunal.

Registamos que esta solução foi preconizada, antecedentemente, entre outros, no acórdão, do STA (Pleno da Secção de Contencioso Administrativo), de 23 de setembro de 2021, processo n.º 1081/12.0BELRS ( Disponível, no sítio www.dgsi.pt), com acento tónico no apontamento de que « ”o art.º 7.º do CPTA impõe que as normas processuais sejam «interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas»; e, como isso implica que encaremos aquele pressuposto relativo ao trânsito dos acórdãos impugnados, segundo a perspectiva que melhor favoreça o conhecimento de fundo do respectivo recurso, somos «recte» conduzidos a desvalorizar o pormenor de o aresto, entretanto transitado, ainda não o estar no exacto momento em que dele se recorreu.” »

Firmado este entendimento, in casu, não havendo lugar a dúvidas que, quando interposto, a 20 de julho de 2020 ( E, obviamente, muito menos, em 4 de maio de 2020; caso fosse de considerar o invocado (supra) na conclusão F. Contudo, a decisão reclamada assentou, expressamente, que “(iii) – em causa está, pois, está apenas o recurso interposto em 20-07-2020”.), o recurso (para uniformização) em apreço, ainda, não havia transitado em julgado o aresto recorrido, do TCAS, proferido em 20 de fevereiro de 2020, por ter sido objeto de uma reclamação, visando a reforma da condenação em custas, apresentada em 4 de março de 2020, decidida (por acórdão) a 28 de janeiro de 2021 e notificada, eletronicamente, no dia seguinte, às partes ( Cf. págs. 994 e 1085 segs. (SITAF)., sucede que, aquando do recebimento do processo e pendente recurso, no STA, em 9 de fevereiro de 2022 ( Pág. 1119.), verificada e comprovada, ainda, a não interposição de qualquer revista (excecional), manifestamente, o acórdão, do TCAS, visado pelo presente recurso uniformizador de jurisprudência, tinha transitado em julgado, há muito.

Neste cenário circunstancial, embora, por uma diversa ordem de fundamentos, a pretensão da reclamante merece o nosso acolhimento.


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# III.

Face ao exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- deferir a reclamação e revogar a decisão supra reproduzida;

- julgar tempestivo o versado recurso para uniformização de jurisprudência.


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Custas, respeitantes a este incidente, pela parte vencida a final; na falta, de momento, do suporte necessário à operação dos critérios de responsabilização fixados no art. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 22 de março de 2023. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator por vencimento e sorteio) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - José Gomes Correia (voto de vencido) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (voto de vencido) - Joaquim Manuel Charneca Condesso (voto de vencido) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha (voto de vencido) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo (voto de vencido).


VOTO DE VENCIDO

Em termos simples, está em causa saber se o recurso deve, ou não, considerar-se tempestivo.

A reclamante esgrime, como principal linha argumentativa, que o prazo para a apresentação do recurso se suspendeu entre 9 de Março e 2 de Junho de 2020 por força do disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março.

Todavia e desde logo, não se aceita que as leis então em vigor relativas à situação epidemiológica excepcionassem da suspensão dos prazos a prática de actos realizáveis por meios informáticos pois isso só sucedeu em 2021, com o aditamento do artigo 6.º-B ao diploma citado.

Em todo o caso, é nosso entendimento que a questão da suspensão por causa da vigência destas leis não tem pertinência para o caso, porque o decurso do prazo para o recurso ordinário já estava suspenso por causa da reclamação, como veremos a seguir, e, assim, a questão a resolver tem de ser reconduzida à estrita determinação sobre se o recurso para uniformização de jurisprudência pode ser deduzido antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido e – a concluir-se que não, como é claramente o caso – inferir que o trânsito em julgado do acórdão recorrido é condição de admissibilidade de um recurso extraordinário e as condições externas de admissibilidade dos recursos devem ser aferidas com referência à data em que são interpostos.

É que, na acepção dada pelo art. 628.º do CPC, considera-se transitada em julgado a decisão judicial, “logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.

Significa que a decisão transita em julgado, quando não admite, decorreu o prazo de interposição ou foram esgotados os pertinentes recursos de apelação e/ou de revista ou, também, quando da mesma já não é possível reclamar, para os efeitos previstos no art. 613.º n.º 2 do CPC, bem como, na hipótese estatuída no art. 643.º do mesmo diploma.

Daí que, acentue-se, a contagem do prazo para interpor recurso de revista não se fará nos termos propugnados pelo Ministério Público nem pela própria recorrente e ora reclamante.

Na verdade, no caso vertente, foi formulado pela Fazenda Pública um pedido de reforma em matéria de custas, o qual, apresentado em 4 de Março de 2020 (vide p. 994 SITAF), veio a ser decidido, por acórdão do TCAS, datado de 28 de Janeiro de 2021 (vide p. 1085 SITAF), e que foi notificado às partes via electrónica em 29 de Janeiro de 2021 (vide PP. 1096-1097 SITAF).

Assim, tendo o acórdão recorrido sido objecto de pedido de reforma, a contagem do prazo do recurso para uniformização não pode fazer-se senão após a antedita notificação da decisão do pedido de reforma.

