Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0721/15 |
Data do Acordão: | 07/05/2017 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FONSECA CARVALHO |
Descritores: | EXECUÇÃO FISCAL CITAÇÃO OPOSIÇÃO CADUCIDADE DO DIREITO DEDUÇÃO |
Sumário: | I - A não observância das formalidades prescritas no artigo 190 do CPPT na citação, constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal, quando possa prejudicar a defesa do interessado (al. b) do nº 1 do art. 165° do CPPT), a qual pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada e conhecida oficiosamente (cfr. nº 4 do art. 165º do CPPT, bem como nº 1 e 2 do art. 198° do CPC). II - Pode conhecer-se da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar da caducidade do direito de deduzir essa oposição. |
Nº Convencional: | JSTA000P22104 |
Nº do Documento: | SA2201707050721 |
Data de Entrada: | 06/05/2015 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório 1. A………………, identificada nos autos, vem interpor recurso da sentença do TAF de Viseu, que julgou procedente a excepção de caducidade do direito de deduzir oposição à execução fiscal, por extemporaneidade, absolvendo a Fazenda Pública do pedido. 2. Apresentou as seguintes conclusões das suas alegações: a) O facto de, em contrário do alegado pela oponente na petição inicial da oposição à execução fiscal, não ser aplicável às citações pessoais em processo de execução fiscal o disposto no art.° 39.° do CPPT não desonerava o tribunal a quo de, uma vez excluída a aplicabilidade deste preceito, ponderar a aplicação do disposto nos art.ºs 238.º, n.° 1, e 236.º, n.ºs 2 a 4 do CPC, em vigor à data da prática do acto, à situação de facto alegada pela oponente, fixando, em sede de julgamento de facto, os factos pertinentes à solução dessa questão. b) Estando em causa o direito constitucional de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, impõe-se, em caso de repetição do julgamento, que a posição a tomar sobre se a executada foi ou não efectivamente citada, ou se tomou ou não conhecimento efectivo de que a execução passou a prosseguir contra si; esteja na linha do princípio constitucional da máxima expansividade e efectividade dos direitos fundamentais, imanente no art° 18.°, n.ºs 2 e 3, da CRP e, decorrentemente, que a eventual dúvida sobre a existência desse facto não pode deixar de ser solvida a favor da recorrente. c) Não tendo o tribunal equacionado a aplicação do estipulado nos art.°s 238.°, n° 1, e 236°, n.°s 2 a 4, do CPC, na versão anterior à Lei n.° 41/2013, para aferir se o direito de oposição à execução fiscal foi tempestivamente exercido, deve ser revogada a decisão recorrida e ordenada a ampliação do julgamento de facto. d) Ao contrário do entendido pela decisão recorrida, o hipotético conhecimento do auto de penhora por parte do executado subsidiário, sem comunicação em tal auto dos elementos de facto que a citação pessoal para a execução fiscal deve incorporar, não faz cessar o justo impedimento de deduzir a oposição à execução fiscal dentro do prazo de 30 dias a contar do momento em que os Serviços de Finanças deram a conhecer aqueles elementos. e) Em sede de notificações, em processos de execução fiscal, mesmo por carta registada, não funciona a presunção estabelecida nos art.ºs 238.°, n.° 1, e 236.º do CPC, na versão anterior à da Lei n.° 41/2013, nem nos art.ºs 228.º, n.° 1 e 230.°, n.° 1, do actual CPC, diploma este que seria o aplicável ratio temporis para o acto de notificação em causa. f) Sendo assim, não poderia a decisão recorrida intuir do recebimento, por terceiro, da carta de notificação do auto de penhora o efectivo conhecimento por parte do destinatário dos elementos de facto que a citação pessoal para a execução deve incorporar para efeitos de considerar cessado o justo impedimento. Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e ordenada a ampliação da matéria de facto pertinente à decisão das questões de direito, bem como o julgamento das questões de mérito que ficaram precludidas pela decisão dada à excepção alegada pela Fazenda Pública. 3. Não foram formuladas contra-alegações. 