Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026/15
Data do Acordão:06/18/2015
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO
TEMPESTIVIDADE
FALTA DE OBJECTO
Sumário:I - É aplicável o regime previsto no art 102º da LPTA, e nomeadamente o art. 106º, quanto à apresentação de alegações em recurso interposto de decisão proferida em ação instaurada antes de 1/01/04 e não o regime do DL 303/07 de 24/8, com exceção do nº 3 do art. 671º do CPC, por força do art. 7º da Lei 41/2013 de 26/6.
II - Inexistindo o ato identificado como sendo o “ato de 10.03.2000 do Conselho Diretivo da CMVM, que determinou a suspensão do dever do Banco B………… (B…………) de lançar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das ações representativas do capital social da Companhia de Seguros C………… (C………..), do Banco D………… (D…………), do Banco E………… (E…………) e do F………… (F…………), e permitiu ao B………… fazer-se substituir pela G………… no cumprimento daquele seu dever, ao abrigo dos artigos 190.° e 191.°/2 do CVM” carece o recurso de objeto relativamente ao mesmo.
III - O ato de registo de uma OPA não é lesivo da esfera jurídica dos potenciais destinatários de uma OPA, por não ser afetada a esfera jurídica dos destinatários da mesma ou daquilo que são os interesses individuais homogéneos ou coletivos dos investidores não qualificados em instrumentos financeiros considerando que se trata duma ação popular instaurada nos termos art. 31.º CVM.
IV - O ato de registo em si mesmo, como mera operação material de execução de ato é, pela sua própria natureza, irrecorrível.
V - Não resultando da matéria de facto dos autos que a autoridade recorrida tenha deduzido pretensão e oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a boa decisão da causa ou tido um comportamento continuado, que permitiu que o B………… e a G………… mentissem e ocultassem factos relevantes ao mercado não pode a mesma ser condenada como litigante de má-fé.
Nº Convencional:JSTA000P19191
Nº do Documento:SA120150618026
Data de Entrada:01/12/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO DIRECTIVO DA COMISSÃO DE MERCADOS DE VALORES MOBILIÁRIOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A…………, “na qualidade de contribuinte, investidor não institucional, e destinatário da OPA geral e obrigatória das ações do D............, nos termos do art. 31º (ação popular) do Código de Valores Mobiliários (CVM – aprovado pelo DL 486/99, 13/NOV) da Lei nº 83/95, de 31AGO (LAP), 173º, nº 1, do CVM, 160º, Nº 1, do CPA” interpôs, em 28.02.2001, no Tribunal Administrativo de Círculo Lisboa recurso contencioso de anulação dos despachos praticados 1- pelo Conselho Diretivo da Comissão de Valores Mobiliários, de 10.03.2000, 2- pelo CD da CMVM, de 11.05.2000 e 3- do registo prévio daquela OPA na CMVM.
Em 30.11.2006, de fls. 1189 a 1203, foi proferida decisão que rejeitou o recurso, por extemporaneidade.
Inconformado, o A. interpôs recurso para o STA, a fls. 1215, que, por acórdão de 30.10.2007, de fls. 1559 a 1573, revogou a decisão impugnada e determinou a baixa dos autos, para ulteriores termos.
Nestes autos veio a ser proferida decisão em 30.07.2014, de fls. 2019 a 2047, a “rejeitar integralmente o recurso”.
Inconformado, o A. interpôs recurso para este STA, nos termos dos arts. 26º, nº 1, al. b) e 40º, al. a) a contrario do ETAF84.
Admitido o recurso, a fls. 2064, foram apresentadas as alegações, com as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida é notoriamente ilegal.
II. É notório que os actos recorridos foram praticados, que o Recorrente tem legitimidade activa, que os actos são recorríveis e que a Autoridade Recorrida litiga de má fé.
III. O regime jurídico aplicável aos actos relacionados com o Contrato de Permuta de Acções e com o Contrato-Promessa de Compra e Venda celebrados a 11N0V99 e, consequentemente, com os actos recorridos, é o do Código do Mercado de Valores Mobiliários (CódMVM, aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10ABR, c/sucessivas alterações), e não o do Código dos Valores Mobiliários (CódVM, aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13NOV, cuja entrada em vigor ocorreu a 1MAR00, salvo na parte respeitante às OPA’s obrigatórias, que ocorreu a 28DEZ99).
IV. A verificação do regime jurídico aplicável aos actos recorridos é determinante para apurar:
a) da possibilidade ou impossibilidade legal de o obrigado suspender o dever de lançar OPA;
b) se a CMVM tem, ou não, o dever de verificar:
a. da existência dos pressupostos do exercício do eventual direito de suspender o dever de lançar OPA;
b. da legalidade da suspensão; e, consequentemente,
c) se a suspensão do dever de lançar OPA carece, ou não, de um acto autorizativo da CMVM, expresso ou tácito, sem o qual tal suspensão não possa ocorrer.
V. Os actos impugnados são os seguintes:
a) acto (despacho) praticado aos 10MAR00 pelo Conselho Directivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CD da CMVM), que determinou a suspensão do dever do Banco B………… (B............) lançar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das acções representativas do capital social da Cª de Seguros C………… (C............), do Banco D………… (D…………), do Banco E………… (E............) e do F………… (F............), e permitiu ao B............ fazer-se substituir pela G............ no cumprimento daquele seu dever, ao abrigo dos arts. 190º e 191º, nº 2, do CVM;
b) acto (despacho) praticado aos 11MAI00 pelo CD da CMVM, que determinou se procedesse ao registo prévio na CMVM da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das acções representativas do capital social do D............, preliminarmente anunciada pelo Banco H………… (H............); e que aprovou o relatório do Conselho de Administração do D............, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 540º e 554° do CMVM;
c) do próprio registo prévio daquela OPA na CMVM (sob o n° 8.845).
VI. São actos administrativos contenciosamente recorríveis, por reunirem todos os necessários pressupostos [designadamente, os previstos no art. 268°, nº 4, da CRP, dos arts. 120°, 158° e ss., do CPA, dos arts. 3º, 4º a contrario, 6º, do ETAF, art. 25º, da LPTA, arts. 1º e ss. do Estatuto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo DL n° 473/99, de 8NOV), arts. 523° a 606° do CMVM (CMVM - Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 142-A/91, de 10ABR), e arts. 114° a 119°, 187° a 193°, 360°, 361° e 365° do CVM, na medida em que:
- deram origem a uma relação pública jurídico-administrativa, de cariz poligonal, que tem por sujeitos a autoridade recorrida, o B............, a G............, a I…………, o Recorrente e os demais accionistas da C............ e do D............;
- foram praticados por um órgão da administração pública que, no exercício de poderes públicos e ao abrigo de normas de direito público, define a situação jurídica do Recorrente num caso concreto;
- são lesivos do regular funcionamento do mercado de capitais, do princípio da protecção dos investidores, e dos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos do Recorrente, além de definitivos e executórios.
VII. A CMVM é uma pessoa colectiva de Direito Público, nos termos do art.1° do seu Estatuto, aprovado pelo DL 473/99, de 8 de Novembro, e uma autoridade administrativa sujeita, na sua actuação, ao princípio da legalidade, e aos demais “Princípios gerais” consagrados nos arts. 3º a 12° do CPA.
VIII. Ao celebrar o “Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99 e adquirir o direito de comprar 51,8% da C............, o B............ constituiu-se na obrigação de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral concorrente das acções da C............, do D............, do E............, e do F............, nos termos do CMVM (designadamente, arts. 527°, nº 1, al. b), 528°, 530º, n.º 1, al. d), 531°, 534°, 538° e ss., 561° e ss.)
IX. O Cód.MVM não contemplava a possibilidade: da aquisição da participação qualificada antes do lançamento de OPA; da suspensão do dever do lançamento de OPA; da possibilidade de quem se constituiu em tal dever se fazer substituir no seu cumprimento.
X. Só a 13NOV99, depois de celebrados os contratos de 11NOV99, foi publicado o DL nº 486/99 que aprovou o Código de Valores Mobiliários (Cód.VM), determinou que o disposto no CMVM é aplicável às OPA’s obrigatórias cujo anúncio preliminar tenha sido publicado até 28DEZ99 (art. 5º, n° 1); que os art. 187° a 193°, as alíneas g), h) e i) do n° 2 do art. 393º e, na medida em que para estes preceitos seja relevante, os art. 13º, 16º, 17º, 20º e 21º do CVM entram em vigor a 28DEZ99 (idem); e que, com algumas outras ressalvas, o Cód.VM, revogando o CMVM, entrava em vigor a 01MAR00 (art. 2°).
XI. O regime legal aplicável aos Contratos celebrados a 11N0V99 e, consequentemente, às obrigações que deles dimanam é o CMVM (aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10ABR), e não o CVM.
XII. Assim, é manifestamente ilegal a actuação do CD da CMVM:
a) ao não ter exigido a publicação imediata do anúncio preliminar de OPA concorrente pelo B............ a 11NOV99 sobre o capital social da C............ e do D............ (art. 534°, do CMVM);
b) ao ter permitido a suspensão do dever de lançamento de OPA pelo B............, por acto praticado aos 10MAR00 ou em qualquer outra data (violação do princípio da legalidade/tipicidade);
c) ao ter permitido a substituição do B............, pela G............, no dever de lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ (violação do princípio da legalidade/tipicidade),
d) ao não ter exigido o lançamento de OPA das acções do D............ concorrente da OPA lançada em JUL99 pelo H............ — art. 550º e ss. do CMVM, e 188° do CVM,
XIII. Os actos recorridos são igualmente ilegais por envolverem fraude à lei, na medida em que admitiram como legal o valor da contrapartida oferecida pelo H............ (23,156 Euros);
XIV. Mesmo que, por absurdo, se entendesse dever aplicar-se o CVM, e não o CMVM, ainda assim os dois actos praticados e identificados sob as als. (b) e (c) do pedido seriam ilegais, na medida em que:
a) Em matéria de OPA’s obrigatórias, a CMVM tem como atribuição legal (arts. 118°, n.º 3, e 365°, nº 1, ambos do CVM) o controlo da legalidade, e dessa imposição legal não se pode afastar;
b) O registo da OPA na CMVM visa o controlo da legalidade da mesma, nos termos dos arts. 118º, nº 3, e 365º, n°1, ambos do CVM;
c) Sendo a contrapartida mínima a oferecer numa OPA obrigatória objecto de regulação legal (art. 188° do CVM), esse é um dos aspectos cuja legalidade a CMVM verifica, só concedendo o registo no caso de conformidade da contrapartida com os critérios legais;
XV. O B............ constituiu-se no dever de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ a 11NOV99 (quando celebrou o “Contrato de Permuta de Acções”) e, consequentemente, o anúncio preliminar e o lançamento daquelas OPA são reguladas pelo Cód. CMVM então em vigor (art. 28 a 33, 72 a 95 da p.r.).
XVI. E dado que o Cód. MVM o não permitia, o B............ não podia, pois, suspender o dever de anunciar preliminarmente e de lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ em que se constituíra a 11NOV99; nem podia fazer-se substituir no seu cumprimento (art. 28 a 33, 72 a 95 da p.r.).
XVII. Acresce que a fls. 904 do P°9589/OPAA (Informação nº DE/2000/137) o Recorrido afirma que:
a) o B............ se constituiu no dever de lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ “no momento da verificação das condições suspensivas a que se encontra sujeito o contrato de permuta, (...), por força do disposto no art.187° e 20°, n°1 al. b)”;
b) a CMVM tem “poderes para controlar, a priori ou a posteriori, se só assim for possível, a verificação em concreto dos pressupostos e condicionalismos do exercício do direito [de suspensão do dever] (art. 358°Cód. VM).”
XVIII. As “condições suspensivas” a que se encontrava “sujeito o contrato de permuta” (fls.65) eram a não oposição do MF à aquisição de 51,8% da C............ pelo B............, que foi emitida a 25NOV99 (fls. ); a não oposição da CCE à operação de concentração do B............ com o E............ e o F............, que foi notificada a 11JAN000 (fls. 525 do P°9589/OPAA); e a não oposição do BP à aquisição do D............ pelo B............, que foi emitida a 18JAN00 (fls. );
XIX. O “momento da verificação das condições suspensivas a que se encontra sujeito o contrato de permuta” e em que, no entendimento do Recorrido, o B............ se constituiu no dever de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ (esta concorrente) foi pois a 18JAN00 - data em que o BP deliberou não se opor à aquisição, pelo B............, de 51,8% da C............ (cfr. fls. 528 do P°9589/OPAA);
XX. O B............ não podia suspender o dever de anunciar preliminarmente e lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ (esta concorrente), a que ficou obrigado a 11NOV99;
XXI. Mesmo que, por absurdo, o pudesse fazer (suspender o dever), nos termos do Cód. VM, certo é que por força do disposto no nº 1 do art. 190º e no nº 1 do art. 191°, do Cód. VM, os actos seriam ilegais.
XXII. O próprio Recorrido reconhece que, caso fosse aplicável o Cód.VM, o prazo para o B............ suspender o dever de lançar as OPA das acções da C............ e do D............, mediante comunicação escrita à CMVM, expirou a 27JAN00 — 5 dias úteis após 18JAN00; e o prazo dentro do qual o B............ deveria ter publicado anúncio preliminar de OPA das acções da C............ e do D............ expirou a 18FEV00 — 30 dias após 18JAN00.
XXIII. O B............ não exerceu o pretenso direito de suspender o dever (de lançar aquelas OPA) até 27JAN00, e não publicou o anúncio preliminar nem lançou OPA das acções da C............ e do D............ (esta concorrente) até 18FEV00 ou em qualquer outra data;
XXIV. Pelo que o lançamento, por terceiro, de qualquer daquelas OPA (como foi o caso da G............ com a OPA das acções da C............) apenas pode significar que o Recorrido, defraudando a lei, determinou a suspensão do dever do B............ e a substituição (por terceiro) no cumprimento do dever.
XXV. E se a 10MAR00 (mais de um mês depois de expirado o prazo dentro do qual supostamente poderia fazê-lo) o B............ comunicou a suspensão do dever de lançar a OPA geral e obrigatória das acções da C............ e do D............ (cfr. fls. 34);
