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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0707/04
Data do Acordão:11/30/2004
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL.
DECISÃO.
DESPACHO.
NULIDADE INSUPRIVEL.
AUDIÇÃO DO ARGUIDO.
MINISTÉRIO PÚBLICO.
FALTA DE AUDIÇÃO DO ARGUIDO E DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Sumário:I – No recurso de aplicação de coima, o juiz só pode decidir por despacho depois de notificados o arguido e o Ministério Público, anunciando essa sua intenção, conforme o disposto no artº 64º, nº 2 do RGCO.
II – A indicação pelo arguido nas suas alegações de testemunhas, tal conduta traduz a sua vontade de que as mesmas sejam ouvidas em audiência de julgamento, reveladora de uma oposição inequívoca do arguido a essa forma de apreciação da causa.
III – Com a omissão de tal formalidade, o despacho enferma da nulidade insanável prevista no artº 119º, al. c) e da nulidade prevista no artº 120º, nº 2, al. d), pelo que é, assim, inválido, nos termos do disposto no artº 122º, nº 1 todos do CPP, aqui aplicável ex vi do disposto no artº 3º, al b) do RGIT.
Nº Convencional:JSTA00061204
Nº do Documento:SA2200411300707
Data de Entrada:06/18/2004
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:DL 433/82 DE 1982/10/25 ART64 N2.
CPP98 ART119 C ART120 N2 D ART122 N1.
CONST97 ART32 N1 N5 N8.
RGIT01 ART3 B.
Referência a Doutrina:SIMAS SANTOS E OUTRO CONTRA-ORDENAÇÕES ANOTAÇÕES AO REGIME GERAL 2001 PAG358.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Magistrado do Ministério Público não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que negou provimento ao recurso interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 11, que condenou a arguida A… com sede na Rua …, Lisboa, no pagamento da coima de 2.237,51 euros, por falta de entrega de IVA no montante de 11.187,55 euros, respeitante ao período de 12/99, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª O presente recurso judicial de decisão que aplicou uma coima foi decidido por simples despacho, sem que a arguida e o MP tenham sido notificados para, querendo, se oporem a tal forma de decisão.
Ora,
2ª O Juiz só pode decidir por simples despacho desde que não haja oposição quer da arguida, quer do MP (art. 64°/2 do RGCO).
3ª O que implica que tais entidades tenham que ser, previamente, notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre tal matéria.
4ª A omissão de tal formalidade consubstancia nulidade insuprível, determinante da invalidade do douto despacho recorrido (artes. 119°/f), 120°/d) e 122° do CPP).
5ª Foi, expressamente, violado o normativo inserto no art. 64°/2 do RGCO, por força do estatuído no art. 3°/ b) do RGIT.
A recorrida não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer atento o disposto no artº 109º, nº3 da LPTA, então em vigor.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A)- A escrita da recorrente foi objecto de inspecção tributária, nomeadamente aos exercícios de 1998 e 1999, conforme documentos de fls. de fls. 8 a 10, dando-se todos por reproduzidos;
B)- No âmbito de tal inspecção foram efectuadas liquidações adicionais de IVA, nos termos do disposto no art. 82º do CIVA, bem como de juros compensatórios, nomeadamente no que respeita aos períodos de 9801T, 9811T e 9912T, conforme mesmos documentos;
C)- No que respeita ao período de 9912, foi liquidada adicionalmente a quantia de € 11.187,55, conforme mesmos documentos e Auto de Notícia de fls. 3, que também se dá por reproduzido;
D)- Se a recorrente tivesse liquidado atempadamente o respectivo imposto e o tivesse também entregue atempadamente, deveria tê-lo feito até 10.02.2000, já que era o termo do prazo para cumprimento voluntário da obrigação, conforme Auto de fls. 3;
E)- Porque a liquidação não foi feita pela recorrente, a mesma foi efectuada adicionalmente pela Administração Tributária, que entendeu que se estava perante infracção e levantou o respectivo Auto em 01.08.2002, conforme documento de fls. 3;
F)- A recorrente foi notificada nos termos do disposto no art. 70º do RGIF para apresentar a sua defesa, o que fez apresentando o articulado de fls. 8 a 10 e alegando que sempre entregou em tempo oportuno e nos prazos legalmente estabelecidos as respectivas declarações de IVA e que procedeu à regularização de todas as situações que lhe foram indicadas em sede de inspecção, designadamente à substituição de Modelos C do IVA, relativamente aos exercícios dos anos objecto de fiscalização;
G)- A recorrente alega ainda que procedeu ao pagamento de todas as liquidações adicionais efectuadas nos termos do artigo 82º do CIVA em resultado da apresentação da declaração periódica de substituição, relativa a período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração (art. 16º - fls. 9);
H)- Com base nos factos acima referidos, foi proferida decisão pela qual foi aplicada à recorrente a coima de 2.237,51 €, relativamente à falta de entrega de IVA no montante de 11.187,55 € do período de 99/12, conforme decisão de fls. 16;
I)- A recorrente foi notificada da mesma decisão no dia 13.08.2003, conforme documentos de fls. 17 a 18, que se dão por reproduzidos;
J)- É dessa decisão que a recorrente veio, em 02.09.2003, apresentar o presente recurso em cujas alegações alega, em síntese, o que alegou em sede de defesa nos termos do art. 70º do RGIT, conforme douto requerimento de fls. 20 a 24, que se dá por reproduzido.