4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser de proceder, argumentando o seguinte: É objeto do recurso o decidido quanto à intempestividade da oposição apresentada, o que foi decidido com base na notificação que veio a ser efetuada da penhora. Defende o recorrente ser de ponderar o contrário por aplicação do disposto nos arts. 238.º n.º 1 e 236.º n.ºs 2 e 4 do CPC, na versão vigente à data dos factos, atuais 228.º n.º 1 e 230.º n.º 1, e ainda do princípio da máxima expansividade e efetividade dos direitos fundamentais, imanente no art. 18.º n.ºs 2 e 3 da CRP, e fixando-se os factos pertinentes em sede de julgamento de facto em ampliação da matéria de facto. E invoca ainda que, sem que ocorresse a comunicação do auto de penhora com os elementos de facto) a citação pessoal para a execução fiscal, não cessa o justo impedimento de deduzir oposição à execução fiscal dentro do prazo de 30 dias a contar do momento em que os serviços de finanças deram aqueles elementos. Ora, segundo a matéria de facto dada como assente, consta que quanto à recorrente, executada por reversão na qualidade de responsável subsidiária, foi emitido ofício de citação por carta registada com aviso de receção, o qual foi assinado por terceiro. Uma vez notificada da penhora em prédio urbano, a mesma veio a requerer informação sobre a origem das dívidas referidas no auto de penhora, indicando desconhecer as mesmas, o que foi satisfeito pelo Serviço de Finanças 2, por ofício datado de 24.10.03, pelo qual remeteu cópia de anteriores ofícios remetidos, incluindo o remetido para citação. Foi ainda dado por assente que aquela apresentou oposição a 25.11.03. Apenas obstaria à apreciação do invocado a título prévio na oposição, se em face da receção por terceiro da carta registada remetida com aviso de receção, o que se enquadra ainda em forma de “citação postal”, na diligência da penhora, a executada, por reversão, a título de responsável subsidiária, tivesse sido citada executado pessoalmente, como era possível, nos termos previstos no art. 193.º n.º 2 do C.P.P.T., o que não consta que tenha ocorrido. Assim, na sentença recorrida devia-se ter conhecido dos factos aí ainda invocados quanto à recorrente não ter tomado conhecimento dos anteriores ofícios recebidos por terceiros, nomeadamente, vizinhos que entregaram os mesmos à mãe da oponente, tendo esta ainda omitido à oponente toda a documentação. Com efeito, importa apreciar ainda esses factos que, a confirmarem-se, são suscetíveis de integrar falta de citação e nulidade insanável, nos termos dos artigos 190.º n.º 6 e 165.º n.º 1 al. a) do C.P.P.T., com os efeitos previstos no n.º 2 desta última disposição. Com Jorge Lopes de Sousa, em CPPT Anotado e Comentado, Vol. III, p. 367, “parece que os princípios da segurança jurídica e da confiança, com a sua vertente de proibição da indefesa, não permitem que na dúvida sobre se o executado teve ou não possibilidade de se defender num processo em que são afectados os seus direitos, se ficcione que teve essa possibilidade.” No sentido de que é de proceder ao conhecimento incidental da falta ou da nulidade da citação em sede de oposição quando a sua existência resultar como prévia a qualquer questão se pronunciou ainda o acórdão do S.T.A. de 11-12-96, proc. 20488. Tal ocorre no caso em que a oponente veio ainda a alegar, em sede de oposição propriamente dita, ter sido gerente de direito apenas até 3-4-99, e não ser responsável por dívidas posteriores que identifica e não ocorrer quanto às demais dívidas o pressuposto da culpa previsto quer no artigo 13.º do C.P.T., quer no art. 24.º da L.G.T.. Concluindo: Tendo sido remetido à responsável subsidiária ofício para citação que foi assinado por terceiro, aquando da notificação da penhora podia ter sido efetuada também a sua citação, nos termos do previsto no art. 193.º n.º 2 do C.P.P.T.. Não tendo tal sido efetuado, não resulta prejudicado o conhecimento do invocado a título prévio a propósito da tempestividade da oposição apresentada. Por outro lado, os factos invocados na oposição apresentada por responsável subsidiária, revertida na execução, a propósito da sua tempestividade, são suscetíveis de integrar falta de citação e nulidade insanável, nos termos dos artigos 190.º n.º 6 e 165.º n.º 1 al. a) do C.P.P.T., com os efeitos previstos no n.