XXVI. O certo é que — mesmo admitindo que o Cód. VM seria aplicável - aquela comunicação (de suspensão do dever) foi extemporânea (não foi feita “no prazo de 5 dias úteis após a ocorrência do facto constitutivo do dever de lançamento” como exige o art. 190º do Cód.VM);
XXVII. Nela (comunicação de 10MAR00) o B............ não se obrigou “a pôr termo” ao “facto constitutivo do dever de lançamento” (como exige o art.º 190° do Cód. VM) mas, tão só, a honrar o compromisso de “alienar” à G............ os 51,8% da C............ objecto do “Contrato de Permuta” de 11NOV99 e cuja celebração o obrigara (ao B............) a lançar as OPA das acções da C............ e do D............ (fls.34);
XXVIII. A própria “CMVM pronunciou-se no sentido de que, ao alienar à Oferente (G............) a titularidade do capital social das sobreditas holdings, o B............ não pôs efectivamente termo à situação de domínio da C............, mas antes transmitiu essa situação à (…) Oferente [a G............], e que, por essa razão, o dever de lançamento de uma oferta pública de aquisição sobre as acções da C............ (...) a cargo do B............, passou para a esfera jurídica da Oferente [a G............].” (cfr. Informação n° DE/2000/126, de 03MAR00 + Prospecto da OPA das acções da C............, a fls. 871 e 1063 do P09589/OPAA).
XXIX. Com a comunicação de 10MAR00 o B............ não visou “pôr termo” ao “facto constitutivo do dever de lançamento” (como exige o art.190° do Cód. VM para efeitos de suspensão) mas, apenas, transmitir ou fazer-se substituir na obrigação pela G............ (do Estado);
XXX. É notório que:
a) o B............, depois de ficar obrigado a fazê-lo, não lançou OPA geral das acções da C............ nem das acções do D............ (esta concorrente)
b) quem lançou a OPA geral das acções da C............ (a 19ABR00), depois de o B............ ficar obrigado a fazê-lo, não foi o B............ mas sim a G............ (fls.);
c) ninguém (nem B............, nem G............, nem outrem), depois de o B............ ficar obrigado a fazê-lo, lançou a OPA geral das acções do D............ (concorrente da lançada pelo H............ a 19JUL99)
d) o B............ reconheceu, expressamente, que depois de 11N0V99 — estando em curso a OPA preliminarmente anunciada pelo H............ a 19JUL99 - se constituiu no dever de anunciar e lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ (fls.34);
e) a 24MAR00 a própria CMVM informou que “a CMVM considera que qualquer OPA a lançar sobre as acções representativas do capital social do D............ deve ser qualificada como concorrente em relação à oferta preliminarmente anunciada pelo H............” (cfr. Informação n° DE/2000/151, a fls. 947 do Pº 9589/OPAA).
XXXI. A Autoridade Recorrida praticou (depois de 11NOV99) acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que o B............ suspendesse e se fizesse substituir (pela G............) no dever de anunciar preliminarmente e lançar as OPA geral sobre a C............ e o D............ (esta concorrente);
XXXII. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que o B............ (ou aquele que supostamente o substituiu no dever) não anunciasse preliminarmente nem lançasse a OPA geral das acções C............ e do D............ (concorrente) a que aquele ficou obrigado (com a celebração do “Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99) — violando assim, nomeadamente, os art. 538° e ss. (“Registo prévio da oferta”), e 561° e ss. do Cód. MVM (“Lançamento de ofertas concorrentes”);
XXXIII. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que a J............ (depois de 22DEZ99) e o B............ (a 03MAR00), sucessivamente, adquirissem 51,8% da C............ e 53% do D............ sem que previamente anunciassem preliminarmente, lançassem e concretizassem a OPA geral das acções da C............ e do D............ (concorrente) a que ficaram obrigados (o B............ com a celebração do Contrato de Permuta de Acções” de 11NOV99, e a J………… com a aquisição de 51,8% da C............ depois de 22DEZ99) — violando assim, nomeadamente, os art. 528º, 534º e 568º do Cód. MVM (“Transacções proibidas”);
XXXIV. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que o H............ (a 31MAR00) adquirisse 87.802.565 acções D............ estando em curso a OPA das acções D............ lançada a 19JUL99 pelo próprio H............ — violando assim o art. 568° do Cód. MVM (“Transacções proibidas”);
XXXV. A Autoridade Recorrida praticou acto administrativo pelo qual determinou/ autorizou/ aprovou/ permitiu que a C............ e o D............ (a 07ABR00) vendessem 94% do E............ + 70% do F............, ao B............, estando em curso a OPA das acções D............ lançada pelo H............ a 19JUL99 - violando assim, nomeadamente, o art. 575º do Cód. MVM (“Limitação dos poderes de administração da sociedade visada”) -
XXXVI. É irrelevante que as deliberações que subjazem àqueles actos não configurem acto expresso ou não tenham sido transcritas, pois, se assim foi, isso apenas comprova a prática de mais actos ilícitos pelo Recorrido.
XXXVII. Aqueles referidos actos foram efectivamente praticados pelo Recorrido mas com absoluta carência da forma legal, provocando assim a sua nulidade, nos termos do art. 133º, n° 2, al. f), do CPA, nulidade que, sem conceder, para todos os efeitos, deve ser reconhecida e declarada.
XXXVIII. Por força do disposto nos arts. 114°, 118°, 119°, 133°, 188°, 358°, 361°, 365°, do CVM, e, ainda, por força do disposto nas als. b) e e) do art. 81° da CRP, o legislador quis proteger os legítimos interesses e expectativas dos investidores, por um lado, e reprimir o abuso de posições dominantes, por outro, sendo ilegal qualquer interpretação - extensiva, restritiva ou correctiva -, que vise contrariar aqueles preceitos.
XXXIX. Mesmo que ao abrigo do CVM, e por força dos seus arts. 114°, 118°, 119°, 188°, 358°, 365° e 361°, e do art.125° nº 2 do CPA, são ilegais, por vício de forma e violação de lei, o despacho que ordenou se procedesse ao registo prévio da OPA em causa, por manifesta violação do art. 188° (valor da contrapartida), e por manifesta falta de fundamentação e erro de pressupostos, assim como o próprio acto de registo.
XL. Os actos recorridos são recorríveis e foram efectivamente praticados pelo CD da CMVM, expressa ou tacitamente.
XLI. O B............ suspendeu (a 10MAR00 ou em qualquer outra data), o dever em que se constituiu (a 11NOV99), de lançar OPA geral das acções da C............ e do D............, e o B............ não só não cumpriu aquele dever, como se fez substituir no cumprimento do mesmo pela G.............
XLII. O CD da CMVM praticou o acto (deliberação) que permitiu que o B............ suspendesse o cumprimento daqueles deveres (nomeadamente o de lançar OPA da C............).
XLIII. O CD da CMVM praticou ainda o acto (deliberação) que permitiu ao B............ fazer-se substituir pela G............ no cumprimento do dever de lançar OPA da C............ e do D.............
XLIV. O Recorrente tem legitimidade activa e interesse em agir, pois, à data da prática dos actos lesivos, era accionista da C............ e do D............ e, portanto, destinatário da OPA cujo registo prévio foi ordenado pelo acto recorrido,
XLV. Além de que era investidor não institucional, nos termos previstos nos arts. 30º a contrario e 31º do CVM.
XLVI. A legitimidade do Recorrente é inquestionável quer na sua qualidade de accionista da C............ e do D............, quer como autor popular (art. 52º da CRP e art. 31° do Cód. VM), e como titular do interesse difuso na administração dos bens do Estado e do bom funcionamento do mercado de capitais (art. 53° do CPA).
XLVII. É inquestionável que o Recorrente, como accionista da C............ e do D............, tem interesse em que os actos recorridos sejam anulados (art. 4º, 542° al. g), e 554° do Cód. MVM), e que, consequentemente, cumprindo a lei, a Autoridade Recorrida reconheça ser devido e, consequentemente, determine ao B............ que lance a OPA geral das acções do D............ (concorrente) daquela preliminarmente anunciada pelo H............ a 19JUL99
XLVIII. Pois que da OPA a lançar pelo B............ resultará o cumprimento da lei do mercado; o pagamento da contrapartida legalmente devida aos demais accionistas da C............; de cada uma das OPA concorrentes resultará obrigatoriamente um acréscimo de, pelo menos, 5% do valor da contrapartida que obrigatoriamente deveria ter sido oferecida pelo B............ a 11NOV99 (art. 561° e ss. do Cód. MVM);
XLIX. Só a Autoridade Recorrida tem poderes para o fazer (determinar ao B............ que lance OPA geral concorrente das acções do D............).
L. Os actos recorridos consubstanciaram violações graves das regras de funcionamento do mercado de capitais, nomeadamente dos institutos do dever de anunciar preliminarmente e lançar e concretizar OPA, da suspensão e transmissão de dever, e da repartição do benefício da aquisição de participação qualificada por todos os accionistas;
LI. E causaram relevantes e ilícitos prejuízos ao Estado — accionista único da G............ para quem, por determinação do Recorrido, foi ilegalmente transferido o dever em que o B............ se constituiu de lançar OPA geral das acções da C............ e do D............ (esta concorrente).
LII. E mesmo que, por absurdo, fosse aplicável o Cód. VM, também seria evidente o “interesse directo, pessoal e legítimo do Recorrente na anulação do acto recorrido”, e na determinação ao B............, à J............ e à G............/I............, pelo Recorrido, que lançassem OPA geral das acções da C.............
LIII. Sendo certo que, por força do disposto no art. 403° do Cód. VM, a ilegalidade do registo tem como consequência a invalidade do acto e, portanto, que os destinatários da OPA — como é o caso do Recorrente, têm manifesto interesse (directo) na declaração de ilegalidade.
LIV. A Autoridade Recorrida litiga com notória má fé.
Termos em que se requer seja revogada a decisão recorrida e seja substituída por outra que reconheça e declare a ilegalidade dos actos recorridos.”
*
A RECORRIDA COMISSÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM) conclui as suas contra-alegações da seguinte forma:
“IV) DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO: CONCLUSÕES
A) Caso o Tribunal ad quem considere relevante a determinação do regime jurídico aplicável às OPA’s obrigatórias, o que não se concede, requer-se o aditamento dos seguintes factos à matéria de facto dada como provada, nos termos dos artigos 684.º-A, 690.º-A e 712.º, n.º 1, alínea a) do CPC de 61, este último aplicável ex vi do art.º 749.º do CPC, por se entender que, nesse caso, a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida é deficiente e por se encontrarem os factos em causa plenamente provados por documentos, todos eles emitidos por entidades públicas:
i) Em 19 de Janeiro de 2000, o Banco de Portugal comunicou ao B............ a sua não oposição à aquisição de participação qualificada no capital social da C............ (documento de fls. 527 do processo nº 9589/OPAA).
ii) o Ministro das Finanças proferiu, em 25 de Novembro de 1999, despacho de não oposição à aquisição de participação qualificada pelo B............ no capital da C............, que foi publicado no Diário da República de 10 de Dezembro de 1999 (documento de fls. 598 do processo nº 8678/OPAA),
iii) A não oposição da Comissão das Comunidades Europeias foi comunicada ao B............ em 11 de Janeiro de 2000 (documento de fls. 522 a 525 do processo nº 9589/OPAA).
Termos em que:
O presente recurso jurisdicional deverá ser rejeitado, nos termos do art.º 652.º, n.º 1, alínea b) do novo CPC, por ser extemporâneo.
Sem prescindir,
(ii) O presente recurso deverá ser julgado improcedente, devendo ser proferido Acórdão que confirme a sentença recorrida;
Sem prescindir,
(iii) Caso o Tribunal ad quem decida revogar a sentença recorrida e conhecer do mérito da causa, o que não se concede, sempre deverá julgar totalmente improcedente o recurso contencioso;
(iv) Caso o Tribunal ad quem considere relevante a determinação do regime jurídico aplicável às OPA’s obrigatórias nos presentes autos, requer-se a ampliação da matéria de facto dada como provada, nos termos dos artigos 684.º-A, 690.º-A e 712º, n.º 1, alínea a) do CPC de 61, este último aplicável ex vi do art.º 749º do CPC.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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O RECORRIDO H…………, apresentou as suas contra-alegações, concluindo:
“1.ª- A sentença recorrida rejeitou o recurso por ilegitimidade do recorrente, e por falta de objeto de um dos atos impugnados e irrecorribilidade dos outros dois, e deve manter-se.
2.ª- As alegações sob resposta, e as respetivas conclusões, apenas em parte se referem à sentença recorrida. Em grande parte são repetição do defendido na petição inicial e dedicam-se a tentar demonstrar a ilegalidade dos atos impugnados. Só no que se refere à impugnação da sentença recorrida importa contra-alegar, pois só isso está em causa no presente recurso, mantendo-se em tudo o mais o que se defendeu na contestação apresentada no tribunal “a quo”.
3.ª- Como é jurisprudência assente dos tribunais administrativos, os acionistas da sociedade visada não têm legitimidade para impugnar o ato de registo de OPA, pois este não os pode lesar. Deve por isso manter-se a sentença recorrida nesta parte.
4.ª- Nem o artigo 31.° do CVM — que não se aplica claramente a este recurso — nem a lei da ação popular (lei n.° 83/95), uma vez que não está aqui em causa a defesa de qualquer interesse difuso, conferem legitimidade ao recorrente para o presente recurso.
5.ª- Deve manter-se também a sentença recorrida quando conclui pela falta de objeto no que ao suposto primeiro ato impugnado diz respeito, uma vez que este ato não existe.
6.ª- A conclusão de que o ato que determina o registo é irrecorrível pelo recorrente é, como se diz na sentença recorrida, a “outra face” da sua ilegitimidade, pelo que se tem de manter.
7.ª- Tem de se manter igualmente a conclusão da irrecorribilidade da operação material de registo que nem sequer de um ato administrativo se trata.
Nestes termos e nos demais de direito aplicável, deve o recurso jurisdicional apresentado pelo Recorrente ser considerado improcedente por não provado, sendo mantida a sentença recorrida, com todos as consequências legais.”

