Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0662/10
Data do Acordão:09/08/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:RECLAMAÇÃO GRACIOSA
NOTIFICAÇÃO DEFICIENTE
RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do CPC).
II - A reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT não é o meio processual adequado para reagir contra o indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de tributos.
III - A convolação para a forma de processo adequada não deve ordenar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, se a petição é intempestiva para o efeito, pois logo haveria lugar a indeferimento liminar por extemporaneidade.
IV - Para reagir contra uma eventual notificação irregular, dispunha o recorrente do mecanismo legal previsto no artigo 37.º do CPPT, no prazo aí estabelecido, ou seja, dentro do prazo para recurso ou impugnação que da decisão da reclamação graciosa cabia.
Nº Convencional:JSTA00066566
Nº do Documento:SA2201009080662
Data de Entrada:08/25/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Indicações Eventuais:DIR PROC FISC GRAC - RECLAMAÇÃO ORDINÁRIA. / DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART660 N2 ART668 N1 D.
CPPTRIB99 ART37 ART276 ART277 ART278.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC19/07 DE 2007/04/11.; AC STA PROC989/09 DE 2010/01/20.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão do Mmo. Juiz do TAF de Braga que, atento o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação dos presentes autos noutra forma de processo, declarou a nulidade de todo o processado e absolveu a Fazenda Pública da instância, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
a) A douta sentença incorreu, por falta de fundamentação ou abstendo-se de pronúncia, em nulidade prevista no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT.
b) E o que se pretendia dado como provado era uma pronúncia sobre a nulidade da notificação de indeferimento da reclamação graciosa, por falta de requisitos do título executivo.
c) Deve, consequentemente, ser anulada, com a consequente baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para reforma da decisão, nos termos do n.º 2 do art.º 731.º do CPC.
d) Pelo que se impunha uma decisão judicial distinta e contrária da que foi proferida, e aqui se procura ver revogada.
e) Por sua vez, o n.º 9 do art.º 39.º do CPPT dispõe que “O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”.
f) Na verdade, a citação ao executado em 2009.11.05 não foi regulamente citada nos termos do n.º 2 do art.º 36.º e n.º 9 (era o anterior n.º 8) do art.º 39.º, ambos do CPPT.
g) No caso em análise, o Chefe de Finanças em substituição assina a notificação, mas não menciona expressamente (como legalmente devia) que o mesmo é praticado no uso do instituto da delegação/subdelegação de poderes, por isso, não o fez no uso de competência própria.
h) Impõe-se reconhecer que a mesma padece de invalidade, nomeadamente inexistência jurídica – o que se pede – e, assim sendo, todo o processado subsequente tem que, necessariamente, ser anulado.
i) O que, salvo o devido respeito e melhor opinião, invalida o acto e toda a tramitação subsequente – nulidade (art.º 39.º do CPPT).
j) As nulidades insanáveis no processo de execução fiscal podem ser arguidas até ao trânsito em julgado da decisão final, nos termos do art.º 165.º, n.º 4 do CPPT.
k) No caso sub judice, a arguição da falta de requisitos essenciais do título executivo é tempestiva, porquanto o processo de execução fiscal está pendente, pelo que o tribunal a quo tem o dever de apreciar o mérito do incidente.
l) O despacho recorrido, incorrendo em erro na determinação do direito aplicável, violou clamorosamente o estatuído no art.º 165.º do CPPT.
m) A ocorrência de um vício de forma no procedimento de reclamação graciosa, como é o caso da arguição da falta de requisitos essenciais do título executivo – nulidade da citação, não projecta efeitos anulatórios sobre o acto tributário de liquidação que antecede, antes conduzindo à anulação da respectiva decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
Nestes termos e nos demais de direito,
E com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e. consequentemente, ser revogada a sentença a quo, devendo conhecer o mérito da reclamação e ordenar uma nova notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, até decisão do pleito.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
Com dispensa de vistos vêm os autos à conferência.
II – Mostra-se assente a seguinte factualidade:
1- O ora reclamante apresentou no SF competente reclamação graciosa contra as liquidações de IVA dos anos de 2004 e 2005, o que deu origem ao processo de reclamação graciosa n.º 3476200904000811.
2- Através de carta registada com aviso de recepção assinado a 06-11-2009, foi o ora reclamante notificado do indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada.