º 2 desta última disposição. O recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido e determinar que se proceda à ampliação da matéria de facto de modo a que sejam ainda apreciados os factos invocados a título prévio e, sendo caso disso, se conheça das demais questões suscitadas na oposição. 5. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos De facto a) No teor do ofício n.° 5791/03 datado de 15.05.2003, emitido pelo Serviço de Finanças de Viseu 2, consta a citação da Oponente, de que é executada por reversão na qualidade de responsável subsidiário da dívida exequenda de que era devedora a sociedade B…………….., Lda., para no prazo de 30 dias pagar a quantia exequenda ou requerer o pagamento em regime prestacional, e/ou a dação em pagamento ou então deduzir oposição, no processo de execução fiscal n.° 1011308/99 e apensos. - Cfr. fls. 38/40 dos autos. b) O ofício referido em a) foi enviado através de carta registada com aviso de receção para a aqui Oponente. - Cfr. fls. 38/40 dos autos. c) O aviso de receção referido em b) não foi assinado pela Oponente, mas sim por terceiro. — Por admissão cfr. fls. 110 dos autos. d) No âmbito do processo de execução fiscal referido em a) foi penhorado o prédio urbano descrito no auto de penhora constante de fls. 10 dos autos e notificado à aqui Oponente, através do ofício n.° 9813 de 08.09.2003 enviado pelo Serviço de Finanças de Viseu 2.— Cfr. fls. 9/10 dos autos. e) Consta dos autos uma procuração outorgada pela aqui Oponente no dia 26.09.2003. — Cfr. fls. 8 dos autos. f) Em 22.10.2003, a Oponente apresentou requerimento no Serviço de Finanças de Viseu 2 a requerer que lhe informem qual a origem das dívidas referidas no auto de penhora, pois desconhece as mesmas. — Cfr. fls. 11 dos autos. g) O Serviço de Finanças de Viseu 2 enviou o ofício n.° 11630 de 24.10.2003, no qual remeteu cópias dos ofícios 2548 e 5791 bem como dos registos e avisos de receção relativos ao direito de audição e citação. — Cfr. fls. 12/17 dos autos. h) A Oponente apresentou a presente oposição no dia 25.11.2003. - Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos. De direito Perante a factualidade dada como provada o mº juiz “a quo” julgou verificada a excepção da caducidade do direito da oponente deduzir oposição e absolveu a Fazenda Publica do pedido. A recorrente insurge-se contra esta decisão que diz assentar numa errada determinação e aplicação da lei aplicável. Considera a recorrente que perante o facto provado de que o aviso expedido para citação da oponente fora assinado por terceiro se impunha face ao disposto nos artigos 236 e 238 do CPC que o Tribunal aferisse da veracidade da afirmação da recorrente de que apenas tivera conhecimento da existência de uma citação e de qual o seu conteúdo aquando da recepção da carta registada com A/R de 27 Outubro 2003 em resposta ao requerimento que a oponente apresentara em 22 10 2003. E nessa medida tendo a oposição sido apresentada no Serviço de Finanças dentro dos 30 dias a contar de 27 10 2003 a oposição era tempestiva. Considera assim que o Tribunal a quo errou igualmente quando entendeu que o justo impedimento invocado pela oponente cessara com a notificação do auto de penhora. É que não tendo a notificação do auto de penhora incorporado a comunicação da fonte legal de cada uma da dívidas tributárias em cobrança e o período a que as mesmas respeitavam sendo que tal conhecimento só ocorreu em 27 10 2003 só nesta data é que cessou o justo impedimento. Vejamos. O prazo para deduzir oposição vem consignado no artigo 203 do CPPT que assim dispõe: “SECÇÃO VI Da oposição Artigo 203.º Prazo de oposição à execução 1 - A oposição deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar: a) Da citação pessoal ou, não a tendo havido, da primeira penhora; b) Da data em que tiver ocorrido o facto superveniente ou do seu conhecimento pelo executado. 2 - Havendo vários executados, os prazos correrão independentemente para cada um deles. 3 - Para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1, considera-se superveniente não só o facto que tiver ocorrido posteriormente ao prazo da oposição, mas ainda aquele que, embora ocorrido antes, só posteriormente venha ao conhecimento do executado, caso em que deverá ser este a provar a superveniência. 