A RECORRIDA G…………, SA, contra-alegou, sem formular conclusões.
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O Ministério Público, junto deste STA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
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FACTOS FIXADOS EM 1ª INSTÂNCIA (e relevantes para a decisão)

A) Em 19.07.1999, o Conselho de Administração do H…………, SA (H............), deliberou, além do mais:
— Tomar decisão definitiva de lançamento de oferta pública geral de aquisição tendo por objeto ações do Banco D…………, sendo a contrapartida oferecida constituída por ações ordinárias representativas do capital social do oferente H............ ou, em alternativa, por dinheiro;
— Tomar decisão definitiva de lançamento de OPA sobre ações do F…………, SA, sendo a contrapartida em dinheiro;
— Publicar aditamento ao anúncio preliminar de OPA de ações da C………… (doc. fls. 412 do processo instrutor n.° 8678/OPAA).

B) Em 19.07.1999 foi publicado o Anúncio Preliminar de lançamento de oferta pública de aquisição de ações do Banco D…………, SA, nos termos do qual se tornava pública a decisão de lançamento, pelo Banco H…………, SA, da referida OPA (doc. fls. 194 dos autos e fls. 673 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

C) Na sequência de pedidos de prorrogação de prazo, formulados pelo Banco L............, intermediário financeiro representante do H............, foram proferidos despachos pelo Presidente do CD da CMVM, em 27.09.1999 e 06.09.1999, ratificados por deliberações do CD da CMVM de 05.08.1999 e de 09.09.1999, nos termos dos quais foi prorrogado o referido prazo, primeiro até 27.09.1999 e depois até 30.10.1999 (docs. fls. 635, 629, 619, 615 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

D) Em 04.08.1999 e 08.09.1999, o L............ fez publicar anúncios comunicando a concessão das referidas prorrogações do prazo (docs. fls. 622 e 608 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

E) Em 02.11.1999 o H............ requereu à CMVM o registo da OPA sobre as ações do D............ (doc. fls. 2 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

F) Em 11.11.1999, M………… celebrou “Contrato de Permuta de Ações” com o Banco B………… (B............), nos termos do qual, na parte que releva, o primeiro transmitia ao segundo as ações contratuais aí identificadas, entre as quais se incluíam ações com direito de voto que, direta ou indiretamente, eram representativas de 51,8% do capital social da C………… (esta por sua vez titular, entre outras, de ações representativas de 53,05% do capital social do D............), sendo a transmissão feita sob condição suspensiva consubstanciada na “verificação da obtenção das declarações de não oposição por parte das Autoridades de supervisão Portuguesas (...) e das Autoridades Comunitárias de concorrência” (doc. fls. 302 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

G) Na mesma data, o B............ e a G............ celebraram “Contrato-promessa de venda de ações” relativo à subsequente aquisição, pela G............ (ou entidade em relação de domínio ou grupo com esta), da totalidade das ações das sociedades aí identificadas que perfazem uma participação de 51,8% do capital da C………… (doc. fls. 460 dos autos).