3- Em 18-05-2010 o ora reclamante apresentou um requerimento em que alegava a irregularidade da notificação supra referida.
4- Através de carta registada com aviso de recepção assinado a 20-05-2010, foi o ora reclamante notificado do indeferimento do requerimento supra referido.
5- Em 21-05-2010, o ora reclamante apresentou novo requerimento, onde voltou a arguir a irregularidade da mesma notificação.
6- Através de carta registada com aviso de recepção assinado a 26-05-2010, foi o ora reclamante notificado do indeferimento do requerimento supra referido.
7- Em 04-06-2010 deu entrada a p.i. que deu origem aos presentes autos, que tem como objecto a decisão de indeferimento referido em 2.
III – Vem o presente recurso interposto da decisão do Mmo. Juiz do TAF de Braga que, atento o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação dos presentes autos noutra forma de processo, declarou a nulidade de todo o processado e absolveu a FP da instância.
Invoca, desde logo, o recorrente ter havido omissão de pronúncia porquanto na decisão recorrida o Mmo. Juiz a quo não apreciou a nulidade da notificação de indeferimento da reclamação graciosa, por falta de requisitos do título executivo.
Vejamos. O recorrente imputa à decisão recorrida a nulidade enquadrável na alínea d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC por não ter conhecido de questão que ele pretendia ver apreciada.
Tal nulidade verifica-se quando o tribunal, de facto, deixe de se pronunciar sobre questões sobre as quais se deveria ter pronunciado.
Esta nulidade está conexionada com os deveres de cognição do Tribunal, previstos no art. 660.º, n.º 2, do CPC, em que se estabelece que o juiz tem o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, no caso em apreço, tendo o recorrente vindo reclamar, nos termos dos artigos 276.º a 278.º do CPPT, de decisão proferida pelo chefe de finanças de Guimarães 2 que considerara não ser nula a notificação que lhe fora feita na sequência de reclamação graciosa em que se questionava a legalidade da liquidação de IVA dos anos de 2004 e 2005, entendeu o tribunal recorrido que a forma processual utilizada não era a adequada à tutela da pretensão judicial formulada pelo que, nessa perspectiva, não podia conhecer da questão suscitada pelo reclamante.
Trata-se de apreciação jurídica que poderia até ser discutível e envolver erro de julgamento mas não omissão de pronúncia.
Daí que improceda, nestes termos, a alegada nulidade.
Por outro lado, nas alegações apresentadas é patente a confusão entre a notificação verdadeiramente efectuada ao recorrente na sequência de indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada e a falta de requisitos de um título executivo e a irregularidade de uma citação que nos presentes autos nunca tiveram em causa e se desconhecem em absoluto.
Na verdade, o que sucede é que o ora recorrente tendo apresentado reclamação graciosa contra as liquidações de IVA dos anos de 2004 e 2005 esta foi indeferida e desse indeferimento foi o mesmo notificado a 06-11-2009, conforme resulta do probatório, e só em 18-05-2010 apresentou um requerimento em que alegava a irregularidade da notificação supra referida.
E, assim sendo, não há dúvida que para reagir contra essa eventual notificação irregular, dispunha o recorrente do mecanismo legal previsto no artigo 37.º do CPPT no prazo aí estabelecido, ou seja, dentro do prazo para recurso ou impugnação que da decisão da reclamação graciosa cabia.
Não o tendo feito em devido tempo e só agora tendo vindo reagir e da forma como o fez é evidente que a forma processual adoptada não é a adequada à tutela da pretensão judicial formulada, além de não ser possível, também, por outro lado ordenar a sua convolação.
Na verdade, como é jurisprudência consolidada deste STA, a convolação para a forma de processo adequada não deve ordenar-se, sob pena da prática de actos inúteis, proibida por lei, se a petição é intempestiva para o efeito, pois logo haveria lugar a indeferimento liminar por extemporaneidade (v., entre outros, os acórdãos de 11/04/07 e de 20/01/10, proferidos nos recursos n.ºs 19/07 e 989/09, respectivamente).
Razão por que a decisão recorrida que assim entendeu se deva, por isso, manter na ordem jurídica, improcedendo, na íntegra, as conclusões das alegações de recurso apresentadas.
IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 8 de Setembro de 2010. – António Calhau (relator) – Miranda de Pacheco – Pimenta do Vale.