3 – O objecto do presente recurso consiste em saber se, tendo sido o recurso da decisão de aplicação de coima decidido por simples despacho sem que a arguida e o Ministério Público tivessem sido notificados para, querendo, se oporem a essa forma de decidir, tal decisão é nula nos termos do disposto no artº 120º, nº 2, al. f) do CPP, aqui aplicável ex vi do disposto no artº 3º, al. b) do RGIT.
No despacho recorrido, face aos elementos que constam dos autos, conjugados com as alegações da própria recorrente e tendo ainda em consideração que para a prática das infracções contra-ordenacionais basta a negligência, entendeu o Mmº Juiz “a quo” que não se tornava necessário proceder à produção da prova testemunhal, passando a conhecer, desde logo, do pedido.
Contra o assim decidido se insurge o Magistrado recorrente já que e no seu entender, o Juiz só pode decidir por simples despacho desde que não haja oposição quer da arguida, quer do Ministério Público, o que implica que estas entidades tenham que ser notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre tal matéria.
Vejamos se lhe assiste razão.
4 – Estabelece o artº 64º, nº 2 do RGCO que “o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham”.
Daqui ressalta que são dois os requisitos cumulativos para que o juiz possa decidir por despacho, a saber: a) o juiz não considere necessária a audiência de julgamento e b) o arguido e o Ministério Público não se oponham.
Assim, basta que um deles se oponha a que o recurso seja decidido por simples despacho, para que o julgamento seja obrigatório.
Aliás, isto representa, nos processos de contra-ordenações, a consagração do princípio constitucional do direito de audiência e de defesa previsto no artº 32º, nºs 1, 5 e 8 da CRP.
A este propósito, escrevem os Ilustres Conselheiros Jorge Sousa e Simas Santos, in RGCO, anotado, ed. 2001, pág. 358, citados pelo recorrente, que “no nº. 2 deste artigo, estabelece-se que o juiz não pode decidir por despacho quando o arguido ou o Ministério Público não se oponham.
Basta a oposição de qualquer deles para o juiz não poder decidir por despacho.
Esta oposição poderá ser manifestada pelo arguido no requerimento de interposição do recurso e pelo Ministério Público ao apresentar o processo ao juiz, devendo entender-se que constituem manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência.
No entanto, não se exigindo que eles manifestem a oposição espontaneamente nesses momentos, o juiz, no caso de não considerar necessária a audiência, deverá notificar o arguido e o Ministério Público anunciando a sua intenção de decidir por despacho, para dar-lhes a oportunidade de deduzirem oposição”.
Ora, no caso dos autos ressalta à evidência que quer a arguida, quer o Ministério Público não foram ouvidos para o efeito do disposto no predito artº 64º, nº 2, isto é, se pretendiam que o recurso da decisão que lhe aplicou a coima fosse decidido por despacho ou em consequência de audiência de julgamento.
Pelo que e deste modo, se violou o citado preceito legal.
E mesmo a admitir que o Juiz não violou tal preceito com o fundamento de que não existe norma que o obrigue a ouvir aquelas entidades sobre se se opõem ou não à decisão por simples despacho, no caso em apreço, sempre aquela decisão violaria aquele preceito, uma vez que, com a indicação pela arguida nas suas alegações de duas testemunhas, tal conduta traduz a sua vontade de que as mesmas fossem ouvidas em audiência de julgamento, reveladora de uma oposição inequívoca da arguida a essa forma de apreciação da causa (neste sentido, vide Ac. da Relação de Lisboa de 4/3/92, in Colect. Jurisp., Ano XVII, Tomo II, pág. 164).
Deste modo e com a omissão de tal formalidade, o despacho recorrido enferma da nulidade insanável prevista no art.º 119º, al. c) e da nulidade prevista no art.º 120º, n.º 2, al. d), pelo que é, assim, inválido nos termos do disposto no art.º 122, n.º 1 todos do CPP, aqui aplicável ex vi do disposto no artº 3º, al. b) do RGIT.
5 – Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso e decretar a nulidade do acto recorrido, ordenando-se a notificação da arguida o do Ministério Público de harmonia e para o efeito do disposto no art.º 64º, n.º 2 do RGCO, com a consequente audiência de julgamento.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004. – Pimenta do Vale (relator) – Lúcio Barbosa – António Pimpão.