H) Em 17.11.1999, o N............ (nova denominação do L............) dirigiu uma exposição à CMVM, dando conta de alterações supervenientes, designadamente do acordo celebrado entre M………… e o Banco B………… (B............) para a transmissão, do primeiro ao segundo, das participações que lhe conferiam o controlo do grupo C…………. e de que o B............ e a G............ estavam em negociações para transmissão dessas mesmas participações pelo B............ à G............ e, ainda, de que se afigurava possível ao H............ evitar a sua desistência da OPA sobre o D............, mas que tal exigia a consideração dos factos supervenientes, que alteravam substancialmente a situação em que fora tomada a decisão de lançamento (doc. fls. 577 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

I) Na sequência de comunicação do H............ à CMVM da sua intenção de manter a oferta, o CD da CMVM deliberou, em 18.11.1999, fixar o termo final do prazo para a instrução completa do processo de registo da OPA em 2 dias úteis após o H............ ser notificado da apreciação da operação pelo BdP (docs. fls. 582 e 561 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

J) Em 02.02.2000, a G............ remeteu Nota Informativa à CMVM, na qual se referia, além do mais, que fora estabelecido consenso entre o B............ e G............, na sequência de contrato-promessa celebrado em 11.11.1999, no sentido de aquele vender a esta as participações que asseguram o controlo da C…………, correspondentes a 51.8% do respetivo capital social e direitos de voto; solicitando-se, nessa comunicação, que a CMVM transmitisse a sua posição sobre “os momentos em que se constituem as obrigações de lançamento das OPAs para ambas as partes no contrato-promessa” e sobre o “uso da faculdade de suspensão dos deveres de lançamento de OPA, nos termos do artigo 190.º” (doc. fls. 868 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

K) Em 03.03.2000, o B............ adquiriu a M………… as participações que lhe conferiam o controlo do grupo C............ (cfr. doc. fls. 891 do processo instrutor n.º 9589/OPA).

L) Em 03.03.2000, o Conselho Diretivo da CMVM deliberou informar a G............, além do mais, que:
“1. O B............ constitui-se no dia 3 de março no dever de lançar OPA sobre a C………… e sobre as sociedades abertas por esta dominadas;
2 - No prazo de 5 dias úteis a contar daquela data o B............ pode exercer o direito de suspender o lançamento das ofertas, nos termos do artigo 190.º do CVM; (...)
5 - Dado que (...) da transmissão do B............ à G............ resultará uma situação de domínio sobre a C………… por parte da G............, esta constitui-se no dever de lançar OPA (...)
7 - O valor da contrapartida nas ofertas a lançar pela G............ não pode ser inferior ao que é devido pelo B............, ainda que este exerça o direito de suspender o dever de lançar as referidas ofertas (…)” (doc. fls. 882 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

M) Em 10.03.2000 o B............ comunicou à CMVM “que, nos termos do artigo 190.º, vem exercer o direito de suspender o dever de lançamento da OPA sobre a Companhia de Seguros C………… e demais entidades do grupo, juntando projeto do anúncio respetivo (...)” (doc. fls. 888 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

N) Na mesma data, o B............ emitiu Comunicado, tornando público que “mediante comunicação dirigida à CMVM, nos termos e para os efeitos do artigo 190.º do CódVM, exerceu o seu direito de suspensão do dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição sobre a Companhia de Seguros C…………, Banco D…………, Banco E………… e F…………”, com o seguinte fundamento: “A suspensão do dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição sobre as referidas sociedades fundamenta-se no compromisso assumido pelo B............ de, no prazo legal, alienar à G............ ou a entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, a totalidade das ações representativas do capital social e direitos de voto das sociedades (...) por via das quais o B............ detém um número de ações representativo de 53.05% da totalidade do capital social, a que correspondem 52.43% dos direitos de voto, da Companhia de Seguros C………… (...).// Mais se comunica que por força do disposto no n.º 3 do artigo 190.° do CódVM estão inibidos todos os direitos de voto inerentes às ações (...)” (doc. fls. 390 dos autos e fls. 893 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

O) Em 22.03.2000, o H............ dirigiu à CMVM, cautelar e preventivamente, pedido de autorização para adquirir à G............ uma participação qualificada no capital social do D............, de que aquela se iria tornar titular quando adquirisse, ao B............ a participação no capital da C............ (doc. fls. 554 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

P) Em 31.03.2000 o CD da CMVM deliberou, além do mais, autorizar a aquisição de ações do D............ pelo H............ e determinar ao oferente a introdução das necessárias alterações ao anúncio preliminar por forma a obedecer às regras aplicáveis ao lançamento de uma OPA obrigatória (doc. fls. 499 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

Q) Em 31.03.2000 o H............ celebrou contrato com a G............ pelo qual comprou a participação de 53,05% do capital do D............ pelo preço que estava preliminarmente anunciado para a OPA do H............ sobre as ações do D............ (doc. fls. 512 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

R) Em 05.04.2000, a G............, através da sua subsidiária I............ SGPS, SA, adquiriu a totalidade dos capitais sociais das sociedades dominantes da C………… (cfr., entre outros, o doc. fls. 949 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

S) Em 06.04.2000, o Banco de Portugal transmitiu ao H............ a não dedução de oposição à OPA do H............ sobre o D............ (doc. fls. 403 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

T) Em 07.04.2000, o H............ comunicou à CMVM que tinha adquirido ações representativas de 53,05% do capital do D............ (doc. fls. 421 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

U) Em 19.04.2000, a I............, SGPS, SA (sociedade detida a 100% pela G............, SA) publicou anúncio preliminar de lançamento de oferta pública de aquisição de ações da Companhia de Seguros C…………, com uma contrapartida de Oferta de €59,653 por ação da C............, a pagar em numerário (doc. fls. 391 dos autos e doc. fls. 961 do processo instrutor n.º 9589/OPAA).

V) Por deliberação do CD da CMVM de 11.05.2000, com os fundamentos da Informação n.º DE/2000/214, foi deliberado proceder ao registo e à aprovação do prazo da oferta da OPA, na modalidade de oferta pública de troca, lançada pelo H............ sobre ações representativas do capital social do D............ (doc. fls. 39 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

W) Na referida Informação n.º DE/2000/214 refere-se o seguinte no que respeita ao “relatório do Conselho de Administração da sociedade visada [D............]”:
“O Conselho de Administração da sociedade visada apresentou as informações obrigatórias nos termos do n.º 2 e n.º 5 do artigo 540.º do CódMVM, no prazo inicialmente previsto, portanto, numa fase em que a oferta era claramente entendida pelo Conselho de Administração da visada como hostil. Contudo, a 20 de abril de 2000 foi remetido novo relatório, no qual o CA da visada se limita a transmitir as informações obrigatórias requeridas pelo artigo 540.º e declara sem efeito os relatórios preliminar e definitivo anteriormente emitidos.” (doc. fls. 48 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

X) A concessão do registo, sob o n.º 8845, foi notificada ao oferente H............ e comunicada ao D............ e ao N…………, no dia 11.05.2000 (docs. fls. 33/38 do processo instrutor n.º 8678/OPAA).

Y) O presente recurso contencioso deu entrada em juízo em 28.02.2001 (doc. fls. 2).