4 - A oposição deve ser deduzida até à venda dos bens, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 257.º 5 - O órgão da execução fiscal comunicará o pagamento da dívida exequenda ao tribunal tributário de 1.ª instância onde pender a oposição, para efeitos da sua extinção.” E nos termos do disposto no artigo 209 nº 1 al. a) do mesmo diploma legal o juiz deve rejeitar logo a oposição quando a mesma tiver sido deduzida fora de prazo. No caso dos autos a recorrente entende que estando em causa o direito constitucional de acesso aos tribunais e o direito a um processo equitativo direitos consagrados no artigo 20 da CRP se impunha ao tribunal conhecer previamente e decidir, consequentemente se a recorrente havia ou não sido correctamente citada nos termos do disposto no artigo 238 e 236 do CPC. O artigo 188 do CPPT estipula que a citação comunica ao devedor os prazos para a oposição à execução. E o artigo 190 do mesmo diploma legal postula quais os elementos que a citação deve conter e vêm por sua vez discriminados no artigo 163 do CPPT nas alíneas a) b) c) e e). Por sua vez o artigo 198 nº 1 do CPC dispõe que a citação é nula quando na sua realização não forem observadas as formalidades previstas na lei. Em consonância o artigo 236 do CPC no que concerne à citação por via postal estipula igualmente que a mesma deve conter os elementos impostos pelo artigo 235 do CPC. E o artigo 236 do mesmo diploma estatui que a citação pessoal se considera feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e mesmo quando o aviso haja sido recebido por terceiro presume-se, salvo demonstração em contrário que a carta foi entregue ao destinatário. No caso dos autos não se questiona a recepção da carta com AR por terceiro nem a sua posterior entrega ao destinatário – a recorrente. O que se afirma é que essa carta foi entregue ao destinatário mas sem que fosse acompanhada dos elementos de facto que a citação devia conter como os atinentes à origem da dívida e o período a que a mesma respeitava. Conhecimento esse que é essencial à defesa da recorrente e daí a exigência de a notificação ou citação do responsável subsidiário quando lhes seja atribuída a responsabilidade pela dívida nos mesmo termos do devedor principal conter os elementos essenciais da sua liquidação incluindo a fundamentação nos termos legais cfr nº 4 do artigo 22 da LGT. Ora tendo a oponente questionado a entrega pelo terceiro que assinou o aviso de recepção dos ofícios que o terceiro teria nesse acto recebido e nos quais se daria conta dos elementos relativos à dívida revertida importava para aquilatar da tempestividade da oposição apreciar essa questão previamente até porque não está provado que a AT tivesse citado posteriormente, pessoalmente, a oponente nos termos do artigo 193/2 do CPPT. E pode e deve fazê-lo no processo de oposição dado que sendo responsável subsidiário e sendo a efectivação da sua responsabilização feita por reversão em sede de execução fiscal é neste processo de oposição que deve questionar os pressupostos da sua responsabilização bem como as questões atinentes à tempestividade da sua dedução cfr artigos 23/1 da LGT e 151/1 do CPPT. Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 11 12 1996 in processo 204488 cujo sumário na parte que ao caso interessa se passa a transcrever com a devida vénia: “I A falta de citação constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal, quando possa prejudicar a defesa do interessado (al. a) do nº 1 do art. 165° do CPPT), a qual pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada e conhecida oficiosamente (cfr. nº 4 do art. 165º do CPPT, bem como a al. a) do art. 194° e o nº 2 do art. 204°, ambos do CPC). II - Pode conhecer-se da falta ou nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição, isto é, será possível o conhecimento incidental da nulidade quando a questão da sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição.” Decisão Face ao exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em julgar procedente o recurso revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para que apreciando os factos invocados pela oponente, decida depois em conformidade. Sem custas. Lisboa, 5 de Julho de 2017. - Fonseca Carvalho (relator) - Casimiro Gonçalves - Pedro Delgado. |