Destarte, sendo esse o modo de contagem do prazo do recurso, sem necessidade de quaisquer outras demonstrações, tudo aponta para que estamos perante um caso de inadmissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, por não interposição do mesmo após o trânsito em julgado da decisão recorrida.

Vale isto por dizer que, uma vez que o requerimento de interposição foi apresentado antes de decorrido o prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão que conheceu dessa reclamação ou reforma, há que não o admitir por falta de um pressuposto formal pois o trânsito em julgado do acórdão recorrido é condição de admissibilidade de um recurso extraordinário e as condições externas de admissibilidade dos recursos devem ser aferidas com referência à data em que são interpostos.


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Por outro lado, como bem anota o Ministério Público, o apelo que é feito pela recorrente aos princípios da justiça e da tutela jurisdicional no sentido de dever ser considerado admissível o recurso apresentado em 4 de Maio de 2020, dando-se sem efeito o presente recurso apresentado em 20 de Julho de 2020, não obstante a justificação de que “só apresentou novo recurso em 20 de julho de 2020, substituindo e anulando o recurso apresentado em 4 de maio por entender que, por força da suspensão determinada pela Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, em 4 de maio de 2020, não se encontrava verificado um dos requisitos de admissibilidade do recurso – o trânsito em julgado da decisão recorrida”, não merece acolhimento porquanto, como justamente se refere no douto Parecer, aqueles princípios só operam no caso de actos vigentes na ordem jurídica e o recurso apresentado em 4 de Maio de 2020, por força da manifestação de vontade da Recorrente e no âmbito de direito disponível que lhe assiste “Mais solicita a V. Exas. se dignem dar sem efeito o recurso por si apresentado no âmbito dos presentes autos no passado 4 de maio de 2020”, foi revogado, tornando-se inexistente e, ademais e por similaridade de razões, também o recurso apresentado nessa data, não pode ser admitido por falta de preenchimento do dito pressuposto processual.

Termos em que se entende que era de indeferir a Reclamação e confirmar o despacho do Relator, acima reproduzido mas com a antecedente fundamentação.


(José Gomes Correia)

Vencido. A meu ver, o trânsito em julgado acórdão recorrido é requisito da admissibilidade do recurso previsto no art. 284.º do CPPT. No caso, é inequívoco que esse requisito não estava verificado na data em que foi interposto o recurso, motivo por que este deveria ser rejeitado. A posição que fez vencimento adopta uma interpretação (a de que a verificação do referido requisito se reporta à data do recebimento dos autos no Supremo Tribunal Administrativo e não à data da interposição do recurso) que, salvo o devido respeito, não pode deixar de considerar-se revogatória ou ab-rogante do n.º 1 do art. 284.º do CPPT, sem que estejam verificas as condições que a autorizariam. Ademais, deixa a admissibilidade do recurso sujeita a uma álea (o tempo que o tribunal central administrativo demore a remeter o processo ao Supremo Tribunal Administrativo) comprometedora da imprescindível segurança jurídica em sede recursória, bem como da igualdade perante a lei.


(Francisco Rothes)

O Exmo. Conselheiro Joaquim Condesso informou, o relator por vencimento e sorteio, de que adere ao voto de vencido do Conselheiro Francisco Rothes.

O Exmo. Conselheiro Gustavo Lopes Courinha informou, o relator por vencimento e sorteio, de que acompanha o sentido de voto do Conselheiro Gomes Correia.

VENCIDA.

É legal, doutrinal e jurisprudencialmente pacífico que o recurso para uniformização de jurisprudência só pode ser interposto de decisões transitadas em julgado, e tem como principal objectivo a uniformização da interpretação de uma norma jurídica (artigos 281.º e 284.º do CPPT). O trânsito em julgado da decisão (de que a admissibilidade do recurso para uniformização está dependente) legitima e justifica a qualificação legal deste recurso como recurso extraordinário. O objectivo primacial revela-nos que a principal preocupação do legislador ao instituir este recurso não foi uma melhor resolução do caso concreto (constituindo a eventual correcção do julgamento objecto de decisão recorrida mera consequência da melhor aplicação do direito perfilhada pelo acórdão uniformizador), mas que uma mesma norma ou quadro jurídico sejam aplicados de modo idêntico ou o mais uniformemente possível, desta forma se concretizando, de forma mais ampla quanto possível, os princípios da igualdade e da justiça.

O trânsito em julgado, nos termos do artigo 628.º do CPC, depende e só depende, por expressa opção legislativa, do curso do tempo: a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação.

Neste contexto, reconhecendo-se expressamente no julgamento hoje efectuado que a decisão objecto de recurso para uniformização de jurisprudência ainda não havia transitado em julgado na data em que este recurso foi interposto, e não sendo, em nossos entender, de relevar para efeitos de julgamento desse trânsito nem uma eventual menor clareza das normas processuais conformadoras dos recurso para uniformização de jurisprudência no âmbito processual tributário nem eventuais vicissitudes que ocorram nos Tribunais Centrais no âmbito da sua admissão (que extrapolem o já mencionado curso do tempo de que o trânsito em julgado está exclusivamente dependente), entendemos que a admissão do presente recurso, nas circunstâncias concretas, conduz à modificação, por via jurisprudencial, de um dos requisitos legais de admissibilidade formal do recurso para uniformização de jurisprudência, que, particularmente pelas razões expostas, não acompanhamos.


(Anabela Russo)