Z) Na mesma data o aqui recorrente deu entrada ao recurso contencioso, que corre termos neste tribunal com o n.º 171/02, contra a CMVM (como entidade recorrida) e o B............, a G............ e a I............ (como contra-interessados) que tem por objeto os seguintes três atos: ato de 10.03.2000 do CD da CMVM; ato de 12.05.2000 do Presidente do CD da CMVM que determinou que se procedesse ao registo prévio da OPA das ações representativas da Companhia de Seguros C…………, preliminarmente lançada pela I............; e ato de registo prévio daquela OPA sob o n.º 8.850.
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O DIREITO
QUESTÕES DE QUE CUMPRE CONHECER
A questão que importa começar por conhecer é a da intempestividade do recurso jurisdicional suscitada pela autoridade recorrida nas contra-alegações.
Seguidamente há que conhecer da bondade da decisão recorrida quanto à procedência das exceções invocadas pelos recorridos como sejam a da ilegitimidade ativa, impossibilidade (falta de objeto) do pretenso ato da CMVM, de 10/03/2000 e irrecorribilidade dos atos de registo assim como do erro na improcedência da litigância de má fé da autoridade recorrida.
Pelo que, e como bem se refere no parecer do MP se impõe frisar que “qualquer questão respeitante ao mérito do recurso contencioso não integra o objeto do presente recurso jurisdicional, na medida em que a decisão da rejeição do recurso contencioso obstou à sua apreciação e à emissão de qualquer pronúncia nesse âmbito.”
E, também está fora do objeto deste recurso jurisdicional por não ter sido objeto de qualquer decisão na sentença recorrida visto não constituir objeto do recurso contencioso de anulação em 1ª instância por se tratar de atos não impugnados na petição de recurso, o alegado nas conclusões XXXII a XXXVII das alegações do recorrente.
Quanto à ordem de conhecimento das exceções e questões prévias no âmbito da LPTA, esta nada refere expressamente.
Contudo, e como refere o MP, no âmbito deste mesmo diploma a corrente jurisprudencial tem sido no sentido de que a ordem de conhecimento das questões suscitadas há-de começar pelas condições de existência do próprio processo - onde se inclui a irrecorribilidade do ato impugnado - e, só depois, se for caso disso, das condições de procedibilidade ou pressupostos processuais.
Como se extrai do acórdão deste STA 0731/03 de 23/9/2004: “(...)Importa conhecer das diversas questões prévias colocadas pela autoridade recorrida e pelas recorridas particulares: a irrecorribilidade do acto, a ilegitimidade dos recorrentes e a extemporaneidade do recurso. O conhecimento dessas questões terá que obedecer a um qualquer critério, uma vez que a procedência de uma delas poderá prejudicar o conhecimento de uma ou das restantes. Haverá de iniciar-se a abordagem por uma ordem sequencial determinada pela lógica, pela ordem natural das coisas (Acórdão STA de 1.6.95 no recurso 35993 (no mesmo sentido os acórdãos de 3.5.94 no recurso 31091, de 19.10.95 no recurso 34201, de 5.12.01 no recurso 46678 e de 14.1.04 no recurso 1575/03). "Se nos ativermos à destrinça entre o direito ao recurso e o direito material à anulação do acto recorrido, impõe-se começar por indagar das condições de existência do próprio processo e, só depois, se for caso disso, das condições de procedibilidade ou pressupostos processuais, e finalmente das condições de procedência. Na hipótese vertente, tal entendimento conduz a que o conhecimento das questões prévias suscitadas se inicie pela verificação da existência do objecto do recurso, a que se seguirá, se for necessário, o da extemporaneidade, quer se considere como pressuposto processual ou condição de procedência". Trata-se de uma consequência imediata do disposto no art.º 46, n.º 1 do RSTA, segundo o qual "os recursos contenciosos podem ser interpostos pelos que tiverem interesse directo, pessoal e legítimo na anulação do acto administrativo".
Pelo que, deverá começar por se conhecer da falta de objeto, da irrecorribilidade dos atos e, se for caso disso, da ilegitimidade do aqui recorrente e, por fim, da litigância de má-fé.
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INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO
A autoridade recorrida suscita nas suas contra-alegações a questão da extemporaneidade do recurso jurisdicional nos termos do art.º 652.º, n.º 1, alínea b) do novo CPC embora nas conclusões não referira expressamente os motivos.
Antes, nas conclusões das alegações parece fazer concluir a referida extemporaneidade do recurso jurisdicional dos seguintes factos a acrescentar:
“ _ Em 19 de Janeiro de 2000, o Banco de Portugal comunicou ao B............ a sua não oposição à aquisição de participação qualificada no capital social da C............ (documento de fls. 527 do processo nº 9589/OPAA).
_o Ministro das Finanças proferiu, em 25 de Novembro de 1999, despacho de não oposição à aquisição de participação qualificada pelo B............ no capital da C............, que foi publicado no Diário da República de 10 de Dezembro de 1999 (documento de fls. 598 do processo nº 8678/OPAA),
_ A não oposição da Comissão das Comunidades Europeias foi comunicada ao B............ em 11 de Janeiro de 2000 (documento de fls. 522 a 525 do processo nº 9589/OPAA).”
Só que estes factos nada têm a ver com a fundamentação da intempestividade suscitada no decurso das alegações.
Na verdade, estes fundamentos não dizem respeito a qualquer intempestividade do recurso jurisdicional mas antes à ampliação da matéria de facto caso o tribunal entenda ser relevante o regime a aplicar.
Por outro lado a questão da tempestividade do recurso contencioso de anulação é matéria que já transitou em julgado nos presentes autos.
Efetivamente, e como consta supra do relatório, em 30.11.2006 foi proferida decisão que rejeitou o recurso por extemporaneidade que veio a ser revogada por acórdão deste STA de 30.10.2007, já transitado em julgado.
Contudo, nas contra-alegações, de 24 a 40, a recorrente invoca, sim, como fundamentos da extemporaneidade do recurso jurisdicional que, tendo a decisão recorrida sido proferida após a entrada em vigor do novo CPC, é aplicável o regime decorrente do DL 303/2007 de 24/8, com as alterações introduzidas pela Lei 41/2013 de 26/6, pelo que, tendo as partes sido notificadas do despacho de admissão de recurso por ofício por correio registado em 03/09/2014, o limite para apresentar as alegações seria 11/10/2014.
Conclui que, ao apresentar as alegações em 31/10/2014, o aqui recorrente fê-lo intempestivamente.
É este, pois, o fundamento a considerar para a referida intempestividade do recurso jurisdicional.
Para fundamentar a aplicabilidade do novo CPC refere a autoridade recorrida que, por força do art. 7º da Lei 41/2013 de 26/6, aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da nova lei em ações instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008, se aplica o regime do DL 303/07 de 24/8, com exceção do nº 3 do art. 671º do CPC.
Mas, não é assim.
O referido art. 7º da Lei 41/2013 de 26/6 em nada altera o que se passa relativamente aos recursos contenciosos de anulação, relativamente aos quais, mesmo antes da sua entrada em vigor, não eram aplicáveis, e no que aqui está em causa, as normas do anterior CPC.
Na verdade, o recurso contencioso de anulação a que se reportam estes autos foi interposto ao abrigo do art. 51º nº 1 al. a) do ETAF de 1984, ao qual era aplicável ao tempo da sua interposição, a LPTA, aprovada pelo DL 267/85, de 16/7.
Ora, esta Lei aplicável, foi revogada pelo art. 6º da Lei 15/2002 de 22/2, que aprovou o CPTA e, nos termos de cujo art. 5º nº 1, expressamente se refere que as disposições do novo Código não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que foi 1/1/04 (art. 7º na redação dada pelo art. 2º da Lei 4-A/03 de 19/2).
É, pois, aplicável o regime previsto no art 102º da LPTA, e nomeadamente o referido art. 106º quanto à apresentação de alegações, não sendo aqui aplicável o regime de recursos previsto no art. 7º, nº 1 da Lei nº 41/2003, de 26 de junho, no que respeita concretamente ao modo e prazo de interposição do recurso e à apresentação de alegações, nos termos dos arts 637º, nº 2; 638º, nº 1 e 641º, n º 2, b), todos do novo Código de Processo Civil.
Relativamente ao prazo já será diferente já que o prazo de 20 dias estabelecido no artigo 106.º da LPTA passou a ser de 30, contado continuamente, por força das alterações introduzidas no CPC pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25/9 (cfr. o artigo 6.º, n.º 1, alínea e) deste diploma e o artigo 144.º, n.º 1 do CPC).
Improcede, pois, a questão prévia suscitada.
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FALTA DE OBJETO
Vem o recorrente impugnar a decisão recorrida na parte em que esta rejeita o recurso com fundamento em falta de objeto quanto ao ato do Conselho Diretivo da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), de 10/3/2000, que determinou a suspensão do dever do Banco B………… (B............) de lançar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das ações representativas do capital social da Companhia de Seguros C…………, do Banco D…………, do Banco E………… e do F…………, e permitiu ao B............ fazer-se substituir pela G………… no cumprimento daquele dever, ao abrigo dos arts 190º e 191º, n º 2 do CVM.
Para tanto alega que este ato foi efetivamente praticado pelo Conselho Diretivo da autoridade recorrida e que, através dessa deliberação, ela permitiu que o B............ suspendesse o cumprimento daquele dever bem como se fizesse substituir pela G............ nesse cumprimento - cf. conclusões XXXI, XLII e XLIII.
Contudo, não resulta da matéria de facto provada, nomeadamente alíneas M) e N) que tenha existido tal ato.
Então vejamos.
Aquelas alíneas M) e N) reportam-se à efetuação naquela data (10/3/2000) da comunicação do B............ à CMVM do exercício do seu direito de suspender o dever de lançamento da OPA sobre a Companhia de Seguros C…………, nos termos do art 190º do Código dos Valores Mobiliários (CVM).
E de que, na mesma data, o B............ emitiu comunicado, tornando público que mediante comunicação dirigida à CMVM, nos termos e para os efeitos do artigo 190.º do CódVM, exerceu o seu direito de suspensão do dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição sobre a Companhia de Seguros C…………, Banco D…………, Banco E………… e F………… fundamentando-se no compromisso assumido pelo B............ de, no prazo legal, alienar à G............ ou a entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo, a totalidade das ações representativas do capital social e direitos de voto das sociedades.
Diz-se na decisão recorrida:
“...Resulta dos factos provados que não existe qualquer ato do CD da CMVM, datado de ...ou de qualquer outra data, que tenha autorizado ou permitido a suspensão do dever de lançamento da OPA por parte do B............ ou que tenha autorizado ou permitido a alegada substituição deste pela G............/I.............
Sublinhe-se que não está em causa uma situação de falta de transcrição do ato, de errada identificação do ato ou de falha de instrução dos presentes autos de recurso, mas antes, como a seguir veremos, da constatação de que tal ato não existiu, nem podia ter existido, por não se encontrar legalmente previsto.
O que se provou é que o B............ tomou a decisão de exercer “o seu direito de suspensão do dever de lançamento de OPA” sobre a C............ (e demais sociedades do grupo), que essa decisão foi comunicada à CMVM e publicitada, pelo B............, em 10.03.2000. Tal decisão do B............ foi tomada por esta entidade, “nos termos e para os efeitos do artigo 190.º do CódVM” e fundamentou-se, expressamente, no compromisso, assumido pelo B............ de, no prazo legal, alienar à G............ (ou a entidade que com ela esteja em relação de domínio ou de grupo), a totalidade das ações representativas do capital social e direitos de voto das sociedades por via das quais o B............ detém um número de ações representativo de 53.05% da totalidade do capital social da Companhia de Seguros C………….
Segundo a tese do Recorrente, a CMVM teria que ter praticado um ato que permitisse ao B............ suspender o cumprimento do seu dever de lançamento de uma OPA para aquisição da totalidade do capital da C............ e empresas participadas por esta, bem como que permitisse ao B............ que se fizesse substituir pela G............/I............ no cumprimento desse dever.
Contudo, este entendimento é frontalmente contrariado pelo regime legal aplicável.
Nos termos do disposto no citado artigo 190.º/1 do CódVM (que, recorde-se, já se encontrava em vigor naquela data e que foi expressamente invocado na decisão de suspensão tomada pelo B............), “[O] dever de lançamento de oferta pública de aquisição fica suspenso se a pessoa a ele obrigada, em comunicação escrita dirigida à CMVM no prazo de 5 dias úteis após a ocorrência do facto constitutivo do dever de lançamento, se obrigar a pôr termo à situação nos 120 dias subsequentes.
Ou seja, a suspensão do dever de lançamento da OPA é uma decisão daquele sobre quem recai tal dever, que apenas está dependente de o interessado se obrigar a pôr termo à situação que originou o dever de lançamento de OPA nos 120 dias subsequentes, através da alienação (a determinadas entidades que reúnam determinadas caraterísticas) de valores mobiliários bastantes para que os seus direitos de voto se situem abaixo dos limites a que se refere o artigo 187.º do CódVM (cfr. artigo 190.º/2). Como se explicita no preâmbulo do diploma que aprovou o Código de Valores Mobiliários, a figura da suspensão do dever de lançamento de oferta, que foi inovatoriamente introduzida neste Código, visa situações em que o “domínio seja conjuntural” (por oposição às situações de “domínio efetivo”).
Assim, a suspensão do dever de lançamento da OPA corresponde ao exercício, não de um direito subjetivo comum, mas de um direito potestativo, por parte daquele sobre quem recai o dever legal de lançar tal OPA (neste sentido v. Paulo Câmara, “O Dever de lançamento de Oferta Pública de Aquisição no Novo Código de Valores Mobiliários”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, 7, Abril 2000, 196-269, 255).
Relembre-se que o direito potestativo se carateriza por implicar “um poder de alterar, unilateralmente, através de uma manifestação de vontade, a ordem jurídica” (seguindo o ensinamento de Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 1 — Parte Geral, T.I, 2ª ed., 2000, 171). É precisamente o que carateriza a suspensão do lançamento de OPA, que apenas está dependente de uma manifestação de vontade do interessado no sentido de alienar as suas participações num determinado prazo, por forma a colocar-se abaixo da fasquia constitutiva do dever de lançar a OPA.
É certo que o regime de suspensão do dever de lançamento de OPA, previsto no citado artigo 190.º, estabelece a obrigatoriedade de comunicação da decisão de suspensão à CMVM. Contudo, a decisão de suspensão não cabe à CMVM, nem carece de autorização desta, pois trata-se de uma decisão unilateral do interessado (uma manifestação de vontade no âmbito da sua autonomia privada) que, depois de tomada, deve ser comunicada à entidade reguladora.
Do exposto resulta, com clareza, que a lei não prevê que a CMVM possa praticar qualquer ato que “permita” ou “autorize” a suspensão do dever de lançamento da OPA, antes prevê que esta é uma decisão potestativa do interessado, na esfera da sua autonomia e apenas dependente de comunicação subsequente àquela entidade.
Da mesma forma, não se encontra legalmente prevista qualquer competência da CMVM para autorizar substituições (subjetivas) no cumprimento do dever de lançamento de uma OPA. A substituição do oferente no cumprimento desse dever, prevista no artigo 191.º/2 do CódVM, é um ato voluntário do oferente e corresponde, ainda, ao cumprimento do dever de lançar a OPA (cujos termos iniciais se manterão inalterados), embora por pessoa diversa do inicialmente obrigado, o qual, para esse efeito, deve desde logo anunciar a intenção de se fazer substituir (cfr. artigo 191.º/1 e 2, de onde parece resulta a necessidade de a substituição ser publicitada logo no anúncio preliminar da oferta). Acresce que, no caso em apreço, nem sequer se pode dizer que estejamos perante uma situação de substituição, em sentido próprio, uma vez que o B............ suspendeu o seu dever de lançamento de OPA, a qual só veio a ser lançada pela I............, agindo como titular de um dever próprio (e não como substituta do B............, em cumprimento de um dever do B............).
O acima exposto não é contrariado pelo facto de, em 03.03.2000, o CD Diretivo da CMVM ter deliberado informar a G............ (na sequência de solicitação desta) sobre o seu entendimento sobre o regime de suspensão do lançamento das ofertas e sobre o eventual dever de lançamento de OPA por parte da G............. Tal informação (que, aliás, não vem impugnada pelo Recorrente) não constitui um ato administrativo recorrível, mas apenas um ato opinativo, insuscetível de produzir efeitos na ordem jurídica, para além da expressão de um entendimento sobre o quadro jurídico aplicável.
Além disso, a conclusão a que se chegou — no sentido da inexistência e da impossibilidade legal de existência do primeiro “ato” recorrido — não implica que os direitos de suspensão ou de substituição, previstos no CódVM, possam ser exercidos sem limite ou de forma abusiva.” Daqui conclui que cabe à CMVM apurar a existência de desvios às regras legais, no âmbito dos seus poderes de supervisão sem que com isso seja alterada a natureza jurídica da realidade aqui em causa assim como a inexistência de qualquer ato administrativo de permissão/autorização da suspensão (ou da substituição) do dever de lançamento de OPA, que possa ser objeto de recurso contencioso de anulação.
Pelo que, não existe o referido ato identificado como “ato de 10.03.2000 do Conselho Diretivo da CMVM, que determinou a suspensão do dever do Banco B………… (B............) de lançar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das ações representativas do capital social da Companhia de Seguros C………… (C............), do Banco D………… (D............), do Banco E………… (E............) e do F………… (F............), e permitiu ao B............ fazer-se substituir pela G............ no cumprimento daquele seu dever, ao abrigo dos artigos 190.º e 191.º/2 do CVM.
Pretende o recorrente que não é aqui aplicável o CódVM, aprovado pelo DL no 486/99, de 13NOV, cuja entrada em vigor ocorreu a 1MAR00, salvo na parte respeitante às OPA’s obrigatórias, que ocorreu a 28DEZ99, mas antes o CódMVM, aprovado pelo DL nº 142-A/91, de 10ABR, c/sucessivas alterações.
O que, a seu ver, interfere na questão da possibilidade ou impossibilidade legal de o obrigado suspender o dever de lançar OPA, assim como de verificar da existência dos pressupostos do exercício de tal direito e da legalidade da suspensão, nomeadamente se esta carece de um ato autorizativo da CMVM, expresso ou tácito.
Invoca o recorrente assim, que, se não existiu ato expresso, pelo menos existiu ato tácito.
Contudo, na petição de recurso, em 1ª instância, o recorrente não pretende sindicar qualquer ato tácito de autorização/aprovação/permissão de não oposição à suspensão do dever de lançamento de OPA e de substituição do B............ pela G............ no cumprimento do dever de lançamento de OPA.
Ora, os recursos contenciosos de anulação e no âmbito da LPTA são de mera legalidade e têm por objeto a declaração da invalidade ou anulação dos atos recorridos, sendo possível a impugnação de atos tácitos nos termos do art. 33º da LPTA.
A instância define-se com o objeto do recurso que foi fixado na petição de recurso, que, no caso, entre outros, foi o ato de 10/3/00 como ato expresso, sendo que não houve qualquer referência a ato tácito, senão nas alegações de recurso jurisdicional.
Não resulta da matéria de facto fixada a existência de qualquer ato da CMVM a determinar a suspensão do dever do B............ de lançar OPA ou qualquer ato relativo à substituição do B............ pela G............ de 10.03.2000 ou de qualquer outra data posterior a 11.11.1999 nem a existência de quaisquer deliberações que suportem tal suspensão.
Apenas, agora, em sede de recurso jurisdicional, vem invocada a existência de ato tácito a permitir aquela suspensão.
Daí a irrelevância do regime legal em vigor para a questão da existência ou falta de objeto do recurso relativamente ao ato praticado em 10/3/00.
Apenas resulta provado nos autos que o B............ decidiu exercer o direito de suspensão do dever de lançamento de OPA sobre o D............, a C............, o E............ e o F............, no âmbito do art. 190º do CVM, o que foi comunicado à CMVM e publicitado, pelo B............, em 10.03.2000.
A existência ou não no plano dos factos dum ato por parte da CMVM nada tem que ver ou contende com o regime legal aplicável ao procedimento.
Este pode determinar a sua prática ou pode nem prever ou não permitir a sua prática, mas daí nada se poderá extrapolar quanto à sua existência no plano naturalístico já que ou o órgão o praticou ou não.
Daí que neste e para este contexto se torne irrelevante a análise do quadro normativo já que não existiu qualquer ato de 10/3/00, ou de outra qualquer data, a determinar aquela suspensão.
Em suma, não existindo o ato identificado como “ato de 10.03.2000 do Conselho Diretivo da CMVM, que determinou a suspensão do dever do Banco B………… (B............) de lançar a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das ações representativas do capital social da Companhia de Seguros C………… (C............), do Banco D………… (D............), do Banco E………… (E............) e do F………… (F............), e permitiu ao B............ fazer-se substituir pela G............ no cumprimento daquele seu dever, ao abrigo dos artigos 190.º e 191.º/2 do CVM” carece o recurso de objeto nesta parte.
Em suma, torna-se irrelevante a questão de saber qual a legislação aplicável por inexistir qualquer ato proferido em 10/3/00 pelo CD da CMVM a permitir que o B............ suspendesse o cumprimento do dever de lançar OPA da C............ e a permitir ao B............ fazer-se substituir pela G............ no cumprimento do dever de lançar OPA da C............ e do D.............
O que significa que é de negar provimento ao recurso nesta parte.
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IRRECORRIBILIDADE DOS ATOS DE REGISTO
Vem o recorrente, também, sindicar a decisão recorrida relativamente ao entendimento nela sufragado quanto à irrecorribilidade do despacho de 11MAI00 pelo CD da CMVM, que determinou se procedesse ao registo prévio na CMVM da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da totalidade das ações representativas do capital social do D............ e do próprio registo prévio daquela OPA na CMVM (sob o n° 8.845)
Para tanto alega que os mesmos são atos administrativos contenciosamente recorríveis nos termos art. 268°, nº 4, da CRP, dos arts. 120°, 158° e ss., do CPA, dos arts. 3º, 4º a contrario, 6º, do ETAF, art. 25º, da LPTA, arts. 1º e ss. do Estatuto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (aprovado pelo DL nº 473/99, de 8NOV), arts. 523° a 606° do CMVM (CMVM - Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo DL 142-A/91, de 10ABR), e arts. 114° a 119°, 187° a 193°, 360°, 361° e 365° do CVM, já que deram origem a uma relação pública jurídico-administrativa que tem por sujeitos a autoridade recorrida, o B............, a G............, a I............, o Recorrente e os demais acionistas da C............ e do D............, foram praticados por um órgão da administração pública, no exercício de poderes públicos e ao abrigo de normas de direito público, definindo a sua situação jurídica e sendo lesivos do regular funcionamento do mercado de capitais, do princípio da proteção dos investidores e dos seus direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos.
Entendeu-se na decisão recorrida que:
“...conclui-se que a decisão que determinou o registo da OPA não consubstancia um ato recorrível por terceiros (não proponentes no procedimento de registo), porquanto é insuscetível de lesar ou de produzir quaisquer efeitos constitutivos nas respetivas esferas jurídicas (as quais estão pré-conformadas pelo ato objeto de registo). Esta “irrecorribilidade” constitui, em rigor, a outra face da mesma questão, já analisada, da ilegitimidade do Recorrente para a impugnação judicial do ato de registo da OPA.
Cumpre ainda dizer que o ato da CMVM de 11.05.2000 apenas deliberou que se procedesse ao registo e à aprovação do prazo da oferta da OPA, lançada pelo H............ sobre ações representativas do capital social do D............, tomando como seus os fundamentos da citada Informação n.º DE/2000/214. Contrariamente ao invocado pelo Recorrente, tal ato não “aprovou o relatório do CA do D............, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 540.º e 554.º do CódMVM”. Como resulta claro do teor do citado ato e respetiva fundamentação (cfr. factos provados supra), aí apenas se faz referência ao relatório do CA do D............ (sociedade visada na OPA), com a menção de que o “Conselho de Administração da sociedade visada apresentou as informações obrigatórias, nos termos do n.º 2 e n.º 5 do artigo 540.º do CódMVM”.
Nos termos do nº 4 do artº 268° da CRP e do art° 25°, nº 1 da LPTA (aplicável ao tempo), só são suscetíveis de recurso contencioso “...os atos definitivos e executórios.”
A revisão constitucional de 1989 determinou um importante alargamento da recorribilidade, ao introduzir o direito de recurso contencioso contra quaisquer atos administrativos lesivos de direitos dos particulares.
Por outro lado deve considerar-se que, face à entrada em vigor do CPA (DL nº 442/91 de 15/11 e respetivas alterações) e como vem referido no Acórdão do Pleno deste STA de 18/4/2002, rec. 44067:
“Não nos fornecendo a LPTA um conceito de acto administrativo, importa ter em conta a definição contida no art. 120° do CPA, segundo o qual "Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta".
É certo que, como advertem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim (Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, pg. 547), a limitação conceptual ínsita na expressão inicial do preceito revela o propósito não dogmático da definição adoptada, permitindo a eventual adopção de outra definição para efeitos contenciosos.
Mas não é menos certo que esta definição se reconduz, no essencial, aos elementos tradicionalmente apontados pela doutrina e pela jurisprudência como caracterizadores do ato administrativo numa perspectiva não apenas procedimental, mas contenciosa.
Aliás, o conceito de ato administrativo tem sido sempre recortado com base em considerações de natureza jurisdicional, figurando e delimitando comportamentos da Administração em função da sua fiscalização contenciosa.
Perspectiva acrescidamente colocada pela configuração da garantia contenciosa prevista no art. 268°, nº 4 da Constituição, norma que delimita os comportamentos da Administração susceptíveis de recurso contencioso para fins de garantia dos particulares.
Ora, o conceito de ato administrativo tradicionalmente acolhido numa perspectiva contenciosa, ou seja, de delimitação do objecto do recurso contencioso (e que, como se disse, não se afasta, no essencial, da noção do CPA) aponta-o, em termos estruturantes, como uma decisão autoritária e unilateral de um órgão da Administração, ao abrigo de normas de direito público, que visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (Cfr. Rogério Soares, Direito Administrativo, Coimbra, 1978, pg. 76; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. III, pg. 66; Marcello Caetano, Manual, I, pg. 428; e Mário Esteves de Oliveira e outros, loc. cit., pg. 550.)”
Assim, são contenciosamente recorríveis, todos os atos administrativos, sejam preparatórios ou constituam resoluções finais do procedimento, sejam internos ou externos, constituam decisões provisórias ou definitivas, desde que consubstanciem lesão de direitos ou interesses legítimos dos particulares, tudo isto em ordem a um cabal cumprimento do princípio da plenitude e efetividade da proteção dos particulares perante a Administração.
Pelo que, ato lesivo será o que projeta os seus efeitos negativos na esfera jurídica do interessado, afetando direitos ou interesses deste legalmente protegidos.
Ora, o ato de concessão ou de recusa do registo da oferta pública de aquisição em nada define a situação jurídica do aqui recorrente, que não é sujeito na referida relação jurídica.
O registo é uma declaração de legalidade da CMVM sobre a oferta e, portanto condição de regularidade do lançamento da OPA, significando que a considera em conformidade com os requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
Do artigo 542º daquele CMVM resulta que a recusa do registo apenas poderá ocorrer nas circunstâncias aí previstas, e que não ocorrendo implicará que a CMVM proceda ao registo da oferta nos termos do art. 543º nº 1.
Resultando do art. 543º nº 2 que:” - A concessão do registo significa que a CMVM considera a oferta conforme com a legislação aplicável, mas não envolve por parte dela qualquer garantia ou responsabilidade quanto à veracidade da informação prestada pelo oferente, nem qualquer juízo sobre a oportunidade, conveniência ou adequação económica e financeira da operação.”
No mesmo sentido o art. 118º nº 2 do CVM:
“O registo baseia-se em critérios de legalidade, não envolvendo qualquer garantia quanto ao conteúdo da informação, à situação económica ou financeira do oferente ou do emitente, à viabilidade da oferta ou à qualidade dos valores mobiliários.”
Pelo que, este ato apenas poderá causar prejuízos na esfera jurídica do oferente quando ocorra recusa de registo ou quando o registo ocorra em condições diferentes das propostas.
Já, quanto à esfera jurídica dos potenciais destinatários de uma OPA, o ato de registo não é lesivo por não ser afetada a esfera jurídica dos destinatários da OPA ou daquilo que são os interesses individuais homogéneos ou coletivos dos investidores não qualificados em instrumentos financeiros considerando que se trata duma ação popular instaurada nos termos art. 31.º CVM.
Não podemos esquecer que o lançamento de uma OPA (oferta pública de aquisição) no mercado de capitais constitui um ato jurídico de direito privado ao qual é aplicável o artigo 405.º do CCivil que confere aos interessados uma ampla margem de atuação e livre escolha, desde que respeitados os limites e as normas legais imperativas.
O ato de registo é uma condição de regularidade do lançamento da OPA não interferindo com as condições de validade da mesma.
Daqui podemos, pois, concluir que o recorrente não é parte nem destinatário do ato do registo, de cujo processo gracioso não fez parte, mas tão-só da oferta pública de aquisição sendo que esta se desenvolve, não no âmbito de uma relação jurídica administrativa, mas de uma relação jurídica de direito privado entre o oferente e o detentor daqueles títulos.
Pelo que, o ato que delibera conceder o registo não projeta efeitos lesivos na sua esfera jurídica enquanto titular de valores mobiliários que são objeto da OPA, já que a eliminação deste ato da ordem jurídica mantém na sua total vigência a deliberação da oferta pública de aquisição, que se mantém válida.
Aliás, o próprio recorrente reconhece, nas suas alegações de recurso, a falta de lesão efetiva para a sua esfera jurídica por parte do ato de concessão de registo da OPA da totalidade das ações do D............ anunciada pelo H............, ao sustentar que o pagamento da contrapartida legalmente devida aos acionistas resultaria do lançamento pelo B............ de OPA geral das ações do D............ concorrente daquela, através de um acréscimo de, pelo menos, cinco por cento do valor da contrapartida que obrigatoriamente deveria ter sido oferecida pelo B............, em 11NOV99 (art 561º e ss do CMVM) – cf. conclusões XLVII, XLVIII e XLIX.
Ou seja, a alegada lesão resulta da falta de lançamento da OPA concorrente por parte do B............ e não do ato que determinou o registo da OPA das ações do D............ anunciada pelo H.............
O ato que ofende a esfera jurídica do recorrente é ato jurídico-privado de oferta pública de aquisição e respetivas condições, ato esse cuja validade o aqui recorrente teria de sindicar através de ação a interpor nos tribunais comuns, por estar em causa uma relação jurídico-privada, entre o oferente da OPA e os acionistas da sociedade visada.
Assim, a anulação da deliberação do registo não conduz ao efeito aqui pretendido de lançamento de uma OPA pelo B............ já que a oferta pública de aquisição é por natureza um ato voluntário do oferente que não depende de autorização administrativa – cf. artºs 526º, 527º, 528º e 531º do CMVM e artºs 175º, 187º, 192º e 193º do CVM.
A este propósito disse-se no recurso 37.518 de 13/5/97 deste STA:
“(...) Porém, da anulação do acto de registo não derivaria para os recorrentes nenhum destes efeitos, porque as operações de compra e venda dos títulos representativos do capital da O………… efectuados à sombra da OPA não deixariam de produzir os efeitos centrais da transmissão da respectiva propriedade se o registo fosse anulado, como deriva do disposto no art 534º do CMVM que vincula o oferente a lançar a oferta em virtude da deliberação do Conselho de Administração e da sua publicitação pelo anúncio preliminar.
Na verdade, o artigo 534º do Código do Mercado de Valores Mobiliários aprovado pelo DL nº 142-A/91 dispõe no nº 1 que o oferente de uma aquisição pública, logo que tome a decisão de a lançar, deve entregar uma cópia de anúncio ao órgão de administração da sociedade visada e outro à CMVM, bem como à bolsa ou bolsas em que estejam admitidos os títulos a negociar e fazer publicar esse anúncio, e o nº 3 diz que, com a publicação do anúncio, o oferente fica obrigado a lançar à oferta, a fazê-lo em condições não menos favoráveis que as publicitadas a requerer à CMVM o registo da oferta, portanto, o direito à alienação dos títulos pelos respectivos portadores nas condições da oferta pública da aquisição deriva da deliberação do Conselho de Administração da entidade oferente e da respectiva publicitação no anúncio preliminar de lançamento da oferta e, como é regra do nosso Direito quanto a outros registos, este registo da OPA na CMVM não têm carácter ou valor constitutivo, mas apenas especial valor probatório, além de prosseguirem o importante objectivo de proporcionar segurança e confiança ao comércio jurídico dos bens registados.
Realmente trata-se de um especial registo comercial, e em relação ao registo comercial em geral dispõe o respectivo Código aprovado pelo DL n.º 403/86 de 3.12, no artigo 11º, que “o registo definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
Daqui resulta não apenas que o registo da oferta não confere a faculdade de a realizar, mas também que as irregularidades do registo, ou mesmo a sua falta, não determinam a invalidade da oferta, nem das transmissões de acções que no seu âmbito se processem. (...)
Ora, se é certo que a realização da OPA depende do respectivo registo prévio na CMVM – art. 538º nº 1 do CMVM - tal não significa que a oposição judicial ao respectivo lançamento dependa do registo, mas simplesmente que a CMVM a considera, em princípio, conforme a legislação aplicável, de tal modo que pode ser levada ao registo, como está expresso no artº 543 nº 2, e decorre, também, da regra habitual de os registos não concederem nem retirarem direitos.
De resto, os recorrentes podiam ter impugnado nos tribunais cíveis a deliberação do Conselho de Administração da sociedade requerente do registo, de emitir a oferta pública de aquisição, e, depois de anulada aquela deliberação, poderiam retirar consequências quanto à insubsistência do respectivo registo.
O acto de registo da OPA é uma condição de regularidade, não de validade, uma vez que o artº 670º nº 2 do CMVM sujeita os responsáveis pela realização de OPA realizada sem prévio registo a responsabilidade contra-ordenacional, enquanto do nº 15 do mesmo artigo, em conjugação com os artigos 313º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais e 531º do CMVM, resulta que o incumprimento das regras legais impõem em determinados casos que a compra e venda de acções de uma sociedade deve revestir a forma de oferta pública, importa impedimento, durante cinco anos, ao exercício dos direitos inerentes às acções adquiridas, mas não impede a exigência das respectivas obrigações, sem embargo de os alienantes poderem exigir dos adquirentes indemnização dos prejuízos sofridos, sem nunca se indicar como sanção da irregularidade a invalidade das transmissões, antes estando pressuposta a respectiva validade, na cominação da sanção específica do citado impedimento.(...).”
Em anotação a este acórdão diz Fazenda Martins in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários nº 1 disponível no site da CMVM campo de publicação:
“...O Tribunal apoia-se no carácter não constitutivo do registo da oferta pública de aquisição, concluindo que o registo é mera condição de regularidade da oferta. Argumentos para essa doutrina encontra-os o acórdão, entre outros, nos art°s 670º, nº 2, 670º, nº 15 e 531° (na sua redacção anterior, conjugada com o art° 313º do Código das Sociedades Comerciais) do Código do Mercado de Valores Mobiliários.... Dos dois últimos preceitos retira-se que uma aquisição realizada sem o lançamento de OPA, quando ela fosse obrigatória, não é inválida. Antes, a aplicação da sanção que consiste na inibição de direitos, sem desoneração das obrigações, demonstra precisamente que as aquisições efectuadas que devessem ser a forma de OPA são válidas. Por isso (parece ser este o raciocínio inerente ao acórdão), igualmente válidas serão as aquisições por OPA sem registo prévio os CMVM, ou cujo registo prévio venha a ser anulado, cominando-se apenas a sanção contra-ordenacional contida no primeiro preceito citado...
No caso de oferta pública de aquisição lançada sem registo, o problema poderá colocar-se de outra forma. A concessão de registo de uma oferta pública de aquisição significa, que a OPA e as suas condições são conformes às regras legais e regulamentares vigentes (art° 543°, nº 2). Essas regras visam, entre outras finalidades, tutelar a posição dos destinatários da OPA. Por isso, poderia dizer-se que a realização da OPA sem registo, ou com registo com vícios, lesaria os accionistas que participaram na transacção, pelo que a eventual invalidade dos negócios não seria solução a enjeitar liminarmente.
Torna-se necessária a consideração de outros preceitos legais, tarefa que, diga-se já corrobora e sustenta e jurisprudência agora firmada pelo Supremo Tribunal.
Desde logo temos de considerar uma diferença essencial entre a OPA sem registo e a OPA cujo registo está ferido de invalidade.
No primeiro caso...as posições dos investidores não serão lesadas...Já nos casos de concessão de registo que sofre de invalidade não se poderá contar com o poder de retirada da oferta como meio de tutela dos investidores” mas acaba por concluir que “Se a tutela ressarcitória for suficiente para garantir a posição dos titulares dos valores mobiliários que tenham aceite a oferta, então as aquisições de valores mobiliários da OPA com registo anulado não poderá ser tratada diferentemente das que se processem numa OPA sem registo. Contudo, e tal é salientado pelo S...T....pode pedir-se a anulação de um registo por razões que não têm a ver com o seu conteúdo, pelo que seria afinal pouco adequado para os alienantes dos valores mobiliários a ligação da sorte dos negócios efetuados à de um registo inválido por qualquer vício de forma, e por isso mesmo, anulado.”
Ou seja, e no caso de invalidade de registo (já que, como vimos, a questão não se coloca quanto à recusa de registo) estando em causa o conteúdo da OPA não é o ato de registo que lesa qualquer destinatário mas como já supra referido a deliberação da sociedade e quando estejam em causa vícios formais as irregularidades do registo não determinam a invalidade da oferta, nem das transmissões de ações que no seu âmbito se processem.
O art. artigo 531.º do CMVM que regula as consequências da falta de realização de uma oferta obrigatória é regulada no C. de Valores Mobiliários no art. artigo 192.º que dispõe:
“Inibição de direitos
1 - O incumprimento do dever de lançamento de oferta pública de aquisição determina a imediata inibição dos direitos de voto e a dividendos inerentes às acções:
a) Que excedam o limite a partir do qual o lançamento seria devido;
b) Que tenham sido adquiridas por exercício de direitos inerentes às acções referidas na alínea anterior ou a outros valores mobiliários que confiram direito à sua subscrição ou aquisição.
2 - A inibição vigora durante cinco anos, cessando:
a) Na totalidade, com a publicação de anúncio preliminar de oferta pública de aquisição mediante contrapartida não inferior à que seria exigida se o dever tivesse sido cumprido atempadamente;
b) Em relação a cada uma das acções referidas no número anterior, à medida da sua alienação a pessoas que não estejam em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 20.º
3 - A inibição abrange, em primeiro lugar, as acções de que a pessoa obrigada ao lançamento é titular directo e, sucessivamente, na medida do necessário, aquelas de que são titulares as pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 20.º, segundo a ordem das respectivas alíneas, e, em relação a pessoas referidas na mesma alínea, na proporção das acções detidas por cada uma delas.
4 - São anuláveis as deliberações dos sócios que, sem os votos inibidos, não teriam sido aprovadas.
5 - Os dividendos que tenham sido objecto de inibição revertem para a sociedade.
Por outro lado a recusa de registo é feita nos termos do artigo 119.º
“1 - O registo da oferta é recusado apenas quando:
a) Algum dos documentos que instruem o pedido for falso ou desconforme com os requisitos legais ou regulamentares;
b) A oferta for ilegal ou envolver fraude à lei.
2 - Antes da recusa, a CMVM deve notificar o oferente para suprir, em prazo razoável, os vícios sanáveis.”
Pelo que, o facto de estar em causa uma OPA obrigatória não interfere com a natureza privatística da mesma.
Por outro lado, o ato de registo em si mesmo (registo n.º 8.845), como mera operação material de execução de ato é, pela sua própria natureza, também irrecorrível.
É, pois, de manter a decisão recorrida quanto à inexistência de conteúdo decisório e de efeito lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos, e consequentemente, quanto à inexistência de ato administrativo suscetível de impugnação contenciosa, nos termos do art 268º, nº 4 da CRP e do art.º 25º, nº 1 da LPTA.
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Fica, assim, prejudicado o conhecimento da ilegitimidade do aqui recorrente, face à falta de objeto e irrecorribilidade dos demais atos recorridos.
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LITIGÂNCIA MÁ-FÉ
Alega o recorrente que ocorre litigância de má fé da autoridade recorrida limitando-se a remeter para a factualidade referida na decisão recorrida.
Decidiu-se nesta que:
“Os presentes autos não iniciam qualquer comportamento, por parte da Recorrida CMVM, suscetível de corresponder a qualquer das condutas tipificadas como litigância de má fé no artigo 456.º do CPC (na versão anterior à Lei n.º 41/2013, à data em vigor). No máximo, poderá dizer-se que a Recorrida adotou um tom forte e cortante em algumas peças processuais, o que, aliás, é comum a algumas peças do Recorrente.
A inexistência de tais comportamentos, processualmente censuráveis, resulta evidente da própria alegação do Recorrente, que, na verdade, não fundamenta a invocada litigância de má fé em condutas processuais da Recorrida, no âmbito do presente recurso, mas antes em alegados comportamentos adotados pela CMVM fora do âmbito desta relação processual e, na maioria dos casos, supostamente ocorridos antes da entrada em juízo da petição de recurso.”
Estabelece o art. 456º do C.P.C. que:
"1. Tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3. Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, é admitido recurso em grau, da decisão que condene por litigância de má fé".
Resulta deste preceito que, para as partes não incorrerem nestas sanções, deverão litigar em respeito pelos princípios da boa fé, verdade material e cooperação previstos nos arts. 8º do CPTA, 266º e 266º-A do C.P.C., no sentido da realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objecto do litígio.
Daí que se vise punir quem, com artimanha, queira levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, com desrespeito pelos princípios supra referidos ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a ação da justiça.
E essa punição será a da sua condenação como litigante de má fé.
Como resulta do supra referido, a conduta da parte, para que possa integrar-se no conceito de litigância de má fé, deve ser viciada por dolo ou negligência grave não abrangendo as situações de erro grosseiro ou lide ousada ou temerária em que alguém possa ter caído por mera inadvertência.
A propósito escreveu Prof. J. Alberto dos Reis (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 263) que "(...) não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada (...)" e, ainda, que a "(...) simples proposição da acção ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que o autor faça um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; e que o réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir".
Neste sentido tem decidido o S.T.J., sendo que entre a jurisprudência daquele Tribunal, temos o acórdão de 11/04/2000 - Revista n.º 212/00, 1ª, onde se escreveu que "(...) a condenação por litigância de má fé pressupõe a existência de dolo, não bastando uma lide temerária ou ousada ou uma conduta meramente culposa".
Também este STA no acórdão de 18/10/2000 (Proc. n.º 46.505 - in: «www.dgsi.pt/jsta») sustentou que “A multa por litigância de má fé destina-se a sancionar aqueles casos em que as partes, tendo agido com dolo ou negligência grosseira, tenham incorrido nalguma das interacções tipificadas na alínea a) a d) do n.º 2 do art. 456º do CPC”, sendo no seu sumário se pode ler ainda que “A liberdade que orienta as partes ao nível da defesa dos seus direitos tem como pressuposto o necessário conhecimento da justiça das suas pretensões; (…) A sustentação de teses controvertidas na doutrina ou a defesa de interpretações, sem grande solidez ou consistência, das normas jurídicas, não se subscreve no conceito de lide dolosa.”
Assim, se formos colocados ante situação pouco definida na lide (entre dolosa ou temerária), por os elementos disponíveis para o efeito não serem suficientemente elucidativos para que possa concluir-se com segurança, pela existência de dolo, a condenação por litigância de má fé não deve decretar-se.
É que o manifesto gravame jurídico-social que se lhe associa impõe que não haja dúvidas ao qualificar-se a conduta da parte como dolosa ou gravemente negligente
Ora, a factualidade relevante não poderá ser outra senão a da factualidade provada e desta, como acertadamente se diz na douta sentença recorrida, não se indicia qualquer comportamento suscetível de corresponder a qualquer das condutas tipificadas como litigância de má fé no art. 456º do CPC.
Efetivamente não resulta da matéria de facto dos autos que a autoridade recorrida, como pretende o recorrente, tenha deduzido pretensão e oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar, alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a boa decisão da causa ou tido um comportamento continuado, que permitiu que o B............ e a G............ mentissem e ocultassem factos relevantes ao mercado.
Aliás, este fundamentos nem se referem propriamente a comportamentos processuais no âmbito deste processo donde resulte qualquer atitude reprovável da autoridade recorrida, mas antes a comportamentos adotados pela CMVM fora do âmbito desta relação processual.
Pelo que, bem andou a decisão recorrida ao considerar que não ocorriam os pressupostos para a condenação como litigante de má-fé da aqui autoridade recorrida.
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Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 400 euros.
R. e N.
Lisboa, 18 de Junho de 2015. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa ReisCarlos Luís Medeiros de Carvalho.